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INSTITUTO HISTÓRICO
GEOGRAPHICO, E ETHNOGRAPHICO DO BRASIL
1* TRIMESTRE DE 1865
DIÁRIO
DA VIAGEM FEITA PELOS SERTÕES DE
GUARAPUAVA AO RIO PARANAN
Por Camillo Lellis da Silva, P. d'Armada imperial e nacional, em 28 do
Maio de ld49.
(Manuscripto ofTerecido ao Instituto peio auctor.)
Nomeado por aviso da secretaria de estado dos negócios
da marinhado 9 de Fevereiro do anno passado, para coad-
juvar os trabalhos do major do imperial corpo de engenhei-
ros Henrique de Beaurepaire Rohan, chefe da expe'dição
encarregada da abertura da estrada entre Guarapuava e o
rio Paranan, parti com minha farailia para S, Paulo no va-
por Carioca a 23 de Julho; a 30 cheguei à capital, onde
me apresentei ao Exm. Sr. presidente da provincia, tendo-
me já na corte apresentado r.o chefe da expedição. A 18 de
Agosto apresentei-me de novo ao major do mesmo corpo
de engenheiros Luiz José Monteiro, que fora nomeado pelo
governo imperial em substituição ao major de Beaurepaire
para chefe da expedição ; a 27 de Fevereiro d'este anno
partimos para a villa de Belém de Guarapuava, onde che-
- 6 -
• • •
• « . • •
gamos a.9.(l^ Abril, e d'esta Tilla partimos para o acampa*
menU^^ Cbagú em 8 de Maio, e a 23 do mesmo fiz minha
entr^*Âo sertão, como abaixo se segoe.
•.piâ'23 de Maio.— Pelas 2 h. e 30' da tarde, com tempo
.pubíado, ameaçando chova, parti do acampamento do
.Chagú, situado em 25' 19' 28" lai. S. (por observações an-
teriores a que procedi), com dezeseis sertanislas [irovidos
de armas, pólvora e chumbo, cartuxame embalado, e dos
viveres que cada um pôde conduzir, em demanda do rio
Paranan, na direcção 0.,rumo verdadeiro (sendo a variação
da agulha, que calculei no Chagú, 9** 30* NE.), seguindo
sempre a picada do major Beaorepaire até o pouso d onde
elle regressou ; e d'ahi para diante segui aquelle rumo,
segundo as inslrucções que recebi no ChagCi do chefe da
expedição. Pelas 4 horas, principiando a chover, mandei
fazer pouso pelo lado de O. da serra de João Paulo, junto a
um pequeno córrego, 1,400 braças distantes do acampa-
mento. Esta serra foi assim denominada pelo major de
Beaurepaire em memoria do general João Paulo dos Santos
Barreto, o qual, sendo ministro da guerra, expediu as
ordens pari a execução d'esta exploração. O terreno até a
serra^ ê plano, e está bastante forte para animaes de
carga. Do lado de O. da serra se estende um immenso fa-
xinai abundante em palmeiras (cocos, Sp.) aqui vulgar-
mente chamado jerivà, que bem nos serviu para a cons-
truc( ao de barracas para abrigar- nos da chuva que pouco
depois se fez sentir abundantemente. Dividi a gente em
Ires quartos, mandei accender grandes fogos em torno das
barracas, ordenei que o primeiro quarto entrasse de ronda,
conservando duas sentinellas em vigilância loJa a noite.
Dia 24.— Partimos do pouso de João l^aulo pelas 9 h. e
30' da manhã, ainda com o tempo chuvoso, e ás 3 da tarde
mandei fazer pouso junto ao ribeirão do Passa-Quatro,
distante do outro 1,802 braçâs, denomiDândo a este—
Pouso-Alegre— baptismo adaptado pela risonha perspe-
ctiva que apresenta n'est6 lugar o solo e vegetação. O ter-
reno até aqui é onduloso, composto de densos taquaraes e
cresciumas (Gramineas^Sp.) que torna difiicil o trabalho dos
picadores. O tempo tornou-se melhor, epromette boa noite.
Dia 25.— Amanheceu bom tempo; deixei de seguir para
diante por mandar caçar ; enviei seis camaradas com os
cães, voltaram à noite sem matar cousa alguma ; os outros
que ficaram no pouso tiraram algumas colméas de Gua-
raipó e Mandassaia.
Dia26.— Pelas 8 horas da manhã seguimos a direcção
da picada, atravessando mais três vezes o ribeirão do Passa-
Quatro, o qual, a 572 braças distante do Pouso-Alegre,
forma para a esquerda da picada um salto de doze pés de
altura, que denominei— Salto das Pedras Negras.— Passá-
mos successivamenle pelo impraticável morro das Pedras,
e o rio Uoché correndo veloz para o S., com oitenta palmos
de largo no passo. Pelas 2 horas da tarde mandei fazer
pouso junto a um pequeno córrego denominado do Vorá
a 1,386 braças distante do ultimo. O terreno continua
montanhoso e olTerece o obstáculo do Morro das Pedras e
rio Uoché, que torna impossivel a estrada por esse lugar,
e necessariamente tem de partir do acampamento do Chaga
mais para o N., afim de evitar estes obstáculos.
Dia 27.— Pelas 10 horas da manhã partimos do pouso do
Yorà, passámos o banhado do Tigre, ribeirão Triste, e
pelas 3 horas da tarde mandei fazer pouso junto á margem
do rio GoyoMJUchon, correndo para o S., com 60 palmos de
largo no passo, a 1,748 braças distante do Vorá. O terreno
continua montanhoso, muito abundante em madeiras de
construcção e pinheiros ( Araucária brasiliana). Em cami-
nho os cães agarraram a dentes um veado pardo (Cervus
— 8 —
DemorWagas). Pelas 7 horas da noite principioa a (íuílar
para o SE.,vindo depois uma forte trovoada de NO. e cbava»
que bem dos iucommodou toda a noite.
Dia 28.— Continua a chuva obrigando-nos a falhar. Pelas 3
horas da tarde , melhorando o tempOydei licençaaquatro cama-
radas para irem caçar. Anoite passou-se muito fria. Os cama*
radas nãovoltaramao pouso,dando-me isto bastante cuidado.
Dia 29.— Tive ainda de falhar por causa dos caçadores,
que só chegaram pelas 5 horas da tarde com uma anta (Ta-
pirus americanus) mui gorda, que mataram, a qual nos
forneceu um sadio sustento, e de delicado sabor. Esta
manhã aproveitei em visitar uma pequena ilha que forma
o Goyo-cuchon de N. a S., com 48 braças de comprido
sobre 5 de largo. A rica vegetação que a circula muito a -
formosêa, c n*ella se encontra grande cópia de quartzos
crystallisados e bellissimas agathas. A noite passou*se sem
novidade, a atmosphera mui fria.
Dia 30.— Falhei ainda hoje por causa dos cães atropel-
larem uma anta, mesmo no pouso, e a levarem para longe»
só voltando à noite.
Dia 31.— Partimos pelas 9 horas da manhã, e ao pas-
sar a grande subida formada pelo Goyo-cuchon fui acom-
mettido de um ataque de estômago, acompanhado de forte
cephalalgia, que me impossibilitou de ir mais longe; feliz-
mente, depois de longo repouso, pude chegar até o rio
Cambucica, em cuja margem, pelas 2 horas da tarde, man-
dei construir barracas, e passei uma péssima noite. Do
Goyo-cuchon a este pouso tem 936 braças; o terreno con-
tinua sempre onduloso ; as subidas mui fortes e o mato
bom. Passámos o ribeirão da Capivara correndo para o
S., e o Cambucica para ESE., com 50 palmos de largo
no passo; não obstante estar mui baixo, pareceu-me bem
caudaloso e negar o passo na estação pluvial.
— 9 —
Dia l*" de Junho.— Pela manhã partimos doCambucica,
e pelas 3 h. e 15' da tarde mandei fazer pouso na Agua
Funda, 1,020 braças distante do outro que deixámos. O
terreno continua sempre onduloso, e estas ondulações
excessivamente fortes; grandes pinheiraes se estendem
para o N. Passámos um banhado distante doCambucicá
300 braças, junto a um pequeno córrego correndo para o
S., cujas aguas, pelo gráo de calor que conservavam, as
supponho thermaes, supposição esta corroborada pela opi-
nião do major de Beaurepaire, que denominou esse lugar—
Banhado Quente.
Dia 2.— Foi necessário falhar aqui por causa de dois ca-
maradas, acommettidos d :^sde hontem á tarde, um de oph-
talmia, outro de forte cephalalgia, com calafrios etc: appli-
quei-lhes algumas doses debomoeopathia; felizmente obtive
bom resultado. Esta manhã, enviando alguns camaradas á
caça, voltaram à tarde com uma anta e quatro jacutingas
(Penélope leucolophus, Menr.) que mataram.
Dia 3.— Os dois camaradas que estavam doentes achan-
do-se com melhoras, partimos esta manhã pelas 8 h-
e30',eao anoitecer mandei fazer pouso junto a um pe-
queno córrego, 2,012 braças distante da Agua Funda, que
denominei— Pouso do Luar.— O terreno continua onduloso
e suas ondulações fortissimas; passámos o Espigão Secco»
cerrado de taquaral e cresciuma. No alto do Espigão depa-
rámos com um bando de macacos, que pareceu-me ser o
Cebus cristatus de F. Cuvier; conseguimos matar três
d'elles.
Dia 4.— Partimos pelas 7 horas da manhã do pouso do
Luar, depois de duas horas e meia de marcha viemos poo-
sar na Anta Magra, 724 braças distante do outro. Enviei
cinco camaradas com os cães a caçarem pelas 3 horas da
tarde, regressaram com uma anta. Como já havia manifes-
TOMO XXVIII, p. I. 2
— 10 —
tado o desejo que tinha de ver anta viva, os caçadores me
proporcionaram hoje este prazer : perto do pouso os cães a
encontraram, e foram acuar a poucas braças distantes n'um
poço que forma o ribeirão, e, emquanto um d'elles me veiu
avisar, os outros íicaram-a entretendo dentro d*agua até
minha chegada; via-a bem a gosto e dei-lhe o meu tiro.
Este quadrúpede, pertencente à ordem dos pachidermes,
ô dotado de prodigiosa força e muito abunda n'estes de-
sertos.
Dia 5.— Pela manhã, 8 h. e 33', partimos da Anta
Magra e viemos pousar no Taquaral, 1,148 braças distante
do outro, pelas 5 horas da tarde. O terreno sempre da mes-
ma forma, com fortes ondulações e cerrado de t^uaral.
Dia 6.— Partimos do Taquaral pelas 8 horas da manhã,
e às 2 da tarde viemos pousar no Regresso (lugar d'onde
Yoltou o major de Beaurepaire com a primeira expedição),
distante do ultimo pouso 736 braças. Passámos a serra do
Silva Machado (nome imposto pelo major de Beaurepaire
em memoria do barão de A.ntonin:i), que 6 bastante forloe
se prolonga de NO para S. E. No alto da serra mandei
descortinar o mato, e pude ver bem a bella paisagem que
se ofTerece em todo o quadrante do N., e perfeitamente di-
visei os grandes quebradôes e nevoeiros que forma o rio
Iguassú, que estimei em dezoito milhas distante de nossa
picada. Encontra-se grande abundância de pássaros em
toda a extensão da serra, como macucos, jacus e outras
espécies de gallinaceòs.
Dia 7.— Pelas 7 h. e 45* da manhã deixámos o pouso
do Regresso, e viemos pousar pelas 4 horas da tarde a
1,340 braças distante doeste, junto a um pequeno córrego
que denominei —Quina— por causa d*uma grande arvore
d'6sta espécie que ahi achámos. Passámos pelos morros
do Regresso, Lageado Comprido, e Quina, cada qual mais
- II —
forte dtí Síiibidas. O mato, composto era grande parte de
cresciumaU e, além d^isso, mui cerrado de silvados d' amo-
reira (llubas Vel.). Hoje fiodou-se-nos a farinha e sal que
traziames do fJiagú ; cousa esla bem pouco agradayeU por
termos de findar nossas explorações (quem sabe até
quando âe prolongarão ?) sem esses artigos de eitreraa
necessidade, onde não pudemos esperar nada que os subs-
titua.
Dia 8.— Esta manhã pelas 8 h. eiO' deixámos o pouso
da Quina, c k tarde pousámos junto ao rio das 3Iarrecas, 732
braças dislaale deste ultimo. O terreno que continua ainda
ondnloso,cerrado de cresciuma e silvados, torna morosíssi-
mo o trabalho da picad:i ; atravessámos o rio das Marrecast
com iO palmos de largo, correndo para SO. Os caçadores»
mui próximo ao passo do rio, encontraram rasto fresco de
um tí^íre (nome que vulgarmente se dá por aqui a todas as
grandes espécies do género Félix) , segui ram-o com os cães;
infelizmente no meio da acuaçãa o Tigre conseguiu malar*
nos um dos melhores cães e fugir. Tivemos de passar boje
simplesmente a palmito assado.
Dia í). — Cjmo os camaradas infermaram-meque linbam
encontrado no rio bons poços para acuador das Antas, e
rasto fresco delias» e que por causa do tigre e qne Qão pu-
deram caçar estas, deteríuinei falhar e envial-os á caça,
mandando lambem alguns em catad*abelheiras e palmitos :
com elíeito pouco depois das 5 horas da tarde regressaram
os primeiros Cíjm duas antas mui gordas que mataram, e
os líutros a^m mtd de diversas coimèas que acharam, e pai-
milostmanjares estes que devorámos com deUciâ,
Dia ilK— Esta manhã cc m tempo ameaçando dhuva par-
timos pelas 8 h. e W\ e à tarde viemos pousar a 1J84 bra-
ças distante d'este uUimo,n*um lugar que denominei — Volta
Gramlií— t*mi':oníM'quem'ia do rio daí^ Marr*icas qiie,eorlanilo
— 12 —
a nossa picada doas vezes, descreve uma grande curva en-
tre o primeiro e segundo passo, onde nos achámos, cor-
rendo esle para N N O. O terreno continua sempre ondu-
loso, mato limpo e abundante em madeiras de differentes
espécies. Em caminho os cães agarraram um veado da fa-
mília dos cervus nemorivagus.
Dia 11. —Esta manhã partimos pelas 8 horas, e às 4
da tarde mandei fazer pouso junto ao rio dos Tigres, 1,720
braças distante da Volta Grande. Passámos ainda uma ter-
ceira vez o rio das Marrecas com 55 palmos de largo, cor-
rendo para o S O., passámos mais o morro dos Tigres, e rio
do mesmo nome com 88 palmos de largo no passo que, cor-
rendo para E com rapidez, forma bacias consideráveis.
Dia 12. — Em consequência do mato ser mui cerrado
d'espinhos e cresciumas não pudemos ganhar mais que a
outra volta do rio dos Tigres, 560 braças distante do pri-
meiro passo, que denominei— Má Ventura — pela fome que
soffrômos nos dois dias que tivemos de ahi demorar-nos I
N'este segundo passo o rio conserva a mesma largura do pri-
meiro e corre paraN N O. O terreno continuada mesma for-
ma onduloso, e a mesma vegetação. Apenas tivemos três
jacutingas, e alguns pahnitos,que tudo, depois de assado, fiz
repartir igualmente por todos, rações estas, que por insuf-
ficientes para estômagos famintos, não deu-nos noite muito
agradável.
Dia 13. — Ainda quiz me demorar hoje aqui para man-
dar caçar, pelo estado de fome em que nos achámos. Dis-
persei os camaradas, ficando apenas no pouso com três para
guarda do mesmo ; ao anoitecer voltaram todos, e infeliz-
mente nada conseguiram trazer, dando-nos a fome péssima
noite de soffrimentos.
Dia 14.— Partimos logo cedo do tal pouso desventurado,
e pelas 2 horas da tarde mandei pousar junto á terceira
- 13 -
volta do rio dos Tigres a 980 braças, distante da segunda,
lugar este que denominei— Pouso dos Cedros — pelas arvo-
res d' esta espécie (Cedrela,Sp.)que encontrei na margem do
rio. Em caminho matou- se dois veados pardos, que, com
uma profusão de palmitos que encontrámos na margem
do rio, indemnisou-nos do aturado jejum a que estávamos
reduzidos.
Dia 15 — Partimos do pouso dos Cedros pelas 8h. e
10' da manhã, e às 3 da tarde viemos pousar junto ao ri-
beirão que denominei — Pàos amargos—, em consequência
das muitas arvores pertencentes á espécie Guaiacum
vulgarmente (pào santo) que encontrei n'este lugar, a 968
braças -distante do ultimo que deixámos. A 50 bra-
ças distante do pouso dos Cedros atravessámos o ribeirão
dos Pâos Amargos na sua confluência com o rio dos Tigres,
formando uma barra de 6') palmos de largo, e correndo
para o S. Os caçadores que, mal fizemos pouso, seguiram
com os'cães para caçar, não voltaram, dando-me bem cui-
dado ; por fortuna tivemos dois jacus e alguns palmitos,
o que^foi a cêa de todos-
Dia 16.— Por causa dos caçadores, que desde hontem
não voltaram, não pudemos seguir esta manhã para diante.
Só às 5 horas da tarde chegaram os caçadores ; nada mata-
ram ; apenas trouxeram um pouco de mel e palmito, que
foi o alimento que tomámos em todo o dia. A's 11 horas da
noite principiou a fuzilar no quadrante de SC, sobrevindo
pouco depois uma forte trovoada e chuva, que nos incom-
modou até agora.
Dia 17.— Por causa do máo tempo, que desdç hontem á
noite não tem ci'Ssado, deixámos de seguir para diante.
Dia 1:^.-0 tempo, que hontem todo o dia se conservou
chuvoso, amanheceu hoje bom ; e pelo estado de fome em
que {nos achámos ainda {mandei tentar uma caçada ; infe-
- 14 —
lizmeDte, depois das 5 horas da tarde chegaram os caçado-
res sem terem morto cousa alguma .
Dia 19.— Amanheceu outra vez máo tempo, chuva; as-
sim mesmo seguimos para diante, e pelas 3 horas da tarde
fizemos pouso junto à Ribeirinha, 1,400 braças distante dos
Páos Amargos ; passámos o morro, que denominei dos Páos
Amargos, que é bastante extenso e forte, de subida pelo
lado de E., e quasi impraticável pelo de O. A Ribeirinha
corre na direcção de S., e no passo tem 45 palmos de largo.
O terreno continua da mesma forma ondaloso, e na direc-
ção da picada divisa-se bastante madeira de construcçao de
differentes espécies.
Dia 20.— Continua o mào tempo ; não foi possível seguir-
mos hoje para diante, dispersei a gente toda para caçar e
melar, voltando os caçadores pelas 4 horas da tarde com
uma anta mui gorda que mataram, e algum mel de diffe-
rentes colméas, dando-nos estas provisões ben contenta-
mento. Pelas 11 horas da noite sobreveiu grande trovoada
no quadrante de SO., e chuva que aturou até pela manhã.
Dia il .— O máo tempo nos não deixou hoje ainda seguir
para diante.
Dia 22.— Partimos da Ribeirinha pelas 8 horas da ma-
nhã, com tempo ainda ameaçando chuva, e às 2 da tarde
mandei fazer pouso junto a um pequeno córrego, 960 bra-
ças distante do ultimo que deixámos, o qual denominei
córrego e pouso do Putingal, em consequência da vegeta-
ção, que não consta de outra cousa n*este lagar que a tal
putinga (Graminea,Sp.). O terreno continua da mesma for-
ma que tenho notado, e aqui especialmente forma diversos
quebradões, quasi impraticáveis, que necessariamente tem
de se desviar da direcção da estrada que se projecta. A
chuva e trovoada não tém cessado.
Dia 23.— Ainda com tempo chuvoso partimos pelas
— 15 —
8 horas da manhã, e á tard6 mandei f^izer pouso junto a
um paqueno córrego, que denominei S. João, 1,448 braças
distante do Pulingal. Passámos ainda vários quebradões e
pela extremidade de uma importante serra, que denominei
Serra do Ponte Ribeiro, em memoria do reconhecido inte-
. resse que tem tomado por esta expedição o conselheiro
Duarte da Ponte Ribeiro. De NO. a SE. , que consideravel-
mente se estende esta serra com importantes ramificações
(como os grandes morros dos Pàos Amargos e Congonhas), é
cortado a E. pelo rio dos Tigres, e a O. pelo das Congo-
nhas, e por este lalo que passámos notei grande quanti-
dade de madeiras, como extraordinárias perovas (Âspidos^
permus,Sp.), cedros (Cedrela, Sp.), ele, e varias arvores de
paina (Bombas venlricosa).
Dia 24. -Pela manhã partimos ás 8 horas, e ás 2 da tarde
mandei fazer pouso junto ao ribeirão da Geada (assim deno-
minado peio commandante da bandeira, que por ordem do
major de Beaurepaire fez esta exploração, em consequên-
cia de uma farte geada;que sofíreram n'este lugar), distante
do ultimo pouso que deixámos 978 braças. Continua nossa
picada pelas ramificações da serra do Ponte Ribeiro ; ainda
notei aqui alguns raros pinheiros (Araucária brasiliana) e
em alguns lugares o maio é cerrado de cresciuma e silva-
dos de amoras.
Dia 23.— Tive de falhar hoje para mandar caçar. En-
viando esta manhã seis camaradas com os cães para esse
fim, não voltaram ao pouso, e pelas 7 horas da noite man-
dei dar três tiros,afim de ver se respondiam, para conhecer
a distancia em que se achavam de nós ; foi inlructifero, não
responderam I Deixou-me islo bem cuidadoso.
Dia 26.— Muito cedo enviei três camaradas em procura
dos seis que se achavam á caça por me ter afQicto muito com
a ausência d'elles. São 10 horas da manhS,acabam de chegar
— 18 —
nomicas, como convinha, por causa da densa floresta que à
cobre, a qual era necessário descortinar,, e o estado physi-
CO dos camaradas não dar para empenhar-me n*este traba-
lho, que só na factura do picadâo poderá ter lugar.
Dia 4.— Partimos pelas 8 horas da manhã do pouso dos
Palmitos MoUes, e às G da tarde mandei fazer pouso junto
ao córrego dos Patinhos, a 4,072 braças distante do de
onde partimos. O terreno percorrido não é praticável para
estrada, principalmente em toda a extensão da serra de
Mont' Alegre, que é cheia de grutas e precipicios : necessa-
riamente se deve desviar ella para o N. em diiTerentes
pontos.
Dia 5. —Quando pela manhã nos dispuzemos a partir,
principiou a chuva mui forte, obrigando-nos a falhar e
mandar construir barracas. Um dos camaradas junto ao
córrego matou um bonito macuco (Tinamus brasiliensis»
Lath).
Dia G.— Pelas 5 horas da tarde viemos pousar junto ao
rio das Palmeiras, 2,616 braças distante dos Patinhos. O
terreno n'esta extensão percorrida não offerece obstáculo
algum para a construcção de uma boa estrada. Passámos o
rio Goyo-Capró (assim denominado no dialecto caegang,
pela cor negra de suas aguas), correndo para E., com 180
palmos de largo, cortando pelo lado de O. a serra do Mon-
fÀlegre, dando-lhe de extensão (E. a O.) doeste ao rio Bo-
nito á 3/4 léguas e oS braças ; igualmente passámos o rio
das Palmeiras, cuja corrente para SE. é veloz, com 160
palmos de largo no passo, formando a 20 léguas para baixo
d'este um salto de considerável altura.
Dia 7.— Falhei para mandar caçar hoje aqui pelos ves-
tígios frescos de anta que se encontraram, enviando seis
camaradas esta manhã com os cães, os quaes até agora (7
da noite) não voltaram.
— ly —
Dia -8.— Esta manhã (9 horas) chegaram os caçadores
' que pernoitaram fora do pouso, trouxeram 1 anta e 3
porcos do mato (Dicotyles Torquatus F. Cuv.), 2 socos
rajados (ardea tigrína) e 1 jacutinga. O pratico, que tam-
bém tinha ido caçar com os demais camaradas informou-
nos que este rio depois d*algumas voltas, e formar duas
cachoeiras d^allura regular vai fazer barra ao S. E. com o
Goyô Caprõ, e n'eUe se encontra abundância de lontras
(Lutra brasiliensis).
Dia 9.— Á*s 5 horas da tarde mandei fazer pouso junto a
um pequeno córrego, que denominei das —Abelheiras —
pela enorme quantidade de coiméas que encontrámos em
roda do pouso. Fica este distante do rio das Palmeiras
2,9*24 braças ; passámos ainda a segunda e terceira volta,
d'este rio, correndo aquella para E. N. E. com 120 palmos
de largo no passo, e esta com 180. No pouco espaço que
nos demorámos n'este pouso tiraram-se 11 colmêas de
mandagoahy, deixando ainda porção de mel nos favos por
não termos em que conduzir.
Dia 10.— Pelas 3 h. e35' da tarde pousámos junto aos
— Dois Ribeirões — 2,644 braças distante das Abelheiras.
O terreno percorrido do ultimo pouso até aqui continua
bom, o mato fornido em variada cópia de madeiras de
construcçao ; passámos o ribeirão do Guaraipo, correndo
para S. E«, e a 50 passos d*este se acha outro ribeirão, que o
denominei das— Pedrinhas— correndo para E. vindo desa-
guar no Guaraipo. Matou^e 1 veado pardo, 2 jacutingas,
e tiraram-se varias colmêas.
Dia 1!. — Pelas 3 horas da tarde mandei fazer pouso
junto aos Três Córregos 2,828 braças distante dos Dois Ri-
beirões. O terreno continua bom, Qçmposto de grandes
palmitaes molles, e madeiras de construcçao.
Dia 12. — Pelo meio-dia mandei fazer pouso junto ao ri-
- 20 --
beirão dos Pãos Papados, 608 braças distante dos Três Cór-
regos, para caçar, pelos vestígios frescos d'aata que encon-
trámos. A infinidade de pecegueiros bravos que encontrá-
mos nas margens d*este ribeirão, e todos com grandes
protuberâncias pelo tronco, fez com que os denominasse—
Pàos Papudos— .
Dia 13. — Falhámos hoje por causa de dois camaradas
que adoeceram. Matouse 6 tucanos arassarys (Pheroglos-
sus).
Dia 14.— Os dois camaradas continuam ainda comos
mesmos incommodos, não obstante algumas doses de ho-
moeopathia que appliquei-lhes. Toda a noite trovejou no
quadrante de N. O, cora chuva forte.
Dia 15.— Os camaradas hoje se acham com melhoras,
porém deixamos de seguir pelo mào tempo que ainda con-
tinua.
Dia 16.— Partimos assim mesmo com mau tempo, e pe-
las 3 horas da tarde viemos pousar na Ántinha, distante
495 braças dos Pàos Papudos. Em caminho os cães perse-
guiraní uma anta pequena, que os camaradas a vieram ma-
tar junto ao pouso, dando-lhe assim nome. A' noite cessou
de chover.
Dia 17.— Pelas 8 horas da manhã partimos d*Antinha, e
às 3 h. 30' da tarde mandei fazer pouso juntoao rio da Man-
dassaia 1,242 braças distante do ultimo que deixámos. Foi
denominado este rio — Mandassaia — em consequência de
uma colmèa mui grande que se tirou junto á sua margem,
assim vulgarmente chaihada ; no passo elle tem 140 palmos
de largo, correndo com alguma velocidade para S. 0. Esta
manhã, ao deixar-mos o pouso da Antínha, a pouco mais
de um quarto de légua, um dos camaradas feriu-se grave-
mente entre ambas as vias de uma queda que levou sobre
um estrepe ; appliquei-lhe alguns glóbulos d'arnica, e a
— 21 -
tintura da mesma sobre a ferida, facilitou muito a hemor-
ragia e diminuiu as dores.
Dia 18.— Pelo mào estado em que se acha ainda o ferido
não pudemos seguir para diante. Logo pela manhã man-
dei os camaradas caçar, voltando ha pouco (5 horas da
tarde) com 1 anta, 4 jacutingas, e 1 nambu (Tinamus).
Geou muito esta noite, com excessivo frio.
Dia 19 —Ainda o ferido nos priva de seguirmos para di-
ante. Tenho mandado estes dois dias o pratico continuar
a picada no rumo d*agulha. Esta tarde a pouca distancia do
pouso os camaradas mataram 2 porcos, (Dicotyles Torqua-
tus, F. Cuv.) e 4 jacutingas.
Dia 20.— O camarada ferido se acha com alguma me-
lhora ; creio n'estes dois dias poderemos seguir nossa der-
rota. Matou-se dentro do rio 1 lontra (Lutra brasilien-
sis] e 2 jacutingas.
Dia 21.— A cura do camarada ferido vai em progresso ;
julgo que amanhã poderemos seguir para diante. O tempo
tem se conservado bom ; continua a gear muito de noite,
com excessivo frio.
Dia 22. — Pelas 5 h. 25' da tarde mandei fazer pouso
junto ao rio doNhapindà, distante do da Mandassaia 3,951
braças. O terreno entre estes dois pontos percorrido é
chato em sua máxima extensão, o mato compõe<se do que
vulgarmente chamam capoeira ; não parece sertão, é raro
ver-se madeira grossa, e a margem do rio é toda bordada
do tal espinho nhapindã, que me fez assim baptisal-o.
Dia 23.— Esta tarde pelas 3 h. 25', viemos pousar junto
à segunda volta do rio das Antas 2,640 braças distante do
outro. O terreno continua chato com grandes palmitaes
molles, e mato carrascal cerrado d'espinho nhapindà. Pas-
sámos mais duas vezes o rio Nhapindà ; na primeira corre
elle para N. N. O. com 60 palmos de largo, b na segunda
— 22 ^
pára S. O. com 80. O rio das Antas também palmos duas
vezes ; na primeira corre para S. S. 0. com 84 palmos de
largo, e n'esta onde nos achamos de pouso, corre para N. O.
com60
Dia 24.— Pelas 2 horas da tarde viemos pousar jnnto
ao rio das Piabas, a 906 braças distante do das Antas, cor-
rendo para S. S. E. com HO palmos de largo. Passámos
aindaa terceira volta do rio das Antas correndo esta para S.
S. 0. com 100 palmos de largo, onde o atravessámos, e o
morro das Piabas bastante ingrime, extenso e com grande
palmital molle no chapadão. Ahi encontrei vários jaracatí às
(Caricas spinosa], entre elles um de collossal tamanho. Ti*
rou-se mel de colmèas de differehtes qualidades.
Dia 25.— Determinei falhar aqui para se caçar, visto o
apuro de fome em que temos estado, enviando logo cedo
os caçadores com os cães para esse fim ; felizmente á tarde
regressaram com 1 anta que mataram, e algum mel de
differentes qualidades de colmèas que tiraram. O tempo,
das 10 horas da noite por diante tornou-se chuvoso, fuzi-
lando muito.
Dia 20.— Esta manhã estando o tempo ainda chuvoso,
nos não deixou seguir para diante.
Dia 27.— Continua o tempo ainda chuvoso, não se pôde
proseguirno trabalho da picada.
Dia 28. —Pelas 5 horas da tarde mandei fazer pouso junto
ao rio Vermelho, :^018 braças distante do rio das Piabas.
O terreno, do rio das Piabas até aqui, é chato e raro de ma-
deiras grossas ; se vè grandes palmitaes cercados de cha-
chim (Pterispalmata, W ?). O rio Vermelho faz seu curso
para S. E. e no passo mediu-se 45 palmos de largo, e é o
ultimo confluente do Iguassú, que se encont'a n'esta direc-
ção.
Dia 20.— Pelas 5 horas da tarde mandei fazer pouso
— L>3 —
junto ao rio das Guabirobas (assim denominado pela abun-
dância de arvores d*esta qualidade (Eugenia, Sp.) que en-
contrámos não só nas cabeceiras como ao longo do rio],
4,150 braças distante do rio Vermelho. O terreno conti-
nua bom, quasi lodo chato. Passámos a serra do Pimenta
Bueno, que o major de Bi^aurepaire, quando do pouso do
Regresso mandou uma escolta em demanda do Paranan,
ordenou ao commandante d*ella que desse à ultima serra
que encontrasse n'esso trajecto o nome do conselheiro José
António Pimenta Bueiii), por ser este o ministro, que teve a
.primeira idéa de se abrir este vehiculo entre o Brasil o o
Estado de Paraguay. Esta serra é importante, não só por
dividir as aguas do Iguasi^ú das do Paranan, como pela
sensível dilTerença do clima, pois que da serra ató o Para-
nan encontrámos a mesma vegetação das províncias do
norte.
Dia 3í).— Pelas 5 h. -2)' da tarde mandei fazer pouso
junto ao ribeirão da Saracura (nome que impuz por uma
aved*esta espécie (Rallus Saracura, Spix), que se matou
junto ao ribeirão), ii,106 braças distante do rio das Guabi-
robas. Passámos os ribeirões do Ipé e Saracura, correndo
aquelle para o N. com 3 ) palmos de largo, e este para O.
N. O. com 25. O terreno conliuúa chato, e a vegetação
da ultima serra para cá é toda diíTerente da que lemos dei-
xado para traz ; encontrámos varias plantas indigenas dos
trópicos, o que faz acreditar que dará mui bem todos os
productos agrícolas das nossas províncias do norte. Desde
o rio Vermelho para cá o terreno é arenoso.
Dia 31.— Esta tarde pelas 6 b. 35* mandei fazer pouso
junto ao ribeirão da Jararaca, 3,o8ô braças distante da Sa-
racura. Passámos pelo rio do Mandury (nome imposto por
uma colmôa, assim vulgarmente denominada que ahi se
tirou), correndo para N. com i5 palmos de largo, o córrego
— 24 -
do Ferroe rio do Taquary, correndo ambos para N. O., este
com6i palmos no passo. O solo e vegetação nâo apresen-
tam differença do que jà lénbo notado. Junto ao rio do Ta-
quary encontrámos um grande taquaral que se estende
consideravelmente de N. a S., e as taquaras além de extra-
ordinária altura, apresentam prodigiosa grossura. Uma que
fiz cortar deu a medida de seu diâmetro exactamente 14
pollegadas I
Dia 1* de Agosto.— Pelas 4 horas da tarde mandei fazer
pouso junto a um pequeno córrego, que denominei das
Araras (Ara) pela grande quantidade doestas aves que en-
contrámos n'este lugar, a 3,05t) braças distante do ultimo
pouso que deixámos. Passámos o morro da Jararaca, ri-
beirão do Cotovello correndo para O. N. O., e o rio das Ja-
tevocas correndo para N. O. com 60 palmos no passo. O ter-
reno continua chato, porém paludoso para o S. ; atraves-
samos vários paúes, que em diíTerentes sentidos cortam a
picada, divisando-se no meio d'estes, manchas de taqua-
raes de espécie vulgarmente chamada Jatevoca. Julgo
(pelo que informou-me o pratico), que com pequeno desvio
para o N. póde-se na factura do picadão evitar todos esses
paúes.
Dia 2.— As 5 horas da tarde mandei fazer pouso junto
ao terceiro passo do rio das Guabirobas, a 3,476 braças
distante do das Araras ; pouso que denominei— Poço Com-
prido — pela configuração do rio n'este lugar. Passámos
o ribeirão das Pitangas, assim denominado pela grande
quantidade d'arvores d'esta espécie (Plima rubra, Vell.) que
existe em suas margens. Este ribeirão serpeando na di-
recção da picada a corta doze vezes. Aqui corre o rio das
Guabirobas para S. E., e tem de largo no passo 165 pal-
mos. O terreno continua chato e raro em madeira grossa.
Das 6 horas da tarde em diante fomos acommettidos por
- 3S —
ama forte trovoada do N. o. e chuva que aturou ioda a
noit^.
IJia :t."PeIas 6 horas da larde, debaixo de forte agua-
ceiro e trovoada de N. 0., mandei fazer pouso junlo ao rio
das Guabirobas, distante do ultimo que deixámos o,94i
braças, denominaiido-o— Laranjal.— O terreno coolinúada
mesma fòroia que lenho notado, linconlrámos outra vez o
rio das Guabírobas com o dobro da largura que tem oo
terceiro passo, seguindo o ramo de 0. A chuva e trovoada
coalinuou toda a noite sem cessar* Esta manhã achei í^
chronometro parado com qnasi toda a corda, nâo po*
deodo altribuir a outra causa (visto o cuidado com
que o trazemos) senãci às muitas quedas que diariamente
apanhamos.
Dia 4.— Por causa do mâo tempo, não pude seguir para
diatile- Pelo meio-dia abonançou um pouco o tempo, apro-
veitei em eíiplorar uma bonita ilha, que forma o rio das
Guahirobas, era frente ao nosso pouso, li Ha corre N* S, com
mais dê 130 braças de compridij sobre 20 de largo, toda
coberta por um frondoso laranjal [Cilrusamericanus], como
lhe chama em scui Diário o major do Boaurepaire, pelo que
observou tanto no Para}íaay, como u*estes sertões, o que o
convenceu que a laranja amarga e fnictaindigena da Ame-
rica. í>a ilha ouvimos um sussurro que parece u-noB ser
d'atguma catadupa. N^esse sentiilo fomos continuando pela
^margem «li» rio, e a Sp braças de distancia d^oiide nos acha-
vamos chegámos ondeelle forma um salto de mais de CO
\m de altura, i^. d'alli corre alcantilado por um bello valle
em demanda do Paraoan, de quem é Iribulario. Estes três
dias t^mos soffrido muita fome, e o tempo chuvoso nos não
tem deixado caçar,
Dia 5, — Tornou outra vez a chuva ainda mais forte, im-
possibilitando-nos de seguir para d iau te. Ksta manhã nm
TOMOxxvsu, r. I, 4
— ae-
dos camaradas malou na margem do rio uma cegonha
(Ciconia maguari, Yiel ?), que foi nosso almoço. Depois de
meio-dia os cães seguiram o rasto fresco de uma anta ;
pouco depois ouvimos acorrida que vinha para o rio. As-
sim mesmo com a chuva os camaradas a foram esperar, e
tiveram a fortuna d'atirarem às duas antas, ficando uma
morta dentro d'agua, e a outra escapou-se ferida, deixando
muito sangue no trilho que seguiu.
Dia 6.— Pelas 2 horas da tarde chegámos à margem es-
qaerda do Paranan, 2,148 braças distante do pouso do La-
ranjal, e do acampamento Chagú 29 léguas e meia, 58
braças. Passámos uma capoeira de roça que pareceu-me
abandonada ha pouco tempo pelos selvagens, á qual deno-
minei— Capoeira dos Bugres—. O rio das Guabirobas corre
muito alcantilado, é faz sua confluência no Paranan a
O. N. O. A largura do Paranan calculei em 200 braças e a
velocidade da corrente em sete milhas por hora ; sua mar-
gem de um e outro lado forma praias mui bellas de finís-
sima arêa, e a vegetação é como a que tenho notado da
serra de Pimenta Bueno para cá. Logo que chegámos á
margem do rio, os camaradas trataram de preparar as
linhas, e até á noite pescou-se 4 dourados grandes, 1 ma-
trinchá, 7 mandys, e 49 bagres de soífrivel tamanho,
queiíesmo sem sal comemos e achámos de excellen te
sabor.
Dia 7.— Empreguei-me hoje nas observações astrono- .
micas ; tomei a altura meridiana do sol, que deu a latitude
sul do lugar 25*134' 37". Esta manha ordenei ao pratico de
descer ao rio com mais três camaradas, e explorar quanto
pudesse (com tempo de voltar ao pouso), afim de observar
as dilTerenças do terreno d'um e outro lado, ver se ha mais
rios confluentes d'este, e seus volumes d'agua ; já voltou ao
anoitecer com os companheiros, informando-me que des-
— 27 —
ceu mais de légua e meia costeando sempre o Paranan, e
que este vai alargando progressivamente; o terreno é
menos onduloso do que o que temos avista, notou mais os
mesmos bandos de aves que atravessam continuamente de
um para outro lado do rio, e diíTerenles rastos impressos
n*arêa, de Tapiros, e deindividuos do género Felix.
Dia 8.— Depois de tomar a altura raeridiana do lugar,
e determinar a latitude, que me dtíu os mesmos resultados
de hontem, regressámos para o pouso do Laranjal, onde
chegámos pelas 4 horas da tarde. Em caminho matámos
um bonito pato (Anãs moschata, Lin.]» que com alguns
moluscos do género (Solen) foi a nossa côa. Não me sendo
possível demorar mais tempo no Paranan, pelo mào estado
de saúde em que nos achámos, e receio de algum encontro
com os selvagens, determinei recolher-me quanto antes
para o acampamento doChagú.
Dia 9. — Partimos do Laranjal ao romper do dia, eao
pôr do sol viemos pousar no Banhado Grande. Da meia-
noite em diante principiou a chover e trovejar no qua-
drante de S. O.
Dia 10.— Assim mesmo com chuva partimos do Banhado
Cirande, e viemos pousar junto ao rio das Jalevocas.
Na mesma occasiâo encontrámos duas antas que vi-
nham emparelhadas descendo o rio ; infelizmente esca-
param-nos.
Dia 11.— Por causa da chuva nao podemos deixar o
pouso. Mataram-se dois tucanos ussús (Kamphastus ca-
rinatus, Walg.)
Dia 12. — Ainda com máo tempo partimos das Jalevocas
e viemos pousar no ribeirão do Cotovelo. Estou com um
camarada doente d'uma perna, o que nos impossibilita de
fazer boas marchas.
— 28 -
Dia 13.— Pela manhã deixámos o pouso do Cotovelo, e
viemos pousar no ribeirão da Jararaca. Continua ainda o
mào tempo.
Dia 14.— Por causa da muita chuva não foi possível dei-
xar hoje este pouso.
Dia 15.— Esta manhã o tempo tornou-sc melhor; par-
timos do pouso da Jararaca, e viemos ao rio do Taquari.
O camarada que se acha doente da perna vai a peior ; está
em estado de não poder andar, julgo ser um carbúnculo
que lhe sahiu na canela.
Dia 16.— Falhámos por causa do camarada doente da
perna. A' noite tomou uma dose de arnica, diminuiu as
dores, e passou algumas horas socegado.
Dia IT. — Ainda o doente não se acha em estado de an-
dar, por isso falhámos. Matou-se uma veada parda mui
gorda, e tirou-se mel de dilTerentes qualidades de colméa.
Dia 18.— Felizmente o camarada hontem á noite prin-
cipiou a melhorar ; o tumor supurou muito, e esta manhã
Já pôde andar. Viemos ao terceiro passo do rio das Guabi-
robas.
Dia 19.— Falhámos hoje por causa dos cães, que muito
cedo seguiram o rasto d'uma anta, e só appareceram á
noite.
Dia 20. — Tempo mui carregado de nevoeiros com exces-
sivo calor. Do terceiro passo do rio das Guabirobas viemos
pousar no rio Vermelho. Pela meia-noite, pouco mais ou
menos, veiu um grande furacão nas proximidades do
nosso pouso, que abateu arvores immensas, cujo ruido
sentiamos ; e sobre a madrugada principiou a chover mui
forte.
Dia 21.— Falhámos por causada muita chuva, que nos
obrigou a construir barracas para abrígar-nos.
— n-
Dia 22.— Ao pôr do sol viiimos poosar no rio das Piabas.
Em caminho os cães seguiram o rasto de uma aula, cinco
caniaradas os acompanharam, e nao voltaram ao pouso*
Dia â3.— Falhamos por causa dos cinco camaradas, que
só esta tarde chegaram, sem malar nada.
Dia 24.— Partimos ao romper do dia do rio das Piabas,
c ao anoitecer viemos pousar na terceira volta do rio Nha-
pindà.
Dia 25,— Pela manha partimos do rio Nhapindá, e â tar-
de viemos pousar junto ao rio da Mandassaia.
Dia 26-— Pelo estado de fome em que nos achamos, e os
caas, que ha muitos dias não tem comido, resolvi falhar aqui
para caçar* Esta manhã dispersei a gente Ioda, apenas fi-
quei no pouso com dois camaradas. Regressaram á noite
sem matar cousa algiuna,
lha 27.— Ainda falhei hoje, e mandei tentar a caça ; in-
felizmente voltaram á noite sem cousaalguu:a.
Dia 28. — Pelas 2 horas da tarde chegamos ao pouso dos
Pàos Papudos, não indo mais adiante por ameaçar chuva.
No mào estado de saúde em que me acho, e privações de
toda a sorte que temos soffrido, vendo que nao é possível
sapir a pequenas jornadas, como temos feito, deliberei
seguir só com quatro camaradas para o acampamento do
Chagú.
Dia 29.— Por causa do máo tempo nao pudemos seguir.
Levou a chover continuamente-
Dia, 30, — Pela manhã entreguei o commando da força ao
pratico, e segui para o acampamento com quatro cama-
radas que escolhi para me acompanharem, e vim pousar
nas Abelheiras.
Dia 31, — Pelas 6 horas da tarde viemos pousar nos Pal-
mitos Molles da serina do Monte-Alegre. Em caminho ma-
tamos um juacuco, um uni (Odontapborus capoeira) e um
— 30 -
pavão (espécie de Pega-negra com a garganta encarnada,
Pr. Max). Tirou-se no alio da serra uma colraêa de gua-
raipú.
Dia 1' de Setembro.— Pelas 5 horas da tarde viemos
pousar no Míjndagoahy. Malaram-se em caminho dois ma-
cacos (Cebus cristalus, de F. Cuv.), que com alguns palmitos
foi nossa côa.
Dia 2. — Ao pôr do sol viemos pousar emS.Joâo. Ma-
lou-se em caminho um veado pardo e uma jacutinga.
Dia 3. —Pelas S^^horas da tarde viemos pousam* Agua
Cortada. Em caminho matámos Ires jacutingas.
Dia 4. — Ao anoitecer viemos ao pouso do Regresso.
Mataram-se duas jacutingas em caminho.
Dia 5.— Ao anoitecer chegámos ao pouso do Vorá, e pas-
sámos bem triste noite de fome, por nada se ter podido
matar em caminho.
Dia 6.— Pelas 10 horas da manhã chegámos ao acam-
pamento do Chagú bastante estropiados. Deram-se todas
as providencias para entrarem seis camaradas com refres-
cos para a gente que ficou no sertão.
Dia 7.— Pelas 8 horas dá manhã se fez seguir seis cama-
radas, com munições de boca, pólvora e chumbo para os
sertanistas, com ordem de caminharem até os encontrar.
Dia 12. — Pelas \ 1 horas da manhã chegou a este acam-
pamento sem accidenle algum o resto da força que se
achava no sertão.
Acampamento do Chagú, em 12 de Setembro de 1849.
—CamUlo Lellis da Silva, P. da armada nacional e im-
perial.
— 31 —
RESENHA DA CAÇA, PEIXE E ABELHEIRAS
QUE TIVEMOS EM TODA K VIAGEM DE IDA E VOLTA AO RIO PARANAN.
22 Antas. (Tdpírusamericânus.)
22 Veados pardos. (Cervusnemorivagus.)
25 Macacos. (Cebus cri status, F. Cuv.)
5 Porcos do mato. (Decolyles Torquatus, F.Cuv.)
1 Lontra. (Lutra brasiliensís.)
8! Jacutingas. (Penélope leucolopbos, Merr.)
3 Tucanos uçú. (Rampbastos carinatus, Walg. )
6 Ditos arassarys. (Pteroglossus. )
2 Socos rajados. (Ardea Tigrina, Gm.)
3 Patos. (Anãs moschata, Lin.)
3 Marrecas. (Anãs.)
1 Cegonha. (Ciconia maguari, de Viei ?)
2 Macucos. (Tlnamus brasiliensís, Lalli.)
4 Inhambús. (Tinamus.)
i IJrú. (Odontophorus capoeira.)
PEIXES NO RIO PARANAX.
4 Dourados, 1 Matrincba, 7 Mandys, 49Bagres.
ABELHEIRAS.
39 Guaraipos.»
4 Iratys, 2 Imerys, 1 Irapoà, 9 Jatahys.
80 Mandagoabys, 15 Mandurys, 12Mumbucas, 8Man-
dassaias, 3 Barafogo, 1 Sanharon, 19 Vorás.
Lellis da Silva.
— S2 —
MATO GROSSO
POR
CORITIBA E TIBAGY.
ITINERÁRIO DA VIAGEM QUE F» AO BAIXO PARAGUAY, POR OR-
DEM DE S. EX. O SR. MARQUEZ DE CAXUS, MINISTRO E SECRE-
TARIO d'ESTADO dos NEGÓCIOS DA GUERRA, ACOMPANHADO
DAS OBSERVAÇÕES QUE LHE SÃO CONCERNENTES.
Manuscripto ofTerecido ao Instituto pelo Sr. conselheiro Joaquim Maria
Nascentes de Azambuja.
Em 21 de Novembro de 4855.~Embarquei a bordo do
paquete a vapor Paraense pelo meio*dia.
Em 22.— Cheguei á barra de Santos pelas 11 horas da
manhã.
Em 23.— Esteve de quarentena o vapor.
Em 24.— Subiu para o porto.
Em 25.— Demorou-se este dia para descarregar.
Em 26.— Pelas G horas da tarde levantou ancora para
Paranaguá.
Em 27.— Chegou à barra, e por intimação do escaler de
saúde deu fundo no lugar denominado— Piriquito— para
alli ficar de quarentena 5 dias. Em consequência d'esta
demora, ofliciei ao Dr. provedor de saúde para suspender
a quarentena, não sô por ter o vapor carta de saúde limpa,
como por me achar encarregado de uma commissão do go-
verno, a qual pedia a máxima brevidade no seu cumpri-
mento : fui attendido.
Em 28.— Entrou o vapor, e desembarquei n*esse dia
pelas 8 horas da manhã, não seguindo viagem para a fre-
guezia de Morretes por falta de canoa que me conduzisse.
Em 29.— Consegui embarcar-me no escaler da alfan-
- 33 -
dega, e cheguei á povoação de Barreiros pelas 5 horas da
tarde, por não poder chegar o escaler a Morretes, em con-
sequência do rio eslar muito baixo, e ainda esta vez me
achei embaraçado por falta de canoa que me conduzisse.
Considerando que a viagem por terra era de 1 1/2 legua,
segui a pé e cheguei à dita freguezia às 8 horas da noite. De
Morretes a Barreiros, léguas iVa
Em 30.— Depois de muitas diligencias para alcançar
animaes, sò pude havêl-os às 4 horas> de um tropeiro que
seguia com sal para Curitiba, o qual descarregando quatro
bestas por consentimento de Miron, proprietário do sal,
m'as alugou : marchei a essa mesma hora, e com tão pés-
simos animaes impossivel me foi passar da barreira de Ita-
pava, com 3 léguas 3
Em o 1° de Dezembro. — Marchei pelas 4 horas
da tarde por me ter sido preciso esperar pelos animaes,
que um empregado da barreira se encarregou de alugar-me:
caminhei toda a noite, e entrei em Curitiba às 4 horas da
madrugada, com 9 léguas. Da barreira de Itapava a Curi-
tiba, léguas 9
Apresentei-me ao Sr. vice-presidente da província, e fiz
entrega do aviso do ministério da guerra, de que era por-
tador. Tendo procurado pelos meios à minha disposição
conseguir animaes não os pude obter, e por intervenção
do Sr. vice-presidente alcancei com excessivo trabalho oito
animaes, alugados somente até à villa de Castro, e n'essas
diligencias perdi 3 dias.
Em 4.— Marchei pelas 10 horas da manhã, e pousei na
fazenda da Serrinha com G léguas. De Curitiba à Fazenda
da Serrinha, léguas . 6
Em 5.— Marchei pelas 5 horas da madrugada, e pousei
na freguezia das Palmeiras com 8 léguas. Da Serrinha à
fazenda das Palmeiras, léguas 8
TOMO xxviu» p. I. 5
— 34 -
Rm tí.— Marchei pelas 5 horas da madragada, e pousei
na freguezia de Ponla Grossa, com 7 iegaas. Das Palmeins
à freguezia de Ponta Grossa, léguas 7
Em 7. — Marchei pelas G horas da manhã, e chegaeí á
Yilla de Castro com 9 léguas. Da Ponta Grossa à villa de
Castro, léguas 9
Demorei-me n*essa os dias 8 e 9, por falta de condocçio;
por isso que o dono dos animaes, não querendo afastar-se
do trato, não obstauie as compensações que lhe propaz*
allegando não ser possivel passar a mata em animaes tão
Tiajados ; recorri uVssa conjunctura a Fidelis Nepomuceno
Prates, a quem tinha sido recommendado pelo Sr. ?ice-
presidente, o qual depois de grande trabalho obteTe-ma
por avultada quantia 14 animaes, numero preciso para
quatro homens passarem a dita mata.
Em 10.— Marchei pelas 6 horas da manhã, e ponsei
no campo, com 12 léguas. Da villa de Castro ao pouso, lé-
guas t2
Em 1 1 .—Marchei pelas 5 horas da manhã, e poosei na
malii, lugar denominado— Pinheiro Secco, — com 8 léguas.
Do Pouso no campo á mata Pinheiro Secco, léguas. 8
Em lá. — Marchei pelas O horas da manhã, ecom pe-
nosíssimo trabalho, por me ser necessário abrir caminho
por serras, e transitar por outros cheios de atoleiros ; a
muito custo consegui appro\imar-me do abarracamento de
S. Jerouymo, com 10 léguas. IK3 pous<) do Pinheiro Secco ao
abamcamento de S. Jea^nymo, leguus. ... 10
Em i:J. — Marchei pelas 5 horas da madrugada* e con-
tinuando na m<i'sma M:\ do dia antecedente alcancei o
porto do Jatahy. com l± léguas. R^ abarracamento de S.
J^DODjmo ao porto do Jatahy no Tibagy, léguas . 12
Entrv^niei ao Dr. Feliciano Tiepomuceno Prates o aviso
- 35 -
do ministério da gaerra» o qual por nao estar previnido
Jilopôdõ dar-me o traosporte no dia 14.
Em 15. — Embarquei, e navegando pelos rios Jalahy,
Paranapantíma, Paraná, Sambam baia, I?inhei ma. Brilhante,
Vaccaria, Dourados, Santa Maria, o outros dti menos noia,
desembarquei no porto das Sele Voltas, da fazenda do
barão de Anlonina, no dia 13 de Janeiro de I85f}| com 135
ieguas do Porto de Jiitaby, embarcando por differeotes rios
até ao porto das Sete Voltas da fazenda do barão de Anto-
nina, léguas ,*.... 135
Não me foi humanamente possível conseguir com mais
rapidess esta penosíssima viagem, já pelos 48 baixios, ou
corredeiras [como chamara), que obrigavam aos remadores a
metterem-5e n^agua para a braços levarem a canoa» já pelas
Ires cachoeiras que com h:islante peri^^o se venciam, já, fi-
nalmente, por outros muitos embaraços que me custavam
a remover, apezar de gratitica(;ôBs que dava ao piloto e
remadores. Pelo que deixo dito evidoncia-se que, não de-
puudQiido da minha vontade c esforços esta viagem de rios,
nada mais podia fazer » além do que pratiquei. Esperei no
porto acima dito, que um dos meus camaradas me trou-
i6sse animaes da referida fazenda, o qual chegou no dia
14 pelas 4 horas da tarde.
Em 14 do ilaneiro de 1856. — Marebeí pelas 4 borasda
tirde» e pousei na mencionada faj^enda, com 4 léguas.
Do porto das Sete O^^das à fazenda do barão de Antonina
(por^terra), léguas * . . - 4
Em lo, ^Marebeí pelas 7 horas da manbã, e pousei no
campo com ti léguas. Nao me foi possível ir mais adianto,
em consequência de córregos cheios, pântanos e campos
alagados, da fazenda do barão de Antonina, marcbando
pelo campo ao pouso, léguas 6
Iímí 16. — Marchei pelas li tioras da madrugada, eiiousei
— 36 —
no ponto militar (l*Anhauac, com 12 léguas. Do pouso
antecedente ao ponto militar de Anbauac, léguas . 12
Em 17.— Marchei pelo meio-dia por me ler sido neces-
sário alugar animaes, e pousei no campo, com 2 léguas.
Deram-se os mesmos motivos acima referidos. DeAnha-
uaca pousar no campo, léguas 2
Em 18. — Marchei pelas 6 horas da manha, e pousei na
fazenda da Forquilha, com 12 léguas. Do pouso antece-
dente á fazenda da Forquilha, léguas 12
Em 19.— Marchei pelas 6 horas da manha, e pousei no
campo, com 5 léguas. Da fazenda da Forquilha ao pouso no
campo, léguas 5
Em 20.— Marchei pelas 7 horas da manha, c pousei no
porto militar de Miranda, com 6 léguas. Do pouso antece-
dente ao porto militar, de Miranda, léguas. G— total. 267 Va
Em 21.— Embarquei, e, descendo pelos rios Miranda,
Piuva e outros, cujos nomes não me recordo, cheguei ao
Baixo Paraguay no dia 26 de Janeiro ; entreguei o aviso do
ministério da guerra e esperei 6 dias pela resposta, seguin-
do depois para. esta corte no dia 2 de Fevereiro de 1856.
Cheguei a Paranaguá no dia 30 de Março, esperei pela
barca, que chegou no dia 5, sahiu no dia 6 com escala por
Santos, e deu fundo n^este porto no dia 8. Fiz toda a via-
gem em 4 mezes e 18 dias, e excluindo-se as falhas,
que a falta de promptos vehiculos e estação chuvosa me
coagiram a ter, fui ao forte de Coimbra em 48 dias, e
fiz toda a viagem em 98 dias; regulando-me pelo roteiro
do barão de Antonina, apresentado pelo seu piloto map-
pista João Henrique Elliot, andei 532 léguas. Devo decla-
rar que não fiz menção das léguas desde Miranda até ao
forte de Coimbra, por não existir no dito roteiro. Seja-me
agora permittido reflectir que, sendo esta viagem toda de-
pendente de mar, terra e rios, jamais eu poderia cumprir
- 37 —
meu dever, e satisfazer o meu desejo marchando com a
rapidez que me ordenou o Exm. Sr. marquez de Caxias,
ministro e secretario doestado dos negócios da guerra.
Estou convencido que se encontrasse em Antonina o Dr.
Feliciano Nepomuceno Prates, não teria na provincia do
Paraná alguns embaraços; por isso que, conhecedor d'ella,
e municiado do preciso como se adia, me coadjuvaria;
porém vim enconlral-o onde nada mais ni(í podia dar, além
do transporte pelo Jatahy.
Rio de Janeiro, era 13 de Abril de 1856. — Manoel Joa-
quim Pinto Pacca, capitão da i* classe do estado maior. —
Conforme Libanio AiLgiisto da Cunha Mattos. Conforme ao
documento existente no archivo militar.— /oaí/uim Maria
Nascentes de Azambuja.
— 38 -
INFORMAÇÃO
SOBRE O MODO PORQUE SE EFFECTUA A NAVEGAÇÃO DO PAEA
PARA MATO GROSSO, E O QUE SE PODE ESTABELECER PARA
MAIOR VANTAGEM DO COMMBRCIO E DO ESTADO.
RESUMO DOS PARAGRAPHOS DOESTA INFORMAÇÃO
!.~Que a communicação do Pará com Maio Grosso só
se effectua pela navegação do rio da Madeira, e nem ha
estradas de terra nem seriam por ora praticáveis.
2.— Que esta mesma communicação só se estende aos
estabelecimentos do Guaporé e capital d*aquella capitania ;
e o Cuyabà se provê da capitania de S. Paulo, e outras por
estradas de terra.
3.— Que, se a distancia directa da capital do Pará á de
Mato Grosso é assaz considerável, a que é forçoso andar
pela indicada navegação é muito maior, e sempre lutando
com a corrente opposta.
4.— Que do Pará à primeira cachoeira, ainda que seja
mais de metade da extensão, é Ioda desembaraçada, e sem
mais iacommodo do que o da corrente opposta que o vento
ajuda a romper. Que da primeira á ultima cachoeira na
extensão de 70 léguas é a navegação muito morosa, e in-
commoda. Que da ultima cachoeira a Vilta Bella, sendo
anda considerável distancia, é também navegação desemi)a-
raçada, mas contra a corrente.
o,— Que do Pará até Borba acham os viajantes os soccor-
ros que precisam, mas que de Borba para cima na extensão
maior, mais árdua, e diílicil a vencer, não tem onde receber
nenhuns, menos que cheguem ao forte do Príncipe.
6.— Que o modo por que se effectua esta navegação é o
mesmo que se seguiu de principio, sem que si3 tenha desço-
- :i9 —
borlo outra, o que som o exlraorilinario beneticio de escu-
sar maíoras provímeutos pela abuadaacia de caça, e pesca,
apezar d'outras seria impraticável.
7. — Quaes são as embarcações de que se usa n*esta na-
vegação, e qual seja a causa por que só se pôde emprehen-
der por negociante de cabedal grosso, ou por muitos incor-
porando-se para a passagem das cachoeiras.
8,_Obstaculos que experimenta este comraercio pelas
grandes despezas em pura perda que é forçoso adiantar
para emprehender a navegação.
9.— Maior obstáculo na falta de gente, e difliculdade de
apromptar a que se precisa, quer sejam indios, quer
escravos.
10.— Tristes eíTeitos que resultam de empregar os indios
n'esta navegação. Vantagens para o Estado, e para o com-
mercio, de serem substituidos por escravos no maior nu-
mero que fôr possível.
It. — Que tanto um,como outro modo é violento; que, se
parece mais diflicil o de occupar escravos, esse foi o que se
praticou quando mais floresceu este commercio, e que a in-
terrupção d'elle se não pôde attribuir á repugnância de
obrigar os indios a estas viagens, como se tem querido per-
suadir.
12.— Exemplos que mostram ter-se olTectuado, apos-
sibillidade de se eíTectuar, e que não é arbítrio novo o de
effectuar-se esta navegação empregando-se escravos, e que
se a causa da sua interrupção ou extincção não foi a que se
me quiz imputar falsamente, fosse qual fosse, sempre a exis-
tência d' este commercio será precária emquanto carecer de
meios tão violentos.
13.— Applicação feita ao commercio do reino pelo que se
pratica n*este para mostrar a verdadeira causa que lhe
serve de embaraço.
— 40 —
i 4.— Ou Ira applicaçao à navegação, e commercio do Pará
para Mato Grosso pelo que se pratica no commercio do
reino, onde a navegação não é continuada.
15,— Que a falta de subdivisão de trabalhos é a que mo-
tiva o maior obstáculo a este commercio. Que os estabele-
cimentos que ella exige são superiores aos recursos dos par-
ticulares, e que, ou se hão de executar por conta da real
fazenda, ou o mesmo monstruoso s) stema deve proseguir.
1 0.— Que a extincta companhia bem podia ter emprehen-
dido, e executado estes estabelecimentos, mas que n\im ao
menos auxiliou o de uma povoação de indios, que nas ca-
choeiras principiou a fundar o juiz de fora de Yilla Bella.
17.— Que o ulil estabelecimento de uma povoação não
pôde bastar para reduzir o commercio aos termos de facili-
dade que se requer. Quaes sejão os íins que se pretendem
d^ella.
18.— Que estes fins só se podem conseguir compondo-se
uma povoação de gente obrigada, mas que a compôr-se de
homens livres, raras vezes poderão estender-se a mais, que
aos de facilitar descanso e refresco.
19.— Que esta povoação com os indios aldeados nas po-
voações existentes, seria impossível de formar a constituir-
se no mesmo pé. Que os habitantes da que se formou, eram
gentios, e que a formar-se de novo com estes ou outros,
será preciso muito tempo, despeza etTecliva,e trabalho,
para afinal depois de civilisados se seguir o mesmo que
haverá de seguir-se, fundando-se cora os já aldeados, e mais
civilisados.
20.— Uellexôos que mostram a necessidade do estabele-
cer um corpo de gente propriamente destinada para o tra-
balho da passagem das cachoeiras, e lavradores que a susten-
tem. Facilidade que concorre para a fundação doestes estabe-
— 41 —
lecimentos, por haver do Pará, e do Guyabà muita gente
própria para uns e outros.
22.— Que a fazenda real, por ter de fazer despezas, não
tem de fazer sacriQcios, antes ao contrario se procura um
novo, e avultado ramo aos reaes rendimentos sobre muitas
vantagens para a mesma real fazenda, para o Estado e para
o commercio, que se facilita tanto como se a cada commer-
ciante emprestasse a real fazenda somma correspondente
para as despezas do transporte, e navegação.
23.— Que passando à pratica applicaçãod^estesprincipios,
desde logo se devem estabelecer duas canoas do porte de
mil a duas mil arrobas no effeclivo gyro do Pará até a pri-
meira cachoeira, uma ou duas de metade do porte d'aquel-
las p ira o gyro da ultima cachoeira até Villa Bella, por ser
de metade da extensão d*aquelle, e um corpo de pedestres
com embarcações próprias para a passagem das cachoeiras,
e bem assim os administradores, os depósitos, e as provi-
dencias necessárias para a segurança e brevidade das con-
ducções.
24. —Que, depois de se estabelecer este novo plano de
navegação se deve cuidar eflficazmente em proteger, e pro-
mover o commercio.
2o.— Que estas providencias se devem somente dirigi-
de principio a prover a continuação do commercio pelo pror
posto plano, applicando-se logo depois todo o cuidado em
averiguar e estabelecer as que forem mais próprias para
se reduzir a ultima regularidade.
26.— Que o serviço pratico do transporte das carrega-
ções nas cachoeiras qualquer pôde executar, mas que
para o de constituir o proposto plano na sua naturaj
intelligencia se precisa oilicial de maiores conhecimentos.
Qual seja o que se suppõe que os tem, e esteja à mão
TOMO XXVIII, p. I. 6
— 42 —
de o pôr em pratica» e por onde deve príDcipiar este traba-
lho, e averiguações.
27.^Que sem estas averiguações se nao deve fundar nem
povoação, nem povoadores. Qual seja a situação que todos
inculcam para a povoação. Qual seja a principal circum-
stancia que se deva procurar, a distribuição que se deva
fazer dos seus moradores, e prevenção que deve haver a
respeito d'elles.
28.— Que em todas as povoações que se têm fundado se
tem commettido grandes erros, e quaes estes fossem.
29.— Que para haver os povoadores precisos se deve
evitar toda a idéa de coacção. Meios próprios para os
attrahir sem ella, e sacrificios que deve fazer a fazenda real
além das despezas nos soccorros que adiantar.
30.— Juízo sobre a importância dos sacrificios, despe-
zas annuaes, despezas de empréstimos que terá desoilrer a
fazenda real, e por outra parte dos rendimentos que po-
derá haver doestes estabelecimentos.
31.— Que a fazenda real não deve fazer mais sacrificios
que os indispensáveis, e que sem constituir os colonos na
necessidade de trabalharem se não conseguirá d*elles ofim
que se pretende.
32.— Que é necessária a concurrencia de um ministro
para estes estabelecimentos, e quaes sejanl os que mais com-
modamente podem ser empregados, mas que se deve pre-
venir qualquer motivo de implicância com o oificial militar
empregado na mesma diligencia.
33.— Que é preciso também prevenir as contestações
entre os dois governos limitrophes, por ser na extrema
d'elles, e pelos reciprocos esforços de um e outro que se
hão de formar os pretendidos estabelecimentos.
34.— Que ainda é mais preciso prevenir as contestações
com os hespanhões confinantes. Juizo sobre a extensão que
— 43 —
DDS dava ser privativa no rio da Madeira, o importância
de m impedir a lompo a enlrada d'eUa aos mesmos bes-
panhóes.
35,— Que para conseguir este, e os outros importantes
ins, bast^im sobre o avanço de poucas sommas e providen-
cias opportunas. Fará 4 de Agosto de 17y7.
INFORMAÇÃO.
!*— E' bera constante que a communicaçâo do Pará para
lato Grosso sô se effeclua pela navegação dos rios da
ladeira, Mamoré e Guaporé, que nâo se tem se^ido a de
outroSp nem ha, nem se tem tontadoabrir estradas de terra,
porque nem seriam mais vantajosas e coramodas, nem mes-
mo praticáveis emquanto nao fossem povoadas.
2.— A mesma navegação não se estende além dos estabe-
lecimentos do Guaporé, e da apitai ; consequentemente só
estes se provêm pelo commercio do Pará, e os outros que
^0cam mais orieulaes, e meridionaes, o Cuiabá principal-
lente é provido, ou por semelhante navegação desde a
capitania de S, Paulo* ou pelos combois que sobem por es-
tradas de terra d'esta C4jpil:inia, e das do Rio de Janeiro
e Bahia, atravessando os dilatadíssimos e agrestes sertões
do Brasil*
3.— Ainda que o arco de circulo máximo comprehendido
entre as duas capitães do Pari e Maio Grosso seja somente
de 316 léguas de 18 em gráo, segundo as mais recentes
observações, a distancia que é forçoso andar para passar
de uma a oulra pela indicada navegação se computa ser de
770 legiias pelo mais exacto roteiro que ha d'ella, íormado
pelos lialieis aslruoomos e engenheiros que foram manda-
dos para a demarcação não eíTectuada» e ainda em toda
ista extensão é forçoso vencer a constantemente opposta
— 44 —
corrente desde que se passa do Garupa para cima, ou ainda
antes por ser já alli o eíFeito das marés quasi insensível.
4.— Da cidade do Pará até a primeira cachoeira chamada
de S. António contam-se 466 léguas, e em todas ellas não ha
obstáculo mais que o da corrente opposta, que na estação
dos ventos geraes se vence commodamente com as velas,
as quaes ainda em outro tempo não são inúteis. Da pri-
meira cachoeira até a ultima doMamoré, no espaço de 70
léguas que occupam, a navegação tem muitos incommodos
e interrupções. Ha paragens em que os viajantes pelo ha-
bito que tomaram, ou pela necessidade em que estão de
levar até Villa Beila as canoas em que sahem do Pará, têm
de as aliviar de parte, e de toda a carga, para as levarem a
cirga, e a força de remo e de varas, por perigosos saltos e
estreitos canaes ; tem d'abrir caminhos, e de fazer ranchos
para passarem por terra, e para resguardarem d'avaria a
mesma carga, e tèm mais trabalhos que estes, quaes são os
de arrastar por terra as mesmas embarcações por diíBceis
trânsitos de subidas, e descidas de serras, onde ordinaria-
mente padecem grande ruina, motivando funestos acci-
dentes aos mesmos que se occupam n*estes violentíssimos
trabalhos. Da ultima cachoeira até Yilla Bella, que são ainda
234 léguas, toda a navegação é desembaraçada, com o único
inconveniente da corrente opposta, e a haver vento com
que a vencer; se não existisse aquelle dilatado obstáculo das
cachoeiras, seria toda esta extensa navegação praticável às
embarcações do maior porle, pelo menos no tempo em que
na parte superior os rios estão cheios.
5.— Até Borba, povoação que flca 26 léguas acima da foz
rio da Madeira, e dista do Pará 306, acham os viajantes os
soccorros que precisam nas muitas povoações em que po-
dem aportar e lhes ficam em caminho. De Borba para cima
toda a restante e mais árdua extensão é deserta até ao
- 45 -
forte do Príncipe, distante 283 léguas, comprehendidas as
70 de cachoeiras, onde foram mais necessários e urgentes
os mesmos soccorros, não só para vencer tão rigorosos tra-
balhos, mas para supprir a falta de viveres e da gente, que
pela mudança para climas mui ingratos, e diversos d'este,
foge, e morre a elTeito de cruéis sezões, das corrupções
que a acommettcm n'estas viagens como nas de longo
curso no alto mar, e dos fluxos de sangue, resultando mui-
tas vezes por estas faltas a necessidade de regressar e pedir
nov )s viveres e nova gent^ co;n despezas, incoramodos e
perigos duplicados.
fi. — O modo por que se eíTectua esla navegação do Mato
Grosso presentemente é o mesmo com mui pouca differença,
que, o que seguiram os primeiros que a emprehenderam, e
todas quantíis dilBculdades, trabalhos e perigos encontra-
ram, encontram hoje igualmente os que a emprehendem,
sem que nem a experiência, nem as excessivas despezas,
nem a extraordinária mortandade dos indios, tenham agu-
çado a industria para descobrir e estabelecer outro mais
suave, menos incommodo e funesto, ou porque a vida, e a
conservação dos indios se considere por pouca cousa, ou
porque as providencias necessárias sejam superiores à in-
dustria, ao cabedal o aos recursos dos particulares. O
certo é que, se a Providencia benigna não supprisse abun-
dantemente a esies viajantes com o mais preciso alimento,
que é o que adquir(3m da caça, e pi^sca nos mesmos dis-
triclos que atravessam, so tivessem de carregar provisões
equivalentes para a muita gente, e pelo muito tempo que
consomem n'estas viagens, ainda deprimindo nos jornaes,
ou salários dos indios, e ainda sendo estes obrigados, nin-
guém por conveniência própria arrost \ria a árdua empreza
de atravessar as referidas i^'ò léguas de deserto desde
Borba até ao forte do Principe, e a mais árdua de arrastar
- 4ti -
por altas serras as embarcações, além de outros mais tra-
balhos a que se sujeitam, e que exigem a demora extraor-
dinária de quatro, e mais mezes, só para Tencer as 70
léguas de cachoeiras, depois d'outra igual para chegar a
ellas, e ficando-lhes ainda outra pouco menor a ?encer
para chegarem ao seu destino, quando nas embarcações
apenas caberiam os mantimentos precisos.
7.— As embarcações de que se usa n'este paiz, a que cha-
mam canoas, são as de que se usa também na navegação do
Mato Grosso ; mas, como se hão de arrastar por terra, por
subidas e descidas, não podem exceder do porte de mil a
mil e duzentas arrobas. Ainda assim nenhum particular
pôde emprehender a passagem n'estes difficcis e perigosos
trânsitos com a mera força dos remeiros, competentes a
uma embarcação, porque sendo das maiores, e da grandeza
acima rc^ferlda, não se vara por terra com menos de
100, 120, e mais homens de trabalho, e ainda as me-
nores do porte de 400 a 50) arrobas, que mais convôm a
passageiros que a negociantes, essas mesmas não se movem
com menos de iO, 5i) e 6 ) homens, e como para occupar
tanta gtmte é preciso occupar muitas embarcações, e carga
proporcionada que iiidemnisci a despcza que ella motiva,
segue-sc que Uies viagens e Uies cmprezas só se podem
realizar ou por negociantes de cabedal grosso e de cre-
dito, ou por muilos quando se incorporam ao menos na
passagem das cachoeiras.
H.— Ou seja de um só, ou seja de muitos, o comboi das
embarcações, como mais ordinariamente succede, é pre-
ciso adiantar a despeza da compra d*ellas, é preciso jà
desde o Pará fazer despeza, c perder parte do porâo com
os cabos, ferramentas e mais trem necessário para as ar-
rastar, e para as concertar dos grandes estragos que pa-
decem, é preciso fazer grandes dcspezas, ou na compra
- 47 -
de ôscra?õs para remeiros, ou em ajuntar os índios que se
obrigam a semelhante serviço, e tio sustento e vencimaE-
ios iFelles o dos práticos que lhes sâo indispensáveis, e é
prtíciso perder grande parte do porão das embarcações
com proviraentoSt ainda reduzi ndo-se essencial menle a
farinha, que jà nâo lia onde tomar de Borba para cima, o
às vezes nera n'esla mesma povoação ; ó preciso emãm
contar que todas estas despezas a excepção dos escravos
ficam em pura perda.
9,— Sobre loilas esLas diíTiculdades, que facilmente su-
perara a redundância de cabeda! ou de credito, porque os
subidos preço dos géneros em Mato Grosso iodem nisam o
emprego e empate delltj, prevalece a da falta de gente,
mdios, que sem duvida seriam os mais próprios para
t viagens, se o clima lhes não fosse tão fatal, repugnara
por tão justa causa empregar -se D*ellas, e por terem sido
muitos os que se tém empregado, ou sacrificado^ se acham
as povoações tâo extiaustas quanto é constante. A* excep-
ção d^aqueiies que chegando a habitua r-se ao clima vém a
ser práticos d*esla carreira, e vencem soldadas mais cres-
cidas, acaso se achara algum que a queira emprehender
sem coacção, porque os comboeiros para mais fundamen-
tarem a sua natural aversão nao omíttem deprimir o quanto
podem nos seus vencimentos, nos que Ibes vém apagar
procuram desfazer-se das fazendas mais ruins por preços
enormeSt não querem nem Despeitar, nem que se respeitem
n'elles os direitos que as leis concedem aos homens a
que Sua Mageslade piamente foi servida restituil-os»
querem ser servidos e tratal-os como se servem e tra-
tam os escravos, ou peior, porque desde que chegam
termos de não poderem trabalhar, que morram ou que
ram, como lhes nao custaram as sommas que aquelles
custam pouco lUes importa, do que tudo alem da cons*
— 48 -
tanle repugnância dos índios para todo o Irabaiho pesado
e continuado, resulta que um comboi de canoas esquipadas
com elles quando chega a Mato Grosso apenas conserva
um pequeno numero dos remeiros que precisa, tem sido
desamparado d^elles por muitas vezes, e tem inquietado
três ou quatro vezes maior em repetidos soccorros para
lhe ficarem alguns. Os pretos escravos, que, supposto agora
se queiram inculcar impróprios e inhabeis, substituiram
sempre os indios,servindo de remeiros aos commerciantes,
custam trabalho grande parase ajuntar o numero preciso,
pela mui limitada importação e mui prompta extracção que
elles têm assim que chegam, e custam grandes sommas,
sendo o preço ordinário de cada um ViO^ até loOj).
10. — Um comboi de canoas de um só, ou de mais nego-
ciantes esquipados com indios motiva terrível confusão nas
povoações d*elles, afugenta muitos, causa a morte de ou-
tros, por fim obriga os mesmos negociantes a desembolso
considerável em pura perda, e todos aquelles effeitos ainda
são mais sensíveis se a expedição é auctorisada pelo serviço
real. O mesmo comboi esquipado com um pequeno nu-
mero de indios, quantos são indispensáveis para práticos e
pilotos, e todos os mais remeiros escravos, poupa a vida de
outros tantos d'aquelles infelizes, eviti as fugas de muitos
mais, povoa as minas com a íntroducção de novos braços, e
se exige desembolso considerável não fica perdido, antes o
retribue com avultado interessye, poupa as despezas dos sa-
lários, indemnisa o negociante pelos lucros na venda d^elles
do prejuízo que experimente na morte de alguns, a que não
são tão sujeitos como os indios, por acharem mais analogia
no clima do Mato Grosso, e pelo differente trato que re-
cebem dos senhores, se não por humanidade, pelo interesse
de os conservar. Finalmente n'um comboi assim esqui-
pado tudo se move regularmente e à vontade de proprie-
- 49 —
târio, porque os indios por serem poucos» e pelos bons
partidos que recebem, obedecem e trabalham fâo prom-
pLimenle como os escravos; o mesmo proprielario não
exige de uns e outros por inleresse próprio mais do qne
razoavelmente pôde pretender, e procede na sua penosa
tiagem sem o receio de se ver a todo o instante a si e o
s* u cabedal em inteiro desamparo pelas deserções da gen-
ICp pois que os escravos ainda querendo fugir os conlôm o
ruedo do gentio e o paiz que desconbecem> o que tudo ex-
tensamente ponderei em ofício q- 14 do anuo de 1792 na
ilâla de 3) de Abril, para mostrar que, a continuar-se o
mesmo syslema, a navegação se faria mais vantajosa ao
commercio e ao Estado, occupando-se em lugar de indios
para remeiros u maioi^ numero de escravos que fosse pos-
iivel.
II,— Quer um, quer outro modo é por certo violento, e
difliculta a regularidade e facilidade que deve haver em to-
das as empre^ías do commercio ; mas o primeiro e innega-
velmenle menos diflicil, e faria mais accessiveis taesempre-
zas a maior numero de individuoSt até inteiramente
extinguir e afugentar os indios das povoações* O se^mudo,
innegavélmente mais ulil, exige mais cabedal e credito, mas
com estar este paiz em muito maior atrazo no tempo da
companhia extincta do que ora não esta, com ter então
muitos mais indios do que nao tem presentemente, foi o
que se praticou quando mais floresceu o mesmo commercio
eom mui poucas excepções, ecombois esquipados inteira-
mente com indios sò me consta terem navegado os que su-
biram a levar soccorros de géneros, ou de gente por conta
da fazenda real; e agora que estes combois, ou os que por
taes se figuraram por serem muitos, e mui successivos pelo
apparente motivo da expedição das demarcações, reduziram
as povoações á decadência em que eslao, agora se intentou
TOMO XXVUI» p* K 7
- 50 —
attribaír a interrupção, ou extiocçao que elles causaram ao
commercio i falta de índios, ou à minha repugnância em
constranger e sacrificar esse resto d'elles para continuação
dos mesmos combois, quando nem eram de Sua Magestade •
nem determinados pela mesma senhora, nem concorria jà
o mesmo apparente motivo^nem beneficiavam o Estado, que
nunca pôde interessar em promover a opulência d*alguDS
particulares peío sacrificio da vida de centos d'outros.
12.— João de Sousa de Azevedo, um dos que mais fre-
quentou esta carreira no seu principio, e que descobriu a
do Tapajoz não continuada, jamais quiz para taes viagens
senão os seus escravos, e com razão, porque os pra-
tos são muito mais robustos e próprios para os tra*
balbos violentos do que os Índios depois que adquirem
a intelligencia necessária para os executar. Todos os com-
boelros que desceram no tempo da companhia, a demora
que tinham em partir, era a de ajuntar escravos, porque
quantos ella introduzia logo se distribuiam. Em os ajun-
tando, ou se ainda a companhia tinha alguns, providos
d'elles, e das carregações quasi inteiramente a credito, nada
mais solicitavam, nem se lhes concedia por este governo do
Pará, do que cinco indios para cada canõa,e estes comboei-
ros assim emprehenderam e executaram as suas viagens,
correspondendo quasi todos à mesma companhia com paga-
mentos promptos. Logo, esta navegação é praticável, e utii
fazendo-se com escravos. Logo, não é arbítrio novo e de
minha invenção, nem chimerico, nem impossível, como se
me quiz arguir; e se a outras causas mais próximas se deve
attribuir o abandono a que chegou este commercio, não
digo, como tenho ouvido de alguns, que seja inteiramente a
da pauta de preços que se taxaram aos géneros introdu-
zidos por esta via do Pará, que desviou os comboeiros para
a do Rio de Janeiro, ou a do commercio, que se introduzia
- SI —
nos combois qne §ô pretexlaYam úteis e necessários para o
serviço real, e provimento dos armazéns reaes, ou a da ei-
Itncçlo da companhia, e consequente íalla de empréstimos^
6 avançoSt ou a má fé de alguns dos comboetros a que se
pemiillin relirarem-se para o Rio de Janeiro com os cabe-
daes que tinham levado a credito do Pará, porque aquella
pauta íiao sei se se observou escrupulosamente, porquo,
apezar do commercio que se introduzia gratuito nas expe-
dições do serviço real, ti3o é de crer que fosse lanlo que to-
lhesse totalmeute outro qualquer, porque aioda em tempo
da companhia começou a declinar o commercio, porque
assim mesmo frouxamente continuou depois da sua extinc-
çio» e porque em toda a parte sempre ha uns que proce-
dem bem, o outros que procedemjmal, mâs digo que em-
quanlo o commercio depender de meios tão violentos, a qual-
quer miuima concussão, a sua existência precária cessará, e
sem esforços extraordinários nao poderá restabelecer-se.
13.— Para sentir esta solida verdade, para reconhecer
quanto sejam violenlus os meios de que depende este com^
mercio e a sua consequentemente precária existência, const*
dere se o da metrópole dependentemente dos mesmos meios,
venho a dizer que o negociante que queira prover as provio-
cias dos géneros da producçao do Pará para os mandar, ou
lerar de Lisboa ao Porto precise comprar um, ou mais biates
que para os espalhar pelos mercados das províncias, das
cidades, e vi lias do interior, precise comprar carros, cavai*
gaduras,ou embarcações próprias para os trajectos por agua
onde fossem necessários, e por fim que todos estes hiales.
Carros, cavalgaduras, e embarcações, completa a viagem^ fi-
quem inúteis: haverá porventura muitos que possam 6
^queiram emprehemler semelhantes negociações? Haverá
genta, a cabedal bastante para se empregar em muitas ?
Deverá attribuir-se a irregularidade, a interrupção, a falia
— 52 —
d'ellas, e a carestia dos géneros, vagamente a uma, oaoatra
causa, quando a verdadeira e constante está saltando aos
olhos ? Como pois no commercio de Mato Grosso se não
querveramesmácausa,e ainda mais activa?! Digo mais
activa porque os negociantes do Pará, e os mais atrazados
de Mato Grosso, têm muito menos cabedal proporcional-
mente que os do reino, porque estas capitanias têm muito
menos população, porque no reino não seria preciso ir
rompendo estradas, ir fazendo casas, e levar o provimento
de viveres para atravessar tão dilatados desertos como
n'esta navegação se precisa.
14.— Se esta reflexão não basta ainda para constituir
tão importante objecto no seu verdadeiro ponto de vista,
considere-se inversamente que este commercio se pôde
effectuar como* se effectua o do interior do reino, onde a
navegação não é, ou não pôde ser continuada, venho a
dizer que do Pará até a primeira cachoeira andem embar-
cações a frete, e não menos da ultima até Villa Bella ; que
desde a primeira cachoeira até a ultima haja homens e
embarcações opportuna e propriamente coUocadas para
fazer os transportes das cargas, onde podem fazer-se por
agua, e que, onde ora se precisa arrastar por terra as em-
barcações, haja cavalgaduras e carros, ou carroças para
transportar somente as cargas das que navegam no plano
inferior do rio para as que navegarem no superior,tudo em
termos que, assim como o negociante do Pará pode dirigir
ao seu correspondente em Trás os Montes quaesquer gé-
neros d'este paiz, sem mais trabalho que o de os fazer em-
barcar em um navio, e escrever ao seu correspondente de
Lisboa, que paga os fretes, faz a remessa ao Porto, a outro
correspondente, e escreve a este, que paga os novos fretes,
dirige os géneros, ou por agua ou por terra, a outro cor-
respondente, e este a outro successivamente até chegarem
- 53 —
â mao da pessoa a que se dirigem, que paga todos os fretes
e despezas, assim também o que quizer remetter alguns a
Mato Grosso, não tenha mais a fazer do que proporcional-
mente o mesmo que fica referido. Quem não verà.n'este
supposto gyro constituido o commercio no seu estado na-
tural? Quem deixará de reconhecer que todos os outros
meios por que é obrigado a correr são violentos, são for-
çados, e não lhe pcrmittem mais que uma mui precária
existência ?
15.— Esta subdivisão de trabalhos, uma das mais pode-
rosas causas da prosperidade e opulência das nações que a
sabe conhecer e promover, é a que falta em muitos ou-
tros ramos de economia publica, e da falta d*ella resulta
o atrazo d'esta, como geralmente de todas as mais colónias.
Entre as nações poderosas que têm cabedal e população
mais proporcionada à extensão com pequeno impulso dos
seus governos se estabelece. Nas colónias não succede o
mesmo, porque ainda havendo cabedal falta população, e
falta nos indivíduos d'ella a industria, o espirito de espe-
culação, a vontade de trabalhar, e sobejam os meios de
adquirir sem o incommodo de servir a outrem. Ainda
havendo, como não considero que haja, no commercio do
Pará cabedal proporcionado para emprehender e empatar
nos estabelecimentos que exige a referida subdivisão, a
conveniência própria não será bastante para arrastar e
conservar os operários que necessita, sem intervir a aucto-
ridade publica ; e, com) nem esse mesmo cabedal certa-
mente ha, é forçoso que, ou o commercio do Pará para
Mato Grosso continut^. a correr pelo mesmo monstruoso
system:i, ou que Sua Magestade se digne tomar este ob-
jecto debaixo da sua real protecção, e que as disposições
necessárias se façam á custa da sua real fazenda.
16.— -Bem podia a extincta companhia do Pari ter em-
- 54 -
prebendido, e ter executado com grande vantagem própria
estes ateis estabelecimentos; infelizmente, porém, nem
ao menos o de um triste edifício deixou n'esta cidade para
perpetuar a sua memoria, e, a não ter feito alguma intro-
ducção de escravos no Maranhão, e de poucos n'est6 paiz,
mereceria a mais execranda pelo abuso com que firustroo
as benéficas intenções com que foi instituida. Ella não só
preteriu este tão importante objecto, mas nem ainda consta
coadjuvasse a útil idéa do juiz de fora de Villa Bella, ir-
mão do conselheiro Alexandre de Gusmão, quando deu prin-
cipio a fundar nas Cachoeiras uma povoação de indios, para
o que mais é nem achou as precisas assistências d'este
governo, nem do de Mato Grosso, e pouco depois de prin-
cipiada teve de extinguír-se com a morte do mesmo juiz de
fora.
1 7. —O estabelecimento de uma povoação nas Cachoeiras,
única providencia porque geralmente clamam todos desde
muitos annos, é sem duvida útil e necessária, mas nunca
pôde por si só bastar para reduzir o commercio aos ter-
mos de facilidade que indiquei, menos que seja tão popu-
losa, que os seus moradores occupem a maior parte da
extensão de cachoeiras, o que por ora é quasi impossível.
A povoação que se principiou a fundar e a que se pretende
era, e deveria ser uma aldêa de indios como qualquer ou-
tra das d*este paiz. A conveniência e vantagens que se pre-
tendem d'ella são as de achar promptos os viveres para a
demora da passagem das cachoeiras, e a gente precisa para
auxiliar os negociantes n'estes trabalhos, e para supprir a
que tenha morrido, adoecido, ou fugido ; prevenindo assim
os novos perigos, incommodos, demoras e despezas por
que forçosamente têm de passar, quando por lhes faltarem
viveres e gente são obrigados a descer a Borba, e a outras
mais remotas povoações, para solicitarem soccorros, e ainda
^ m —
sem o fim de prerençao, mas sò pelo da coavenieDCÍa de
subsiituir muita carga de comraercio oo vâo que sao obri-
gados a perder em eousideraveis provimentas de ?i?ere9,
18*— Todas estas pretendidas vanlageas no pé actual a
que os directores reduziram os iadios» e as povoações
delias, isk) é, no pé de considerarem os índios como servos
OQ escravos, a povoação como curral d^elles, no de nem
respeitarem a sua voEitade, o seu interesse, a sua proprie-
did6, a sua vida, pôde ser que os viajantes encontrassem»
sabendo commeller ao director bons partidos. Mas, se esta
povoação se roíluzisse aos termos que prescrevem as leis, se
fosse possivel haver um direclor,qae não abusasse das soas
dispoi^içueSt e da confiança que fazem d'elle, se em lugar
de Índios se considerar que são brancos os moradores
cl'e]la, reconliecer-sc-ha por mui incerta outra vantagem
aos viajantes mais que a de acharem descanso, viveres e
refresco, c muito por acaso, uma vez ou outra, alguns in-
divíduos, que por conveniência própria os queiram servir,
largando o seu eslabelecimen lo, grande ou pequeno, e a sua
família, para omprebenrltírera uma viagem que ainda dV
quelia situação para diante é dilatada, ou mesmo para só-
menlB se arriscarem a viulenLissimos trabalhos na passa-
gem das cachoeiras, sendo de mais a mais tiies trabalhosa
laes viagens em climas lao fimeslos aos mesmos Índios.
Ouer d estes, quer dos brancos, nenlmm procurará, nem
80 conservara voluntariamente era situação semelhante,
senão por força de interesse, e, como o de servir aos via-
jantes nunca pôde slt uomparavel ao de cultivar as terras,
ou ao de exlrafiir d'elias os géneros que espontaneamente
produz a natureza, segue-se que lai povoação, intervindo
a abusiva coacção que acijna referi, em pouco tempo ficaria
deserta; não intervindo seria somente ulil a uns, mas inútil
a outros respeitos, sendo todos Decessariús.
— 56 —
19.— Das povoações e dos índios presentemente exis-
tentes n'ellâs, considero impossivel formar-se a que se
pretende, e tão populosa como devera ser para corres-
ponder aos pretendidos fms, pois que é constante o estado
deplorável de todas, e que entre ellas, apenas em seis ou
oito se contavam cem homens de trabalho ; sobre o que se
deve attcnder a sua aversão ao clima, e não menos a que
justamente tem para a sujeição a directores, que antes
querem andar vagando, do que persistir n^aquellas em que
nasceram, que existem em situações agradáveis e sadias.
Os que habitaram a que se fundou nas cachoeiras eram
da nação pamas, que habita ainda aquellas mesmas terras,
vagando como costumam os mais gentios, ora pelo inte-
rior e terras altas, ora pelas margens dos rios, segundo a
differença das estações e as guerras que entre si têm. Para
se fundar com este ou com outros gentios, a desejada po-
voação será preciso muito tempo, muito trabalho, cuidado
c despeza de que a final, ou quando cheguem a civilisar-se,
ou quando se aborreçam, virá a seguir-sc o mesmo fim que
acima expuz.
2i).— A navegação pelo espaço que occupam as cachoei-
ras não é de instantes, nem de horas. E' mui violenta, é
mui prolongada, exige demora de mezes, exige estação
própria, exige averiguações e reconhecimentos que não têm
havido, porque cada um só traia de passar como passaram
os mais ; e exige por consequência um corpo de gente pro-
priamente destinada para este fim, não para vagamente au-
xiliar as expedições mercantis de um, ou outro que acaso
se lembre, e tenha possibilidades de as tentar, mas para ef-
fectivamente se occupar na passagem, e transporte do com-
mercio, sempre perenne. Este corpo de gente poderá pelo
decurso do tempo constar lambem de indios, depois que se
habituarem ao clima, perdido o horror que conservam a elle ;
- 57 —
perora só deve constar (l'aquella que jà está habituada, que
é a de Mato Grosso. Esta gente carece de viveres, não ha de
distrahir-se em os ir buscar a grandes distancias, deve achai-
os à mão,e por isso necessila de lavradores, e que estes sejam
homens capazes de trabalho, que conheçam as vantagens
que podem tirar dos estabelecimentos que formarem, e
que saibam procurar recurso, e preservar-se quer da in-
tempérie do clima e das estações, quer do vicio das admi-
nistrações, sem recorrerem às fugas e deserções, a que os
índios única e indistinctamente recorrem ; consequente-
mente carece de homens brancos, e escravos, que são os úni-
cos lavradores attendiveis n'estes paizes, e com estes é que
se deve fundar, com estes è que se pôde contar sobre as
vantagens de uma povoação. Com índios também se virá a
contar, mas ha de ser com os que a estes se aggregarem,
com os que por bons partidos e tratamento conservarem, e
com os que se forem misturando comaquelles, como nas
-mais povoações e nos mais districtos d'este paiz, tem sue-'
cedido. Tudo o mais é violento, e o que assenta sobre vio-
lência não pôde continuar, nem prosperar.
21.— O Pará abunda de homens que vegetam em uma
triste choupana rodeada de algumas arvores fructiferas, ede
outros que nem isto têm, os quaes todos logo que se lhes fa-
cilitem escravos, logo que se facilitem meios de se estabe-
cerem, ainda que tenham de indemnisar, e retribuir com a
importância doestes soccorros, não duvidarão aceitar as
terras que se lhes derem para cultivar, principalmente
quando sabem que as que estão adjacentes às cachoeiras são
férteis, são abundantes de todos os fructos da producção
d'este paiz, e que o clima não é tão nocivo aos brancos; e
pretos como aos indios, e ainda a estes talvez não tanto
pela aspereza d'elle, como pela sua rusticidade e ignorân-
cia. Mato Grosso, ou Guyabà abunda, ao que dizem, de mes-
TOMO xxviii, p. 1- 8
— 58 ~
ticos, mulatos, e pretos forros, de que se compõem as com-
panhias de pedestres» que fazem D*aquella capitania todo o
serviço que n*esta fazem os iudios, e quando é preciso tam-
bém o serviço militar, sendo para um, e para outro igual,
mente próprios pela qualidade do clima e robustez da soa
constituição. Faltam pois unicamente os meios para pôr
esta gente em acção, faltam as disposições competentes, e
nada se poderá executar sem que a fazenda real concorra
com as despezas necessárias, e sem que Sua Magestade se
digne estabelecer e regular o plano que se haja de seguir.
22.— Porque a real fazenda haja de fazer despezas nao
se segue que haja de fazer sacrificios, ao contrario ellas lhe
promettem muito avultados interesses, não sò de promover
e facilitar o commercio, bem como se a cada commerciante
fizesse os avanços necessários para a navegação de soas
carregações, com o que vem a promover-se a cultura, e a
extracção do ouro nas minas de Mato Grosso, onde pela ca-
restia de preços dos géneros de primeira necessidade è mui
dií&cil, e está tão atrazada, mas ainda por estabelecer um
novo ramo aos reaes rendimentos nos lucros dos fretes
doesta navegação, logo que se execute nos termos próprios
que referi, porque tacs lucros sem coacção alguma necessa-
riamente lhe ficam privativos, e devem ser mui considerá-
veis, ficando os preços dos fretes sempre mais commodos a
qualquer commerciante do que lhe ficariam em expedição
própria, que emprehendesse.
23.— Reduzindo, pois, estes expostos principies a uma
pratica applicação, parece-me. Primeiro: Que por conta da
real fazenda se devem mandar estabelecer desde logo doas
canoas do porte de duas mil arrobas, ou mais se o commer-
cio as exigir, que de seis em seis mezes hajam de partir
da cidade do Pará, e navegar até a primeira cachoeira com
as carregações que a praça quizer mandar, pagando os
compelenles fretes, destinaodo-se um negociante para cor-
rer com esta administração, ou arremanlando-se por
€on irado, como sejam estabelecidos os preços dos fretes
0 se não possam alterar. Segundo : Que em Mato Grosso
se deve crear de novo^ ou destacar dos existentes
um corpo de GO ou HO pedestres com os seus oHiciaes
competentes para se estabelecer nas cachoeiras, e na para-
gem mais coiivenitíDte,provcndo-se de embarcações próprias
para no decurso do auno etfec ti vãmente se occupar em fti^
zer com ellas <fs Iransporics n^aquelle espaço diíBciL Ter-
ceiro : Que em Villa Bella se estabeleça ou umacanCia do
porte de duas mil arrobas, ou duas do porte de mil cada
uma, como for mais commodo á navegação, esquipadas com
os mesmos pedestres, para ulUmarem ns transportes da ol-
iima cachoeira até a dita vitia, porque sendo metade» menos
extensa a distancia que do Para até a primeira cachoeira, nSo
lige senào metade mi^nos no porte do mesmo numero do
embarcações* Quarta: Que na primeira cachoeira haja um
administrador para tomar conta dos carregaçõeSi que sa Ibe
remetlerem do Pará, c as dirigir ao commandante dos pedes-
rtís, este a outro administrador que deve haver na ultima
lehoeira, e este ao da alfandega de Vil la Belta, onde as
partes podem procurar as remessas que lhe pertencerem.
Quinto : Que cada ura d*estes administradores deve ser res-
pim sável pelos i»rejuÍzos, e avaria da carga no distrícto que
lhe pei*leiicer, o os cabos das embarcações durante as via-
gens, mas que toda a que se achar avariada sem se saber, e
Sã fazer certo onde se avariou, como, quando, e se julgar que
mo houve causa bastante, pague o seu valor o ultimo que a
entregar n*este estado : pois que a não es lar a culpa n^elle
estará, pelo menosa ile omissão em a não ter visto, e toda
À vigilância deve haver, afim de evitar taes prejuízos,
jie podem mleiranicnle embaraç^ar o commercio, desgos*
— co-
tando os commerciantes, ainda que alguns serão indispen-
sáveis, como em toda navegação saccede, mas por isso mes-
mo se deve fazer certa» e publica ajusta causa d*elles.
Sexto : Que os fretes das mercadorias se paguem no Pará,
os da conducção até a primeira cachoeira ; e em Mato
Grosso os do transporte d'esta até a villa capital, regulando-
se os primeiros pelo estado dos que se pagam nas mais nave-
gações do Amazonas, e os segundos em Mato Grosso pelo
que se arbitrar, segundo o calculo prudente que se formar a
respeito d'elles. Sétimo : Que todas as despezas do custea-
mento de embarcações, navegação, e transporte até a pri-
meira cachoeira se façam pela junta da administração da fa-
zenda real do Pará, e todas as mais d*esta cachoeira para
cima pela provedoria de Mato Grosso, pois que é seu o dis-
tricto, a utilidade que ha de colher muito maior, e que
aguas abaixo nas embarcações que hão de vir buscar carga,
em lugar de navegarem em lastro, podem trazer prompta-
mente os viveres, e assistências precisas, sem íncommodo
algum. Oitava : Que, acudindo mais redundância de carga
no Pará, se augmente gradualmente o numero das embarca-
ções, e da mesma forma se reforce o destacamento das
cachoeiras, e se augmente o numero das embarcações que
devem fazer o ultimo gyro.
24.— Estabelecida, e facilitada a navegação, é preciso
ainda promover a facilidade das remessas em taes nego-
ciações, procurando-se-lhes a possível segurança no em-
bolso, e cohibindo-se por todos os meios possíveis as
extorsões, a fraude, e a má fé, a que o commercio nunca
resiste, e menos em semelhantes distancias. O que mais
efficaz me occorre a este respeito, é que nas referidas em-
barcações, nem a titulo de mimo, presente, ou qualquer
outro, se prohiba com as mais rigorosas penas embarcar
volume algum, por pequeno que seja, e por grande que seja
- 61 -
a pessoa a que se dirija, sem que pague o competenle
frete.
Tudo o que se apanhar fora das lislas seja tomado, mas
pagando frete tudo seja recebido, pois, embora possa haver
concurrencia de commercio extranho, já não prejudicará,
ou excluirá o da praça. Parece-me também que aos go-
vernadores de Maio Grosso, como a todos os do interior
do Brasil, deve ser prohibida a faculdade de conceder licen-
ças aos combefeiros, que sobem dos portos de mar com car-
• regações, e aos do próprio paiz, que as recebem d*aqueiles,
n*uma palavra a todos os que têm relações de commercio
em um porto de mar, para se passarem para outro sem ou
ajuntarem ordens e licenças de seus credores, e consti-
tuintes, ou sem mostrarem legal e competentemente que
já liquidaram, e solveram as contas que tinham com elles.
Parece-me mais que a respeito das cobranças no interior
da America se devem accrescentar ás disposições gcraes das
leis as que a differença de circumstancias faz urgentíssimas,
para que o commercio floresça, e continue sem as interru-
pções a que está sujeito.
25.— Todas as disposições indicadas no § 23, sobre o
estabelecimento da navegação, se devem reduzir de prin-
cipio ao que fôr meramente preciso, para que o commercio
possa aproveitar-se quanto antes de tão útil providencia,
mas logo depois se deve cuidar em reduzir a ordem, e con-
solidar a mesma navegação com os estabelecimentos ade-
quados, que sem tempo e sem trabalho elTectivo nas ave-
riguações necessárias se não podem regular.
26. — Para o trabalho pratico da navegação no espaço
de cachoeiras basta qualquer oílicial, ou dos da tropa de
Mato Grosso, ou dos da d'este paiz, que tenham feito algu-
mas viagens ; mas para examinar, regular e estabelecer o
mais commodo, fácil, e breve que se deva seguir, o nu-
- 62 -
mero de homens e de cavalgaduras, o nmnero, qualidade
e porte das embarcações e dos carros, as situações em que
se devem postar, as eslradas que se devem abrir, não basta
nenhum d*estes, e se precisa outro de conhecimentos e
actividade fora do commuin. O que supponho ter estas
qualidades, e está mais à mão de executar diligencia iSo
importante, é o tenente coronel Ricardo Franco de Almeida
Serra, actualmente empregado em Mato Grosso. As pri-
meiras averiguações devem dirigir-se às cachoeiras, em que
se costumam passar as embarcações em varadouros por terra,
para examinar se ha estações em que se possam passar a
canal, se tem contiguos alguns igarapés, ou ribeiras, que
limpando-se facilitem mais a navegação, ou se é absoluta-
mente impedida, para em tal caso se abrir estrada própria,
se fazerem ranchos, se prepararem carros, ou carroças, e
se ajuntarem as cavalgaduras, que de Mato Grosso aguas
abaixo se conduzem com brevidade e facilidade, anticipan-
do-se o trabalho de limpar de iMato Grosso porção que íôr
bastante para pastarem. As cachoeiras que ouço reputar
por mais difficeis e trabalhosas são as que chamam do Salto,
do Giraú, do Ribeirão e da Bananeira, mas nem todas
exigem varadouro senão em certas estações em que os rios
tèm mais ou menos agua. As outras mais commummente
ouço que tém canaes, e no Diário que jà accusei vejo que
descontados os dias de demora em descarregar, e carregar
as canoas, em as varar por terra, em as concertar, em
abrir estradas e fazer ranchos, para apurar somente os de
navegação elTectiva ; vejo, digo, que estes são mui poucos, e
em consequência julgo que feitas as opportunas providen-
cias indicadas em muito menos será praticável, e a pouca
gente não tendo outro serviço em que se occupe.
27. — Para o estabelecimento de povoadores e de po-
voação deve preceder o examo, as averiguações, e os esta-
— 63 -
belecimentos acima requeridos, pois qae aquelles se diri-
gem, OQ devem dirigir a sustentar e consolidar estes. Â
situação que todos uniformemente dizem ser-a mais própria
para se estabelecer a povoação é a da cachoeira do Salto,
onde houve a de que jà fallei ; comtudo para os fins indi-
cados pôde ser que não seja a mais própria, e pelo menos é
certo que n'aquella situação não serve nem para o primeiro
deposito, nem para o ultimo; em preferencia a tudo, acho
eu que se deve procurar a mais sadia, e depois que também
preencha alguns dos muitos fins úteis para que deve servir,
e como por ser mui grande a extensão das cachoeiras, não
é possível que sem muito tempo se povoe toda, não devem
lodos os colonos situar-se, e formar os seus estabeleci-
mentos nas imniediações da povoação, mas se devem dis-
tribuir por todos aquelles postos onde houver as mudas de
gente e d'embarcações, para evitar transportes dos géneros,
e soccorros precisos, obrigando-se poréin os que povoarem
qualquer dístríctoaque sempre as habitações estejam a
distancia de se prestarem mutuamente os que carecerem,
assim no caso de serem acommettidos por nações de gentio,
como no de ruptura e invasão de castelhanos.
28-— Em todas as povoações que se tftm fundado n'este
Estado, principalmente nas de Mazagão e Yilla Vistosa, se
commetteram grandes erros, e por motivos d*elles ficaram
inúteis, ou quasi inúteis, as consideráveis despezas que
empregou a fazenda real, tanto assim que a segunda está
com três ou quatro únicos casaes, e a primeira com menos
de metade dos que chegou a ter. D*estes erros, depois do
de obrigar homens que o interesse só basta para attrahir,
foi o maior os das péssimas situações em que se fundaram,
que por doentias são tão inhabitaveis que, se Sua Magestade
fôr servido permittir a liberdade de sahirem d*ellas os
que qnizerem, parece*me que um só não ficará. Outro foi o
« 64 —
de empregar em avultadas rações para fomeolar extorsões,
e roubos, em casas, e outros edifícios supérfluos ; de prin-
cipio o cabedal que empregado em escravos, para se lhes
ficarem em poucos aunos restituiriam, fícando-lhes com
que comprar mais, e com que fazer casas. Estes exemplos
refiro agora para que se fuja d*elles na fundação da po-
voação de que trato.
29. — Já com este fim disse eu que devia preceder tem-
po, e os estabelecimentos relativos à navegação, porque os
exames, as averiguações, e a demora que estes exigem,
servem tambeta para se descobrirem as situações mais con-
venientes. Semelhantemente disse já que a coacção não
devia entrar n*estas disposições por modo algum, e disse o
que bastava para attrahir colonos. Debaixo dos mesmos
principios, parece-me que se deve adiantara cada casal seis
escravos de um e outro sexo, as ferramentas que precisa-
rem, e os géneros, que quizerem para seu sustento, e de
sua família pelo primeiro anno, não excedendo termos e
limites razoáveis, tudo á escolha e convenção de preços
dos mesmos colonos, com condição porém que a impor-
tância total doestes soccorros (exceptuada somente a do
transporte, que deve ser gratuita e á custa da fazenda real),
será paga á mesma real fazenda por cada colono na parte
que lhe pertencer em cinco annos, por três annuaes, e
iguaes pagamentos depois de passarem os primeiros dois
de espera, mas cora expressa inhibição d*alheiar estes es-
cravos, ou qualquer outra cousa, por nenhum pretexto,
nem mesmo pelo de dividas, verdadeiras ou phantasticas,
emquanto aquella não tiver sido paga á real fazenda.
Parece mais que o auxilio d*escravos se conceda só aos pri-
meiros doze que se olTerecerem, sendo casados, mostrando
que são lavradores, e não terem crimes, porque estabeleci-
dos estes facilmente se atlrahirão outros sem tanto incom-
— {\n «-
modo mais que o de terras, o de empréstimo como fica
dito, de ferramentas, e géneros pelo primeiro anno, e a
passagem gratuita, o de moratórias aos que tiverem dividas^
por certo numero de annòs, a liberdade d*ajustarem, e con-
servarem em seu serviço os casaes de índios que volunta-
riamente os quizerem acompanhar, a isenção de recrntas
para seus filhos, a do serviço mesmo auxiliar, excepto em
defesa do próprio districto, a liberdade de vir à cidade, ou
a qualquer outra parte, tendo precisão, e não ficando o es-
tabelecimento em desamparo, a de o largarem depois de
formado, e depois de paga a fazenda real, achando quem o
compre, e também os escravos, a que senão deve conceder
a sabida por não atrazar as lavouras, acho eu que sem in-
conveniente se podem geralmente permittir aos que qui-
zerem povoar aquelias terras, determinando-se penas pro-
porcionadas, e limites justos, para que se não abuse, senão
illudam, e inutilisem semelhantes graças, as quaes são a meu
ver bastantes para que qualquer possa formar o seu estabe-
lecimento, adiantados por empréstimo os precisos meios.
Formados estes, cada um pelo decurso do tempo formará o
de casas na povoação, e no lugar que se lhe indicar, con-
forme as suas possibilidades e o seu capricho ; e a fazenda
real só terá de fazer o sacrificio do transporte dos colonos,
o de uma ou duas igrejas, conforme as distancias, o das
côngruas aos vigários d'ellas, o de construir e manter um
hospital com a sua competente botica, e os oíficiaes preci-
sos para serem n*elle gratuitamente recebidos, assistidos,
e tratados os que se quizerem curar, emquanto não tiverem
meios de fazer em suas casas, e o de ranchos competentes
aos primeiros colonos que se houverem de estabelecer em
situações determinadas para a sua primeira hospedagem.
30.— Ainda que não sejaiacil avaliar ao justo a impor-
tância dos sacrifícios e das despezas, assim de costeamento
TOMO XXVIII, p. I 9
- «8 ^
ià navif a^, úmm úm «impuiitimas qoe teta de (a»r na
coDÍorJBidade exposta á fazenda real, assàâ se deixa ver que
Ekâo pòddSâi* aviilladâ, niin digna da inaiur aiUem;ãri, mor-
menta quafido é de or^rquaoi rendimentos dos freletjl
a (^ de ler protluzido lio ccinsidt^ravcl, qm baste pan
juaotor e adíanUt iis|in>poslosestabeleciiiiGnti33* Koso&l-^
wloa, flUQierúB 4 e ã, ^pposto que não sè possâ eomar
com precisio, como Jà dsaie» isait bg póds romabdeer esiâ
Terdade» e qu6 as despesas ainda fíram titínos sensivas,
taolo por nao ÈiiigiroiB pi ojopU) e immedialodôsemtKtUOt
eouiQ par ser índispt^iisavf l i|U€ para cilas se concorra ao
mmmú laiapo p^lo Pará, peto Utn ?it'gro e por Mãlo (kosso
com eí g6fi6ros, & com os maios próprios de cada pafê]
ma/B qia^udo aâsim oão seja, quando a f^tzerida a^aJ faça o
Sâailkio d'êâ8& ia€êJBa« é de maior quantia, nunca tlcari
prejudicada, logo que a nawgíiçào e o commcrcio proslga,
logií qu€ oâ fiokioos u as suas hivouras príisperenu
Ul.— £âíãe pôfém iião será jàmais it mtu parecer. A
fuiada real não d^ve faziir mais sacríficioi quê os indis-
pdQsavt^ii que mftíríf o [K^sani ainda ai:crcscer, e, quando
se consídaFe Wk adiado do m supportar, melbir è applicar
a imtH»rUiiicia 4'€lle& à hypolhec^i de ihiI m muito maior,
para âdiaotar por sanidliaDii MNiitno^ tantos mato
colonos e «slabt^lcQmetilos. u , í<»mj inimigo d^ettes i
liiÍJÍlnÉii% e a mais padero» causi aulre muitas outras f
do deu attãm, é a preguiça d^elles* Acaso alfuiii se êm^ft-
Lr^qué tralAlhe por adquirir, o por adiantar os seus liens.
mvx que a necessidade o obrigiii^f e tstii necessidade é a
em ^w prtMâodA se oonititiwn pela de indomnisar a raal
faxanda^ e pela de pagtr a sous credores Onda a espera,
qi}e o prívifegio do estabelecimento lhes eonEnà. Dt) outra ^
lèfVEa não farão mais qaa T0g(»&r inutilmente. ■
JI2«— á ccmeorreaciã de lun miniiliro o'^i»tiei estatifsle^
— «1 —
dtttiítai pâraca na^iaiia, e oi que eitlo Wbte i mâô de
8«rêm ittpr^ados sao : o« o qm servir ile ciiíTidor em
Eia N«gro, figlatido j>rGTido mie lugar, que por ora mk vago
dâ muitas ao nus, ou oê que ierfirem am Mato G#oé96,
lariU) par sôrem m mm pri^iíuiof 6setid»stncto,^mo
piHTHais nos reôptíoUvos Iug&rã3 não leriõ tanloqae fazer,
M» láõ imporlante que sãja praciso augmQQtar mais des^
piítt i^uio uuiro de oâvo; mas este mioiMro, ({lalqtiêr qm
seja, parijcc-uoe qm m oao Jovu ititromalter uo que Rir
d^ conipt^iuiHMatte diversa prolissíEQ, mas sòmeftte ser eii*
Êarregado de adrainisU^ar jusUça, manter a ordem èrega-
laridade, assim mire os habitantes como oa navegação e
^commerdo, o roger a ztilar o que perleflcer á fazenda real,
íveriittdosfi toda a õoulestaçSf> quo poâ&a miftcilar-se com
a aflteiat miliUtr que fèr «ncarregado da» averiguações an-
ticipadas, e da exocução do ptano respectivo à navfgaçlo
no espaço de cacboeiras.
33.— Como este uu qualquer «iutrõ plano ha de vir a Sít
eiectitãdo na extrema de dois govaruos de igual o&raetef ,
e inílependenk^s, o que por certo sorá nSo pequerio motivt»
ilf implicâncias reciprocai, e de pretei£ti>9 aosagênles s^-^
haUtínios, para encobrir as suas prevaricações e as de^f^
dtm que cj^sliimam cornmellori parece ainda mais aeceâ-
iariu> que Sua MagcstaJo se diguo pn^screver a cadu um
oprooedimento qua dôvasflpir, para que resulte a una*
nimidade e uniformidade de esforçois que é ftempre pr6cÍ90,
í; muilo mm quando ^% providencias do throtso nioie
pod«*m soiíciíar, nem podem chegar tão promptamtntô
como em sernnlhantea circumsUncias m rêquef*
34.— Tíiiiibem é mais que tudo preciso prevenir lodo o
preloato ás eonteslaçui^s dos visinbos caslelbaôos, que por
tmtú flão oltiarlo com índitTerença para êiiabeleeimentos^
que direclam^anie uôs procuram flío 96 grafíde melbofft*
— G8 -
mento ao commercío e cultura d*estas capitanias, mas
que as põem nos termos de se prestarem promptos e mú-
tuos soccorros, para frustrar quaesquer intenções e esforços
(l'elles« quando pelas expressões do art. 18 do tratado pre-
liminar do l"" de Outubro de 1777, que são as mesmas do
art. 19 do tratado de 1750 in /ine,.não estivessem auctorisa-
dos a obstar. Á margem oriental do Madeira atè a sua junc-
çSo com o Mamoré, e a oriental d' este até se incorporar
com o GuaporéySao nossas sem conteslação. O ponto d*onde
se ha de tirar a linha divisória de £. 0. para o Javari não
está determinado, e, ainda que se diga que deve ser abaixo
das cachoeiras, uma vez que os estabelecimentos que esta-
vam feitos deviam ficar salvos, e que jà os tivemos na ca-
choeira do Salto, que é a segunda, parece inquestionável que
pelo menos d* cila para baixo nos deve ser privativa a nave-
gação do Madeira, e que,a muito pretenderem os castelhanos,
não poderão pretender mais do que a navegaç/ão commum
d'aquella cachoeira para cima; digo mais porque não tendo
taes castelhanos precisão alguma de descer pelo rio da Ma~
deira desde que vem junto com o Mamoré, senão para nos
fazer mal ; e sendo-lhes somente preciso subir o Mamoré, e
Guaporé, para as communicações das suas povoações, parece
inquestionável pelo espirito, epela letra dos arts. lá e 16
do ultimo tratado preliminar de limites, que o ponto da
juncção do Madeira com o referido Mamoré deve ser o de
que parta a linha divisória para o occidente, e parece mais
inquestionável que senão deve perder tempo em re-
forçar pelos da arte os obstáculos collocados pela natureza,
antes que aquella ambiciosa nação nos previna fechando-nos
aquella via de communicação, e de soccorros, e para que
nem possa inquietar o Mato Grosso, sendo justo receio de
que as suas forças sejam interceptadas, e diíBcilmente soe-
corridas, nem inquietar os nossos estabelecimentos do
— 09 —
Amazonas, e do Rio Negro, a favor da entrada qae tem
franca, assim pela descida do Rio da Madeira, como pela do
Solimões.
35.— Em muitas situações dos vastíssimos domínios de
Soa Magestade sem o íim de beneficiar os povos, e de pro-
mover o commercio, e riqueza d'elles, mas só pelo da con-
servação dos mesmos domínios, tem sido indispensável o
sacrificio de muitas e mui consideráveis despezas da sua
real fazenda. Na fronteira d*estes, sem mais trabalho que
ode providencias opportunas, eo incommodo do avanço
de algumas pequenas sommas, a presentemente horrorosa
passagem das cachoeiras se converterá em uma perenne
fonte de riquezas para o erário, e para o publico ; servirá
de padrasto inconquistavel aos visínhos que nos rodeam,
de laço á intima união d'estas duas remotas colónias, de
vigorar, de consolidar, e de fazer emfim florescentes, e res-
peitáveis os estabelecimentos de uma e outra.
Pará, 4 de Agosto de 1797.
D. Francisco de Sousa Coutinho»
- 70 -
EXPLORAÇÃO DO RIO PARAGUAY
E
PRIMEIRAS PRÁTICAS COM OS ÍNDIOS GUAYGURUS
Illm. 6 Exin. Sr.— Ponbo oa maode V. Ex., p9a*aqiie
hajam de chegar ao real conhecimento de Soa Magestade» as
cópias inclusas, onde se conlèm as derradeiras noticias qae
se me participaram do presidio da Nova Coimbra, assim a
respeito da exploração ultima que mandei fazer sobre o rio
Paraguay até quatro dias mais de boa viagem para baixo, ou
para o sul do mesmo presídio ; como concernentemenle ás
primeiras praticas que já se tiveram em conformidade das
ordens do dito senhor, e das consequentes instrucções mi-
nhas com a valorosa nação dos Índios guaycurús ou cavai-
Iciros, que hahiUun por junto d'tiquellas margens em
grandíssimo numero; resultando d^esti communicação uns
princípios decommercio que, sendo possível aperfeiçoar-se,
bem se vê que elle poderia vir a ser ainda da maior utili-
daílcaofim principaluíMitede conservar e mesmo i^stender
os adjacentes territórios qutí pertencem ao real dominio
porliiguez, cujns por aquella parte terminam o Brasil, ou
bem parece que deviam temiinal-o.
\d falta, pois, das reaes resoluções que a V. Ex. lenho
pedido por vezes para haver de regular-me sobre promover
ou não com mais eíTicaria aí|uelleestabelecimento 'sendo, já
se vê, preciso no primeiro raso que paro o d to effeito se
consignassem meios adquiridos), me tenho por agora re-
duzido a executar sómenle providencias que não occa-
sionem mais avultado dispêndio da fazenda real ; e na ver-
dade que me tem sido necessário usar dos maiores esforços
de economia e de industria suggeridos pela urgente situação
presente, em ordem a que a sobredita empreza, depois de
- 71 —
C0oiiásrafn)l processo qao já tem, nSo seja abainJonadâ
por falta dos expressados meios até que Sua Magestade se
digne fiiaimeote determinar n'esta matéria o qne fõr ser*
vido, para com a devida pontualidade eu lhe dar execução.
Deus goarde a V. Ex. muitos annos com muito saúde e
felicidades.— Villa Bella, 10 de Janeiro de 1777. — Illm.
e ExxsL Sr. Martinho de Mello e Castro. — Luiz d'Albu-
fkkerqne de Mello Pereira e Cáceres.
Diário da expedição que ultimamente se fez desde o
presidio da Nova Coimbra pelo rio Paraguay abaixo, por
ordem do governador e capitão general das capitanias do
Mato Grosso e Cuyabà, Luiz d*All)uquerque de Mello Pe-
reira e Cáceres, aonde principalmente se relatam algumas
conferencias que se tiveram pela gente da mesma expe-
dição com os Índios guaycurús ou cavalleiros.
Sr sargento mór, commandante, Marcellino Rodrigues
Campoiies.— Em observanci.i das ordoiis do Ilha. e Exm.
Sr. Luiz d'Álbuquerque de Mclio PtT iri e Cáceres, foi
servido deslinar-mo ainda à confluência doeste rio Para-
guay até ura estreito ou f^cho chaíiiado do San tome, que
dista d*este em que nos achamos fortificados três dias de
boa marcha, conforme ensinuam as ordens do dito senlior,
as quaes Vm. foi servido communical-as antes da partida.
Fez Vm. aproraptar para esta diligencia quatro canoas,
graodes, e um batelão, todas guarnecidas das melhores
armas, que havia no presidio, e os melhores soldados da
guarnição, assim dragões, como pedestres, três auxiliares
e ordenanças que com os trabalhadores completaram o nu-
mero de ^ 5 praras, em que entram os oíficiaes, levando
também a capitanea ama pecinha de meia libra montada
para melhor delesa de algum acontecimento guerreiro que
se ofiérecesse.
r«MM Ym. a bo&ra de entrogar & commsBdancia da
dita capitanea, c a dila de oulra ao ajudante de auxiliares,
que serve da praça, Francisco Rodrigues Tavares, e a de
outra ao cabo de esquadra de dragões José Vieira Passos, e
a de outra ao soldado dragão José da Fonseca Fontoura, e a
do batalhão de espia a um sargento de ordenanças Manoel
Pereira da Silva.
O que tudo assim promptificado, demos principio à nossa
marcha em o dia 3 de Outubro de manhã, eproseguindo
n'ella todo o dia com accelerada marcha não encontrámos
novidade digna de allenção, e o mesmo aconteceu no dia 4,
que era o segundo da viagem.
A horas competentes no dia 5, que ora o terceiro da
marctia, a continuámos, fazendo eu reforçar o batelão de
espia com o soldado dragão Manoel José Corrêa e um
soldado da ordenança, por razão de nos irmos engol-
phando era caminhos mais arriscados, e com eíleito não
deixou de aproveitar o dito soccorro, porque, sendo
10 horas do dia, avistou o dito batelão no voltar de um esti-
rão de rio que no fim d'elle andavam três canoas de gentio,
e fazendo com a bandeira signal á capitinea, como tinha
por ordem, se pôz em diligencia de lhes dar caça, por ver
que em uma, se navegavam dois indios, e nas duas outros
dois ; todos com a maior violência seguimos o mesmo al-
cance, porém como era longe e os ditos indios se atraves-
saram o rio e se embarcaram por um sangradouro de
campo, e vendo eu isto, fiz chamada ao dito batelão, por-
que não succedesse cahir em alguma emboscada dcs que
costumam assim fazer os taes indios silvestres ; e, como o
fundamento das ordens era mais solicitar a sua amizade do
que offendêl-os, sem mais obrigação proseguimos na mar-
cha ; e immediatamente observando muitos e continuados
signaes de fogos, que comprehendiam muitos e dilatados ter-
ritórios, assim alagadiços como das campanhas dos cavallei-
- 73 -
rús, de uma e outra parlas sendo a sua primeira origem do
lugar dunile se reíogiarim os itidios que, se viram primeiro
em meio de um estirão grande» se avistaram em pequena
di^siíuicii de puulano, como encobriudo-se, uma chusma de
índios embarcados, que para melhor reconhecôl-os cortámos
quasi fronteiros da outra parte do rio; o que vendo Oi^
dilos se dividiram em duas partidas, uma seguindo para o
rio acima, e outra para baixo, como que me dava a enten-
der que nos intentavam acommatter para um e outro lado ;
como estava roto o segredo da viagem recommendada nas
Qrdens, com estes apparecimentos cora baudeiras largas
nas embarcações» mandei locar caixas, com cujo estrondo
retrocederam as suas marchas e se tornaram a uDir no
primeiro lugar, porém à nossa vista expediram uma canoa
í'om quatro indios para rio abaixo.
Logo fiz enrolar bandeiras, e cura uraa branca se Ibes fe«
sigftal para vi rema falia, poréra, persistindo indelennhia-
dos, porque nuo llcassem na persuasão que em nos era co-
bardia o nuo procural-us ; pois lambem nos faziam signi! e
cUamada cora duas bandeiras, mas o lugar em que estavam
era impenetrável ás nossas embarcações, pttr razão dos
grossos e euimai-anliadns capins de que o dito la^^o era pd-
voado ; em altenr5o do que fiz reforçar de mais armas e
gente a canoa do cabo de esquadra de dra}íoes José Vieira
r^issos, t^ cora alguns linguas o destinei a margem do rio da
parte il^nde os dilos indios se achavam desfeados ; alii
lhes tez signal para virem á falia, ao que logo obedeceu uraa
canôi» deixando as ouli as em lintia ao pè de ura caponete
imilaridõ a (orraalidaLle em que nos estávamos ; e veiu cora
etteiloaeanõa e fazendo alto era dislancia quo o chumbo
(!'anaa osnfio ofTendesse, respoutleu ás perguntas de nosso
liniíua, pelo idioma e linguagem da terra: Que capitão Guay-
curu estava bom, que os castelhanos eram bons, que os por-
TOMO xxvni, p. L 10
\ Dâ0 tirestíTatu, que tiotia^ espiogardHS, (jue eUt^
tính&m Vãcca, c^e tinhani muitos cavallos, e muitos carn&L
vo$:$e iraiiamus aguardente e facas,a tuílo lhes respondia o
Ikigua qae o capitão tudo trazia para ltií*s dar, que chagas-
dem; alo foi possível redii2il<i& a diegar^ mas anti^ viraado a
retaguarda marchoti corno queai ia de aviso á terra, Ccandí)
os outros existeates aomBsma lugar, pur euja causa rtflro-
cadeu para nossa parte o sobredita cabo de esquadra, tó logo
pelo me-smo lhe mandei por d'outra parte uma ara^íslra do
que tnixiaiuos para os prendar : assim se executou, pondo-
se-ítie um barrete encarnado, utn espelho, duas veranicas^
uma faca, um frasco de aguardente ; tudo amarrado em ura
páo alto que biles viam, e fazeiído-stvlhe chamada e mos-
traudo-sõ*lti!e, se tiruu a embarcação para a noisa parte, Po-
frém elles não se resolveram a vir conduzir o que sa lhes
afferecia.
Sendo já perlo da noite, appareceu da parte d 'onde Unha
ido a primeira caiiúa, e falluu, três canoas, a primeira com
seis oti sete Índios em pé, a segunda com quatro, a terceira,
que ficou meJa encobería, se não distinguia com quanto flo-
rem postas efll linha a da vaoguanla, que se avizinhou miis
âO primeiro fez chamada em lingua liespanhola ; delermi-
nou-sô ao sobredito cal>o de esquadra de dragões que fosse
ouvir o que queriam, e lhe mandou dizer que nós queríamos
amizade com o capitão (iuayeuruque lln- trazíamos mimos :
tósim o executou, convidando-os frequentemenlea que che-
gassem a receber, o que alli se lhes tinha posto; jjzemin
aceitação, dizendo que iriam buscara agradecendo, que Dhus
lhe pagasse, e despedi ndo-se ate amanhã ; asseverando qiiâ
Unhara muitos ca vai los, muitos gados, muitos carneiros ; e
repetindo a pergunta se tínhamos aguardente, facas» praia,
rendas, ele., e dtíspediDdo-se se retiniram e os nossos tam-
bém, deixando ficar o sobredito mimo ; dizem alguns que
-^ Ih —
ao longe viram passar fârioscavalleiros o qtje ea não ?U
aífidaque Bmm indica um grande estrondo que houve noa
charcos defronte, que pareceu de cavallos arraiados à
agua : alli ptrnuitàmos no pautauo da borda do ríOi porque
êe ÍNs não ínlroduzíssem que nos portamos, mudávamos à^
ftilio.
No dia seiSi quarto da nossa viagem ao amaubecer, repab
rároo^ quo ainda ^^xísliaai no lugar aonde se puz o sobre-
4ilo mimo, e como a nossa desGoqfiança era de que aquella
lio, è iiayaguà» e não gQaycurú. assentámos em proseguir
a nossa derrota na consideração de que seriam talvez mam-
purá do dito gentio em ordem a engrossar as suas forçiis ;
o que imlícou os rL^spectivos signaes de fugir, e o aviso que
à nossa visla expediram para rio abaUo, como também nãa
haver tradição alguma dos sertaoislas antigos, de que os ca-
vai leíros usassem em tempo algum de canoas para os seus
embarques.
Com effeito, pu^emos-nos em acção de marcha, mas autes
de o fajermos mandei o batelão de espia a ver se com eíTeilo
líUês tinham de oúite levado algum cousa, porque a largura
do rio não deixa alli percebt^r com % vista, o que e^tà da
outra |)arte ; foi, o deu parte que tudo eslava e que lhe ap-
jmrecéra uma canoa mostrando umpaono branco, mas que
remava em retirada, ilizendo que logo vinha.
Coolinoámos a nossa marcha a examinar uns morros qua
se vfam para diante ao parecer perlo j porém gastamos
qiiasí até o meio-dia a li chegar, antes do que pelas dez ho-
ras pouco mais ou menos avistamos no panlano perlo do rio
uma canoa coar dois índios^ e, sem fazer mais caso d*elles do
que corlejal-os, fomos indo para os morros, que jà pouco
distavam p aos quaes chegámos e observámos sor um morro
mo maito grande, qyasi escalvado, situado da parte dopo-
0nle, o eu apartado da margem do rio mais de tiro de mos*
— li) —
quete, fazendo pela mesma parte do rio algum comprimento
continuado para a parte do rio abaixo, forma circular para
o seu fundo, e para a parte do rio acima se une com outro
morro mais pequeno que finalisa na margem direita do rio,
o qual visto de fora, com os pequenos matos que tem, faz
uma formatura chata, porém examinado o seu interior se
fé ser o dito morro pyramidal e todo de pedras inúteis, es-
cabroso e o seu mato sem poder servir para obra alguma ;
o morro maior lhe fica muito eminente e faz no alto a for-
matura de três cabeças ou divisões, formando um espigão
para a parte do poenle : da mesma parte, seguindo rio
acima, está um pequeno monte que se divisa ser de pedras
com algum inferior arvoredo, e em pouca distancia d'esle em-
parelha outro maior, mais povoado de arvoredo, que sô ser-
virá para lenha; este chega ao pântano, porém todos em li-
nha pela resaca do rio ; a largura do rio de frente do morro
principal níio c muito dilatada ; me persuado se vencerá com
tiro de peça, porém acompanha da parte de lésle ; toda é
raza, e supposto que presentememte o rio estava igual com
o barranco, bem se conhece que a dita campapha alaga em
distancia grande, o melhor o certifica vendo-se ainda en-
trar em partes pelas margens da volta do estirão agua, na
dita campanha em repetidas partes ; para a parte do rio
acima, em distancia de um bom tiro de peça, tem uma ilha
bastantemente comprida para rio acima, que, supposto pre-
sentemente vai descobrindo algumas áreas, toda alaga, è só
é povoada de poucos sarans e capim.
Para a parte do rio abaixo se descobre um estirão de rio
dilatado, porém o que demonstra, que os seus lados todos
são pântanos ; vè-se o mesmo rumo do sul para d'onde
corre o rio dos morros pyramidaes, e em disUmcia grande
d'esles primeiros ; e ficando eu na* duvida se seriam ou
não as que formam o fecho, examinando um paraguá que
- 77 -
ia por ser o mais Bftóderno que por ãllí tinha passado»
disse que aquelles morros ficaram fora do rio e nâo nas
soas margens, feitos os sobreditos exames e correndo a vis-
ta pelas campanhas que se avistam, achámos que o interior
da parte do morro parece território íirme viajado de ca-
valleiros, de que achámos signaes ao pé do dito morro ;
porém as sobreditas campanhas, ao parecer todas infru-
ctiferas, sem qualidade de mato algum, porque só o que
bem as povoa são carandas.
Concluidas as sobreditas obrigações, passámos á ponta
da ilha para jantar, e logo no atravessar do rio avistámos
uma fileira de indios da parte do poente, entre o pântano
que forma o rio na sua margem ; portámos na dita ilha e
logo lhe fizemos chamada, porém não obedeceram ; alli
estiveram dilatado tempo emquanto se fez de comer, depois
do que seguimos vi:igem para cima, e também os ditos in-
dios desappareceram, e fizemos n'aquelle dia pouso sem
mais novidade.
No dia 7, que era o quinto da nossa derrota, proseguindo
no regresso da viagem, passando pela paragem d'onde se
fallou com os indios, o ajudante Francisco Rodrigues Ta-
vares diz que avistou uma canoa dos ditos indios, e eu
avistei pelos matos dos carandas, dois cavalleiros seguindo
o rumo de rio abaixo, porém observámos que o mimo que
lhes deixámos, já não estava aonde ficou, e, como elles não
davam mais demonstrações do que fugir da nossa communi-
cação, fomossem demora continuando a viagem : ao anoite-
cer portámos em um pantanal na margem do rio para pou-
sarmos, quando o batelão da espia divisou ao bnge no
mesmo pântano uma quantidade grande de indios, que na-
vegavam para o centro do dit») paniano,presumpção certa de
que o seu intento era procurar offender-nos em alguma
- 78 —
das soss costnmadas ciladas ; allt memo fiiemos pousada
eom as deridas caotelas.
No dia 8, que era o sexto da nossa retirada ou viageBi,
principiando a nossa marcha a pequeno espaço de tempo,
em om terreno, que appareceu da parte do poente, avistá-
mos bastantes indios de cai^allo, chegando-se à margem do
rio, portà:nos defronte dos ditos em o pântano por não ba^
ver ilba ou terra em que o fizéssemos, e, observando os $e«$
movimentos, vimos que se apearam alguns, e chegando^se
ao barranco do rio, um fez sua chamada, e perguntando~lhe
eu pelo capitão, á^ahi a pouco espaço de tempo viu-se vir o
dito capitão a cavallo com uma vestidura vermelha, tra-
<^zendo adiante e atrás de si alguns cavalleiros : antes de
begar ao barranco do rio se apeou e todos os que o
acompanhavam, e chegando ao dito barranco, rom dois on
três indios, se puzeram a olhar-nos, o que visto por nós os
cortejámos, eelles corresponderam ; e logo fazendo chamada
aprompt()U-se o batelão, bem esquipado e armado, porém as
armas cobertas, e n*elle se expediu o cabo de esquadra de
dragões José Vieira Passos a visital-o, com ordem de não
chegar á terra, mas sim sobre os remos lhes dissesse
que nós vinhamos a contrahir uma boa amizade com o
capitão, da parte do nosso maior, que lhe trazíamos ai-
Suns mimos, e que observasse o que elle dizia; assim
executou o dito cabo de esquadra de dragões, e, havendo
de cá a prevenção de lhe acenar que mandasse separar
para dentro a sua gente, elle assim o fez ; quasi todos se
separaram; porém para o batelão só ateimaram que che-
gassem, dizendo que ahi estavam para o capitão, cavallos
e vaccas ; voltou o nosso batelão, e deu parte o cabo de es-
quadra do qoe elles diziam: para melhor me certificar sa
eram ou não enganosos os seus designios, mandei pelo
mesmo cabo de esquadra pôr em parte d'onde elles vissem
— 7» -
e fNideasem arrecadar uma dúzia de barretes» uma dúzia
dd facas, meia dúzia de espelios, u n rnisoo de aguardente»
faadndo-se-lbe de cà signal, e mostraado-se-lhes» para que o
maudasseflOL buscar; partiu o batelão a levar, porém elle
Tendo de cá os barret3s fez destacar logo um cavalleiro
para dettro, o qual lhe trouxe o qn^ lhe Unhamos deixado
embaíKO quando avistámos e falíamos CDm os Índios da
canoa: veiUrUie o dito barrete, recebeu e com elle nos cor-
tejoo ase cobriu I
Paz o batelão no sitio assignalado, o que se mandou ; e
passando ao pé d'elles lhe disse que alli ficava aquelle
miOM ^oe o capitão mandava, que o mandasse buscar ;
deu demonstração do seu agradecimento com cortezias, e
logo mandou dois dos seus a condazir o que tinha ido, que
recebendo-o logo, distribuiu os barretes por uns poucos
dos que com elle estavam, e com pouca demora mandou
pôr na mesma paragem o seu presente, fazendo sígnaJ que
o mandasse buscar, o que assim se fez ; havendo chegado
emquaato houve estes brindes, ao mesmo terreno, um lote
degado vaocum, conduzido por indios cavalleiros ; recebi o
mimo^ que foi uma coberta de algodão cõr de tabaco, jà
com seu uso, com seus Livores á roda de rodinhas, cascas
de conchas e duas camisetíis de algodão branco também
usadas; ao receber dei de cà demon>tracões de conten la-
mento e signaesde agradecido, e logo fíz apromptar a mi-
nha canoa e passei á parte d'elles, levando comigo o com-
mandante da outra canoa José da Fonseca Fontoura, dra-
gões e ordenanças, porém com a peça e armas cobertas ;
portei, e, fazeudo-lhe signal que mandasse separar a sua
gente, elle assim o íez, ainda que pouco Ihi obedeciam ;
notei que a vestimenta do capitão era um jaleco de fei-
tio de camiseta curta e de baeta curta, jà muit ) usado, seu
xifarote á cinta, e três que estavam acUuntos nus» porém
— m -
com xifarotes de guarnição de latão amarello com uso bas-
tante, e ao depois vi que não só estes mas muitos mais os
traziam : comprimcntei o dito capitão logo, offerecendo-lbe
um embrulho em que iam cincienta verónicas, que rece-
beu e abriu mostrando bom contentamento ; tirei o meu
xifarote da cinta e lh*o oílereci com o boldrié, o qual elle
reccbetf e cingiu «om grande contentamento, e Iqgo des-
cendo pela margem «lo rio, me mostrou um novilho preso,
que era para eu comer ; dei-lhe mais barretes e facas, e
lhe disse que o mandasse malar e embarcar na canoa, assim
o fez e inteiro o traziam ; porém mandei-o esquartejar,
o que promptamentc fizeram e embarcaram ; viram^ jaos-
tras de fumo aos que iam na canoa, entraram a pedir a
muita instancia tabaco para cigarros ; disse-lhes que sim,
que eu passando da outra parte lh'o mandaria, procurei-
Ibe carneiros, disseram que mandavam buscar, o que fize-
ram promplimente.
Emquanto tive estas conversas com os que faziam figuras
principaes, os camaradas da proa da canoa também faziam
com os Índios seus negócios a troco de pedaços de fumo,
qu^ elles pagavam com cordas, algumas cobertas de algo-
dão de r;s,ras de cores, davam por facões e por pratos al-
gumas camisetas, etc. Despedi-me d*elles, passei para a
nossa parle, e logo lhe enviei dguns pedaços de fumo pelo
cabo de esquadra, e lhe disse que se lhe dessem alguma
cousa por elle recebesse, porque semelhante gente é ne-
cessário imital-os, que obram sem manha, sem interesse;
receberam o fumo e lhe deram duas camisetas inúteis, ins-
tando-lhe que queriam machados e xifarotes, e que ahi es-
tava um cavallo para o capitão ; a gente do trabalho n*esta
ida melhor se aproveitaram alguns, por lhes darem cober-
tas de algodão e camisetas, a troco de pratos do estanho e
facões, 6 de fumo, cujo commercio se lhes não prohibiu,
— 81 -
pela razao de que elles acreditassem que d'aquillo que elles
appeteciam não experimentavam falta; os nossos serventes,
passado pouco tempo, vi que lhe tinham chegado carneiros,
c porque não ficássemos sem amostra d'aquelle género,
porque elles tanto tardam a fazer como a desfazer o que
ajustam, e eu já o experimentava, pois asseverando elles
que o cavallo para o capitão ahi estava bom, mandando-
Ihes dizer que o puzessem na parte d*onde lhe assignalàra
para o receber, nunca o fizeram; resolvi-me a passar lá
outra vez, a tempo que elles já se iam retirando, chamei-os,
punham difficuldade em chegar, dizendo que de tarde
haviam de vir, que iam comer ; instei com elles a que che-
gassem, que alli lhes levava machados e facões; com estas
promessas chegaram-se, dei lhes dois machados do uso das
canoas e dois facões ; deram-me três carneiros, e a umsol-
dado outro por um facão que também lhe deu,e despedimo-
nos até à tarde para nos ajustarmos na correspondência; dei
a um que servia de lingua,que era dos mais distinctos,um es-
pelho para a sua mulher,o que agradeceu muito ; retiraram-
se á sua comida para o interior do sertão, e eu para a nossa
positura, que era sobre a agua, aonde todo o dia passámos
sem comer. Foram firmes em tornar de tarde, que ficou
destinada para a repetição do seguro da nossa amizade o
de algum ajuste dè commercio ; chegaram com elTeito já
perto da noite, e logo pareceu para a parte d'elles o aju-
dante Francisco Rodrigues Javaros a comprimentalos ;
c do que particularmente passou cora elles o dito ajudante
informarei a Vm. ; e, como eu tinha pedido ao dito aju-
dante quando foi, que me fizesse mercê dizer-lhes que eu lá
me ia despedir d'elles porque queria seguir viagem, elle as-
sim o fez,. e quando voltou, lho perguntei se tinha trataílo ^
com elles o virem acima em ordem a nós não implicarmos
no modo das persuasões ; que com semelhante gente é ne-
TOiíoxxvin, p. 1. 11
- 82 -
cessario toda a cautela, para nâo desconfiarem ; disse-me
que sim ; passei-me a parle d*elles, dei-lhes mostras do
grande contentamento que tínhamos da sua amizade e cor-
respondência ; convidei-os para virem aonde nós estáva-
mos, que elles me certificaram que bem sabiam; e como um
soldado medisse que prometteram ao ajudante em passando
duas luas que haviam de vir, e que em nós vendo fumaças,
perguntei-Ihe e o mesmo me certificaram ; mas por cau-
tela augmentei-lhe o numero das luas do tempo que diziam
os havíamos de esperar, por ver se viciavam o que tinham
segurado ao ajudante, porém firmes disseram que não, que
em passando as duas luas haviam de vir ; disse-Ihes que
nós os esperávamos com c^vallos, gado e carneiros, que
cà lhe teríamos promptos muitos xifarotes, muitos macha-
dos e muitas mais cousas, e por despedida lhes dei mais
barretes e facas e alguns anzoo*^, e com muito contenta-
mento nos despedimos, dizendo elles que eram chrislãos,
e que estava bom o sermos amigos, que o padre Peneo
era bom, que estava na Pedra em à campanha, que lhes
dava muita cousa, porém que para lá ir gastavam quatro
luas, o que eu acho ser fabuloso, porque, tendo elles ca-
vallos e canoas, podem cm breves dias ir á cidade de Pa-
raguay ou ás suas povoações procurar o que lhes é pre-
ciso.
No dia 9, que era o sétimo da nova derrota, todo o dia
navegámos sem mais novidade» que o apparecímento de al-
guns signaes de fogos, e assim nos recolhemos a esUi forta-
leza em 13 de Outubro com onze dias de ida e volta sem
moléstia de pessoa alguma.
O dito capitão ou cacique guaicurú nada fallava, ou por
nos nâo entender ou por malícia, e só dava aquellas de-
monstrações de querer o que os seusfallavam ; os que con-
versavam eram Ires, que diziam dois quí* eram irmãos eum
- 83 -
qae era filho, emiim estes o que diziam era em lingiia bes-
panhola; o capitao,disseram se chamava Lourenço, os três,
um Filippe, outro Manoel, e outro José ; certificaram que
eram muito christaos,apontavam para o céo,que estava boa
a nossa amizade: uma india bastantemente ladina e não
muito feia perguntou o meu nome, e dizendo-lhe o soldado
dragão José da Fonseca Fontoura, logo ella chamou um
íVaquelles que acompanhava o capitão, mostrando e re-
querendo-lhe não fizessem mal, fazendo cruzes com os
dedos na boca, dizendo que eram christãos. Toda a confluên-
cia do rio desde este forle até os morros d*onde chegámos
é cada vez mais largo, em partes com bahias ou enseadas
que fazem mais extensa a sua largura, os seus lados, todos
pantanosos ; e se devisam circulando de uma e outra parte
os ditos pântanos, continuados matos de carandas, os quaes
em algumas partes abeiram as margens do rio ; tem bas-
tantes ilhas, mas todas alagadas, e por isso a maior parte
das noites fizemos pouso nas próprias canoas no pântanos
por não haver terra, e outras vezes aproveitámos alguma,
pequenas provisões que appareciam, até a falta de lenha
para a cozinha, que experimentámos em partes ; e haver
frequência de viagens por este riô, não será desacerto car-
regal-as, por não experimentar fallencia ; as nossas embar-
cações não são muito adequadas para a navegação d*este
rio, pois só as que possam soffrer velas poderão viajar se-
guras. Não encontrámos rio algum que fizesse a barra
n'este, e menos descobrimos terras aliás que pessam formar
vertentes ; são muitas as bocas que apparecem, porém
estas se conhecem ser da bahia que em si contém o mesmo
paobMkO, da parte do leste ; não vimos indios alguns e só
signaes de fogos em correspondência aos que se faziam d*ou-
tras partes.
E' o que a Vm. posso informar da diligencia do serviço
- 84 -
de Sua Mageslade que foi servido encarregar-nos, sobre o
exame que o Illm. e Exm. Sr. general mandou fazer até o
segundo fecho, que diziam haver n'esle Paraguay.
Presidio de Coimbra a Nova, 14 d'Outubrode 1776. O
capitão da companhia das ordenanças, Miguel José Rodri-
gues.— Luiz d' Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.
Illm. e Ex»a. Sr.— Em 21 de Setembro cliegaram a este
presidio quatro canoas e um batelão, expedidas da villa de
Cuyabà com soccorro de viveres para este presidio, lempo'
em que já a guarnição estava experimentando falta consi-
derável, porque tão somente havia sido municiada cada
uma pessoa no principio do dilo mez com meia quarta de
farinha por não haver mais.
Eu certo estou que de V. Ex. não provem estas faltas,
mas sim dos executores das ordens de V. Ex. no Cuyabà,
que presumo desejam se abandone no meu tempo este pre-
sidio, pois é certo que em semelhantes distancias de ne-
cessidade se toleram lodos os trabalhos ; porém a fome
tudo faz insollrível, e é causa de muitas desordens : não é
por falta de exhorlações aos mesmos executores das ordens;
porém sempre se desculpam com falta de gente para as con-
ductas e canoas, insinuando-meque se quero mantimentos
mande canoas, como se eu estivesse nos povoados como
elles, e parece cada vez mais enfraquecer a guarnição com
tirar gente para as ditas conduclas. Agora remetlo 6 ca-
noas, e n'ellas 19 pedestres, 15 bons e 4 doentes, que aqui
se não podem curar, S auxiliares e caçadores, 27 ordenan-
ças para trabalho e defesa das mesmas canoas, excepto os
que vão por doentes, que com o dragão que vai por cabo
faz o numero de 55 pessoas ; parcce-me que agcra não tem
desculpa que dar, ainda que no regresso passado enfiei
igual numero, e nas canoas que vieram sô mandaram 31
trabalhadores, c 3 d*armas, excepto o ajudante c 2 dragões
-So-
que d'aquí tiahamido ; isto tendo eu pedido ao meu mestre
de campo, como a V. Ex. representei, 40 homens armsdos
para a diligencia que V. Ex. me linha encarregado, e foram
laes os que vieram,quc paraa dila diligencia me aproveitei
sò de três: as arnns excepto as que d'aqui tinham ido com
as canoas me remetteram 10 com o nome de armas : este
peditório fiz insinuando que era para un^a importante dili-
gencia, e quando este muito os não excitou, que para o mais.
Sem embargo d'isso, me determinei a pôr em execução o
mandado de V. Ex. Em 3 de Outubro fiz expedir doeste
presidio quatro canoas grandes armadas em guerra, e
um batelão para servir de espia om que se embar-
caram 85 pessoas, numero total dos commandantes, sol-
dados d'armas e trabalhadores, que supposlo julguei ir
um pouco arriscada ; em maior risco íiquei n'este presidio,
pela pouca e inútil guarnição que ficou. Forneci á canoa
capitanea com uma pecinha montada, c as mais embarca-
ções com 72 armas de fogo, levando todos 1,600 cartuxos
de pólvora.
Nomeei para commandante da capitanea ao capitão Miguel
José Rodrigues ; e para o da almirante o ajudante Fran-
cisco Rodrigues Tavares ; para as duas do centro o cabo
d'esquadra de dragões José Vieira Passos e o soldado
dragão José da Fonseca Fontoura; e para o batelão de espia
um sargento da ordenança. Fizeram a sua partida com a
formalidade que o meu gosto appetecia ; e se recolheram a
esle presidio em o dia 13 do dito mez com grande conten-
tamento meu, não só por virem bem sociados, mas por
conseguirem o que V. Ex. appetecia a respeito do gentio
habitante d'estes territórios, de que dou a V. Ex. o para-
bém de conseguir no seu feliz governo o que ainda se não
conta dos passados.
Do que se obrou vera V. Ex. da informação que me apre-
- 86 -
sentou o capitão Miguel José Rodrigues, que sód*ella lenho
o desprazer da situação do feciío ser tâo despida de tudo o
que é bom para se segurar, e o necessário para esse íim,
como também para a cultura por onde julgo será muito diffi-
Gultoso o estabelecermos alli pelos motivos que pondero :
O primeiro : que, quando são tão tardos os soccorros
para esta paragem, que será para aquella? Segundo: o
grande risco que correm as embarcações de conducla por
lhes licar a barra do rio Mondego superior, e os gentios
d*aquelle districto, ou lalvez castelhanos, fazerem-nos algu-
mas sorpresas. Terceiro : as nossas canoas i)odem pouco
tolerar as ondas do rio, o por isso andam muilo arriscadas
a ir a pi(|ue ; e si por esta causa com as tormentas portar
em terra, se a houver, poderão no mesmo lugar aonde pro-
curar Q asjio acharem a sua ruina, cahindo na mão do
gentio cavalleiro, que os acabará. Quarto : as grandes for-
cas que lá são precisas para conservar o presidio, porque
não será possível suslental-o com as tropas paisanas, que
não servem para disputas marciaes, nem i)ara soíTror ata-
ques a pé firme por muito tempo : emfim, estas circum-
stancias só a alta ponderação de V. Kx. as j)oderá bem dis-
cernir, para melhor acerto. Também envio a Y. Ex. o
diário do ajudante.
Emquanto aos gentios que faltaram com os nossos, diz
certilicarem vir a este presidio, ou ás suas vizinhanças, pas-
sadas duas luas, qu.i segundo dizem é [)ara o fim de Dezem-
bro. Eu bem desejei mandar este aviso a V. Ex. em via
recta pelo Jaurú, porém não me acho com gente para o
poder fazer, que para enfraquecer de todo este presidio,
não sabemos se os hespanhoes pelos gentios teriam alguma
noticia da nossa exploração, e intentem por esta causa
vir-nos fazer algum apparecimento. Os ditos Índios o que
mais appetecem são xifarotes com sua guarnição de latão, a
- 87 -
folha voltoath, machados, rendas e brcUnlias: se V. Ex.
se resolver a mandar algmna cousa d'isso, para dar aos
ditos índios, dove ser com brevidade ; e os machados bom
será que sejam mais pequenos que os nossos, algumas peças
de lita para se porem nos bentinhos que já V. Ex. mandou,
6 algumas missangas, que as mulheres dos ditos Índios tudo
^ppetecem. Eu nocaso que elles venham pretendo ver se os
contento com facões, e machados dos que estão para as
obras d*este presidio, facas, barretes, espelhos, verónicas
G de tudo o que V. Ex. mandou para elles ; emfim, do que
houver, porque elles o que mais querem são ferramentas,
O que se despendeu n*esta viagem foram 31 ])arreles, tí es-
pelhos, 32 verónicas, 45 facas, 2 facões, 2 machados, 2
frascos d*aguardente e algum fumo. O que deram ao capi-
no Miguel José Rodrigues foi 2 cobertas e II camisetas
^'algodão grosseiras, que presentemente remetto ao meu
'Mostre de campo para o fíizer a V. Ex., para ver o tecido de
í ^G elles usam. Os carneiros que lhe deram foram 3 que
entregou e ficam n'este presidio, o sâo capados, com umas
Pintas muito pequenas, (jue parece foram quebradas : estes
conx os mais que trouxeram os particulares |)ara si fazem o
í^Urciero de 8 e 1 cabra.
Como os dois commandantes da capilanea e almirante
^^^Pois de chegados se desuniram nos seus informes, na in-
^^^lligencia da igualdade das conimandancias, eu os iiz avisar
P^^Va. ir á presença de V. Ex. a dar a informarão pessoal :
P^i*t>m, considerando o quio desliluido ficava de olliriars, e
Q.U15 poderio vir os laes indios, e, como já são eonincidos,
f ^ Os não achassem poderiam desconfiar que era traição, e '
^^^so embora, por essa razão os fiz ficar oulra vez ; e pre-
^^nio que cada um d*elles representarão as suas cousas.
Agora me persuado que o gentio que se alacou com o ca-
P**uo João Leme do Prado no rio Mondego era cavalleiro,
- 88 -
vistas as informações de que o dito genlio cavalleiro também
usa de canoas ; se assim fôr, lai vez por alli se possam bem
communicar todos os d'aquella parte, e conciliar com elles
amizade.
Eu tão somente fico n'esle presidio com 13 dragões eo
seu cabo, quatro pedestres e o seu sargento, quatro auxi-
liares um com nome de sargento e outro de cabo, cinco ca-
çadores e um sargento, e a companhia de ordenança, que o
seu total presentemente sâo cincoenta c sete praças ; é a
gente que tenho para fazer frente â chegada do gentio se
com effeilo vier como affirmou ; advertindo que de todos
estes só os pagos são capazes de apparecer,que os mais não
podem ser mais inúteis.
Deus guarde a V. Ex. muitos annos. Presidio de Coimbra
a Nova i7 de Outubro de 1776. — lUm e Ex. Sr. Luiz
de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres. — De V. Ex. o
mais reverente súbdito, Marcellino Rodrigues Camponez.—
Luís de AIbwiuerqiied<í Mello Pereira e Cáceres.
- 89 —
EXPUGNAÇiO PELOS HESPANHÓES
DO PRESIDIO DE NOVA COIMBRA,
lllnL Exra. Senhor* — As noticias que a V, Ei, partici-
pei lio meu offlcio de n, Í6. em Jata de 17 da Setembro do
presente auno bera depressa se verificaram, porque jà no
dia í6 do mez pelas 4 horas da tarde se tinham apresentado,
diante do presidio de Nova Coimbra» i embareacões hespa-
nholas de dois e três mastros como grandes saraacas, fazendo
vivo fogo contra o mesmo presidio por espaço de duas ho^
rââ| e como a nossa artilheria do calibre de am, não fazia
daraao nem eral>araço, passaram para a ponte de cima, e k
boca da noite fundearam na margem opposta, ludibriando
os Índios payàgoazes» que os acompanhara em 30 ou 40 ca-
aôaSp esta acção com grandes algazarras, por verem o ne-
nhum eíTeito da nossa artilheria.
O tenente coronel engenheiro Ricardo Franco de Almeida
Serra na mesma noite me fe2 este aviso, que ante-honlem
recebi, e presumia que o presidio de Miranda estivesse lam-
bem atacado, porque havia um mezque tinha mandado uma
canoa ao dito presidio, a qual ainda nao linha voltado,
Se ao r^íferido presidio de Coimbra houvesse artilheria
competente, que eu pira tantas partes tenho pedido, não
reconheceria por certo esta primeira infelicidade, a qual
os põem agora em figura de embaraçar, o soccorro de gente
e viveres para um e outro presidio, de embaraçar as navega-
ções d' esta capitania para a de S* Paulo ; e outras conse-
quências ainda maiores, se o plano do vice rei de Buenos
AyreSf que manda sobre todas as provi ncias que confinam
com esta capitania, fôr o de se darem as mãos o governadí*r
d' Assumpção e o governador de Chiquitos.em cuja provincia
se cuida também em preparatórios.
Uonlem expedi as ordens mait apertadas paraa villa de
T03I0 xxtm, p, I 1^
- 90 -
Cuyabá {>ara o dito tenente coronel Wcardo Firanco ser
promptamente soccorrido. Mandei postar canoas armadas
em guerra, rio Cayabà abaixo, para evitar a Tuga dos escra-
vos, e algumas hostilidades dos indios payàgoazes, que aju-
dados de alguns bespanboes pretendam subir pelo mesmo
rio nas suas canoas, pois que nas sobreditas embarcações de
dois e três mastros, não poderão entrar nem subir a grande
distancia. Mandei marchar para o registro do Jaurú as doas
companhias de cavallaria da legião de milicias d'aquella vílta
e ao commandante deVilla Maria do Paraguay; ordenei tam-
bém mandasse postar algumas canoas armadas noEscalvado,
com o mesmo fim de evitar a fuga dos escravos e hostili-
dades dos payàgoazes. Uontem mesmo escrevi aos gover-
nadores de Goyaz, S. Paulo, Minas Gcraes, e ao vice rei do
Rio de Janeiro, para apressarem e augmentarem os soccor-
ros que liies tinha pedido.
Hoje escrevo ao governador do Pará e tenlio o desgosto
de fazer a V. Ex. esta participação, que bem quizéra fosse
antes, de que os barcos hespanhoes ficaram esmigalhados e
mettidos a pique diante de Coimbra, se allí houvesse alguns
artilheiros e artelheria de maior calibre.
Eufico-me apromptindo com toda a pressa que permittem
uns armazéns e cofres reaes pobres de ludo ; e uma capita-
nia de tão pequeno recursos. Mas apesar de todas estas
desavantagens, e da vantagem que conseguiram os hespa-
nhoes de passar de Coimbra para cima : eu coniio no auxi-
lio divino a favor da justiça da nossa causa, confio nos
quatrocentos iiomens que estavam guarnecendo Coimbra,
Miranda, e Albuquerque, entrando n*este numero Gi pra-
ças da expedição do tenente coronel dacapitania de S. Paulo
Cândido Xavier de Almeida e Sousa ; confio na fidelidade
doestes colonos,e em algum alTectoque Ihts tenha merecido:
e portanto ainda espero escrever a V. Ex. com mais alegria.
- 91 -
Y. Ex.,por todos os ofiScios que tenho tido a honrada
dirigir-lhe» creio qae estará persuadido d'estas verdades :
que a capitania de Mato Grosso está em circumslancias
maito difTerentes das dos annos de 1763 e t76 >« e deveria
estar apercebida o apparelbada para se arrostar com as três
províncias hespanboias, com quem confina, e não com a
onica provincia de Moxos, por onde foi atacada nos sobre^
ditos annos : quo a sua guarnição por consequência é muito
peqpiena e muito pouca a sua artilbería, como também
todos os mais petrechos e munições de guerra : que, não
chegando as rendas reaespara asdespezas ordinárias, ella
devia ser soccorrída extremamente para as extraordinárias,
que 86 tém feito ha cinco para seis annos, e muito mais o devo
ser agora para as que accrescem com a guerra actual : que
a fronteira do Paraguay é presentemente a mais arriscada,
ea que deveria merecer a primeira attenção, sendo por con-
sequência justos os receios, que eu sempre tive, de ser
í ncommodado por aquelle lado.
Se eu não tenho feito chegar as mesmas verdades a um
Srào de evidencia, é falta dos meus pobres talentos ; mas
\. Ex. saberá enriquecêl-os e prop ^rcionar as providencias
C|ue forem mais conformes ao bem do serviço de Sua Alteza
AeaL
Deus guarde aV. Ex. muitos annos. VilbBella, 10 do
^kitubrode 1801.— Illm. Exm. Sr. D. Rodrigo de Sousa
Coutinho. — Caetnno Pinto de Miranda Monte Negro.
illm. e Ex. Senhor.— Tenlio a honra de pôr na respeila-
irel presença de V. Ex., na cópia de n. i, acarta qqe ulli-
namente recebi do tenente coronel de engenheiros Ricardo
¥ranco;de Almeida Serra, na qual refere o que se linha pas-
sado cm Coimbra, desde o dia lli, cm que foi atacado, até o
diaSSde Setembro. A de n, 2. do tenente de dragões
FrancisiX) Rodrigues do Prado individua as fqrças que mo-'
— 92 -
yem os bespanboes contta aqoelles estabelecimentos. A de
D. 3 contém a notificação que fez o goternador da profin-
cia d'Assumpção D. Lazaro da Ribeira ao dito tenente coitr
nel de engenheiros para que se rendesse ; e a de n. k^fi
generosas respostas qae Ibe deu o mesmo oficial.
Em consequência d'estas noticias, contoquei um conselho
de guerra que Y. Ex. acbarà na cópia de n. 5, no qual se
assentou» se occorresse com maior esforço á fronteira do
Paraguay, e que pelas fronteiras de Cbiquitos e de Moxos
nos puzessemos por ora na defensiva, até que cbegassem os
soccorros que tenbo pedido» e mil cousas que nao ha presen-
temente nem nos armazéns reaes» nem nas lojas do com-
mercio, como por exemplo, uma folha de papel para refoitr*
mar um cartuxo» uma libra de breu para concertar uma ca-
noa ; tendo eu desde o anuo de 1799 sete contos de réis na
cidade do Pará, para semelhantes provimentos» sem que
até o presente tenha recebido uma única cousa das que
pedi I
A capitania de Mato Grosso (permitta-me Y. Ex. esta re-
flexão) merece particular attenção da corte, e o animo que
tenho pelas cousas da pátria, e pelo serviço de Sua Alteza
Real, sò ficará socegadío, quando eu vir que ella é com-
templada em primeiro lugar, como a praça de Elvas, e
em segundo lugar como uma colónia, que pôde vir a
ser poderosa e rica, uma vez que se appliquem os meios
competentes e ^e òs setts próprios governadores, de
mais luzes do que as minhas, sejam os que regulem os
seus interesses.
Déus^arde a Y. Ex. muitos annos; Yilla Bella, em 17 de
Outubro de 1801. —Ulm. eEx. Sr. D. Rodrigo de Sousa
Coutinho. ^ Caétaúo Pinto de Miranda MorUé Negro.
Illm. e Exm. Senhor.— No dia 16, pelas 4 horas da
tarde, ápparõceu em frente d^estd presidio o governador
-^ 93 -
de AssimipçSo, D. Lazaro da Ribeira, em Irts grandes su-
macas, cada uma com duas peças de artilbería por banda,
e oolra menor, batendo a este forte até depois das ave-ma-
rias, cujo fogo repetiu do dia e de noite ate o dia 31, e
bonlem e boje o tem parado, creio por causa de um grande
Tanto uorlu, e nao menor tempestade que houve; e, vendo
que a nossa pequena arlillveria o não oflende no seu curto
alcance, nos tem dado grandes apupadas, manobrando*
ora para baixo, ora para cima os dois lados d*este forte ;
animando-se n*esle ultimo a chegar a tiro de mosquete e
querer fazer um desembarque em pequenas canoas, das
quaes, com as noss^ espingardas, lhe deitamos ao rio seis
ou oito bomens, o no lado do baixo no dia 31 saltou em
terra j mandou colher couves e cebolas na horta, matou
gado, porcos, chegando com toda a confiança até a ponta
do morro, de onde, de uma emboscada que alti havia, se
Ihr mataram Ires homens, e dois foram mortalmenle fe-
ridos, o que faz já entre mortos e feridos vinte. Hoje re-
cebi a carta inclusa do tenente Francisco Rodrigues, que
verifica o que dizem qualro Índios dos que linha mandado
a Bourbon, e D, Lazaro os prendeu e trazia na sua samacã,
os quaes no dia i8 se deitaram a nado pelo rio e fugiram
para este forte. No dia 19 chegou outro índio também dos
presos que D. Lazaro tinha mandado por terra, o veiu
acompanhando três capilat^s, grande numero de gente,
gado e animaes, que jà eslão na Bahia Negra, dez léguas
a sul d*este presidio, cujos fogos estamos vendo; e por
estes dez ou doze dias lho podem chegar o gado e a gento
com ãigum pouco trabalho, por estarem os campos ala-
gados. Falta dizer que os primeiros índios contam qne
D. Lazaro, no caso de nao tomar Coimbra, se postará no
monte defronte, aonde fazendo-se forte por mar e por
terra, nos ha de reduzir por meío^da fome.
- 94 -
No dia 16 escrevi ao mestre de caim)o e ao joix de fora,
pedindo soccorro de genle e maotimento, o que djessem
parte a V. Ex., escrevendo lambem para iMiranda, para
que o dito tenente commandante fizesse algumas diversões
por aquelles campos, e alé S. Carlos se fosse preciso. Mao*
timento apenas tenho 1 iO alqueires de milho, que agora
chegam de Miranda, e doze vaccas que matei, que foram as
que escaparam da mortandade hespanhola.
Os soccorros do Cuyabà devem vir successivamenie, sem
esperar que eu os mande buscar, porque issc seria des*
guarnecer este presidio da gente precisa para a sua defesa,
se se empregassem n'esla conducção, salvo quando houver
mais de 300 pessoas, para que o excedente dos ditos
300 homens se empreguem n*cst;i diligencia, pois D. La-
zaro, chegando-lhe maior numero de embarcações, pôde*
navegando mais alto, cortar este soccorro ; eis-aqui por-
que pedi sempre mantimento para seis mezes, e raras
vezes me mandaram para mais de vinte dias.
Emfim, Iltm. e Exm. S'3nhor, o inimigo eslàst^nhor do
Paraguay, o navega livremente mofindo da nossa insigni-
ficante, e chamada artílhcria; pelo que rogo a V. Ex. me
mande já, já as duas peças que estão n*essa vilia, poissócom
ellas poderem^ s fazer damno a estas sumacas e fazer re-
cuar o inimigo, e sem as ditas peças sepultar-se-ha a guar-
nição d*esle forte debaixo das suas ruinas, e o inimigo n'esta
ultima extremidade, senhor dt^ste forte, o fica sendo de
Miranda, da povoação de Albuquerqua, da importante na-
vegação de S. Paulo, assombrando talvez a mesma vilIa do
Cuyabá. E' tão diminuta esta guarnição, como cheia de
valor a maior parte d*ella, e doestes muitos com excessiva
demonstração, como espero em Deus expor a V. Ex. pelo
amor da verdade em tempo próprio.
K' o que apressadamente se me offerece a participar a
^ í)í; -
▼. Ex. a quem Deos gaarde muitos annos. Coimbra» 23 de
Setembro de 1801.— Dirn. e Exm. Sr. Caetano Pinto de
Miranda Monte Negro.— De V.Ex. súbdito attento venerador
Ricardo Franco de Almeida Serra.— O secretario do go-
verno, Joaquim José Cavalciinti de Albuquerque Lins.
Illm. eExm. Senhor.— No diaio c 17 de Outubro, escre-
via eu a V. Ex. rodeaílo de cuidados, vendo-me repentina-
mente atacado pelo governador da provincia d'Assumpção ;
quando parecia que eu deveria antes estar na maior tranquíl-
Kdade, pois que n.i cópia, que V. Ex. incluiu no seu oHicio
n;5,em data de U de Fevereiro dei tOO,eram reputados por
terrores pânicos os meus receios,e por uma cousa contra toda
a expectado, o ser atacada esta capitinia. Concorrendo
mais a absoluta Talta de todos os sjcorros, que para a corte,
Rio de Janeiro, S. Paulo, Goyaz e Pará tinha pedido, d*onde
com bastante probabilidade podia inferir-S3 que nem n*esse
nem n'est'.^. continente havia já receios contra M iio Grosso.
Não obstante, o ver-me de alguma sorte surprehendido
com tão pouca gente para uma fronteira tão descompassada,
com tão poucas armas para essa mesma pouca gente, com
os armazéns e cofres reaes carecidos, ainda do que seria ne-
cessário no tempo da paz, n'esta triste conjunctura, quasi
por um occulto presentimento fundado na justiça eterna,
na minha innocencia, na iidelidadee amor de um povo a
quem governo com indigência, mas, semeé licito dizêl-o»
com humanidade, justiça e desinti3resse, eu ainda esperava
que em outro dia havia de escrever a V. Ex, com mai
alegria.
Este dia presentido e desejado é o dia de hojis em qne
tenho a honra de participar a V. Ex., a retirada dos hespa-
lAoes diante de Coimbra, depois que o valor ifaquella guar-
nigio lhes fez conhecer que alli não era o Iguatemy. Na có-
pia d& d. 1 adiará y. Ex. a parte que me deu o tenente
- 96 -
coronol de engenheiros Ricardo Franco d' Almeida Serra, ao
qual respondi com as de ns. 2 0 3,0 espero que Sna Alteza
Real se dignará de approvar a despesa de 330 oitavas»
com que gratifiquei alguns soldados» que se distinguiram,
não me pcrmittindo a constituição de duas únicas compa-
nhias o promover a todos elles. As cópias de ns. 4 e 5,
contêm as carias, a que me n^firo na primeira, escripta ao
referido tenente coronel.
Bem quizéra eu, que coubesse nas minhas faculdades o
premiar também este benemérito official, a quem princi-
palmente, se deve tâo gloriosa defesa. Mas esta minha in-
possibilídade redundará em honra e utilidade sua, pois que
terá de ser premiado pela real e augusta mão de um príncipe
verdadeiramente pai dos seus vassallos ; e tanto pela nota
que ajuntei no iim da citada copia de n. 1, como pelo
mappa, e observações que ajunto aqui debaixo dos ns. 6 e
7, podem ser avaliados os seus relevantes serviços.
A causa por que tenho tido alguma demora em participar
a y. E&. este inglorioso fim da expedição de D. Lazaro da
Ribeira, procedeu da falta de noticias de Miranda, d'0Dde
apenas sabia o que se refere nas três cartas de ns. 8, 9 e 10,
as quaes recebi em 15 de Novembro ; e só a 29 isto é, ha 3
dias, me chegaram as cartas que ajunto nas cnpias de
ns. 11, 12, 13 eU.
Pelas sobreditas cópias virá V. Ex. no conhecimento de
que o commandante d'aquelle novo estabelecimento, o pri-
meiro tenente de dragões Francisco Rodrigues do Prado,
logo que soube do api;rtoem que se achava Coimbra, embar-
cou com cincoenta e quatro soldados.para vir salvar aqaelle
presidio, ou acabar com elle como se explica o mesaio
official na ordem que deixou ao alferes da legião de volaii-
tarios reaes de S. Paulo António José do Rosário ; aquella
resolução e aquelles sentimentos são verdadeiros, pois é
— 97 -
«un dos officiaes de mais honra e valor que tem esla capita-
nia ; e aD. Lazaro da Ribeira tem elle particular vontade
desde o tempo em que o dito D. Lazaro o quiz pren-
der na província de Moxos. Vindo, pois, jà bem perto de
Coimbra e só a sele léguas de distancia, encontrou o avisi >
que Ibe fazia o tenente coronel Ricardo Franco,de se ter re-
tirado o inimigo, por cujo motivo se recolheu outra vez à
Miranda.
Depois do seu regresso, voltaram lambera de Villa Real
alguns Índios, e entro elles um capitão que até o presenle
tem sido fiel aos portuguezes, o qual deu a noticia, de se ter
recolhido D. Lazaro da Ribeira á capital, deixando bem
guarnecidos os fortes de Bourbon e S.Carios, mandando fazer
nai novo fortim e ficando por commandantc d'aquella fron-
teira o coronel D. José Espinola, como V. Ex. maiscir-
cumstanciadamente achará individuado nas referidas carias,
ás quaes responde, e nâo sei se com o acerto que desejara,
€bmaden. 15. Eis aqui em que veiu a disparar o grande
trovão ou raio caslelhano, de que o canhão c a espada de-
cidiriam da sorte da desgraçada Coimbra.
Ma província de Moxos, alé as ultimas noticias que tive
do forte do Príncipe da Beira, nâo se tinham observado mo-
vimentos ; e, como nâo tem fugido índio, nem hespanhol
algum, édííUcíl saber o que vai no interior da província,
emquanlo não chegarem algumas forças para a fronteira.
No destacamento do presidio fia provincia da Chiquitos,
acha-se um capitão, um ten^Mile, um alfi^res, dois sargentos,
oito cabos de esquadra e cousa de cem soldados. Porém eu
jà tenho em Cíizalvasco a guarnição que consta do niappa
notado com o n. Ití, e, como as aguas vâo apertaiido, pa-
rece-me que antes da secca do anuo que vem nâo haverá
n'esla fronteira de Chiquitos grande inquietação. O que
tudo V. £x. se dignará de fazer presente a Sua Alteza Real.
TOMOXXVIII, p. I. Vi
— })8 —
Deus guarde a V. Ex. muílos anoos. Villa Bella, 2 de
Dezembro de 1801.— Illm. e Exm. Sr. D. Rodrigo de Sousa
Coutinho. — Caetano Pinto de Miranda Monte Negro.
Illm. e Exm. Senhor. — Em 23 de Setembro pró-
ximo passado, tive i honra de participar a V. Ex. o ata-
que que D. Lazaro em pessoa, em três grandes sumacas e
uma embarcação menor, fez a este presidio, remettendo no
mesmo dia a V. Ex. a carta que me escreveu este chefe ini-
migo, e a competente resposta que lhe dei, e o mais que
tem succedidoaté hoje é o seguinte:
No dia 2i pelos três horas da tarde se postou em fran.
quia, e na parte debaixo d'esle presidio, e fez ató ave-ma-
rias um fogo terrível, com as suas três sumacas, com duas
peças montadas em cada uma dos calibres de 4, 6 e 8 ;
findo este fogo, a que não respondi por estar fora do alcan-
ce da nossa chamada artilheria, se foi postar encostada à
margem d'este mesmo presidio, ficando uma sumaca en-
costada quasi na ponta da ilha que fica fronteira. Pel#
nove horas da noite tocou a retreta, com a sua musica de
oboé e zabumba,aque correspondemos com dois tambores,
rabeca e flauta; e n*esle intervallo vimos princiava a
descer para baixo, como fez, até quanto alcançava a vista :
om 25 e 20 ainda vimos as velas,navegando vagarosamente,
deixando-nos duvidosos do seu destino : em 28 chegaram
dois dos nossos uaycurús, resto dos nove, que eu tinha
mandado a Bourbon em 29 de Agosto, para verificaras no-
ticias do dia 22,e D. Lazaro apprehendéra em 2 de Septem-
bro, os quaes contaram que da bahia Negra depois de mil
pantomimas os soltaram, dando um ponne a cada um ; que
n'aquelle lugar metteram a artilheria menor no porão, des-
mancharam os bailéos que traziam de carandá, como para-
peito contra a mosquetaria ; e que emfim os hcspanhoes os
despediram, bazofíandoque,como os porluguezes em Coim-
- 99 -
bra eram poucos e estavam à espera de mais» que elles iam
buscar tamb(3m muita gente, paracaptivar e matar a todos
juntos; pelo que contam estes indios, houve conselho de
guerra, ouvindo-se os capitães das três sumacas : segundo
podemos inferir e noticiam os indios, o numero dos
inimigos seria de €00 até 800 homens ; elles entre mor-
tos e feridos, tanto na horta, como quando se encostaram á
parte de cima d'estas muralhas a tiro de mosquete, e na
acção do dia 13 pelas três horas da noite, perderam vinte
homens entre mortos e feridos, sem que da nossa parte hou-
vesse alguma pessoa que recebesse damno, mais do que a
perda de alguns porcos e vacc«is, que mataram e conduzi-
ram, emquanto lhes não demos por uma emboscada a res-
posta, deixando alli um morto, e conduzindo mais quatro
nas costas.
Emfim, Ex. Sr., Coimbra está salva d'este primeiro re-
pellão dado na mais critica conjunctura, sem mantimento
algum, o qual suppri com algumas vaccas, e porcos parti-
culares que se mataram, com a mais diminuta guarnição
que podia ter, que apenas chegava a 100 pessoas, sendo a
maior parte uns negros velhos, e auxiliares ; uns crianças,
outros molestos e muito cheios do maior terror pânico.
Não pouca timidez se notou no inimigo, pois quando se
encostou na ponta de cima doeste presidio fazendo-se das
muralhas alguns tiros de arcabuz, por estar debaixo do seu
alcance, não respondeu com um tiro, cuidando logo em
afaslar-se.
No pouso fronteiro à horta, e na mesma margem doeste
presidio, trabalhou em uma fachina, não deixando eu de
temer quizesse fazer alguma bateria para plantar o canhão
e bater com mais certeza estas muralhas, para abrir bre-
cha ; pelo contrario,, como depois vi, era uma fachina alta,
sobre a extremidade da margem do rio, só destinada a
- lOtl —
cubrir as ^macas de algum ataque nocturno: os soccorros de
terra lhe não chegaram por estarem ainda estes campos
alagados, os quaes julgo que só por fins d'este presente
mez de Outubro estarão praticáveis.
Como no dia 1 4 nos mudàmos/estere toda esta guarnição >
nos nove dias de alaque, no maior incommodo, e no meio
do terreno, sem casa, sem abrigo, e agora estou cuidando
em alguns ranchos, para armazém, casa de pólvora.
Os hespanhoes contaram a todos os indios que faziam
esta guerra, em despique dos portuguezcs lhe matarem um
capitão grande, e a guarnição de uma terra que tomaram ;
pôde ser, que houvesse alguma acção em Montevideo.
Deus guarde a V. Ex. muitos annos.— Coimbra, 1' de
Outubro de «801.— lUm. e Exm. Sr. Caetano Pinto de
Miranda Monte Negro.— De V. Ex. súbdito e attenlo vene-
rador.— Rkardo Franco d' Almeida Serra. ^ O secretario
do governo, Félix José dos Santos,
Para intelligencia das palavras que, acima iicam sublinha*
das,é preciso nolar-se que, em consequência das noticias da-
das pelos uaycurús, mandou o tenente coronel engenheiro,
para explorar os movimentos dos hespanhoes, alguns dos
mesmos indios até Bourbon, os quaes prometteram voltar
em 5 dias, o que não puderam fazer porque D. Lazaro da
Ribeira, que jàse achava n'aquelle forte, desconfiando se-
rem espias, mandou segural-os. Não se sabendo, porém, em
Coimbra a causa d'esla demora, desceram no dia 12 de Se-
tembro duas canoas com dragões e pedestres na mesma
diligencia, e no dia 13 pelas 3 horas da madrugada, quando
passavam pela boca da bahia Negra, ou mais propriamente
do rio Negro, onde estavam fundeadas as sumacas hespa-
nholas, foram as ditas canoas repentinamente atacadas por
vinte e tantas de payagoazos com hespanhoes ; gritando
todos í — entrí^ga, entrega, portuguez — ; mas os nossos só
- 101 - '.-v
com 8 tiros, dados quasi á queima roupa, lb{;s.c4siparam a
boca, ficando alguns em silencio eterno, e abrirâi^*clUininho
para se recolherem a Coimbra, onde chegaram riõj^ 14.
Em parte d'este dia, no seguinte, e na manha de 16;dia:do
alaqoe, mudonsc a guarnição para o novo forte, que eii*
por prevenção, não obstante a falia de todos os meiôs,^.
tinha mandado construir, e esta mudança creio foi a que
desconcertou as medidas de D. Lazaro, que esperava achar-
nos na antiga estacada, a qual era absolutamente indefen-
sável, quando em as novas muralhas não faziam as suas
balas do calibre de 8 damno algum.
Posto que digo, tinha mandado fazer por prevenção o
novo forte, não sou capaz dii roub ir o alheio merecimento.
O tenente coronel Ricardo lYanco foi o qu 3 me propôz esta
^i^y foi o primeiro que conheceu asua necessidade, e o que
^ tena continuado até o ponto em que se acha, com a mesma
Wapnição, e quasi sem despeza da real fazenda, servindo
^h de archilecto, de feitor, de mestre pedreiro e carpin-
'^^^'O. Este importante serviço, eo valor com que defen-
*íi Queila fortaleza, merecem uma digna recompensa.—
^(^€^no Pinto de Miranda Monte Negro,
^Im. e Exm. Sr.— No meu officio de n. 20 em data do
*"^ Dezembro do anno passado, dei contado inglorioso
f^^^^^«sso das armas hespanholas diante de Coimbra, e da
nor^^-Qgj^ resistência dos portuguezes na defesa d*aquelle
P^^^idio. Hoje tenho a honra de participar a V. Ex. o glo-
"^^^successo das armas portuguezas, e a vergonhosa resis-
^f^-^ia dos hespanhoes na defesa do novo fortim (pm
**^^am construído nas cabeceiras do rio Apa.
^^f) dia 19 de Dezembro Sihiu de Miranda o primeiro te-
^®^te de dragões Francisco Rodrigues do Prado com Si
^P^^ados, e 297 indios com o fim de atacar o dito novo for-
^^^í' o qual felizmente arrazou, c reduziu a cinzas no 1** do
••• •
v... _ 102 _
JâneirOi.^fipifido dos inimigos 4 mortos, 26 prisioneiros, e
fuginda/tQda a mais guarnição.
PeVtólía-me V. Ex. que eu me refira à carta que recebo
n'e'sfe'Iiora do dito tenente, e depois de ler os papeis hespa-
'•Rhoes, que se acharam, e de me informar dos conductores
/•..dos prisioneiros, em outro correio que brevemente hei de
<.l expedir, informarei mais circumstanciadamente a V. Ex-
• das particularidades que forem dignas de chegar ao real
conhccimenlo de Sua Alteza.
Só accrescenlarei que, se os vassallos beneméritos devem
ser premiados pelos seus soberanos, este olHcial é bem
digno da real beneficência do mesmo Augusto Senhor.
A companhia de dragõoê está sem capitão pela morte de
Joãa José Coutinho ; elle é o primeiro tenente, serve desde
o annode 1778, e ha dez annosque está effectivamente
destacado na fronteira do Paraguay. Nos primeiros cinco
annos commandando o presidio de Coimbra, e agora o novo
presidio de Miranda, de que elle mesmo foi fundador.
Parece-me, portanto, que merece ser bem promovido a
capitão, e condecorado com o habito da ordem de Aviz.
Deus guarde a V. Ex. muitos annos.— Villa Bella, 27 de
Fevereiro de 1802.— Illra. e Exm. Sr. visconde de Anadia.
— Caetano Pinto de Miranda Monte Negro.
Ulm. e Exm. Sr. — Tendo partido no dia 19 do mez
passado, a 29 do mesmo deixei a estrada geral e segui
á esquerda pelos campos, atravessando o rio da Lapa em
dois braços, e não com pequeno trabalho : no dia 30 mandei
pelo cabo de esquadra Manoel Gomes, e pelo soldado An-
tónio Pires, explorar o inimigo, que distava d'alli duas
léguas ; recolheram-se sobre a madrugada e disseram terem
visto algumas choupanas e n*ellas até 60 hespanhoes. A
31 pela tarde avizinhei-me ao alojamento castelhano, o
tornei a fazer explorar pelos mesmos ; nada mais puderam
— 10:i —
ver que estarem alerta. Avizinhava-se o dia, e não havia
mais remédio que avenlurarmo-nos à sorte da guerra.
Observei a nossa gente cora valor, aos uaycurús em extre-
mo cobardes. Determinei que os portuguezes Jao romper
da alva atacassem ao inimigo pelo flanco, tcndo-me eu apre.
sentado pela frente com os índios, os quaes mandaram-me
dizer pelo cabo de voluntários, que só chegariam se eu os
conduzisse: dividi os soldados em três Ipelolões, o pri-
meiro commandava o alferes de milícias Francisco Xavier
Pinto, o segundo o cabo de esquadra Manoel Gomes, e o
terceiro o cabo de voluntários Lauriano José Bicudo;
n'esta ordem marchavam a emboscar-se, quando foram
encontrados por um alferes, e três soldados que rondavam
a campanha de cavallo para o lado da provincia e pergun-
taram— quem vive — ; eram pouco menos das 5 horas da
manha» Manoel Gomes lhe respondeu— que se entregassem,
se não morriam— ; mas elles deram de rédeas aos cavallo s
e levaram três tiros do dito cabo, e de dois soldados: de-
pois d'este inesperado cncjnlro não houve mais que atacar
âquellas mesmas horas, o que fizeram com resolução ; á
entrada das casas cahiu um dragão ferido de quatro balas
dos hespanhoes, os quaes deram fogo a uma peça de
bronze, calibre uma libra, mas como cslavam em um alto,
8 a nossa gente ia na baixa, não fez damrio a metralha ;
qilizeram carregar e não tendo tempo achou-se o cartuxo
no meio da peça ; seguiram os nossos ao inimigo e encon-
tram uma forte estacada e um portão fechado, o qual tinha
seis palmos de largo e onze de alto ; os contrários de dentro
deram alguns tiros, mas sem eíTeito ; o nosso fogo foi mais
matador: por vezes bradou-se que se rendessem, mas o
commandante respondia — morrer sim, entregar não. —
Emquanto isto passava, eu persuadi aos uaycurús que
chegassem, mas elles escusavam-se com o pretexto de
— {v\ —
ser iKMte, e que mais temiam os nossos tiros que dos
castelhanos; enifim deixei esta fraquíssima nação feita
inútil espectadora da tragedia, e fui incorporar-me com
os meus a tempo que o commandante hespanbol exha-
lava o ultimo suspiro com mais de 23 perdigotos e
balas, sem que n'aquella confusão se possa saber quaes
foram os que lhe fizeram tão cruel serviço ; com esta morte
renderam-se os hcspanhoes, dos quaes veiu um abrir o
portão, que os pedestres Felisberto das Neves e Felisberto
José não puderam romper por mais esforços que fizeram.
O cabo de esquadra Manoel Gomes, que dirigiu a acção em-
quanto não cheguei, e o soldado António Pins puzeram-se
junto a um baluarte, a defenderem que os castelhanos
se servissem de uma peça de arlilheria que alli estava ; o
soldado com valor trepou pela estacada, mas o cabo com
bom accordo o fez descer, temendo fosse morto dos nossos,
visto que o escuro não deixava distinguir-se amigos de
contrários. Aberto o portão, fiz dispor scntinollas, recolher
as armas e contar os prisioneiros, que acharam-se 26, en-
trando 11 perigosamente feridos, haviam mais 4 mortos,
afora os que morriam pela mata, onde se encontrou ura já
dando a alma a Deus.
Confesso a Y. Ex. que o ver tanto estrago nos meus seme-
lhantes, tirou-mo uma grande parte do prazer que me
devia causar a victoria. Depois do cessar o fogo, de ama-
nhecer, e quando estávamos occupados na segurança do
presidio, chegaram os uaycurús como lobos esfaimados,
c, sabendo que os prisioneiros já não tinham armas, che-
garam até o ponto de quererem romper as sentinellas do
portão ; derara-me parte, vim vêl-os, e disse-lhos que as leis
da humanidade nos obrigavam a poupar a vida dos rendi-
dos, que fugiram muitos, os buscassem e saciassem n'elles
a sede de derramar sangue ; mas, como n'isso poderiam ler
— 105 —
risco, coiiTorlcrâm o seu furor em pilharem as casas, com
Ul excesso que o mesmo fato portoguez que encontravam
ara levado t tlopois de espoliarem o pouco que encontraram»
ilerraraaram-se pela campanha, e quando foi ao meio-dia
tinham rL^colhido 300 cavallos do trafego da guarnição, e
me refine riam voltássemos na mesma hora. Emquanlo os
fracos Índios cuidavam nisto, eu me informava do numero
da guarnição^ que achei ser ao lodo H 4 praças, e, vendo que
fallavam 8i, nao mandei solrtadõs buscar cavallos por não
arriscar^-me a perder a vicloria no mesmo lugar que a ga-
nhei. Fiz curar os eníermos hespanhoes, enterrar os mor-
tos e acompanhar ao commandante até a sepultura.
Pelo alferes de milícias, pelo soldado Francisco lavier
Bibeiro como escrivão, o cabo da guarda, e dois soldados,
mandei fazer a relaçlo inclusa dos géneros apresados, e
passar revista nos poucos Irastes do commandaute, onde
se encontraram os papeis que faço chegar á respeitável
presença de V. Ex., entre os quaes achará duas cópias, que
mostrara bem a importância da empreza que se concluiu.
A pouca roupa do commanclante que se topou, fiz remelter
á sua consorte, e rogar-lhe me perdoasse a cruel perda que
lhe acabava de causar,
O sargento, que estava com duas balas nos pés, disse- me
que caminhando promptamente a S. Carlos seria mui facil
a tomada por estarem descuidados ; essa foi sempre â
miulia intenção, e, querendo pôl-a por obra, encontrei
obstáculos invencíveis. Além dos uaycurús serem fracos,
queriam voltar, com brevidade; das 5i praças que levei,
era preciso mandar um destacamento conduzindo a artí-
Iheria, armamenlo, prisioneiros, etc, ; reslavam-me tão
poucos que seria uma verdadeira temeridade empre-
bender uma viagem de 3 dias pelo centro do paiz inimigo,
TOMO xxviii, p. t Í4
— lor, —
por cuja razão resolvi recolher-me. Entrei em novo em-
baraço sobre o destino que daria aos prisioneiros, dos
quaes não podia trazer tantos enfermos, nem a piedade de
V. Ex. permitliria que deixasse em desamparo ; e vendo
também que tinha cavalgaduras só para seis, rjesolvi-me
dar liberdade aos mais, depois de jurarem e assignarem
um termo de não pegar em armas conlra os dominios
de Portugal, todo o tempo que durar a guerra. Entre os
que faço conduzir a essa capital pelo alferes de volun-
tários António José do Rosário, vai um alferes das prin-
cipaes familias do Paraguay, filho de um coronel que
foi commandante na tomada do Iguatemy, e neto do
um governador da sua pátria: d*elle poderá V. Ex.
informar-se do estado d'aquella provincia, do ataque
de Coimbra onde esteve, e da causa de D. Lazaro le-
vantar o sitio; e o soldado Francisco Xavier Ribeiro
responderá a y. Ex. pelas miudezas da viagem. Da carta
inclusa do commandante chefe verá V. Ex. que nada
me diz a respeito dos primeiros, e se tenho obrado mal,
supplico a V. Ex. o perdão, pois foi nascido o erro da falta
de conhecimentos e de instrucçues.
A estacada eedíGcios reduzi a cinzas, e cm uma cruz que
alli estava alvorada mandei gravar ura letreiro que diz —
Viva Portugal— foi tomado este presidio no 1* de Janeiro
de 1802 : da planta d*elle, e da sua posição local nada digo,
porque nas duas citadas cópias encontrará V. Ex. a ver-
dade ; só accrescentarei que de Miranda áquelle lugar tem
ao mais 34 léguas, e d*aHi a Iguatemy disseram-me os indios
poder-se ir em quatro dias com marchas forçadas: o rio tem
quasi 16 braças de largo e quatro e meio palmos de
fundo ; as serranias d*onde nascem estavam a nascente a
cinco ou seis léguas -, todos os ribeirões que encontrei cor-
rem para o rio de Miranda, e quatro se somem junto ao ca-
- 107 -
minho por debaixo da terra ; só da cruz para lá eslao três
qae vão metter-se no rio da Lapa, ficando claro que o que
chamamos rio Branco é uma babia, e o que sabe pouco
acima de Bourbon tem pequeno curso : sete léguas para
chegar ao rio da Lapa, o caminho é em extremo pantanoso,
6 do Roncador para cà vem-se sempre por entre serranias,
oade formam quatro gargantas que com pouco adjutorio da
arte ficam muito defensáveis, mas sò em duas tem agua.
A peça calibre 3 ficou uma légua arredada do presídio
arrasado, enterrada no campo; por estes dias pretendo
mandar conduzil-a por bois, e então farei reconhecer se os
hespanhoes voltaram á estaca depois da minha viagem.
A falta de cavalgaduras me poe em inacção; e se Y. £x.
fôr servido que continue a empregar-mc em semelhantes
diligencias irei com muito gosto, porém é preciso levar
mais portuguezes, visto que 100 indios não são capazes de
fazer cara a quatro homens armados.
Do pouco gado que se achou no curral inimigo, e mandei
trazer, fez-se repartição igual pelas tropas, contemplando-se
mais aquelles que foram em cavallos próprios, tocando á
real fazenda 36 cabeças. A pratica do uaycurú é da presa
pertencer a quem a faz, de sorte que um captivo fica com
quanto apanhou, e seu senhor sem cousa alguma : se os
tornarmos a levar à campanha, os poderemos pôr em me<
Ihor ordem, visto o grande temor que de nós conceberam
com esta jornada. Vou dispondo este presidio de sorte
que, se os hespanhoes se resolverem vir a elle, encontrem
os mesmos homens qn ^ viram em o rio da Lapa.
Supplico a V. Ex. a permissão de rogar pelos meus com-
panheiros, que para mim basta-me o gosto de ter podido
desempenhar o lisongeiro conceito que V. Ex. de mim faz :
— 108 —
O alferes Francisco }Lavíer Pinto deseja recolher-se ã sua casa
a descansar ; elle se faz merecedor d'esta graça que a V. £x.
rogo : o cabo de esquadra de dragões Manoel Gomes e o
dragão António Pires são os que trabalharam mais em toda
a acção, e por isso espero que Y. Ex. os attenda conforme
o risco a que se expuzeram : o cabo de esquadra de volun-
tários Lauriano José Bicudo deseja fazer passagem para a
companhia de dragões, elle se mostrou esforçado : o sol-
dado Francisco Xavier Ribeiro também se fez recommen-
davel, assim como os dois pedestres Felisberto das Neves e
Felisberto José: todos ficam esperançados na justiça e
bondade de V. Ex., e promplos a perdermos as vidas pela
segurança e augmento dos dominios de S. A. R. e do
excelso nome de Y. Ex., que Deus guarde por muitos annos
para bem d'estas capitanias.
Miranda, 13 de Janeiro de 1802. De V. Ex. o mais obe-
diente súbdito.— Francisco RodrigtAes do Prado.-^ O se-
cretario do governo, Félix José dos Santos.
Ilfm. e Exm. Sr.— A 17 do corrente recebi do gover-
nador hespanhol da província da Assumpção a carta junta
na cópia de n. 1 , com a qual me remetlia o tratado de paz e
amizade entre as coroas de Portugal e de Hespanha, assi-
gnado em Badajoz a 6 de Junho do anno passado.
No dia 21 recebi por via do Rio de Janeiro as gazetas
portuguezas, e no segundo supplemento da de n. 29 achei
o decreto que baixou ao desembargo do paço para a publi-
cação da paz.
No dia 25 recebi do governador do Pará a caria da cópia
de n. 2 com um original impresso do mesmo tratado, que
elle pôde haver de um negociante d'aquella cidade, pois
que da còrle não tinha tido. carta alguma.
- 109 -
Immediatamente mandei suspender todas as hostilida-
des, e, na grande consternação cm que me vejo por falta
dos meios precisos para as despezas da guerra, bem dese-
jaria eu suspender também a maior parte das mesmas des-
pezas, reduzindo ao menor numero possível os dragões e
pedestres, cujo estado ellectivo é presentemente de 712
praças, e deixando recolher à suas casas os pobres auxi-
liares, que ha cinco annos que são incommodados : porém,
vendo que ao Pará inda em Dezembro não tinham chegado
as reaes ordens de Sua Alteza, nem participação alguma, e
combinando tão extraordinária demora com o art. 2"* do
tratado, com o estado actual da Europa, e com a alteração
que nas suas relações politicas causou a morte do impe-
rador da Rússia; não me arrisco a tomar por ora este ar-
bilrio, apezar do aperto em que me vejo, e em que se
não vê presentemente outro qualquer, que tenha a seu
cargo o defender, não digo 500 léguas de fronteira, mas
ama mínima porção dos vastos Estados de S. A. R.
Ao governador do Pará respondo na conformidade da
cópia de n. 3 e ao governador hespanhol,para lhe não dizer
que inda não recebi ordem nem participação alguma da
minha corte, diffiro a resposta por mais alguns dias, a ver
se entretanto chega a dita participação, a qual talvez virá
com a da declaração da guerra, que até hoje não recebi tam-
bém e só presumi que a teria havido, quando repentina-
mente fui atacado. Mas graças a Deus que nada me tem feito
falta, e as velhas armas d*esta capitania, manejadas por
mãos fieis, até o presente tem conservado sem mancha a
gloria antiga do nome portuguez.
^Ôeus guarde a V. Ex. muitos annos. Villa Bella, 27 de
Fevereiro de 1302.— Illm. e Ex. Sr. visconde de Anadia.
— Caetano Pinto do Miranda Monte Negro.
- no -
FuudaçAo de ViUa Maria do Parasuay
e proTideucias para o seu eii-
Sraiideeimeuto.
Illm. e Exm. Sr. — Faço a Sua Magestade presente o
termo da nova fundação denominada— Villa Maria do Pa-
raguay— , a que ultimamente dei principio na margem es-
querda do rio Paraguay, junto do lugar por onde de pre-
sente se dirige o caminho d'esta capital para a villa de
Cuyabà, que distará 5 léguas do antigo marco do Jaurú;
tendo-me valido afim de povoal-a, além d*outros casaes
dispersos que pude congregar, de mais de 60 indios ca3-
lelhanos de ambos os sexos, que haverá três mezes deser-
taram da missão de S. João de Chiquitos, persuadidos de
pessoas que n'este mesmo objecto Gz penetrar ao dito esta-
belecimento; e, supposto que semelhantes diligencias jamais
deixem de trazer comsigo bastante trabalho e despeza da
real fazenda, e que por consequência são bem difficultosas
n'este paiz, conheço por outra parle que interessam essen-
cialmente o real serviço ; pelo que até onde abrangerem os
fracos meios actuacs, emquanto por aqui me demorar, ea
não cessarei de continual-as ; em conformidade das or-
dens da mesma Senhora de cuja execução estou encar-
regado.
A paragem da referida nova povoação é conhecidamente
própria e adequada a facilitar a indispensável communica-
ção e commercio d'csla com a mesma villa do Cuyabá;
porque fica quasi no meio do caminho e jaz em situação
fertilissima de peixe e caças, em que abunda de ordinário o
mencionado Paraguay ; ficando além d'isto bem nas vizi-
nhanças da fronteira ; porém necessitará de bastante tempo
e despeza, antes que finalmeale se consolide nos termos
competentes, e o mesmo repito também a V. Ex. que sue-
- Hl -
cede a respeito dos outros trcs novos estabelecimentos, ou
povoações» a que da mesma sorte dei principio n*esla capi-
tania, segundo as respectivas contas que fiz subir ao real
throno ; ainda que para todos estes fms me vejo na ver-
dade tão embaraçado como V. Ex. poderá julgar pela no-
tória falta de habitantes, pois que a uma tão remota parte
do mando como esta, e tão pouco sadia, são com effeito ra-
ríssimas as pessoas que voluntariamente se transportam ; e
ainda essas mesmas sem desígnio algum de existir e per-
manecer, como se fazia necessário.
Pelo que tudo, se Sua Magestade fosse servida de mandar
conduzir um certo numero, que parecesse, de familias bran-
cas pela via do Pará, ou aliás do Rio de Janeiro em direi-
tara aos rios de S. Paulo, seria certamente uma pro-
videncia, ainda que custosa, d'onde resultassem ao dito
real serviço as mais proveitosas utilidades, na certeza
em que se pôde convir de ser como baldado todo o
maior fundo que se fizer na civiiisação e préstimo d'estes
Índios selvagens, quasi sempre inconstantissimos, fero-
zes e indomáveis* ou d'oma indolência e preguiça sem
exemplo, que, vagando pelos matos por eíTeitos da própria
inclinação e natureza, com total desprezo de honras e fazen-
das, ainda no diíDcil caso de se atlrahirem, e ajuntarem, não
obstante a mais cuidadosa diligencia, se internam nova-
mente sempre que podem conseguil-o por estes immcnsos
desertos, que atudo preferem, depois de executarem as suas
costumadas rapinas, mortes, e outros damnos, deixando
além d*isto infructiferas pela maior parte todas as fadigas
egressas despezas a que sempre primeiro não deixam de
daroccasião.
Deus guarde a Y. Ex. muitos annos. Yilla Bella, 20 de
novembro de 1778.— Ulm. e Exm. Sr. Martinho de Mello
^ «12 -
e Castro* — Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Ca-
ceres.
TERMO DE FUNDAÇÃO do novo estabelecimento a que
mandou proceder o lUm. e Exm. Sr. Luiz de Albu-
querque de Mello Pereira e Cáceres, governador e ca-
pitão general doesta capitania de Mato Grosso denomi-
nada Villa Maria do Paraguay.
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Chrislo
de 1778, aos 6 dias do mez de Outubro do dito anno, n*este
districto do rio Paraguay e margem oriental d'elle, no
lugar aonde presentemente se dirige a estrada que se se-
guia a Cuyabá desde Villa Bella, sendo presente o tenente
de dragões António Pinto do Rego e Carvalho, por elle foi
dito que tinha passado a este dito lugar por ordem do Ulm.
e Exm. Sr. Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres,
governador e capitão general d*esta capitania de Mato
Grosso, para com effeito fundar, erigir e consolidar uma
povoação civilisada, aonde se congregassem todo o maior
numero de moradores possivel, comprehendidos todos os
casaes de indios castelhanos proximamente desertados
para estes domínios portuguezcs da provincia de Chiquitos,
que fazem o numero de 78 indivíduos de ambos os sexos,
a que juntando-se todo o outro numero das mais pessoas
congregadas para o dito fim, faz o total de 161 indivi-
dues de ambos os sexos ; cuja povoação, segundo as
ordens do dito senhor, se denominará de hoje em
diante, em obsequio do real nome de Sua Magesta-
de, — Villa Maria do Paraguay — , esperando-se que
de semelhante eslabolecimenlo haja de resultar grande
utilidade ao real serviço e commcdidade publica : e
porque supposto o plano do terreno para a dita villa se
acha com alguma disposição para continuar a fundar-se
— U3 —
com regui aridade: comlufio, como alguns dos alinharaenlos
Ião estão conformes ao projecto da boa policia, como de-
reria ser, determinou elte dito tenente a todusos morado-
T^ em nome de S* Ex que, deixando de fazer mais aEgum
beneficio a varias cabanas existentes, só n'ellas assistem
lemquanlo se fabricavam casas no novo arruamento, que
niie fica prescripto, e balisado por elle tenente com marcos
sididus de pâo de lei; sendo obrigados a não excederem
nem diminuírem a dita construcçao na altura de 14 pal-
mos de pé direito na frente da todas as casas que se la-
rantirem e 2i palmos de altura no cume : oulrosim deter-
minou que precisamente chamí riam para regular os ditos
pés direitos ao carpinteiro João Murlins Dias, e nâ falia
d'esltí outro algum inlelligente no officio, afim de conser-
var sem discrepância, segundo o risco, a lar^^ura de 60
palmos de ruas que estão assignadas por elle dito tenente;
cojas actualmente demarcadas e abalisadas terão os seguin-
tes nomes, a saber: a primeira contando do norte rua d'Al-
buquerque, a immediatn para o sul rua de Mello, as quaes
ambas vao desembocar na praça e cada uma d'el!as faz
face â mesma do norte e do sul ; assim como também as
litfessas de Sí> palmos^ que dividem os quartéis das ditas
ê se denominarãi» estas travessas, a primeira con-
tando do poente para o nascente, travessa do Pinto, e a que
sest^gue contando também para o nascente, travessa do
Rego, e no alto da praça da mesma banda do nascente,
cuja frente fica riscada entre as ruas e travessas, com 360
palmos, cujo numero tem também as mais quadras, po-
derão os moradores erigir a sua igreja pi ir ficar a porta
principal d'ella para o poente, como o determinam os ri-
luaes; e o mais terreno d'esla frente da praça por agora
se nio occuparía em casas, deixando-o livre para as do
conselho e cadea, quando se deverem fabricar. Cada mo-
TOMO XXVllT, p. i, IS
- 41* -
rada dos ãllos povoadores nlo lerá mais de tOO palmos
de GomprirnentoparaquiriUL que lhes licam delerminaílos
para o ceaLro de cada um dos quarleis. O que ludo assítn
execalado pelo dito ienente de dragijes na presença de
todos os moradí)r<!S, mandou a mim Dumiagus Ferreira dt
Costt, fiel d' este registro ^ que servindo de escrivão liíesse
eslã termo para constar do ruraríilo, o qual assiguou com
as testemunhas seguintes: — Leonardo Soares da Sousa,
homem dti negjcio; Ignacio de Almeiíia Lara, João Mir-
quês d' Ávila; Ign^icio José Pinti, s dilado dragão; Ma-
noel Gonçalves Ftírreiri, soldado dragão ; e António Pe-
reira de Mattos, António daC^sta Rodrigues Braga, José
Francisco, Agoslínbu Fernandes, António Xavier de Monta,
António Teixeira Coellio, K eu U jovmgtis Ferreira da Costa,
fel d*éste registro, que o escrevi,— 6 leneoto de dragões
commandatite António Pinto do Rego e Carvalho, Leo-
nardo Soares de Sousa» Ignacio de Almeida Lara, Joào
Marques d* Ávila, Ignacio J isé Pinto, Manoel Gojiçalvos
Ferreira, Arttonio Pereira de Mattjs, José Francisco, Anla-
nio dâ Costa Rodrigues Braga, Agostinho Fernandes, Antó-
nio Xavier de Moura, Ant<.mio Teixeira Coelho •—í-íit^ úe
Albuquerque (ie Melh Pereira e Cacer&s,
lUm. e Exm. Sr — D<:rpois da nova Tundação de TiJh
Maria do Paraguay, a que procedi no anuo de i778, pre-
tedente, povoando a com os casaes de i ódios liespanhoes»
qtie ãs minhas diligencias haviam deserlado para estes do*
rainios; conforme â ia||p6clÍYa caria que dei a Sua Mag6$-
tade por carta dis 20 de Novembro do referido anno,
que a V. Ex. dirigi, incluindo o termo da mesma fun-
dação, aonde rae tínho esforçado e vou esforçamlo de
fazer levantar igreja, casas e promover as ordinárias
agriculturas com algum principio de fabricas de tecer al-
godões, o que hz um objecto precisíssimo n'estas paizes;
^ 140 —
d'outras mais proTÍdenciag competentes ao meoeio-
ãdiantamento; julguei que absolutaiHí^oLe se fazia
necessário erigir 6m nova parocbía a dita villa; Lanto
para mais respeito&a memoria e profundo obsequio do
«lugmio DOme da rainha nossa senhora^ de que se
hoorou; como afim de que a todos aqaelles morado-
rr5, compreheudidos os de denlro de um territ^>rlo do
quasí 30 léguas mais ou menos de tx tensão, se facilitasse a
mais frequente adminislrâçâo dos Sac! ameotos da igreja»
dú que ale aqui iiao participavam que rarissimas vezes ;
fazendo-se junlimeule muito mais considerável alé por
*\^te principia aquelle dilo eslabelecimento: por cujos mo-
iHOssoliriloi por via do vigário da igreja e da vara do
ioívabii a desannexaçãe de alguma parle da sua vastíssima
fiarochia, da me$ma sorte extensíssima, que igualmente
soliciUyi d>ste vigário em orJem a consLiluirem o dislricio
da «(tva fregutí/ia de Vílla Maria; e assim executou com
efTeittr, ainda que as concernentes deliberações dos ditus
m vigários da vara do Cuyabà e Mato Grosso passanim
sridíi eond cíonaes ald que o Rev. bispn diocrsano, que é
do Rio de Janeiro, approvasse^ ou confirmasse esle seu
proeixlimenlot no que deve presumir que omesmopre*
lado nm teni duvida, se lonsiderar ds grandes vantagens
tr.^piriluaes que hlu de resultar do mencionado preciso
arbUrio; o que tudo ponho na presença soberana da
mesma Senhora, com a notícia do já ter chegado á dita
Vílla Maria o novo parorbo^ que emfim se dt&tinou, aptzar
de não pequenas diiliculdades que se oppuzeram*
Igualmente vou a V. Ei> relatar, para que tanbem suba
ao real conhecimento, ^ útil compra de uma boa fazenda de
gado, que acabo de mandar ajustar, na outra margem do
rio Paragiiay, opposla á <la mesma nova villa; com o de^
lino de servir à indispensável subsistência dos referidos
— 146 -
Índios bespanhoes, de que principalmente se povoa ; por-
quanto» sendo criados em paizes de immenso gado vaccum
como são todas estas adjacentes provindas de Moxos e Chi-
quitos» estranhariam infinito a falta de semelhantes soc-
corros» ou continuariam a obrigar a real Tazenda à grossa
despeza de lhe estar comprando frequentes vezes (como
por necessidade já tinha principiado a executar-se) alguns
bois, ou carne secca, o que, attendído ao maior excesso
dos preços, seria na verdade bem diílicíl de tolerar ; além
de que succedeu que a citada compra d*esta fazenda de
gados, que apenas distará da nova povoação cousa de uma
légua com o rio de permeio, sahiu em preço o mais ac-
commodado para a mesma real fazenda, tanto que espero
que dentro em poucos tempos, no caso de se adminisirar
com o devido cuidado, não sò esta se indemnisará ampla-
mente do despendido, mas que poderá ainda utilisar-se por
modo considerável, vendendo boas porções do dito gado
para o consumo d'esta capital; em cujas vizinhanças
pelos mais pastos e disposições que na verdade tem,
não foi até agora possivel fazer abundar e baratear
sensivelmente á carne de açougue, por mais que n'isso
tenho cuidado, e sei que cuidaram os meus antecessores.
Exponho da mesma sorte na presença d.'. Sua Mag:^stade
que tenho ultimamente feito varias disposições as mais
efficazes afim de não só restabelecer, mas melhorar o lu-
gar de Índios chamado de SanfAnna, a 9 léguas de dis-
tancia para leste do Cuyabà, e creado no inimitável governo
do conde de Azambuja; porém que se tinha reduzido a
uma successiva decadência, o que com eíTeito se vai con-
seguindo cora muito bom successo ; particularmente edi-
ficando-se no mesmo lugar uma nova igreja {que não ha-
via), com bastante magaíficencía e asseio para estas terras,
que de todo está concluída ; concorrendo com o maior
- 117 -
zelo e actividade para esla tão pia, como indispensável
obra, o actual juiz dí^ fòra da viila do Cuyabá José
Carlos Pereira, a quem lenho incumbido as respectivas
providencias do dito lugar de Sanl^Anna.
Doa por fim lambem conla a Sua Mageslade de que
tendo presentes as grandes ulilidides, principalmente
ÍQtaras, qut5 traz comsigo o ajudar a povoíiçao e commercio
d'eslas dilatadissiq^as províncias, facilitando a correspon-
deDcia de uns com outros governos ; tenho de próximo
persuadido e feito sugíerircom bom eTeito, o sem a mí-
nima despeza do real cofre, o estabelecimento de uma no-
va fazenda na passagem do rio chamado Porrudos, ou de
S. Lourenço, para là do Cuyabá 26 léguas ; do que espero
redundará uma grande cornmodid ido pira os tropeiros,
correios e mais viandantes, assim de Goyaz, como doesta
capitania, que transitarem aqueiijs sertões, além da que
já lhes resultava, de encontr.irem no outro recente esta-
belecimento e 'registro denominado da Insua, que muito
pouco di^pois da minhi chegada lambem erigi de novo,
DOS confins orienlai^s d'esta capitania, noticia que a V. Ex.
participei por carta de 4 de Janeiro de 1774, para que
chegasse ao real tlirono.
Desejarei que todos estes procedimentos, que à V. Ex.
tenho declarado, naod'ísmereçam, aindaqucMiãosejaque
pelo que têm de z*dosos, o real agrido <la rainha nossa
senhora, a cuja elovaila noticia e consideração espero que
V. Ex. os participará.
Deus guarde a v. Ex. muitos annos. — Villa Bella, 23
de Dezembro de 1779.— Illm. e Exm. Sr. Martinho de
Mello e Castro. — Luiz d^ Albuquerque de Mello Pereira
e Cáceres.
- 118 —
Estabeleelinetitoift de UTotii Coliitlira e Yl-
Si^ii c iiofieSii lie niii Tnapiia ;i:eosra*
filiira por onde se itiostra a corrente
do Giiaporé.
Illm, e Exin< Sr.— Dfsde as wHimas contas que puz
na real presença por vias de carias que a V. Ex, di-
rigi em fins do anno precedente de 1777, fazendo certa
a rainha prompta execução a Iodas as oitlens que Sua Ma-
Restadc foi servida de expedir-me até aqaelle lempo, com
todos os mais procedimentos e succ^ssos de alguma con-
sideração, que então havia para aqui, m^^ não tem occor*
rido novidade digna de será V, Ex, rHalada particularmen-
te depois das noticias publicas (ainda que só conimuni-
cadas em correspondnncias familiares), assim de que a Rai-
nha, no?s^ senliMra, tinha convindo um Iralado de paz coiBi
a corte de Madrid, como lambem um de definitiva regu-
lação de limites n'este vastíssimo continente da America ;
assumpto sobro que por agora nSo tenho outro algum co-
nhecimento»
Qaanlo aos recentes estabelecimentos, chamados de
Nova Cninibra e de Viseu, a saber; o primeiro delles na
margem nccidental do rio Paraguay, e o segundo na mesma
tanibem do rio Gnapore, a que jà vai para Ires annos que
dei osprimeinu^principiosnesta capilania e sobre que a Km
Mageshide fiz lambem pr* sentes conlas repetidas ; ajun-
tando os relativos lermos de fundação que a V, Ex- inclui,
sem embargo de parecer, que talvt^z não ficaram cumpre-
hendidos na sobredita linba divisória que se imagina no
tratado preliminar; eu me não deliberarei de sorto al-
guma a al>andonal-os durante a minha adminisiração» sem
que i^ara semelliante fim primeiro reaba uma expressai
ordem da dita Senhora, pelas conhecidas vantagens que
— H9 -
na verdade resultam a estes seas domínios da subsistência
dos masmos estabelecimentos, segundo informei nas mi-
nhas expressadas contas, descontando além de outras mui-
tas commididados que favorecem a mais solida conser-
TaçSo e dilatação dVdIes quanto ao de Viseu, situado quasi
defronte do rio Carúmbiarà ( loiíde n*outro tempo esteve
jâ uma missão de índios portuguezes], em cujas vizinhan-
ças fica a serrados Qa.irajús. que, assim pjlos seus dila-
tados declives que oliam ao nasci^nte, comt) pidas suas
faldas que banhi o dito Guaporé, se acabou proximamente
de examinar e reconhecer qne ha muito suílicientes pintas
de ouro e bias disposições d ^ lavras; de maneira que po-
derio vir a fazer um interessante descoberto.
Assim, pois, poresta grande utilidade, que provavelmente
ha de attrahir bastantes moradores àquella parte da frort-
leira, e que será convenientíssimo que se promova ; como
pela efTectiva posse em que nos achamos já d*aquella dita
serrados Quarujús, ou do toda a parte d*ella que olha ao
nascente ; por fie ir quatro léguas ainda para cima, ou a
sul da referida nova povoação de Vizeu de que lancei os
fundamentos, sobre haver férteis e copiosas matas n'a(|uella
parte para lavouras ; contra o que succede de ordinário na
outra margem oriental, que é muito pantanosa, me parece
que seria de um incomparável proveito, e da mais bem
advertida politica, que de nenhuma sorte fosse cedido aos
castelhanos aquelle pequeno território, tanto para se não
aproveitarem dariquezaque naver(ladepromette,como para
nos nãj inoommodarem talvez muito e interceptarem mais
a sua navegação pelo tempo adiante.
O território das faldas e declives orientaes da referida
serra com lodos os outros que se lhes seguem para o sul,
incluídos na estreita língua de terra que por muitas vezes
se avista e observa, entre a cordilheira que acompanha
— 120 —
quasi parallelamente este dito rio Guaporé desde as imme-
diações d'esta mesma capital até defronte do nosso antigo
deslaearaenlo das Pedreiras: são os qw^erdadeiramente
parece que constituiriam uma raia menos incontestável, e
nos term s presentes menos prejudicial aosdominios de
Sua Magestade, guardado sempre o maior socego e com-
modi'lade dos ditos castelhanos; pois que nunca navega-
ram aquelle ri()(que elles chamam Ilenes) desde a emboca-
dura que nV4ie Taz o de S. Simão para cima, ou ao sul, nem
jamais lhe pôde ser preciso a nâo fundarem comeffeito novas
povoações sobre a margem do rio, que privativamente na-
vegamos sempre até o dito S. Simãi) ; o qu3 de sorte ne-
nhuma se lhes deveria pírmittir pelo grandíssimo risco e
inconveniente que em tal caso não deixaria de resultar à
communicação indispensável do forte do Prmcipeda Beir§,
e ao commercio do Pará, sem o que não pôde subistir
esta capitania.
Da mesma sorte exponho ao real conhecimento que me
acho trabalhando em pôr em limpo um exacto mappa geo-
graphico de ponto grande, por onde se mostra, e conQ-
gura, tolaa dilatada corrente do mesmo rio Guaporé, prin-
cipiando desde esta villa até com effeito confluir juntamente
com o Mamoré no grande da Madeira, divisando-se no m£S-
mo mappa todas as diíTerenti^s larguras dos rios, sinuosi-
dades, bahias, confluencias, ilhas grandes e pequenas ; com
todas as difl'ercntes terras e morros adjacentes aos mesmos
rios, de d'onde se avistara particularmente para a parte de
Hespanha, ou do occidente, cuja carta foi levantada com
toda a maior exactidão mathemalica que se fez possivel de-
baixo dos meus próprios olhos, etal ou qual direcção, se-
gundo a V. Ex. me parece que referi ; e me lembro que o
sobredito mappa poderia ser de um grande uso nas cir-
cumstancias actuaes, aiim de regular e de definir com infòr-
- 121 -
màçao mais plena o sobredito grande negocio das demarca-
ções, pelo que o remetteria desde logo com effeilo á real
preseuça ; |*orém a falia de copiador iotelligenle» que não
ba, me fez valer de um tal curioso do paiz que 6 de pouca
▼islã e suiuTuamenle vagaroso ; pelo que só passado ainda
algum tempo d' aqui é que ficara prompto apezar da pró-
pria diligencia que lenho posto em ajudal-on'esta obra,
aliás descripta comas attenções mais escrupulosas ; ao que
me persaadin ora outro tempo mais depressa a curiosidade
de render individual conta das minhas viagens n'esla parte
do mundo» do que a consideração que então não podia ter
lugar, de que talvez poderia vir a ser ulil, como julgo que a
V* Ex, não deixará de parecer, visto que fornece uma idéa
clara da aclnal fronteira^ ou de outra qualqner que ?ua
Mageslade for servida resolver e ajustar.
I>eus goarde alUma^eExraa.pesãoa de V,Ex.— Villa Bella,
30 de Novembro de 1778. — Illm. e Exm, Sr. Martinho de
lello e Castro. — Luiz fie Àlbitqucrqm de Mdlo Púreira e
CiiiiBf riieçflo tio forte da 1Priiiei|ie d»
Heira, e eoiiser¥açdo de oiitron
esfalielecinieiitop.
lllm*eEx. Sr, — Na construcção do forte do Prin-
^ipe da Beira, que principiei no dia 20 de Junho de 1776,
jníorme as precedentes e repelidas contas que tenho feito
"OTbir á presença de Sua Magestade em direitura a V. Ex.»
C4)nlinúo em fazer proseguir com todo aquelle maior vigore
diligencia de que se fazem suscepiiveis os escassos meios
— 122 —
d*este paiz ; aonde além do dinheiro, que é o mais indis-
pensável instrumento com que se aplainam asdifficuldades,
e adiantam semelhantes trabalhos, faltam ainda verdadei-
ramente vários outros recursos necessários : como são os
competentes artífices e operários que se deveriam empre-
gar; de maneira que sobre alguns remettidos do Pará de-
pois das mais excessivas delongas edespezas fui obrigado
por ultimo a mandar vir um mais considerável numero
d'elles, que hão de ser escravos do Rio de Janeiro, aonde
a referida encommenda, sobre conta da real fazenda» se fez
ha perlo de um anno ; mas antes dos fins do corrente de
1779 não poderá chegar a esta capital, sendo fácil de cal-
cular por esta tão extraordinária demora aliás inevitável,
supposto que dentro do mesmo continente, que a Y. Ex.
representa, apezar das mais vivas recommendações ros
obstáculos que quasi insupefavelmente se offerecem afim
de qualquer empreza n^estas tão desprovidas como remo-
tas regiões, apezar do grosso cabedal quasi incrível na Eu-
ropa que tudo custa, por maiores que sejam os esforços do
zelo e da economia.
Emquanto aos outros novos estabelecimentos e postos
guarnecidos doesta dita cjipitania, sobre que igualmente
tenho posto na real presença, mediante o conhecimento de
V. Ex.,as humildes contas e representações que correspon-
diam ; vão subsistindo no indicado estado, emquanto a rai-
nha nossa senhora não fôr servida decidir ou mandar o
contrario ; ao mesmo tempo que o entretimento de todos
elles se faz quasi impossível de supprir, como por muitas
vezes tenho relatado a V. £x.,pela expressada falta de
meios.
Presentemente se me não offerece que acrescentar ás
sobreditas contas, que a ultima nova fundação de que ainda
não tinha dado parte, a qual da mesma sorte fiz executar.
conslanle do lenuo que incluo a Y. £x. ; situada na margem
Occidental do rio Paraguny a ires ou quatro dias de viagem
para cima do presidio que chamei Nova Coimbra ; na imagi-
nação de se tratar de demarcações, segundo respectivamente
aDDonciam os dois tratados públicos.
R'esta mesma occasião executo as ordens de Sua Mages-
ladc concernentes â clandestina extracção dos diamantes,
absolutamente prohibida n'esta capitania, dirigindo as
respectivas devassas, que vou fazendo tirar, ao Exra. vis-
conde de Villa Nova da Cerveira como secretario doestado
dos negócios do reino, pois que assim o determina a arta
régia de 16 de Novembro de 1770.
Deus guarde a V. Ex. muitos annos.— Villa Bella, 5 de
Junho de 1779.— lUm. e Exm. Sr. Martinho de Mello e
Castro. — Luiz de Albiujuerque de Mello Pereira e Cáceres.
P^piilaçfto da capitania delflato Grosso
em ISOO.
Illm. e Ex. Sr. — Tenho a honra de remettera V. Ex,
para ser presente a Sua Alteza Real, o mappa da povoação
d'esta capitania do anno do i:^0(), com os mappas particu-
lares das parochias d*o nde foi exlrahido.
A respeito dos ditos mappas particulares, deverei notar
que o districto doesta capital tem uma única freguezia,
a qual é a da Santissii^a. Trindade de Villa Bella, eu porém
contemplei como parochias as capellas de S. Vicente, de
Nossa Senhora do Pilar, de Nossa Senhora da Esperança do
Casalvasco e de Nossa Senhora da Conceição do forte do
— 124 —
Príncipe da Beira : não sò para facilitar este trabaltio, mas
porque pretendia também que os ditos mappas servissem
de base à divisão, que jà me anticipei â proporção da íre-
guezia de Yilla Beila, na realidade muito grande e dispersa.
Pelas mesmas razões no distrícto do Cuyabà contemplei a
capellania de S. Pedro de El-Rei como parochiadís-
tincta.
O pequeno mappa que tenho a honra de incluir n'esta
carta <oi extrahido e ordenado por mim com o fim de que
V. Ex. podesse ver de um golpe de vista, mais rápido, o nu-
mero dos habitantes de Yilla Bella de Cuyabà, e de toda a
capitania, os casamentos, nascimentos e mortos, e o estado
da escravatura.
No districto i*esta capital não deixará V. Ex. de compa^
rar a somma dos habitantes com a dos mortos, e, se os
cálculos do antigo mundo são applicaveís às novas colónias
do Brasil, a proporção de 1 para it seria um argumento da
salubridade de Mato Grosso. Dos mortos aos nascidos
houve excesso de uma pessoa, mas assim mesmo é uma
prova do melhoramento que vai tendo este clima.
Com effeito, em cinco annos, cinco mezes equatorze dias,
que n'elle existo, ainda não houve uma epidemia, e o
presente anno vai correndo saudável, apezar de mil pro-
gnósticos, a que deu causa a extraordinária enchente do
Guaporé, que excedeu uma pollegada a do anno de 1784, a
maior de que havia noticia. O augmento da cultura, e da
povoação, a abundância de gado vaccum, ao qual até lhe
serve de malhada a praça d*esta villá ; o uso quasi geral
da aguardente de canna, do tabaco de fumo e das pimen-
tas da terra, na comida ; os tamarindos, as laranjas, fruta
presentemente de todo anno ; e a providencia que eu dei
para que se cortasse lodos os dias carne fresca no açougue,
— 125 -
julgo serem as causas do sobredito melhorameDto e das
moléstias não fazerem jã tantos estragos.
O calculo no districto do Cuyahà é multo mais vantajoso»
e a differença a favor dos nascidos talvez não deixará lu-
gar a muitos exemplos. Aqucile clima cm que cheguei a ex-
perimentar um calor de 97 graus segundo a escala de Fa-
renheit, é, isto não obstante, summamente saudável. As
mulheres são muito fecundas, e as crianças livres de bexi-
gas e de outras moléstias, vingam com a maior facilidade e
até com grande economia, porque a atmosphera é a ca-
misa universal das crianças cuyabanas.
Se as minis d'aquelle districto florescerem, como é de
esperar, e se Nato Grosso d'aqui em diante lhe poupar mais
os seus habitantes, o Cuyabà em breve tempo deverá ter
um augmento extraordinário.
Estimarei bem que nos annos futuros se possam fazer
observações igualmente agradáveis. Devo porém prevenir
a V. £x. de que não posso remetter os mappas do anno
passado e do presente, não só porque os movimentos da
gaerra absorvem os pequenos braços que tenho e os cui-
. dados de todos; mas porque os mesmos movimentos fazem
uma tal confusão e transplantação nos moradores d'esta
capitania, que não é facil, emquanto elles não voltarem aos
seus domicilios, o tirarem-se mappas exactos.
Deus guarde a V. Ex. muitos annos. Villa Bella, em 17
de Abril de 1802.— Illm. e Exm. Sr. visconde de Anadia.—
Caetano Pinto de Miranda Manta Negro.
Mappa da povoação da capitania de Mato Grosso no
anno de 1800, com individuação das differentes espécies
de habitantes, e do numero dos escravos, e com os casa-
mentoSp nascimentos, mortes, q\u n*ella houveram no
mesmo anno.
•
- iHi —
NO DISTRTCTO DE YILLA BELU.
HABITANTES.
Brancos 504
índios 131
Pretos 5,1(53
Mulatos 1,307
Total. . . . 7,105
NO DÍSTRICTO DA VILLA DO CUYABÁ.
Brancos 3,738
índios 884
Pretos 9,112
Mulatos 5,997
Total. . . . 19,731
EM TODA A CAPITANIA.
^ Brancos 4,2v2
índios 1,015
Pretos 14,275
Mulatos 7,304
Total. . . . 26,836
NO DISTRlCTO DE VILLA BELLA.
ESCRAVOS.
Pretos 3,848
Mulatos 132
Total. ... 3,090
- ^n -
NO DISTRICTO DA VILLA DO CUYABA.
ESCRAVOS.
Pretos 7,106
Mulatos 824
Total. . . . 7,930
EM TODA A CAPITAIfU-
ESCRAVOS.
Pretos 10,954
Mulatos 956
Total. . . . 11,910
OBSERVAÇÃO.
No total da povoação da capitania faltam 85 i pessoas a
saber: ÍOI da guarnição do forte do Príncipe da Beira, que
o commandante julgou não devia oomprehender no mappa
d'aquella parochia, 213 moradores na fazenda de Cama-
poan, cuja população mandei examinar pelo preterito
ouTídor d'esta capitania, o desembargador Francisco Lopes
de Sousa, quando no mesmo anno de 1800 se recolhia para
o Rio de Janeiro, 317 dragões, pedestres e auxiliares, que
guarneciam Coimbra, Miranda e Albuquerque, com mais
220 paisanos de todas as espécies e condições moradores
nos referidos três estabelecimentos do Paraguay, e não
incluídos na sua guarnição; de sorte que a verdadeira po-
voação da capitania vem a ser de 27,690 habitantes. —
Caetano Pinto de Miranda Monte Negro.
BREVE MEMORIA
RELATIVA A CHOROGRAPHIA DA POVINCIA
DE MATO GROSSO.
POR
Augusto Levergcr.
ADVERTÊNCIA.
Para facilitar a referencia á maior parle dos mappas mencionados n'esla
memoria conto as longitudes do meridiano de Pariz, supposto 20'
a leste do da ilha de Ferro, e tomo por unidade itinerária a légua de
três milhas, ou de 20".
O mappa que denomino oíDcial é o que organisaram os geo-
graphos da demarcação de 1777, do qual foi lithographado uma co-
pia redusida no archivo militar em 1853.
A província de Mato Grosso occupa do centro da Ame-
rica meridional um espaço de perto de 50,030 léguas qua-
dradas.
Mais de metade doesta área, a norte do parallelo de 14%
é sertão, que nâo tem outros habitantes senão índios sel-
tagens.
Na parte restante, a população civilisada, que não chega
a 40,0J0 almas, acha-se repartida em poucos grupos, o
principal dos quaes abrange mais de «3/4 da dita população
em uma extensão de 2,000 léguas quadradas. Em taes cir-
cumstancias é evidente que um reconhecimento geral da
provincia é serviço que exigiria muita gente, muito tempo
e muito dispêndio, e não é de esperar que tão cedo se pos-
sam obter todos os dados necessários para a completa e
exacta organisação da respecliva carta. Expor resumida-
mente os trabalhos geographicos que até agora se fizeram
na provincia, os resultados d'esses trabalhos, e as explora-
TOMO XXVIII, p. l 17
- 430 •
ções que me pftrecdiD mais necessárias nos higares habita-
dos ou frequeútados, ou susceptíveis de sèl-o mais ou
mefios KtfitiédíatameQte: tal é o fim a que me propuz n'esta
Memoria.
Começarei por dar uma idéa geral da geographia pbysíca
d*esta parte do Império. A província de Mato Grosso acha-
se situada entre os parallelos de T e iV de latitude meri-
dional, e os meridianos de 52"" e ^9" a oeste do de Paris.
Não são exactamente conhecidas as latitudes e longitudes
dos pontos extremos, a saber : a norte o lugar das três
barras, confluência do rio de S. Manoel com o Juruema
ou Tapajoz ; a leste a margem do Araguaya, fronteira à
ponta inferior da grande ilha do Bananal ou de SanfAnna;
a sul a foz do Iguatemy ; e a oeste a foz do Abuná no Ma-
deira. Os limites com as republicas do Paraguay e de Boli-
Tia são objectos de questões internacionaes ainda penden-
tes. A divisa com as províncias do Amazonas e do Pará não
está bem definida. O limite com a província de Goyaz deve
ser o Araguaya e um aiUuente Occidental ainda não legal-
mente designado do Paranaiva. Este ultimo rio é divisa com
a província de Minas, e o Paraná com as de S. Paulo e do
Paraná.
Distínctos limites naturaes são os ditos rios Araguaya,
Paranaiva, e Paraná a lésle, e pelo lado occidenlal o Pa-
raguay e o Guaporé que leva as suas aguas ao Mamoré e
Madeira.
Os immensos cursos de agua que regam o território, ofife-
recem a divisão natural da província em duas grandes re-
giões : a do norte, cujas aguas entram no oceano pela foz
do Amazonas, e a do sul, que verte para o Paraná e o Pa-
raguay, tributários do Prata.
A tortuosa linha que divide essas aguas vem da provín-
cia de Goyaz a rumo de SO, e entra n^esta nas immediações
- ini —
do parilieiõ de i8' e do meridiano de S5% onde se âctiam
mui pmxiraas as funles do Araguaya, galho do Tocantins, e
9& do Sucuriú, allluenle do Paraná* N'eslâ paragem muda
âbrtiptamente a sua direcção do SO para NO, e nesleul-
limo quadrante separa os afíluenles do Aragitaya dos do
S, Lourenço t tributário do Paraíruay.
Antes de chegar ao parallelo do !5*^ inclina-se para
sle 6 depois para SO, passando entre as fontes do Aricà-
"mirim, pequeno aflluenle do Cuyabá, e as do rio Manso,
principíil cabeceira do rio das Mortes, que vai entrar no
Anignaja na proximidade da parte superior da ilha do Ba-
iitnaK
I»ste ponto sêgtie a linl^a divisória a norte para NE,
daxando à esquerda as fontes dos riachos qne affluem para
o Coyahá, e à direita as cabeceiras de diversos rios qne os
mappas representam como galhos do Xingu, mas que com
bom fundamento sopponho ser tributário do Tapajoz.
Pelo parallelo do li'* lorua a tomar a direcção de NO
o oeste, que segne òom muitas sinuosidades entre as orí-
ens dí» A ri nos entretecidas com as do Cuyabã e do alto
araguay; volta depois a SO para sul, passando entre as
vizinhas fontes do Jauríí e do Guaporé ; ai li descem estes
iloís rios a escarpa da chamada serra dos Pareci s^ em se*
guida, subindo vai passar pelo cume da serra de Agoapehy,
oiKJe, quasi juntos, nascem o rio doiuesmo nome, afiQuente
do Jauru» e o Alegre, galho do Guaporé; e finalmente vai en-
trar no território boliviano, perto do monte da Boa-Vista, a
SSK da cidade de Mato Grosso.
A dita linha divisória nao forma a crista de serras, como
liguram alguns niapi>uâ ; corre por um plafeau que se es-
lende desde as immediações do Paraná e Aragnaya até um
jioiico a oeste das fontes do Guaporé, lançando ramifica-
çTiíís fpie, pelo lado maismeridionaK dividem as vertentes
— 132 -
do ParaDà, desde o Paragnay, e a norte separaiãi as ba-
cias do Araguaya, Xingu, Tapajoz,Guaporé e baixo Madeira.
O terreno d'este plaíeau não é propriamente montanhoso,
mas sim accidentado por collinas de pouca altura, e por
sulcos mais ou menos profundos, formados pelo esgoto das
aguas.
A sua maior elevaçSo acima do nível do mar é pouco
mais ou menos de 400 braças ou 900 metros. E* vestido de
gramineas, sarças, arbustos e arvoredo baixo, enguiço e
pouco corpulento, em algumas partes espalhados cà e là,em
outras grupados em bosques mais ou menos extenso^, a
que, no paiz, chamam cerrados ou cerradões, segundo a
sua espessura. O solo em muitos lugares é areento.
E' quasi unicamente nas margens e cabeceiras dos rios
que se vêem matos e terrenos muito próprios para a agri-
cultura.
O plateau entrai e suas ramificações em algumas parles
abaixam-se suavemente até às várzeas, em outras termiuam-
se por Íngremes declives, às vezes em grande distancia dos
rios.
Este caso dà-se com especialidade na bacia do Paraguay,
onde as aguas que trasbordam periodicamente o alveo,
estendem-se em annos de copiosas e aturadas chuvas até
dezenas de léguas das margens, formando um immenso
lago, onde se misturam o rio principal e seus aílluentes.
Aos referidos declives e a collinas de mediocre elevação
dà-se o nome de serras ; e, como estas mudam de appd-
lido em cada localidade, d*ahi provém uma copiosa nomen-
clatura orologica, conhecida particularmente apenas pelos
habitantes das mesmas localidades, e pelos viajantes que
por ellas transitam.
Direi algumas palavras da divisão territorial politica, não
como elemento de estatística, mas. tão somente para dar
- {X\ —
idéft da distribuição da população cívílisada ou sujeita as
leis do Império. Entre os parallolos de i V' e ití" 3 )\ e os
rios Paragnay e S. Lourenço, que dislatn entre si cousa de
SO legaas, existem as seguintes povoações de quatro muni-
dpios:
k cidade de Cuyabà, e as freguezlas de Pedro 11,
Santo Aotonio, Livramonlo, Guia, Rrolas o Sant*Anna da
Chapada.
A. yilla do Diamantino (o Diamantino nâo está precisa-
mente dentro dos limites indicados, mas dista apenas -2 lé-
guas da margem direita do Parai^niay ; c a freguezia do Ro-
sano. A cidade de Paconé, Villa-Maria. Ksle grupo con-
tém, pouco mais ou menos, em numero redondo, 25,000
habitantes livres, e 3,000 í»scravos.
Na parte superior da bacia do (■uíipon; existe a decahida
cidade de Mato (irosso, cnja populaijão, inclusive a dos
pontos militares de Casulvasco c Torte d«j Princi|)e, nâo
chega a 3,0 íO almas.
Pela margem direita do Paranaiva e Paraná estende-se o
termo da villa de Sant*Anna, que julgo não ter mais de
3,000 habitantes.
' Finalmente, forma a parle mais meridional da provincia
o termo da villa de Miranda, quo se estende do Paraná ao
Paragnay, e abrange na margem dimit:! d\>st(' ultimo rio as
fregaezias de Albuquerque e drCitrnmhá. A popubcfio to-
tal pude avaliar-se de 4,ooo a o,0()') almis. Accrescen-
tando 601) ou <iOO pessoas que vivem espalhadas pelos ca-
minhos defioyaz e S. Paulo, e em lugares isolados, temos o
computo de 40,(KM) habitantes.
Passo a tratar dos trabalhos geographicos.
Não tenho a pretensão, nem os meios, nem me parece
bayer necessidade de ind.igar com (pie elemento si» descre-
veu em antigíis mappas esta i>arleda America.
— 13i -
Creio que os primeiros christâos que n'ella penetraram,
foram os bespanhoes, que em diversas expedições desde o
anno de 1537 subiram pelo Paraguay em procura de^ami-
nbo para o Peru, e fundaram na parle meridional da pro-
víncia alguns estabelecimentos, cuja duração foi epbemera.
Posteriormente os vicentistas ou paulistas exploraram
estes sertões em conquista do gentio. Muito antes de fun-
dar-se Cuyabà haviam estado n*esta paragem Bartbolomeu
Bueno da Silva, António Pires de Campos, e porventura
outros com numerosa comitiva, como era preciso para as
árduas emprezas d'esses ousados aventureiros.
Mui lo fraca luz lança sobre a geographia o pouco que
tem conservado a tradição acerca d*essas expedições, e
até causa alguma confusão a respeito da situação de alguns
rios e montes de que faz menção. O mesmo succede tam-
bém com roteiros mais modernos, sendo que às distancias
são geralmente avaliadas por dias de viagem e os rumos
pelas direcções de nascente e poente. Concebe-se quanto
são vagas e susceptíveis de induzir em erro semelhantes
designações, que aliás são ás vezes omitlídas.
Tendo-se descoberto ouro em Ciiyabá em 1719, não tar-
daram aflluir numerosos emigrantes, e desde então até ha
vinte e tantos annos não cessou de ser praticada a commu-
nicação oflicial entre esta proviucia e a de S. Paulo.
Em 173G abriu-se um caminho de terra de Cuyabá para
Goyaz ; foi, porém, pouco frequentado.
Em 1746 o sargento mòr João de Sousa Azevedo empre-
hendeu a navegação para o Pará pelo Tapajoz. Tendo
hproraptado a sua expedição ao Jaurú, desceu por este rio
e subiu pelo Paraguay e Sepitiba até onde lhe foi possível;
varou as suas canoas por terra até o rio do Sumidouro, por
cujo alveo desceu ao Arinos, e continuando a navegar aguas
*»^l>aixo chegou a salvamento ao Pará. Julgou, porém, im-
— IMi —
praticarei o voltar pela mesma via. Os uomes qiio Az^3ve(lo
impõz aos aiHuentes do Arinos e do liiruemi, sào até o pre-
sente «onservados em todos os mappas que conheço, sup-
posto que tenham sido mais de uma vez mudados e estejam
iMje desconhecidos pelos que fazem habitualmente a dita
navegacSo.
Eia 1759 chegou aos arralaes de minas de Mato Grosso
pelo Gaaporé e Sararc uma expedição vinda do Pará para
explorar o curso do Madeira.
A relação d'esta viagi>m foi publicada pela academia
real das sciencias de Lisboa no lomo 4"" da Collecção de
noticias para a historia e geographia^ etc.
A respeito da dita relação diz o capitão general Luiz
Finto de Sousa, em oíQcio dirigido á secretaria d'cstado
em 1760: « Supponho que com as mesmas luzes seria a
nossa corte informada n'essas matérias pela relação de
viagem que, em virtude de ordens régias, se emprehen-
dea do Pará para estas minas nu anno de 1740, e que
execalou o sargento mór Luiz F.igundes em companhia
do piloto António Nunus de Sousa, cujos erros no calculo das
léguas, na posítura e direcção das cachoeiras, na largura
dos rios, e emfim até na verdadeira medida das alturas,
(azem a dita relação pouco allendivel. »
Em 1751 teve principio o governo da rocemcreada capi-
tania general do Mato Grosso pela pjsse que tomou em
Gayabà o seu primeiro governador, 1). Anlonío Uolim de
Moora. Viera o dito governador pela navegação lluvial do
S. Paalo e escreveu um circumslanciado e exacto itinerário
da soa yi^eiu. (Inserido na Revista Tnmcnml tio luMitulo
Hiãiofico e Geographicoj tomo 7*" n. á í, de Janeiro
de 1846.)
Hão lhe eram estranhas as observações astronómicas,
eomo se deprebende do seguinte trecho, relativo á sua es-
— i36 —
tada em Camapuã: « Como estas (as trovoadas), que se
armavam quando ia chegando o meio-día, me embaraça-
vam de tomar o sol à minha vontade. Um dia, ainda que
com grande di(Iiculdade,por estar-se escurecendo de quando
em quando, me pareceu achar a altura de 19° Vs- >>
Em 1752, depois de lançar os primeiros alicerces de
Villa Bella, hoje cidade de Mato Grosso, o governador en-
viou às Missões da provincia hespanhola de Majes, por
motivos políticos, o padre jesuita Agostinho Lourenço,
que víéra do Rio de Janeiro na sua companhia. Este reli-
gioso escreveu uma minuciosa relação da sua viagem de
ida e volta.
Em 1754 vieram, pela via do Paraguay, collocar o marco
do Jaurú os commissarios das três partidas da demarcação
de limites, na conformidade do tratado de 1750.
O terceiro governador, Luiz Pinto de Sousa Coutinho,
jà na viagem que fez do Para para Mato Grosso, deu grande
attenção às circumslancias geographicas, como se vé de
um extenso oíQcio que sobre esta matéria dirigiu á secreta-
ria de estado em Janeiro de 17(>9. Cumpre, porém, dizer
que algumas posições que refere e provavelmente tirou dos
mappas que tinha á sua disposição, dilTerem consideravel-
mente das que foram posteriormente deduzidas de obser-
vações exactas. Assim também enganou-se evidentemente
noticiando que, na bocca de Jamary, antes de chegar â
primeira cachoeira do Madeira, achou a altura do mercúrio
no barómetro 4 l/á poUegadas menor que na cidade do
Pará, o que comprehenderia a uma impossivel dilTerença
de nivel ; sendo que pouco menor altura da columna baro-
métrica achou o Dr. Pontes no cume da serra dos Parecis,
isto é, n*um dos pontos mais altos áoplateau central.
O governador Luiz Pinto ordenou varias explorações, e
entre ellas a abertura de um caminho pelo alto do terreno da
- 137 —
fortaleza de Bragança (substíluido pela fortaleza do Prínci-
pe) paraCuyabá. Esta expedição iòí mal succedída depois
de ler gasto um anno inteiro n'esUi exploração e de ter per-
didOy inanidas de forno e de cansaço, ou mortas pelos indios
e pelas feras, Tò das 82 pessoas que a compunham ; teve de
TOltar àVilIa Bella (Mato Grosso) antes de chegar ás cabecei-
ras do Guaporé. Comtudo reconheceu a praticabilidade do
projectado caminho. O itinerário d*esta viagem foi feito ao
principio com muito cuidado, indicando-se os rumos pela
agulha e medindo-se as distancias cm braças. Houve,porém,
depois falta de exactidão, pois, traçando-se a derrota no
mappa, o ponto de chegada vem ter muito a oeste de Mato
Grosso, devendo ficara leste. Entretanto esta derrota vem
delineada na grande carta de Avey de la Rochette, publica-
da por Tadem em 1807 ; fizeram-sií-lhe, porém, as modi-
ficações necessárias para não apparecer o erro que acabo
de ap miar.
O mesmo governador já em 1771 linha duvidas acerca
do corso do Paranatinga, e pedia informações a esto res-
peito à camará de Cuyabá e ao governador de Goyaz, que
lh'as não puderam ministrar senão muito vagas, apezar de
consultarem os mais antigos e experimentados sertanistas.
O capitão general Luiz de Albuquerque veiu por terra
do Bio de Janeiro a Cuyabá, onde. chegou em fins de 1772.
Trazia na sua companhia um ollicial do engenheiros e fez
iiin circumstanciado itinerário da sua viagem. Recordo-me
de ler visto osso trabalho ; mas, procurando-o depois no
archÍTO da secretaria da província para cxaminal-o mais at-
tenlamenle, não o pude encontrar. A derrota de Goyaz a
Gayabá vem traçada no majtpa r»flicial, e cumpre dizer que
diflTcre rauilo do caminho que prosenlemente se segue, e
que ba evidentes erros nas origens e direcções de alguns
rios e ribeiros. Depois de entrar no exercício do governo
T03I0 XXVIll, p. I. 18
de Mato Grosso, o governador mandou fazer namerosas ex-
plorações nas vizinhançis da vil !a e pelo Guaporé abaixo,
tomando pessoalmente parle em uma doestas. "
Mandou também reconhecer o curso do rio Paraguay e o
território dos Guarajús. Infelizmente as pessoas incum-
bidas d*essas diligencias tinham mais zelo do que inslruc-
ção, e as derrotas que se acham registradas, embora con-
tenham minuciosas informações topographicas , pouco
aproveitam para a geographia, por não haver uma só posi-
ção determinada por observação astronómica, e por serem
de modo muito vago indicados os rumos e as distancias.
Em 1775 o governador fez sahir de Cuyabcá uma expe-
dição de canoas armadas, que teve ordem de explorar o rio
Paraguay e de fundar um estabelechnento no Fecho dos
Morros, o que não foi pontualmente cumprido, fundando-
se o presidio de Coimbra, a nova, na margem direita do
Paraguay, e no lugar outr'ora chamado Estreito de
S. Francisco Xavier.
No mesmo anno mandou expedir de Mato Grosso uma
bandeira para investigar os campos de Ourucumacuã, onde
suppunha-se haver ricas minas de ouro. Esta expedição
mallogrou-se, regressando antes de chegar ao seu destino.
No segundo anno, de 177(5, mandou fazer o reconheci-
mento do rio Mboteteú, ao qual o explorador impôz o nome
de Mondego, e bem assim deu denominações portuguezas
aos alíluenles e aos montes e outros accidentes de terreno
que foi avistando. Estes nomes, que se lêm em muitos
mappas e escriptos são quasi geralmente desconhecidos no
paiz : o principal galho chama-se Aquidauana ; outro no
de Miranda, em vez de Mareco, como fora denominado em
1776, c assim dos mais. Subiu a expedição até às cabecei-
ras, e comtudo não pôde dar com o varadouro para o rio
Anhanduhy, por onde eram oulr'ora transportadas as ca-
ndas que trafegavam enlre esta provincia e a de S. Paulo ;
lendo sido aquelle varadouro abandonado em 1735, por
preferir-se-lbe o de Camapuã. Tive em mão o diário d'esta
expedição e até conservo um extracto d*elle ; é baslante-
mente circumslancíado, mas pelos motivos jà apontados
não dá os meios de delinear com exactidão ou ainda appro-
limadamente o curso do rio.
Aos engenheiros e astrónomos enviados pela corte de
Lisboa para a demarcação do limites, em observância do
tratado de 1777, são devidos os piiDieiros trabalhos scien-
tificoSy 6 os mais importantes que até agora se fizeram.
CcMnpunham a partida que veiu funccionar em Mato Grosso
os capitães engenheiros Ricardo Franco de Almeida Serra
e Joaquim José Ferreira, e os Drs. astrónomos Francisco
José de Lacerda e António Pires da Silva Pontes. Chega-
ram a Mato Grosso em 1782, tundo vindo pelos rios Ma-
deira, Mamoré e Guaporé, de cuja navegação fizeram uma
excellente descripção, de ha muito publicada. (Foi mais
recentemente inserida na líevista Trimensal do Insíiluto
Histórico e Geographico tomo 20, i" trimestre de 1837).
Logo depois de sua chegada fizeram interessantes ob-
servações em VillaBelIa e no fronteiro morro do Grã Pará;
e o capitão Ricardo Franco com o Dr. Pontes foram reconhe-
cer os terrenos que medcam a mesma villa e as cabeceiras
do Paraguay.
Em 1783 o Dr. Laci4'da voltou para o baixo Guaporé,
afim de fazer novas observarOns para o complemento da
respectiva carta, e para explorar parte dos rios que desa-
guam no mesmo Guaporé pela margem esquerda, e com
especialidade o terrilui.i. aos guarajús.
Os outros mathematicos exploraram as vaslas campinas
de Casalvasco até as fontes do rio Barbados.
Em flns do mesmo anno o capitão Uicardo Franco e o í)r.
— liO —
Pontes foram reconhecer os terrenos a sul de Mato Grosso
e oeste do Jauríi, com ordem de chegarem até o Marco.
Não poderam concluir esta diligencia, que renovaram no
anno seguinte, abrangendo também a exploração a serra
de Aguapehy, o rio do mesmo nome e o Alegre, e o espaço
que medèa entre os ditos rios e o caminho de Villa
Maria.
No intervallo entre estas duas expedições foi o Dr. Pon-
tes reconhecer o curso do Guaporé de Villa Bella para
cima.
Em 4786 os quatro mencionados engenheiros e astró-
nomos, acompanhados de práticos e numerosa comitiva,
procederam a um minucioso reccmhecimento do rio Para-
guay e de todas as lagoas e escoantes que com elle com-
municam pela margem occidental desde a Toz do Jaurú
até a bahia Negra. Percorreram em canoas grandes es-
paços de campanha que n*aquella época (de Abril a Ju-
nho) achava-se alagada em diversas partes, com mais de
dez palmos d'agua. Voltaram pelos rios de S. Lourenço
eCuyabá até a villa deste nome, e regressaram por terra
a Mato Grosso, sempre tomando nola da derrota, e fazendo
nos principaes lugares as possíveis observações astronó-
micas.
De Cuyabíi o Dr. Pontes solicitava e obtivera permis-
são do governador para explorar as vizinhanças do alto
Paraguay Diamantino. Nâo se eíTectuou, porém, esta di-
ligencia, que teria lido por resultado a correcção de graves
e numerosos erros com que está até hoje figurada, ou antes
desfigurada no mappa oíQcial esta parte da provincia aliás
povoada e frequentada.
Em 1789 o Dr. Lacerda seguiu, de orilem do general
para S. Paulo, incumbido de fazer o reconhecimento dos
rios Taquary, Coxim, Camapuã, Sanguexuga, Pardo, Pa-
— 141 -
ranã e Tietê, por onde se fez a navegação enlre esta e
aquella proviíyia.
O Dr. Pontes íui man<lado explorar os rios Paraguay,
Verde e Capivary, allluentes occidenlaes do Guaporé.
E, de volta d'esta expedição foi á serra dos Parecis, exa-
minar as origens muito vizinhas do Savaré» Juruema,
Guaporé e Jaurú. Ein 1790 veiu do Pará o naturalista Dr.
Alexandre Rodrigues Ferreira, enviado em missão scien-
tífica pela corte de Lisboa. Nào me consta que fizesse n'es-
ta provinda trabalho algum relativo á geographia mathe-
matica.
N*este mesmo anno de 1 7!K) o capitiío general Luiz de
Albuquerque, antes de entregar o governo a seu irmão
João de Albuquerque qua foi a nomeado para subslituil-o,
dissolveu de ordem superior a partida de demarcação de
limites. O Dr. Lacerda não vollon mais áprovincia. O
Dr. Pontes retirou-se d'ella, bem como, pouco depois o
major Joaquim José F(4Teira. Só ficou o major Ricardo
Franco que morn^u mi I80S> no forte de Coimbra, depois
de ler prestado relevanlissimos serviços, estranhos porém,
a ch»rographia.
Não receio errar, alTirmando quo desde aquella época de
1790 até 18á«, não houve qnein fizesse na província uma
só observação celesle |iara fins gt^ographicos.
De todos os referidos trabalhos o de outros qui» por me-
nos importantes tenho dtiixado de mencionar, fizeram-se
relatórios e óptimos mappas em muito grande escalla, dos
qoaes remetteram-se cópias ao governo, archivando-se
outras.
E' muilo para lamenlar que estes monum(»nlos não exis-
tam mais na secretaria da provincia. Tns exlraviaram-se,
ootros foram remettidos |)ara a corte em cumprimento de
ordens do governo imperial.
— Ii2 —
Em Outubro de 1830 o vice-presidente em exercício
fez uma notável remessa d'essas para satisfazer a exigên-
cia da portaria do ministério do Império de 14 de Janeiro
do mesmo anno. Recordo-me de que em 1847, a pedido
do Exm. presidente Dr. J. Chríspiniano Soares, eu pude
ainda descobrir no archivo os mappas do Madeira, Ma-
moré, Guaporé e rio Verde, dos quaes tirei uma cópia li-
geira antes que fossem expedidos para a corte, e bem as-
sim fíz uma cópia reduzida de um mappa em ponto grande
da fronteira de Malto Grosso. Quasi nada resta na dita se-
cretaria, senão o que se acha copiado nos livros de regis-
tro que a traça não tardará a destruir. Com os resultados
dos mesmos trabalhos íizeram-se importantes correcções
às cartas até então existentes, e organisou-se uma nova,
da qual tiraram-se cópias por diversas vezes. E* a que
chamo oflScial. Os cartographos nacionaes e estrangeiros
aprovei taram-se dos melhoramentos que apresentou, e
não se lhe fez, que me conste, emenda alguma, senão de
8 ou 10 annos a esta parte.
Sob a administração dos successores do general Luiz de
Albuquerque, continuou-se a expedir bandeiras para a re-
pressão das correrias dos Índios, para a destruição dos qui-
lombos e em busca de minas de ouro. Das relações d*essas
expedições pouco proveito pôde tirar a chorographia, pela
razão já exarada de faltarem os dados indispensáveis para
a delineação das derrotas.
Em 1797 o capitão general Caetano Pinto de Miranda
Monte Negro mandou fundar o presidio de Miranda (hoje
villa) sobre um galho meridional do Mboteleú, ao qual se
dera em 1776 o appellido de Mareco, como a este ultimo
de Mondego. Desde então o serviço militar exigiu por vezes
explorações n*aquelle districto ; todas, porém, tém o defeito
que ainda agora acabo de apontar. E* de notar-se que,
- lk:\ —
iam nas cópias da carta ollícíal \\m se tiraraoi n'esse mes-
'mo anno de I79r, nem posleriormeale (senão ha pouco)
se designou a posição do mesmo presidio. Em ISO^i o go*
vernador mandon reconliecer o rio Manso, que atravessa
a estrada entre Goyaz e Cuyabà, a 20 léguas de distancia
d*esta cidade, e e figurado nos mappas como allluenta do
rio Cuyabá* Os exploradores» navegando agua abaixo, foram
lar ao arraial, hoje extincto, dos Araes, ou de Amarante,
na margem esqnerda do rio das Mortes. Nao restou, pois,
duvida de que o dito rio Manso è a mais remota cabeceira
do mesmo rio das Mortes, e nâo deve ser confundido com
outro rio de ipual nome, que nasce em nao pequena dis-
tancia no quadrante NO., c é com efleito tributário e por-
ventura galho principal do rio Cuyabà,
Em 1805, por oceasiâo de fãcultar-se a extracção do
ouro nus terrenos até então vedados do alto Paraguay Dia^
mantiuo, o capitão general Manoel Carlos de Abreo e Me-
nezes fez aproraptar uma expedição de canoas, que desceu
ao Amazonas pelos rios Arinos e Tapajoz. Porém o res-
pectivo encarregado não se atreveu a voltar pelo mesmo
caminho. Mais animosos c bera succedidos foram os que
emprebenderam a mesma navegação cm Í8Í2 sob os aus-
pícios do capitão general Joio Carlos Augusto de Oeynhau-
sen. Regressaram com caiiòas carregadas pelos mesmos
rios, e desde então têm continuado este trafego cora
maior ou menor frequência. Existem a respeito vários ro-
teiros, que dão valiosas informações ; porém nao as preci-
sas para se traçar o curso da dita navegaÇcio. Constava de
tradição que um desertor dera noticia de um curto vara-
douro entre o Sucuriú, allluente do Paraná, e o Pequeri,
galho doS. Lourenço. Como esta descoberta fora de sum-
mo interesse para a navegação de S, Paulo, o general João
Carlos mandou em 1815 explorar essas paragens.
— U4 —
Direi mais adiante qual foi o resultado de tal inda-
gação.
Em 1819, sob o governo do ultimo capitão general Fran-
cisco de Paula Magessi explorou-se novo caminho para o
Pará.
Perto da fazenda das Paranatingas e em breve distancia
das cabeceiras do rio Cuyabà passa, já caudaloso, o rio Pa-
ranatinga.
D'alli partiu uma expedição de canoas dirigida pelo
tenente de milicias António Peixoto de Azevedo, que com
67 dias de viagem entrou no Tapajoz, no lugar das Três
Barras. (Por mais diligencias que fizesse não pude desco-
brir cópia do roteiro do tenente Peixoto, que o general
Magessi remetteu à secretaria de Estado, e nenhuma infor-
mação tenho a este respeito mais circumslanciada do que a
referida na obra do conde deCastelnau.— Tomo 3% sec.
109).
Ficou, pois, averiguado que o galho mais remoto do rio
das Ires Barras nasce a sul e a leste das fontes do Cuyabà,
e não 60 léguas a norte, como o indicam todos os mappas
que conheço, e outrosim que não e galho do Xingu o rio
que como tal figuram os mesmos mappas n^aquellas para-
gens.
E' singular que no raappa official se não leia o nome de
Paranatinga^ geralmente conhecido e usado na província
desde remolissimo tempo até o presente, sendo que em
alguns mappas cslrangeiros lê-se o dito nome a par do de
Xingu, perlo da foz d'esle, no Amazonas.
Com o general Magessi. viera para a provinda o capilao,
depois major de engenheiros, Luiz de Alincourl, a quem se
devem trabalhos de bastante interesse para a chorographia,
como sejam : — Uma exacta e circumstanciada dcscripção
da Viagem de Santos a Cuyabd.—Vm^ memoria acerca das
— 145 —
fronteiras do Baixo Paraguay e de Mato Grosso.— Um re-
sumo das explorações feitas desde o registro deCamapuã
até á cidade de Cuyabà, passando por Miranda. — E outro
resumo de observações de estatistica feitas desde a mesma
cidade até a villa do Paraguay Diamantino.— (Estes traba-
lhos foram publicados em um folheto impresso em 1825
e na Revista do Instituto Histórico e Geographico^ tomo 2**,
3* trimestre de 1857.)
Ao major d'Alincourt nâo faltava zelo nem instrucção,
ecolhem-se dos seus escriptos valiosas informações. Porém
não fez observação astronómica alguma, e commetteu er-
ros na designação da posição gcographica de alguns pontos
importantes, como, v. gr., nos de Miranda, quecolloca na
latitude de 20*» 50', devendo ser de 20° 13'. Comtudo pu-
dera o major Alincourt ter feito notáveis melhoramentos
no mappa oíBcial, especialmente nas partes por elle explo-
radas da estrada de Goyaz, do districto de Miranda e do
espaço que medêa entre a cidade de Cuyabá e a villa do
Diamantino, bem como da mencionada nova navegação do
Paranatinga, e é de admirar que os não fizesse, tendo sido,
como foi, chefe de umacommissão de estatística que por
algum tempo aqui funcionou.
Em 1S27 chegou a Cuyabá uma expedição scientifica que
viajava à expensas do imperador da Rússia e tinha por
chefe o conselheiro Jorge Langsdorff. Os trabalhos de geo-
graphia mathematica estiveram a cargo de um ofllcial da
marinha russa, de nome RubzolT, que, segundo sou infor-
mado, era muito diligente e applicado. E* de lastimar que
os seus trabalhos não fossem publicados, e talvez se perdes-
sem. Talvez se pudesse facilraentí3, por inlcrmedio da le-
gação imperial em S. Petersburgo, obter cópia d'esses tra-
balhos, pois, entre outros proveitos, tiraríamos d'elles o de
obtermos uma carta, que nos falta, da navegação dos rios
TOMO XXVIII, p. I. 19
— 146 —
Arinos, Jurueina e Tapajoz, por onde relirou-se o dito
conselheiro, tendo vindo i)ela navegação de S. Paulo.
No mesmo anno visitou também esta provincia o alle-
mão Dr. J. Nelterer, mas, segundo me consta, este occu-
pava-se quasi exclusivamente de historia natural, e com
especialidade da zoologia. O presidente, o finado senador
José Saturnino da Costa Pereira, e os vice-presidentes seus
successores mandaram continuar as indagações acerca do
varadouro entre o Sucuriú e o Pequeri, tanto por terra
como navegando os ditos rios.
Afinal reconheceu-se que, entre os pontos até onde são
navegáveis, medca um espaço muito grande e cortado por
diversas cabeceiras do Taquary, que, portanto, não convi-
nha para os fins que se tinham em vista.
Porém a exploração d'aquellas paragens, até então de-
sertas, e que começaram a povoar-se com alguns emigrantes
vindos de Minas, deu lugar a intenlar-se a abertura de um
caminho terrestre, que, vindo em direitura de Cuyabà, fosse
atravessar o Paraná e entrar na provincia de S. Paulo pelo
espigão, entre os rios Tietê e IWogiuassú. A picada foi defi-
nitivamente aberta em 1835. E' a este caminho que se
chama estrada do Pequeri.
Em 1843 a presidência mandou fazer o reconhecimento
da dita estrada e indagar os meios de ligal-a com a antiga
estrada de Cuyabi a Goyaz. Foi incumbido d'esta diligen-
cia o Sr. capitão de engenheiros E A. de Lassance, que
deu conta d'ella ; mas, sendo mal provido do necessário
para semelhante expedição, e não tendo à sua disposição ou-
tros instrumentos senão um máo relógio e uma mà agulha,
não lhe foi possivel fazer trabalho exacto. Desde 1844 a
1845 aqui estiveram o conde F. de Castelnau e seus compa-
nheiros, cujos trabalhos correm impressos. Pelo mesmo
tempo o Sr. major de engenheiros H. de Beaurepaire Ro-
— 147 —
han fez interessantes estudos sobre a chorograpbia e esta-
tística da província.
Não foram, que me conste, publicados e nSo ministram
matéria nova pelo que diz respeito â geographía mera-
mente mathematica.
Em 1846 e 1847 também aqui esteve o Sr. barão Von
Helmriechen, que se occupava principalmente da geogno-
sia, mineralogia e observações magnéticas, não deixando
comtudo de fazer observações astronómicas importantes
para a geograpbia. Falleceu no Rio de Janeiro. Não sei
queaí|estino tiveram seus papeis; é provável que fossem
remèttidos para Vienna. Favoreceu-me com o resumo das
observações que fez para determinar a latitude e longitude
de Cuyabá, e bem assim a inclinação e declinação da agu-
lha na mesma cidade n'aquella época.
Nos annos de 1840 a 1850 o Sr. barão de Antonina
mandou fazer diversas explorações na parte meridional da
província. O norte-americano J. EUiot, que, como piloto,
tomou parte n^ellas, organisou o respectivo mappa, sem
porém soccorrer-se, que eu saiba, à observações astro-
nómicas. "*
Em 1853 o Sr. capitão T. J. Page, da marinha ameri-
cana, veiu com o vapor Watenvitch, enviado pelo gover-
no dos Estados-Unidos para explorar as aguas do valle do
Prata. Não passou então de Corumbá para cima. Publicou
a sua viagem em 1859. Voltou n'este mesmo anno (de
1^*59) em os vapores Argentina e Alpha, e com este ul-
timo chegou até alguma distancia acima da confluência do
Paraguay e do Sipotuba. Reconhecia também a parte in-
ferior do S. Lourenço e o Cuyabà até esta cidade. Teve a
bondade de communicar-me as observações que fez para a
determinação da latitude e longitude de diversos pontos.
— 148 -
n'esta ultima expedição» cuja relação não me consta haver
sido publicada.
De 1853 a 1856 foram feitas pelo Sr. tenente da arti-
Iheria F. Nunes da Cunha diversos reconhecimentos nas
lagoas Mandioré e Pamengos, rio Novo e bahia Negra, no
chamado rio Branco, e ainda no districto de Miranda, em
procura de lugar asado para se fundar n*elle a colónia mi-
litar dos Dourados. D*essas explorações foram remettidas
cópias ao governo. Em 1857 e 1858, os membros da com-
missão de engenharia que foi então creada e mais alguns
officiaes escreveram relações da viagem que fizeram para
esta província. '
Não tenho conhecimento d'esses escriptos, à excepção
de um interessante diário de viagem da província do Pa-
raná para Miranda, pelo Sr. capitão de engenheiros E. C. de
Sousa Pitanga. Já em 1855 o Sr. capitão de arlilheria
J. A. Xavier do Valle déra-me cópia de uma relação da
mesma viagem que enviara ao Sr. ministro da guerra.
Em algumas excursões que, no exercício da presidência,
fez em 1858 e 1859, o Sr. conselheiro de Lamare deter-
mmou por observações astronómicas a posição de Villa
Maria, Dourados, Corumbá, Coimbra e Miranda.
Em 1862 o Sr. C. B. Bossi tendo feito uma viagem d' esta
cidade até 15 ou 20 léguas abaixo da confluência do rio
Preto com o Arinos, observou alturas meridianas do sol
que lhe deram a latitude de alguns pontos intermédios, en-
tre outros da villa do Diamantino.
Concluindo a enumeração dos trabalhos geographicos
feitos n*esta província, farei menção de alguns serviços
meus.
Em 1830 fiz um itinerário da navegação fluvial da pro-
víncia de S. Paulo para esta.
- 149 -
Em 1834 fiz a derrota da jornada d'esta cidade á de
S. Paulo, passando pela de Goyaz. Cada vez que me foi
possível, e em qualquer lugar que me achasse, observei a
altura merídiana do sol para obter a latitude.
Em 1837, 1844 e 1845 tive occasião. de' rever a dita
derrota, e de accrescentar-lhe outras feitas pelas provín-
cias de Goyaz, Minas e Rio de Janeiro, porém não^pude
fazer novas observações, nem rectificar as anteriores.
De 1839 a 185G fiz muitas viagens pelos rios Paraguay,
S. Lourenço e Cuyabà, e, comquanto a maior parte d'ellas
tivesse outro fim que não o da exploração , nunca deixei de
cuidar da derrota e de fazer as possiveis observações, ao
menos de latitude.
Em 1847 e 1848 remetti ao governo a carta do Paraguay,
desde a foz do Sipotuba até o Paraná, na escala de
1:100000. Parte d'este trabalho foi lithographado.
Em 1849 acompanhei o presidente em uma viagem que
fez á fronteira de Villa Maria, e fiz o itinerário de Cuyabá
ao ponto extremo da Concha Grande, cuja latitude determi-
nei por observações, bem como a de outros pontos.
Em 1850 fiz um ligeiro reconhecimento do rio de Mi-
randa até à villa d*este nome, mas não pude fazer observa-
ções que me dessem meio^de corrigir a estima.
Em 1859 explorei o rio Cuyabà da cidade para cima, até
onde é, sem maiores inconvenientes, navegável por canoas;
e com este trabalho completei e remetti ao governo o
mappa que anteriormente fizera da parte inferior do mesmo
rio, e do de S. Lourenço até o Paraguay. Este mappa foi
também lithographado.
Tendo sido pelo governo incumbido, em 1844, de um
trabalho relativo á historia da demarcação de limites n'esta
provincia, tive occasião de folhear os livros e papeis da se-
- 150 —
crelaria da província, e de passagem tomei notados docu-
mentos que diziam respeito á chorograpbia.
Posteriormente revi mais attentamcnte esses documen-
tos, e dos principaes tirei cópias ou excerptos, á vista dos
quaes escrevo esta memoria.
Vou emitlir a minha humilde opinião acerca do que é
relativo a esta província nas cartas que conheço da America
Meridional, do Brasil, e da mesma província.
De todas as carias que foram publicadas até o fim do sé-
culo passado, e ainda muito posteriormente, a que chamo
oiBcial é a que contém maior somma de dados exactos, dos
quaes, como já disse, têm-se aproveitado os cartographos
nacionaes e estrangeiros.
Vem n'ella bem dcscriptos os rios Madeira, Mamoré,
Guaporé e os affluenles d'este, Paraguay, rio Verde, Capi-
vary. Alegre e Barbados ; parte do curso do Jaurú e todo o
do Paraguay, desde a Villa Maria até a Bahia Negra, e todas
as aguas que communícam com o mesmo Paraguay pelo
lado de oeste no dito intervallo. Os terrenos a sul da ci-
dade de Mato Grosso, e a oeste do caminho que vai da
mesma cidade à Villa-Maria, até à linha divisória com Bo-
lívia ; os rios Taquary, Coxim, Camapuã, Pardo e Paraná,
desde a foz do rio Pardo até á do Tielé ; o S. Lourenço e
Cuyabá até esta cidade, e o caminho da mesma para a de
Mato Grosso.
Todo o restante, que não foi objecto das explorações dos
distinctos engenheiros e astrónomos da partida de demar-
cação de limites, é notoriamente defeituoso ou de duvidosa
exactidão.
Releva dizer que os desenhadores da dita carta, talvez
para darem idéa da inundação que se manifesta periodica-
mente em algumas paragens, exageraram demasiadamente
— 151 -
a largara de alguns rios em relação à de outros» e este de-
feito, reproduzido pela gravura em diversas cartas, entre ás
quaes citarei a que foi publicada pelo Archivo Militar em
1853, dá noções muito erradas da topographia das refe-
ridas paragens. Assim, por exemplo, na vizinhança de
Mato Grosso, vê-se o pequeno riacho Barbados represen-
tado com uma enorme superfície d' agua, ao passo que o
principal rio, o Guaporé, está figurado por um tenuissimo
risco. O rio Cuyabà está desenhado com largura vinte vezes
maior qne a dos l^orrudos ou S. Lourenço, sendo-lbe, na
realidade, inferior, tanto em largura como em profundi-
dade, e dandO'Se o erro de ser a mesma em ambos a alaga-
çao produzida pelas aguas trasbordadas.
O mesmo nota-se em outras paragens.
A carta d'esta provincia, que publicou em 1850 W. Wil-
liers de Tile Adam, apresenta muitos e graves erros, dos
quaes mencionarei alguns.
Vê-se na margem esquerda do Paraguay e defronte da
lagoa de Uberava uma freguezia de Corumbá que alli nunca
existiu, nem outra qualquer, sendo a povoação d'este nome
a de Albuquerque, coUocada na mesma carta, como deve
ser, na margem direita, 30 léguas mais abaixo.
A froguezia do Rosário está figurada a leste quarta
de nordeste da villa do Diamantino, devendo ser a
sul, um pouco para oeste. O rio Cuyabá parece não
ter sabida para outro qualquer. Do S. Lourenço não se faz
menção.
Em 1856 voiu-me ás mãos uma cópia do mappa do Sr. J.
Elliot, na qual o terreno a sul e sueste de Miranda está figu-
rado com pormenores que, quando sejam bem exactos, dão
melhor idéa da topographia d'aquellas paragens do que as
cartas até então existentes. Aproveitei-me do dito mappa
— 152 -
para esboçar o que então remelti para o uso do comman-
dante do distríçto militar de Miranda.
. Na carta doimperio, organisada pelo finado coronel Gonra-
do Jacob de Niemeyer, reproduziram-se erros que podiam
ter sido corrigidos no mappa official, e introduziram ou-
tros, V. gr. :— Não se mencionam villas e freguezias creadas
posteriormente á organisação do dito mappa official, e figu-
ram-se povoações que são de ha muito extinctas. As sete
Lagoas fontes do Paraguay estão collocadas vinte e tanlas
léguas a nornordeste da villa do Diamantino, sendo que
existem cinco léguas a sul, um pouco para sudoeste. O
traço da estrada de Cuyabá a Goyaz moslra-se ser ainda o
antigo de Luiz de Albuquerque. Diversos aflluentes muito
conhecidos do Cuyabá e do alto Paraguay foram omitlidos.
Muitos nomes são trocados ou alterados, como Muleques
por Mequens ; Amambay por Samambaia, etc, A carta da
parte meridional da província, publicada em 1856 e orga-
nisada pelo Sr. conselheiro Duarte da Ponte Ribeiro e ca-
pitão L J. Mendonça de Carvalho, apresenta algumas cor-
recções úteis nas fronteiras Occidental e meridional ; nada,
porém, se melhorou ou innovou no interior da pi ovincia.
Igual observação me occorre fazer a respeito do mappa or-
ganisado em 1860 pelo Sr. coronel P. A. de Sepúlveda
Everard e outros dois Srs. oíDciaes de engenheiros. Repa-
ro também o modo por que está figurado o relevo do ter-
reno em algumas partes, que fal-o parecer mais monta-
nhoso do que é na realidade. Noto mais que o Fecho dos
Morros vem designado com a denominação de Fecho de Pe-
dras ; e logo abaixo d*este lugar, no chamado Passo do Ta-
rumã, vô-se representado na margem direita do Paraguay
um pequeno monte, que existe sobre a margem esquerda.
Ainda não pude obter o atlas da obra do conde de Castelnau,
mas tenho presente uma carta lithographada em Gotha em
— 153 —
185T e organisada pelo 0r. Petennon, áegnndo o mesmo
atlas. Ha nesta carta valiosas correcções a outros mappas,
como seja na estrada de Goyax a Cuyabá e as origens dos
rios Paraguay e Ari nos» e suppontio que lambera QO dis-
trieto de Miranda- Porém a par doestes melhorameiílos
deixarara-se subsistir conhecidos erros e introduziram-
se outros novos; por exemplo» o Sangrador ( na es-
trada de Goyaz) parece ser o mais remoto galbo do
rio das Mories, sendo que a verdadeira cabeceira does-
te, o rio Manso, está figurado com dir*3Cção a norte e
eoroeste. Os riachos Madeira e Agua Branca, que desaguam
no Cuyabámirim, estão representados muito a sul da sua
verdadeira posição. O mesmo acontece com a freguezia de
Santo António» collocada abaixo das boccas dos Aricòs^
sendo que existe acima das mesmas boccas e distantes ape*
nas cinco lej^uas d*esu cidade. O curso do S, Lourenço e
outros rios esiâ mal descripto. Ha baslaoles nomes troca-
dos ou alterados, etc.
Na obra publicada pelo Sr. C. B. Bossi em 1863 ha um
pequeno mappa em que vem bem delineado o itinerário
que seguiu o mesmo senhor de Cuyabá ao rio Ari nos.
Para servir como de complemento a esta memoria, orga-
nisei o mappa qae a acompanha na pequena escala de
1,5l»0000, no qual fiz aos mappas acima mencionados ai-
gumas emendas que me parecem indispensáveis, embora
haja ainda muito que modíBcar n'elles para que se appro-
ximem da exactidão. São aliás muito incompletos.
Tendo por único fim tornar intetligivel o que levo dito e
o que me resta a dizer, omitli, para evitar confusões^ o
cursn de alguns rios de secundaria importância, e deixei de
figurar o relevo do terreno, mesmo nas poucas partes onde
me fora possível fazúl-o com tal ou qual exactidão,
TOMO xtvnif p. i. SO
— 154 —
Finalmente passo a indicar quaes são, a meu ver, aspa*^
ragens cuja exploração é mais urgente e exequível. O ter-
ritório immedialo à fronteira a sul do parallelo de ?0*.
O espaço comprehendiílo entre os parallclos de li'' i6*
8 30" e os meridianos de 57* : O* e < O", sendo estes a par-
te mais povoada e cultivada da provi ncia.
A navegação do Paraguay, da foz do Sipotuba para cima,
e a do alto S. Lourenço e dos seus affluentes Hiquere, Cor-
rentes ePequeri.
Um pequeno espaço da fronteira de Villa Maria, entre o
Jaurú e Âguapehy, o lugar das antigas Salinas de Almeida,
e a Concha Grande.
O caminho de SanVAnna do Paranaiva ao Pequeri e ao
novo estabelecimento de Coxim, e a prolongação do mes-
mo caminho até Cuyabà. '
Os terrenos que medêam entre Miranda e SanfAnna do
Paranaiva.
O espaço comprehendido entre a estrada de Goyaz e a
supramencianada de SanrAnna ao Cuyabá.
Esta ultima exploração ha de ser mais custosa qae as
antecedentes, porque, tendo de fazer-se por paragens er-
mas e infestadas por indios bravios, não poderá dispensar
o acompanhamento de força sufficienle para conter os mes-
mos indios, meios de transportes para maior provisão de
viveres, bagagens, munições, etc.
Quanto às explorações a norte do parallelo de i5% dão-
se em maior gráo as difiiculdades que acabo de apontar, e
parece que taes expedições devem ficar adiadas para época
ainda muito distante. Exceptuarei todavia a navegação,
que não tem cessado de ser praticada pelos rios Arinos e
- 155 —
Tapajoz, navegação que tem, relatiTamente á do Madeira, a
vantagem de ser mais breve e feita toda dentro do nosso
território.
Segue a esta memoria uma tahella das latitudes e longi-
tudes de diversos lugares dVsta província, que foram deter-
minadas por observações astronómicas, com designação
dos observadores. (*)
Cuyabà, 2G de Janeiro de 1 64.
Augusto Leverger.
Conforme — Manoel da Cunha Galvão.
O NAo recebemos o roappa nem a tabeliã a que se refere o
Sr. Lcverger.
(Nula
DOCUMENTOS
RELATIVOS A PRISÃO DE M. I. DA SILVA ALVARENGA» MARIANNO
J. PEREIRA DA FO^XECA E OUTROS, POR ORDEM DO
CONDE DE REZENDE.
(Copiados do Archivo Publico.)
Informação do desembargador A. Diniz da Cruz e Silva^
dirigido ao conde de Rezende.
Illm. e Ex. Sr.— Em consequência do officio que V. Ex.
me enviou em 16 do corrente, lendo com toda a reflexão
de que sou capaz o outro officio, que a V. Ex. dirigiu o
Illm. e Ex. Sr. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, minis ro se-
cretario de estado dos negócios ultramarinos, passo á ex-
por a V. Ex. o que entendo a respeito da precisa alternativa
que a Y.Ex. se impõem pelo referido officio, ouderemetter
os presos de inconfidência para Lisboa, ou de os soltar no
caso de entender, como no mesmo officio se espera, que as
suas culpas se acham sufficien temente purgadas com o dila-
tado tempo da sua prizão. E para o fazer com a mais clareza t
é preciso notar que contra nenhum dos mesmos presos se diz,
ou prova, que elles entrassem no projecto de conspiração,
sendo toda a culpa que se lhes imputa, e que contra alguns
se prova,a de sustentarem em conversações, ou particulares
ou publicas : Que o governo das republicas deve ser prefe-
rido ao das monarchias, que os reis são uns tyrannos op-
pressores dos vassallos, e outras sempre detestáveis, e pe-
rigosas, principalmente na conjunctura presente. N'este
prosupposto me persuado pelo que pertence aos presos Ma-
noel Ignacio professor de rhetorica, medico Jacintho, e Ma-
rianno José, que Y. Ex. os deve mandar soltar, sem maior
hesitação, pois que contra estes não ha maior prova n
i
- 158 -
devassa que o dito do denunciante José Bernardo da Sil-
veira Frade, perguntado n'ella com juramento, e sustentado
com o mesmo nas acareações que com as referidas provas
se fizeram, ainda que com alíjuma moilificação ; e as pre-
sumpções e argumentos que se podem tirar e fazer dos
juramentos de algumas testemunhas ; alguma tal ou qual
contrariedade, e inverosimilhança, que se encontra nas res-
postas que deram ás p'?rguntas que liies foram feitas, especi-
almente nas do mencionado professor de rhetorica,e a de se
acharem na livraria d* este alguns livros, que a sã politica
detesta, e entre elles o perniciosissimo que tem por titulo
Direitos do Cidadão, do abbade Mab!y, que o mesmo pro-
fessor contra toda a verosimilhança negou ter lido. Aceresce
mais o achar-se entre os seus papeis uma oração, em que
se lê que fora recitada na sua aula por um de seus alum-
nos, em que se acham as proposições seguintes -.
Que nenhum homem deve sujeitar a sua liberdade aos
rigores de outro homem seu semelhante :
Que é extraordinária vileza e fraqueza de espirito d'a-
quelle que chega a submelter-se inteiramente ás disposi-
ções de outro homem, devendo considerar que o mesmo
que pretende opprimir e abater não recebeu do Creador
uma alma mais perfeita :
Que são vis e fracos os que vivem encarcerados em te-
nebrosos cárceres, etc. Presumpções todas, que ainda a
serem estes réos sentenciados pelo modo regular, me pa-
rece que se julgariam purgados com os incommodos da
sua longa e fatal prisão, e a que só, talvez, accrescentariam
alguns mais escrupulosos a obrigação de sahirem d*esle
continente, pois que pelas mesmas presumpções se fazem
n'elle suspeitosos.
Pelo que respeita a outros presos João Marques, pro-
fessor de lingua grega, António Gonçalves dos Santos,
— 159 —
Francisco Coelho Solano, Francisco António, João da Sil-
va Antunes (contra os quaes se prova que não só em con-
versações particulares, mas em lugares públicos, susten-
tavam que o governo democrático era melhor que o mo-
narchico, que louvavam e approvavam a instituição da
republica franceza, e por ella mostravam uma desordenada
paixão), e a José António de Almeida, que se deu e con-
fessou auctor da citada oração, negando, porém, conhecer
o veneno que ella continha, o que é fácil de crer •„ como
também o não ser elle o auctor da oração (ainda que o con-
trario tenazmente sustentou, sendo perguntado), pois pelos
seus verdes annos, e pelo que disse seu mestre o referido
professor Alvarenga, nas pe guntis quL^ a este respeito se
lhe fiztíram, elle na > era capaz de produzir as ditas pro-
posições por si só, nem de as exlrahir de algum livro,
principalmente do do citado Mably, onde as mesmas, com
pouca difTerençade palavras, se encontram : pelo que res-
peita, digo, a tí)dos estes presos : eu entraria em duvida,
se; lendo uma vez e outra o referido officio, me não per-
suadira de qu;3 as piedosas intenções de Sua Magestade
n'elle insinu idas, eram as de que todos os presos fossem
soltos, havendo por purgada a sua culpa com o longo tem-
po da prisão. Ao menos isto é o que me parece se deve
entender das palavras do m.»smo oíBcio,— que no caso que
o dito Marianno e seus companheiros se achem ainda pre-
sos, e das outras, mas achando V. Ex., como é de esperar,
que elles estão suílicientemente castigados, etc.,— sem que
em contrario se possa oppòr, que a esperança e opinião
de Sua iMagestade era esta, por não saber quaes s -jam as
culpas d'esles presos, porquanto, quando V. Ex. deu parle
da sua prisão á mesma senhora, necessariamenie a havia
de informar dos motivos d'ella. Além de que, achando-se
na corte de Lisboa ao tempo que se expediu o relatado
- 460 -
ot&m o desembíirgador João Manoel Guorreiro, que servia
de escrivão na devassa, é bem verosimii que Sua Mages-
tiide tomasse d'elle todas as informações que julgasse ne-
cessárias sobre este assumpto, e que elle as daria tíom a
inteireza que cumpria. Pelo que me parece que em V. Ex.
mandar soltar os ditos presos obra mais conforme à pie-
dosa vontade de Sua Magestpde.
Ao que accresce que, segundo a crise em que actual-
mente se acham os negócios públicos da Europa, me pa-
rece mais prudente e útil ao serviço de >ua Magestade
escolher antes o saltar os presos, ainda que, contra a es-
perança de Sua Migestade, não estivessem condignamente
castigados, do que expôl-os, remeltendo-os com as culpas
a serem aprezadns pelos francezes, e a virem estes no co-
nhecimento de que os seus abomináveis principios tém
apaixonados n'este continente. Sendo certo que para se en-
viarem com mais segurança, seria necessário o dilata-
rem-sre por muito mais tempo em suas prisões, contra a
vontade de Sua Magestade tão significantemente declarada
no mesmo níBcio.
Este é o meu parecer, do qual o profundo discerni-
mento de V. Ex. fará o uso que julgar convém melhor às
intenções de Sua Magestade e seu real serviço.
A pessoa de V. Ex. guarde Deus muitos annos,— Rio, ISde
Junho de 1797. —Do cliancellerda relação.— iníonio Diniz
da Cruz e Silva.
Offkio do conde de Rezende a D. Rodrigo de Sousa Coutinho.
Illm. e Exm. Senhor.— Em officio datado no l*de Fe-
vereiro doeste anno, me cerliíica V. Ex. a conlinu:ição das
queixas que por parte de iMarianno Jf sé Pereira da Fon-
seca têm chegado à presença de Sua Magestade sobre a
~ 16! —
longa prisão que elle e vários outros, que se julgaram com-
pliceâ do mesmo delicio, íèm soffrido n'esta cidade, coatra
as altas e reaes intencííes da mesma senhora, que foi servida
determinar que, no caso que eu entendesse que elles se
n3o deviam soltar, os remetlesse para essa corte com os
autos, por onde conste do seu crime, ou que, achando» como
era de esperar, que elles es ta vamsuflicien temente casti-
gados com a prisão, os mandasse pôr em sua liberdade.
E, devendo antes de Indo beijar mil vezes a mão a Sua
MigesLade, pela contemporisação com que a mesma senhora
mo distingue, deixando a minha eleição a remessa dos
presos para Lisboa, com as suas culpas, ou absolvêl-os das
prisões em qae se achavam, mandando-os pôr na sua li-
berdade, escolhi este ultimo partido, por ser mais con-
forme à humanidade» que visivelmente resplandecia no
mesmo oíEcio que V. Ex, me dirigiu, E, para que V* Es,
fique persuadido das causas que me moveram a acautelar
as erradíssimas máximas que os referidos preso? tinham
adoptado, e até semeado, pois seria impossível que al-
gumas das pessoas, que soíTreram pela minha resolução o
severo procedimento de os mandar prender, discorressem
em assumptos de semelhante porte com tanta propriedade,
relativamente aos objectos dos seus malévolos e fantás-
ticos sj stemas : remclto a V. Ex. o parecer do desembar-
gador cbanceller d*esta relação e ]uiz da devassa, para que
Y. Ex, cabalmente fique instruído das minhas bem fundadas
prcsumpções, que, fazendo-se dignas em todo o tempo de
attenção, muito maior mereciam na conjunctura presente.
Deus guarde a V, Ex.— Rio de Janeiro, 21 de Julho de
11Q7.— Conde de Rezmde,— Sr. D, Eodrigo de Sousa Cou-
tinho.
TOMO xxvin, p* h
21
TYP. Dfi Pinheiro & coiip., ruà sete de setembeo ii. 165.
REVISTA TRIMENSAL
DO
INSTITUTO HISTÓRICO
GEOGRAPHICO, E ETHNOGRAPHICO DO BRASIL
2» TRIMESTRE DE 1865
NOVO DESCOBRIMENTO
DO GRANDE RIO DAS AMAZONAS
,t PELO
PADRE CnRISTOV.ÍO DACUNA
Religioso da Companliia de Jesus, e Censor da Supnina Geral Inqui-
sição ao qual foi, e se fez, de ordem de Sua Afagestade, no anno
de 1639, pela província de Quilo nos Reinos do Peru.
Ao Exm. Sr. Conde Duque de Olivares. Com licenfa^ Em Madrid, na
Impressão do Reino. Aono de 1641.
'Traduzido de um exemplar hespanhol Rio de Janeiro, anno 1820.)
ADVERTÊNCIA
Havendo lido na historia geral das viagens, assim por
mar como por terra, por Mr. Prévost, na dissertação sobre
o rio das Amazonas (paginas 20 da edição in-4") a seguinte
passagem relaliva à viagem dos padres d'Acuna e d'Artieda
sobre aquoile rio. —Foi publicada em Madrid com licença do
rei, immodialamenle depois que alli chegaram. Comludo,
razões de politica fizeram supprimir a edição, e consequen-
TOMO xxviii, p. I. 22
— 164 —
•
temente os seus exemplares vieram a ser tâo raros, que,
no tempo de Mr. Gomberville, apenas eram conhecidos
dois, o do referido GombtTville, c o que estava na bibiio-
theca do Vaticano.— Havendo tido grande satisfação em en-
contrarmos na real bibliotheca d'esta corte dois exempla-
res, dos quaes um eslá inserido nas nolicias iiisloricas e
militares da America, desde 137G até 1733, colligidas por
Diogo Barbosa Maciíado, abbade da igreja de S. Adrião de
Sever, e académico da real academia ; e, lirialmente, jul-
gando de mui grande utilidade que lenha a maior notorie-
dade possivel aquidld viagem, tão interessante em todos os
sentidos (como facilmiíute reconhecerão (^s seus leitores),
nos apressámos a traduzil-a lielmenle, segundo nos per-
mittissem nossas fracas luzes, e com o maior gosto a apre-
sentamos ao publico instruído, e portaalo indulgente.
AO EXM. SK. CONDE-DUQrK DE OLIVARES
Aquém, senhor, devemos recorrer, com estií novo mundo
descoberto, senão áquell», <iue cm seus liombros, para alli-
viar os de seu senhor, goslosamenti» susteniára, se pudesse,
todo o restante peso? Qu:» outro Atlanie não se prostrara
com semelhante carga, a não ser aquille mesmo, que, com
animo mais que varonil, tem i)osto o pi/ito amaiorc^s e des-
medidos pesos ? Quem, por mais zelí)so (jue quizera ser do
engrandecimento do seu rei, não des slira, receiando novas
dilílculdadcs, a não ser aquelle que, quinto maiores mais
as appetece, para que mais luza o Stíu amor, mais a sua
fidelidade ? E, quem, Dn ilmente, senão o Kxm. Sr. conde-
duque, poderá melhor patrocinar tão grandiosa empreza,
da qual depende a conversão de infinilas almas, o engi .a-
decimenlo da real coroa, e a deH-sa e guarda de todos os
Ihesouros do Períi? A V. Ex.,pois,olIereço este novo desço-
— 165 -
brimento do grande rio das Amazonas (ao qual, por ordem
de Sua Magestade, fui, com cuidado averigueij^ e com toda
a exactidão recopilei em poucas folhas, sendtf aliás digno
de grossos volumes), para que, por tão sublime artifice,
ajuntada esta pedra preciosa á coroa do nosso grande rei
Filippe IV, que Deus nos guarde, melhor assente, mais
luza,- e para sempre permaneça. Bem pôde V. Ex, aceitar
o offerecimento, na certeza de que em tudo é grande e mais
í o que parece, pois que, a não ser assim, nem eu o offere-
cêra, nem merecera ser aceiía por taes mãos ; porque, se
o dilatado império da Ethiopia é tão famigerado poroccu-
par a sua jurisdicção em um espaço de novecentas léguas;
se da China causa admiração a grandeza, por conter, em
duas mil de circuito, quinze differentes reinos ; e se a
grande extensão que do Períi se publica, é de mil e qui-
nhentas léguas, medidas desde o novo reino de Granada alé
á extremidade do Chili ; com maior razão adquirirá sobre-
tudo o descoberto, o titulo de grande rio das Amazonas,
por quanto, no espaço de quasi quatro mil léguas de con-
torno, contém mais de tento e cincoenta nações de diffe-
rentes linguas, cada uma d'ellas suíBciente a formar, por si
só, um dilatado reino, e todas juntas, um novo e poderoso
império, o qual, favorecido e amparado á sombra de
V. Ex., poderá parecer grande aos olhos de Sua Magestade,
a cujos pés, e aos de V. Ex. olTereço, para esta conquista, a
minha pessoa, e a de muitos outros da minha religião, se
de nós outros se quizer servir v. Ex., cuja vida prospere o
céo com os augmentos que a sua pessoa, zelo e fidelidade
merecem. — De V. Ex. , criado,— CArw/ovõo (TAcunu.
- 16C -
AO LEITOR
Nasceram, curioso leitor, tão irmanadas nas cousas gran-
des a novidade e o descrédito, que parecem gémeas, e que,
por isso mesmo que na novidade repara ctlcntamento a ad-
miração, periga o credito no assento dos mais cordatos ; e
ainda que, na verdade, a ellicacia da curiosidade nos in-
clina a saber novidades, a incerteza da sua exactidão priva
o entendimento do maior deleite, de que indubitavelmenlb
gozara, se, persuadido da sua certeza, depuzesse toda a
perplexidade, em quanto duvidoso. Desejando, pois, CvEer
notório a todos o novo descobrimento do grande rio das
Amazonas (ao qual, de ordem de Sua Mageslade, fui, como
adiante verás], e receiando de que, ainda que pela novidade,
seria appetecido, comtudo não deixaria de padecer suspeita
a exactidão, quiz assogurar-te uma e outra ; a primeira,
com prometter-te novo mundo, novos reinos, novas occa-
pações, nova maneira de viver, e fínalmente um rio d*agaa
doce, navegado por mais de mil e tresentas léguas, todo,
desde o seu nascimento até a sua foz, cheio de novidades;
a segunda, com pòr-te diante dos olhos as obrigações da
minha pessoa, como religioso da companhia de Jesus, como
sacerdote, como legado de Sua Magestade, e outras, que
nem te importa sabêl-as, nem a mim dizèl-as ; e, se apezar
de tudo, te persuadires de que a alTeição ao que cuidadOM-
mente trabalhei me faz ser encarecido, ouve aquelles que,
não sendo de nenhum modo suspeitos, como testemuntias
juradas, acreditam esta relação. Vale.
ATTESTAÇÃO DO CAPITÃO-MÓR DOESTE DESCOBRIMENTO PEDRO
TEIXEIR.V
Pedro Teixeira, capitão-mór actualmente u*esta capitania
— 1G7 —
do Grâo>Paii e Cabo» que fui da gente de guerra que foi ao
descobrimento du Uio das Amazonas {de ida e volta) até á
cidade de S. Francisco de Quito, nos reinos de l*erú, Cer-
lifico e aHirnio debaixo de juramento sobre os Sinlos Evan-
gelhos, ser verdade, que, por ordem de Sua Mageslade, e
por particular provisão des]mchada pela real audiência de
Quito, veio em minha companhia, desdu a sobredita cidatle
até à do Pará, o Bev. padre Christovãod'Acuíia, religioso
da companhia de Jesus, com o seu com panli eiró o Kev* pa-
dre André d*Artieda, durante a qnaf viagem cumpriram am-
bos, no que íliz respeito ao serviço deSuaMageslade,âqae
eram mandados, como bons e fieis vassallos, níJtaniJo e ad-
vertindo tudo ij necessário para darem inteira e ex:icla no-
ticia do dito descobrimento, à qual se deve dar lodo o cre-
dito, com prerercncia a quaeíí quer outras dadas pelos que
foram a este descobrimento* E ao que diz respeito ás obri-
gações de seu habito, e ao serviço de Deus, cumpriram
sempre, como costumam os da sua religião, pregando» con-
fessando e doutrinando a todos os do exercito, compondo-
os uas suas duvidas, reconcÍ!iando-os nas suas rixâs, ani-
mando-os nos sens trabalhos e pacificando-o^ nas suas dis-
senções» como verdadeiros pais de lodos ; passando pelos
meamos incommodos e trabaílios por que passavam os soli-
dados, assim na comida, como em tudo o mais. E iião Sí>-
menlo fizeram os sobreditos padres esta viagem á sua custa,
sem que de Sua Magestade recebessem o min imo soccorro,
mas Umliem com tudo o que traziam, assim para alimento
como para remeílíos, soccorrerarn sempre todos os necessi-
tados com a maior caridade e amor. E por ser verdade tudo
o que fica declarado, dei estaattestaçâo, por mim assigna-
dâ, e sellada com o sello das minhas armas. N'esta cidade
do Tara, a 3 de Man^* de ItilO— 1> aipitão-mòr, Pedro
— 468 —
ATTESTAÇ.\0 1)0 REV. PADRE COMMISSARIO DAS MERCÊS
Frei Pedro de Rúa, religioso de Nossa Senhora das Mer-
cês, commissario geral da minha ordem nos Estados do Ma-
ranhão e Pará. Cerlilico a lodos, os que a presente virem,
que os Rovs. padrus Chrislovfio d*Acana e André d'Arlieda,
seu companheiro, religiosos da companhia de Jesus, vieram
desde â província de (juilo, na companhia da armada por-
lugueza, que, de volla do descobrim nto do rio das Amazo-
nas, desceu por elle ale á cidade do Pará, cosia do Brasi
e governo do Maranlião, acudindo sempre, durante a via-
gem, como verdadeiros fUhos da sua religião, confessando,
pregando e consolando a todos os do exercito, e valendo-
Ihes nas suas enfermidades e necessidades, cumo verdadei-
ros pais de todos, cumprindo ao mesmo tempo cora o que
pela real audiência de, Quilo, em nome de Sua Magestade,
lhes havia sido recommendado relativamente a averigua-
rem allenl:imente as cousas mais principais do dito rio das
Amazonas; averiguação que fi^z o sobredito Ui*v. padre
Christovão d'Acuna com o maior esnuM-o, como se verá da
sua relação, á qual julgo dever ser dado lodo o crinlito por
ser pessoa (h?sinteress:ida, e que, unicamrnle levado do
serviço de Deus e do rei, (ínipn^liendeu viagem tão traba-
liiosa. De Indo o que posso dar fé como leslrmunha de
vista, pí)is viemos sempre juntos. K por ser verdade, dei
esta por mim assii^niarla, e selLula com o sello de minha re-
ligião. lN'esla cidade do Pará, a 19 de Março de íGVO.—
O commissario, Frei Pedro de Santa Maria e da Rúa.
CLAUSULA DA PROVISÃO UEAI, QlE DEU A AriUENOIA DE QUITO
EM NOME DE SUA MAGESTaDI: PARV I'STK DESCOBRIMENTO
Em conformidade do que acordaram os ditos meus presi-
- 469 -
(lentes e ouvidores, que devia niandar'dar esta minha carta
e provisão real, a vós, e a cada um de vós, na maneira
acima dita: e eu, o rei, por bem, e vos mando que, sendo
com ella requerido pelos sobreditos padres Christovão
d^Acnfia e André d^Arlicda, religiosos da dita religião da
companhia de Jesus, ou por qualquer d^elles, vejais os au-
tos a esta appensos, e cm seu cumprimento lhes dareis e
fareis que se lhes de todo o breve aviamento e boa passa-
gem,^que houverem mister para o melhor cumprimenlo da
sua commissão, viagem e bons elTeilos, que d*ella espero ha-
jam resultar, sem que em nada lhes seja posto estorvo, nem
impedimento por nenhuma causa ou razão, pois do contra-
..rio me haverei por deservido. E rogo, e encarrego a vós o
dito padre Christovão d*Acufia, que, em cumprimento do
provido pelos ditos meus presidentes e ouvidores, e na con- •
formidade da nomeação, em primeiro lugar em vós, feita
pelo vosso prelado, e do que em seu requerimento ofTere-
ceu, havendo- vos sido entregue esta minha caria por parte
do dito meu fiscal, vejais o que n^ella se contém, e o guar-
deis, cumprais e execuleis; e am seu cumprimento, par-
tais d'esta minha corte com o dito vosso companheiro para
a dila provinciado Pará, na companhia do capitão-mór Pe-
dro Teixeira, e mais gente de guerra, que com elle vai,
tendo, como haveis de ter sen4)re, particular cuidado de
descrever com a maior clareza, que vos for possível, a dis-
tancia em léguas, as províncias, as povoações de indios, os
rios e as paragens particulares, que ha desde o primeiro
embarque até a dita cidade, e porlo do Pará ; informando-
vos, com a maior certeza que vos fór possível, de ludo o
referido, para que, como testemunha de vista, possais dar
exacta noticia no meu real conselho, afim de que fique
tendo o necessário conhecimento das dilas províncias:
para que vos mando que assim o façais, comparecendo pes-
— 172 —
3.* — EN*TRA N'ESTE RIO O TYRAXNO LOPO DE AGUIRRE
Yinlc annos depois, isto é, no anuo loGO» tornaram a
avirarem-sô as esperanças com a entrada, que, por ordem
de el-rei, fez do Peru, a este grande rio, o genial Pedro
d'Orsúa, abandonando-se com grosso exercito às suas aguas
para ser testemunha de vista das grandez ts que d*elle se pu-
blicavam unicamente por noticias ; foi, porém, tão infeliz
que foi morto atraiçoadamente pi.'io tyranno Lopo de Aguir--
re, o qual, lovantando-se, não só cunio general, mas lam-
bem como rei, proseguiu a via^^em começada : nio permit>
tiu Deus que acertasse com a principal boca, pela qual este
grande rio desagua no oceano ^ porque desdourava a fldelí-
dade dos hespanhoos descobrir um tyranno, cousa de tanta
importância ao nosso rei e senhor , e deixando-se levardes
braços do rio, veiu desembarcar na cost j, defronte da ilha
da Trindade, na terra firme das Lidias castelhanas, aonde,
por ordem de Sua Majestade, lhe foi tirada a vida, e se-
meado sal no terrenv» das suas cas.;S, como aimla hoje allí
se reconhece.
i." — INTtNrAM OITKOS ESTfc DtSi.OKRIMENTO
Os mesmos desoj»)S do desc briuionlo d'eslo grande rio
obrigaram o sar^reiíl )-:uôr Vicenlo d ^s R.ms Vjlia-Lcbos,
governador o capitã >--:.Mieral iks naix>s, jurislicção da
provincia de yuilo, a qu* se oiTer .cesse com bons partidos
a principial-o por aquMlas part.s: em aijaciwiíormidade^
a catholica pessoa do noss» irrando r.i Filippe IV, que boje
vive, e viva felizes ann^^s, mandou, -m Iíí-2I, um decreto à
real audiência e chai.cellaria d • S. Francisco de Quito para
que se estipulassem as a^nliçOes qu. mais convenientes
fossem para o descobrimento o como n'este entretanto o
- 173 -
dito governador acabou o seu tempo, não poderam ter
effeilo, assim como o nâo tiveram os ardentes desejos de
Alonso de Miranda, a quem succedeu no cargo, por lh'os
haver atalhado a morte, a qual também havia atalhado as
brilhantes expedições em que o general José de ViUa-Maior
Maldonado, governador muito «'mies que os dois referidos,
do mesmo governo de Quixos, gastou o melhor da sua vida,
com ardente 7êlo de sujeilar à Peus, e ao rei, asinnume-
ravfis nações, que confusas noticias publicavam haver
n'este rio,pondo em execução, por muitas differentes partes,
os seus desejos com não pequenos bons successos.
5. **— INTENTA BENTO MACIEL ESTE' DESCOBRIMENTO
Excitaram estes mesmos desejos não somente os caste-
lhanos pelas partes do Períi, mas também, estendendo-se
ás costas do Brasil, habitadas por portnguezes, quizeram
estes, levados do zelo, que sempre têm de augmentarem a
coroa, principiando desde a boca d'este rio, buscar-lhe o
seu nascimento, e desentranhar-lhe as suas grandezas,
para o que se olToreceu Bonto Maciel Parente, capitão- mór,
que enlão havia sido do Pará, e é presentemente governa-
dor do Maranhão, cm cuja conformidade se lhe mandou,
em 1(>2(}, um real decreto para que principiasse e ultimasse
seus (lesignios, os quaes cessaram, em consequência de
querer Sua Míigestade servir- se d'elle na gçerra de Per-
nambuco.
6.° — FRANCISCO COELHO É MANDADO FAZER ESTA ENTRADA
Não socegava o coração do nosso grande rei emquanto
não visse executada a empreza, cujo bom êxito tanto era
desejado, e muito prometlia; e por isso, ainda que se des-
- 474 -
vaneciam todos os planos, que para semelhante fim traçava
a humana previdência, jamais deixava de insistir no princi-
pal projecto : nos annos 1633 e 163& mandou, por seu real
decreto, a Francisco Coelho de Carvalho, que então era go-
vernador do Maranhão e Pará, para que logo se fizesse
aquelle descobrimento, com expressa ordem de que, não
havendo a quem enviasse, fosse elle mesmo pessoalmente
põl-o em execução; tanto Sua Magestadc desejava que se
effectuasse semelhante empreza, quo por todas as partes
se intentava, e por nenhuma chegava a devida execução I
Porém, também n*esta occasião não pôde ter clTeito, por
razão de não se julgar o governador com forças sufficien-
tes para as poder dividir, visto que os hollandezes todos os
dias infestavam as suas costas, e elle apenas tinha gente
para resistir-lhes : não é, porém, de admirar que os pro-
jectos humanos se desvanecessem, pois que Deus havia já
disposto a maneira como milagrosa, de fazer-se este grande
descobrimento, que foi, como aqui direi.
?.•— NAVEGAM ESTE RIO DOIS RELIGIOSOS LEIGOS DE
S. FRANCISCO
Á cidade de S. Francisco de Quito, que é uma das mais
formosas de toda a America, está cdiricada sobre montes,
no mais alto da cordilheira, que compõe todo aquelle novo
mundo, não bem meio gráo ao sul da linlia equinocial ; é
capital de uma provincia, a mais fcrlil, a mais abundante,
a mais regalada, e a de climas mais temperados que ne-
nhuma outra do Perú,c que a todas leva vantagem pela mul-
tidão de seus naturaes, policia, ensino e christandade dos
mesmos. D*esta cidade, pois (nos annos 1G35 e 1636, e
principio de I637),sahiram uns religiosos deS. Francisco,
de ordem de seus superiores, em companhia do capitão
- 475 -
João de Palácios e seus soldados ; para proseguirem estes,
em quanto ao temporal, e aquelles em quanto ao espiritual,
o descobrimento d í^4e rio, que havia mais de trinta annos
tinha já sido principiado pelos padres da companhia de Je-
sus pelos cófanes, cujos naturaes mataram cruelmente o
padre Raphael Ferrer, em paga da doutrina que lhes ensi-
nava : chegando, pois, os ditos religiosos de S. Francisco á
provincia dos Encabeilados, muito povoada de gente, po-
rém muito limitada para o ardente zelo, com o qual csles
servos de Deus, como sempre costumam, a pretendiam re-
duzir ao grémio da igreja, alli permaneceram por alguns
mezes entre os naturaes, e vendo o tempo que perdiam, e
que ainda não tinha sasonado a seara de Deus, regressaram
uns ao seu convento de Quito, e outros ficaram na compa-
nhia dos poucos soldados que alli quizeram conservar-se ao
lado do seu capitão, que, passados poucos dias, viram com
os seus próprios olhos, morto às mãos d'aquelle a quem
iam fazer tanto bem: portanto foi-lhes forçoso desamparar
a terra, e dirigindo todos a sua viagem á Quilo, somente
dois religiosos leigos (Frei Domingos de Bricoa e Frei André
de Toledo) juntamente com seis soldados, se embarcaram
em uma pequena embarcação, e n'elia se deixaram levar
pela corrente do rio, segundo o que se pôde imaginar, uni-
camente levados do divino impulso, que de tão fracos ins-
trumentos havia scrvir-se para o primeiro descobrimento
d'esle rio.
8/-- CHEGAM os DOIS RELIGIOSOS AO MARANHÃO
Favoreceu Deus os intentos d'estes dois religiosos, e, de-
pois de muitos dias de navegarão, durante osquaes visivel-
mente experimentaram a Divina Providencia, chegaram à
cidade do Pará, pertencente aos portuguczes e situada
- 476 .-
quarenta loguas de distancia da desembocadura d*este rio
no ocoaiio, jurisílicção íId governo do Maranhão, liavendo
passado sem dumno algum por inimensas províncias de bár-
baros idas qu:u'S muilíis d»^ oaribcs, que comem carne hu-
mana), c reci*hendo d'ollos os m^cossarios mantimentos
para ultimariam o sou projecto. Passaram immedialamente
à cidade de S. Luiz do Maranlião, onde o governador resi-
dia, e era então Jacome Raymnndo de Noronha, eleito, na
minha opinião, mais pela Divina Providencia do que pela
voz do povo, pois quíí nenhum outro acabara com tantas
difliculdades, nem se oppuzéra a tão conlrarins pareceres,
a nã) tor o mesmo zõIo e obrigações, que elh- linha, de
servir df^sinteressadamente n'ostc descobrimento ao seu
Deus e ao seu rei. A clle, pois, deram os dois religiosos
nolicÂa da sua viagem, porém, como pessoas que vinham fu-
gindo todos os dias á more, e, pnrlanlo, o maisqutí pude-
ram aflirmar foi que ^inham d(i Pará, que haviam visto
muitos Índios, e que estavam prom;'tos a regressarem pela
mesma parte por 'onde haviam descido, havendo quem
quizí sse seguir aquella mesma ilerrola.
9." — i': No.Mr.vDo paka al»kli.a r.o>\nisiA íí:!»ko tkixeir.v
O-nfuso, ficava o nu?so deseifbrimeulo, e mal poderia
Sua Magi sláiie resi.lver soÍT' o qwr eonviídía ao sm real
serviço, Sií o govtMMiador, eoino aciíiia dissi*, não tomasse a
peilo aclariir eslús sombras, e, contra o parecer de lodos,
mandar gente pelo rio acima ale acidado di» Ouito, orde-
nando que com maior atleiição -puis, sem tants receios)
nolassem ludo o que n\'lle acliassi'm digno de advertên-
cia : para esta empreza nomeou i)or cabo de todfs a Pedro
Teixeira, capitão, por ^-ua Mageslade, e dos descobri-
menlos, |»essoa a quem o cé»-, sem duvida, para isso havia
- 177 -
escolhido, porquanto somente a sua prudência o os seus
conhecimentos, puderam acabar o que elle trabalhou, e fez
em serviço de Sua Magestade, n*esta expedição, não só gas-
tando e perdendo a sua fazenda, mas também a sua saúde;
se bem que nada d*isto era novo em quem, durante tantos
annos, que serve a Sua Magestade nunca tem grangeado ou-
tros interesses que o dar honrada conta de tudo o que se
lhe tem encarregado, que tem sido muito, e em occasiões
de não pouca importância.
10.**— TRINCIPIA A SUA VIAGEM PEDRO TEIXEIRA
Sahiu, pois, este bom capitão dos confins do Pará a 28
de Outubro do anno de l()37, com quarenta e seto canoas
de bom porle (embarcações de que adiante se fallarà) e
n'ellas seteiiía soldados porluguezes e mil e duzentos índios
de voga e guerra, e contando as mulheres e rapazos de ser-
viço, eram mais de duis mil pisoas. Durou a viagem quasi
um anno, não só pela força da corrente, como também pelo
tempo, que era indispensável gastar em fazer mantimentos
para tão numeroso exercito, e mui principalmente por ca-
minharem sem guias intelligentes que os pudessem dirigir,
sem rodeios, nem demoras, pelos rumos mais directos,
pelos qu.ies deviam proseguir. Como o caminho era tão
compri<!o, e se passavam grandes incommodos, principia-
ram os Índios amigos a demonslrarem i»ouca vontade de
n*elle proseguirem, e de facto alguns regressaram para suas
terras ; por isso o capitão-mór, receiando que todos tomas-
sem a mesma deliberação, usou de estratagema, visto que
o rigor e a força não bastavam a cons Tvar os que estavam
Yjcillando, c, ainda que apenas estavam a meio caminho,
fingiu estarem mui próximos ao termo, e apromplaiido
oito canoas bem guarnecidas de vogas e de soldados, as
- 478 —
mandou passar avante, como para aposentadoras do res-
tante do exercito ; e na verdade eram somente exploradoras
do melhor caminho, e incertas no verdadeiro, muitas vezes
se enganaram.
44.° — ADIANTA-SE 0 CORONEL BENTO RODRIGUES D^OLIVEIRA
Nomeou Pedro Teixeira para cabo d'esta vanguarda o co-
ronel Bento Rodrigues d'Oliveira, filho do Brasil, e que,
como criado toda a sua vida entre os naturaes, lhes conhece
os pensamentos, e por pequenos signaes advinha o que
intentam fazer, e por isso é conhecido, temido e respeitado
de todos os indios d'aquellas conquistas, e n'esle descobri-
mento foi muito útil a sua pessoa para o ullimar com a fe-
licidade com que foi feito. O referido coronel, depois de
vencer muitas e grandes diíBculdades, chegou com a sua
esquadra no dia de S. João, a 24 de Junho de 4638, ao
porto de Payamina, a pri|fieira potoação de castelhanos,
que por aquellas partes fica mais próxima ás margens
d'este grande rio, e é sujeita à província dos Quixos, júris-
dicção de Quilo ; porém, se a armada houvesse seguido
pelo rio Napo (do qual adiante se fará menção), houvera
tido melhores portos, mais abundantes provimentos de vi-
veres, e menores perdas, não somente de indios, como
também de fazendas,
12.*— DEIXA o CAPITÀO-MÓR 0 EXERCITO NOS ENCABELLADOS
O capilão-mór ia seguindo sempre os rastos e avisos que
lhe deixava nos pousos o seu coronel, e d*esla maneira ani-
mados todos os dias, pensavam que o seguinte seria o ul-
timo da viagem. Alentados com estas esperanças chrgaram
a um rio, que sahe da provincia dos Encabellados (dos que
já falíamos), que em outro tempo haviam sido de paz, po-
- 179 -
rém, então rebeldes, em razão da morte do capitão Palá-
cios : pareceu aquelle sitio aprazivel e próprio paraalli ficar
estacionada a principal força do exercito, e, por isso, no-
meando capitão e cabo de todos a Pedro d' Acosta Favella,
o deixou alii ficar, e igualmente o capitão Pedro Bayão,
ambos com as suas respectivas companhias, ordenando-lhes
que alli permanecessem a pé firme; o que ambos pontual-
mente cumpriram, mostrando o valor com que tantos annos
haviam exercitado as armas, a fidelidade com que obedeciam
á risca as ordens dos seus superiores, porquanto alli firme-
mente se conservaram onze mezes, sem nunca intentarem
fazer a minima mudança, apezar de ser a terra doentia, e
não terem nenhuns mantimentos, sendo-lhes forçoso bus-
cal-os com as armas na mão, e assim mesmo tão escassos,
que apenas eram sufBcientes a alimentarem-se. Bem sabia
o capitão-mór quem deixava em semelhantes riscos, e que
só a morte os poderia apartar do pontual cumprimento das
suas ordens !
13.'— CHEGA o CAPlTÃO-MÓR A QUITO
Descançado, pois, com aquella certeza, proseguiu Pedro
Teixeira com poucos companheiros no seguimento do seu
coronel, a quem achou ji, havia dias, na cidade de Quito,
aonde foram bem recebidos e agasalhados, assim pelos se-
culares como pelos ecclesiasticos, demonstrando todos o
prazer que tinham de vêr em seus tempos, e por vassállos
de Sua Magestade, não somente descoberto, mas também
navegado, o afamado rio das Amazonas, desde a sua foz até
ás suas cabeceiras. Não tiveram menor parte cm tão justo
regosijo todas as religiões d^aquella cidade, que são
muitas, e de bastante utilidade, olferecendo-se á porfia com
obreiros fieis, que, desde logo, entrassem a trabalhar na
TOMO xxviii, P. 1. 24
- 1«0 - s
gvftode e inculta vinha dos ionumeraveis bárbaros, de qnc
lhes davam noticias os novos descobridores.
li.*"— RESOLUÇÃO DO VlCE-EEi DO PERU*
Recebida n'aquella aadiencia de Quito a participação
competente pela qual se Tazia pleno conceito do muito que
importava à Magestade Divina e humana que com a maior
promptidSo se despachasse negocio tão grave ; nada se
atreveram a resolver os Srs. presidente e ouvidores da dita
audiência sem que primeiramente fizessem a respectiva
participação ao vice-rei do Peru, que então era o conde
jde ChinchOD, o qual, depois de haver consultado toda a gen-
te mais pratica da cidade de Lima, corte d'aquelle novo
mundo, resolveu por carta sua ao presidente de Quito
(q»e então era o licenciado D. Alonso Peres de Salazar) da-
tada de 10 de Novembro de 1638, que o capitão-mór Pedro
Teixeira, com toda a sua gente, regressasse immediata-
mente pelo mesmo caminho por onde haviasubido à cidade
do Parâ,dando-se-lhes todo o necessário para a sua viagem,
em razão da falta que tão bravos capitães e soldados indu-
bitavelmente fariam n'aquellas fronteiras, tão infestadas
dos inimigos hoUandczes; ordenando outrosimque, se pos-
sível fora, de tal sorte se dispuzessem as cousas, que em
sua companhia fossem duas pessoas taes, que a ellas a coroa
de Castella pudesse dar credito de tudo alé alli descoberto,
e do mais que se fosse descobrindo durante o regresso
para o Pará.
IS.**— o GENBRAL D. JOIO d'acuNA SE OFFERECE PARA
A VIAGEM
Em confusão pôz a lodos a execução d'esta ultima ordem
- 184 -
do vice-rei, em razão dos muitos inconvenientes que &
primeira vista apresentava, se bem que não faltavam secu-
lares zelosos do serviço de Sua Magestade» cada um dos
quaes, pondo tudo de parle, desejava ser dos nomeados
para tão grande empreza ; porém, entre todos, o que se
mostrou mais desejoso de novas occasiões em que pudesse
empregar-se no serviço do seu rei (o que havia feito por
mais de trinta annos, o os seus antepassados por toda» a
vida], foi D. João Vasques d'Àcuna, cavalleiro da ordem de
Calatrava, tenente do capitão-general, vice-rei do Peru, e
corregedor actualmente, por Sua Magestade dos hespa-
nhões e dos naturaes na mesma cidade de Quito e respec-
tiva comarca, offerecendo, não somente a sua pessoa, mas
também toda a sua fazenda, para á sua custa alistar gente,
pagar soldos, comprar mantimentos, preparar petrechos e
fazer todas as despezas necessárias para tão comprida via-
gem. Os seus bons desejos não tiveram effeito, em razão de
lhe não dar licença quem lh'a podia dar, que, attendendo
á falta que poderia fazer, deixando o oilicio que ac-
tualmente exercia; porém não quiz que de todo ficas-
sem frustrados tão bons desejos, e do tal sorte dis-
põz as cous:^s, que, em seu lugar, foi seu irmão, o padre
Christovão d'Acuha, religioso da companhia de iesus,
havendo consequentemente a grande fortuna de por
este meio ofTerecer ao serviço de Sua Magestade pessoa
que tanto estimava, e tão de perto lhe tocava ; o que succe^
deu da maneira seguinte :
16.''— NOMEIA A EEAL AUDIENCU CHRISTOVÃO d'aCUNA PARA
ESTA VIAGEM
Vendo o licenciado Soares de Poago, fiscal da real chan-
— 184 —
de tanta imporlancia ninguém acredite mais do que o que
n'esta relação se aflirma.
48.°— o RIO DÁS AMAZONAS K O MAIOR DO ORBE
E' o famoso rio das Amazonas, que corre c banha as
mais ricas, as mais férteis e as mais povoadas terras de todo
o império do Períi, o rio, que de lioje em diante, podemos,
sem hyperbole, julgar ser o maior e o mais celebre de todo
o orbe, porque se o Ganges rega toda a índia, e por cauda-
loso escurece o mar quando n*elle desagua, fazendo-lhe
perder o nome, chamando-o sino gangetico, por ou-
tro nome, golpho de Bengala ; se o Euphrates, como rio
afamado da Syria e de parte da Pérsia, é as delicias
d'aquelles reinos ; se o Nilo rega o melhor da Africa, fe-
cundando-a com as suas correntes ; o rio das Ama-
zonas rega reinos mais dilatados, fecunda mais vargens e
campos, sustenta mais homens, e augmenta com as suas
aguas a mi^ caudalosos oceanos, e somente lhe falta, para
os vencer em felicidade, ter a sua origem no paraíso, como
d'aquelles affirmam graves auctores. Do Ganges dizem as
historias que n*elle desaguam trinta caudalosos rios, e que
nas suas praias se vêm aròas de ouro : innumeraveis rios
desaguam no do Amazonas, tem arêas de ouro, e rega ter-
ras, que em si encerram infinitas riquezas. O Euphrates é
assim chamado, como notou Santo Ambrósio, o — Laetifi-
cando — , porque com as suas correntes alegra os campos,
de sorte que, regando-os em um qualquer anno, no se-
guinte dão abundantíssimas colheitas: do Amazonas se
pôde afoitamente aHlrmar que as suas margens são na ferti-
lidade paraisos, e, se a arte ajuda a fecundidade do terreno,
serií todo elle um aprazível jardim. A felicidade da terra
que rega o Nilo, celebrou Lucano n*estes versos :
_ 186 —
Terra suis contenta bonis, non indiga mercie»
Aut Jovis ; in solo, tanta est fíducia Nilo.
Não carecem as proviDcias visinhas ao rio das Amazonas
dos bens estranhos, sendo o rio abundante de pescado, os
montes de caça, os ares de aves, as arvores de fratas, os
campos de messes, a terra de minas, e^s naturaes, que o
habitam, de grande habilidade, e engenhos agudos para
tado o que lhes convêm; o que iremos vendo no decurso
d'esta historia.
i9.° — NASCIMENTO DO RIO DAS AMAZONAS
Dando, pois, principio a ella pelo nascimento e origem
d'este grande rio das Amazonas, até agora sempre occulto,
querendo todas as terras fazerem-se mãi de um tal filho,
attríbuindo às suas entranhas os primeiros assentos que lhe
dão o ser, nomeando-o rio do Maranhão, erro tão vulgar
n'aquellas parles, que a cidade dos Reis, empório de todas
as da America, se gloria de que as cordilheiras de Guanuco
dos Cavalleiros, em distancia de setenta léguas, dão o berço
a este afamado rio, e cortam os primeiros ramos de uma
lagoa, que alli está ; e, certamente, posto que esta não
seja a sua verdadeira, pelo menos é origem de um dos mais
famosos que aquelle rio das' Amazonas converte em sua
própria substancia, e desde então, alimentado com suas
aguas, segue mais brioso o seu curso. Pretende também o
reino de Granada augmentar a sua reputação, attríbuindo
às vertentes de Mocôa o primeiro nascimento d'este rio, do
qual, na sua origem, os naturaes dão o nome de Grão-Ca-
qoetà, se bem sem fundamento, pois que por mais de sete-
centas léguas não vêm as caras estes dois rios, e, quando
se encontram, reconhecendo o seu chefe, ou superior, e
torcendo o Caquetá o seu curso paga vassallagem ao Ama^
— i86 —
zonas : por outrâs muitas partes quer o Peru vangloriar-se
pelo principio e nascimento (1'este grande rio, celebran-
do-o e acclamando-o como o rei dos outros. De hoje em
diante não o permitlirá a cidade de S. Francisco de Quito,
pois que a oito léguas do seu local tem encerrado este the-
souro as fraldas da cordilheira, que divide a jurisdicção do
governo de Ouixos, ao pé dos serros, chamado um Guama-
nà, e outro Pulcâ, distando entre si nâo bem duas léguas;
dos quacs, o ultimo dá por niâi do recem-nascído uma
grande lagoa, o o primeiro outra, ainda que não de tanta
grandeza, se bem que de muito fundo, a qual, furando um
serro, que, invejoso do Ihesouro que de si offerocia, com a
força de um terremoto, se lhe deitou em cima, pretendendo
afogar em os seus principies as tão grandes esperanças, que
aquelle lago promettia ao mundo. D*estas duas lagoas, que
estão em vinte minutos ao sul da linha equinocial, recebe o
seu principio o grande rio das Amazonas.
20.*— SEU CURSO, LATITUDE E LONGITUDE
Faz O seu curso este rio, de oésle a leste, como dizemos
navegantes, isto é, do poente ao oriente, próximo sempre
ao íMiuinocial, porém ao sul, por á", 3", ^\ 5* e 5** 40* na
maior altura. Tem de comprimento, desde o seu nasci-
mento aló que desagua.no mar, mil tresentas e cincoentae
seis léguas castelhanas, bem medidas,e, segundo Orelhana,
mil e oitocentas ; caminha sempre serpenteando em voltas
mui dilatadas, o como senhor absoluto de todos os outros
rios que n'elle entram ; tem repartidos os seus braços, que
eão como os sous fieis executores, por meio dos quaes sabe
ao encontro, e, d'elles cobrando o devido tributo de suas
aguas, as torna a encorporar no seu canal principal : e é
para notar-se que, qual ó o hospede que recebe, laes são os
— 187 -
aposenladores que lhe dá, de sorte que, com braços ordi-
nários, recebe os rios mais communs, accrescenUuido ou-
tros maiores para os de maior grandeza ; e d'estes, alguns
são laes, que quasi podem com eile hombrear, e por isso,
elle mesmo pessoalmente, com toda a sua corrente, sabe a
offerecer-lhes bospedagem : do latitude e largura é mais
vário, porque cm partes se espraia uma légua, em outras
duas, três, e ás vezes muitas mais, conservando tanta es-
treiteza em tantas léguas, para, com maior atrevimento, em
oitenta o quatro de boca, pôr-se á barba com o oceano.
21/— ESTREITEZA E FUNDO DO RIO
O maior estreito, onde este rio recolhe suas aguas, é de
pouco mais de um quarto de légua, na altura de 2% 40",
lugar que, sem duvida, destinou a Divina Providencia, es-
treitando íilli este dilatado mar doce, para que alli se cons-
truisse uma fortaleza para impedir a passagem a qualquer
armada inimiga, por maiores forças que traga, entrando
pela principal boca d*este grande rio, porquanto, entrando
pelo Rio-Negro, alli deveria ser posta a defensa. Está este
estreito a tresentas e setenta léguas da barra, d'onde, em
oito dias, c em cmbarcaçõBs ligeiras, á vela e remo, se
pôde dar aviso muito antes que o inimigo as aviste. A pro-
fundidade d'este rio é grande, e em partes não se acha
fundo. Desde a boca até o Uio-Negro, que são quasi seis-
centas léguas, nunca ha menos de quarenta a trinta braças
de altura no canal principal, e d'alli para cima vai variando,
já com vinte, já com doze, e já com oito braças, muito nos
seus [irincipios; fundos estes suQicientes para quaesquer
embarcações, porquanto, ainda que a corrente obste a su-
bida, não faltam ordinariamente, todos os dias, três, quatro
TOMO YXVIII, p. 1. 25
- 188 -
ou mais horas de brisas fortes» que às vezes duram lodo um
diaiComquoTeDcêl-a.
22/— ttHAS, SUA FERTILIDADE E FRUCTOS
Todo este rio està povoado de ilhas, umas grandes e
outras pequenas, e em tão grande numero que não se po-
dem contar, porque se encontram a cada passo ; as ordiná-
rias são de quatro a cinco léguas ; outras ha de dez e de
vinte ; e a que habitam os tupinambàs (de que adiante fat-
iaremos) tem mais de cem léguas de circumferencia : ha
também outras muitas mui pequenas, que servem aos natu-
raes para fazerem n*ellas as siias sementeiras, tendo nas
maiores as suas moradas. Estas ilhas de menor grandeza,
e às vezes as maiores, ou grande parte d'estas, são annual-
mente banhadas pelo rio, fertilisando-as com o seu Iodo,
de sorte que jamais podem ser estéreis, ainda que por
muitos annos continuados d'ella se exija o ordinário fructo,
que é o maior a yuca, ou mandioca commum, sustento de»
todos, e de que tem muita abundância, e, ainda que appa*
rentemente esteja exposta á grande diminuição e perda por
effeito de tão poderosas cheias, a natureza, mãi commum
de todos, deu a estes bárbaros meio fácil para a sua conser-
vação : colhem a yuca, que são umas raízes de que fazem o
cazabé, pão ordinário em todas aquellas costas do Brasil,
e fazendo na terra umas covas ou regos fundos, alli os en-
terram, deixando-as mui bem tapadas durante o tempo em
que duram as enchentes, passadas as quaes os tiram e bene-
ficiam para seu sustento, sem que por isso nada percam do
seu valor: e se a natureza ensina às formigas a guardar nas
entranhas da terra o grão, que lhes ha de servir de ali-
mento durante o anno, que muito desse ao indío, por mais
bárbaro que seja, maoeira de prevenir o seu damno, e guar-
- 1,9 -
dar o sou SuBlento, pois é ceflo que a DÍTÍDa Providencia
mais cuida dos homens que dos brutos.
23/ — GÉNEROS DE DEBIDAS DE QUE USAM
Como fica dito, é esle o pão quotidiano, com que sempre
acompanham as mais viandas, e não somente serve de co-
roida, mas também de bebida, a que são geralmente mui
propensos aquclies n ituraes, para o que fazem umas gran-
des tortas d :!lgadas, que, cozidas no forno, se abiscoutam de
maneira que duram muitos mezes ; guardam-as no mais
alto das casas para as conservar livres da humidade da
terra, e, quando d*ellas se querem servir, deitando-as em
agua, as desrazem, e, cozendo-as ao fogo, lhes dão o ponto
que carecem, deixam assentar o caldo, e, estando frio, é
o vinho de que ordinariamente usam, o qual ás vezes é tão
forte, que, como se fora vinho de uvas, os embriaga e lhes
faz perder o juizo. Com esle vinho celebram as suas festas,
choram os seus mortos, recebem os seus hospedes, fazem
e colhem as sementeiras, e finalmente não ha occasião al-
guma em que se reunam, que elle não seja el azoque que os
recolha e o laço que os detenha. Fazem, ainda que não é
tao ordinário, outros vinhos que, como tão inclinados á
embriaguez, são como los tauras, que nunca lhes falta de
que lancem a mão ; elles os fazem de quaesquer fruclos sil-
vestres, de que abundam as arvores, as quaes fruclas, des-
feitas em agua, dão a esta tal sabor e força, que muitas
vezes excede à da cerveja, bebida tão usual entre as nações
estrangeiras. Guardam estes vinhos, uns em potes mui
grandes de barro, semelhantes aos da nossa Hespanha ; ou-
tros em pequenas pipas, que lavram de uma única peça de
troncos socabados ; e outros, finalmente, em vasilhas gran-
ded que tecem de herva, dàoda^lhes por dentro e pór fõtà
— 490 —
um bclumo tal, que Dão se perde uma única gola do licor
que n'ellas se guarda.
2i/ — FRUCTAS OUE TEM
As viandas com que acompanham este pão e vinho são
muitas, não somente de fruetas, como plantanos, pinhas,
guiavas, avios, castanhas mui saborosas, a que chamam no
Peru amêndoas da serra, e, na verdade, mais semelhança
têm com estas do que com aquelias, se hem que assim llies
chamem por nascerem em uns cocos, que se assemelliam
aos ouriços das castanhas. Tem palmeiras de diíTerenles
géneros, que produzem umas, sasonados cocos, e outras
saborosas tâmaras, que, apezar de silvestres, são de bom
gosto : e muitas outras qualidades de. fruetas, próprias todas
das terras quentes. Têm também raizes cíe muito sustento,
como são as batatas, a yuca mansa, a que os portuguezes
chamam macachcra, carás, criadilLis da terra e outras, as
quaes, assadas ou cozidas, não somente são gostosas, mas
também substanciaes.
25/ — PESCADOS r)'ESTn KIO, E 1)0 PEIXE ROl
Comtudo, do que mais se alimentam, e o (jue, como vul-
garmente dizem, lhes faz o prato, é o iinmenso pescado
que, com incrivel abundância e diariamente, colhem ás
mãos cheias n*este rio ; porém entre todos, o que, como
rei, d'elle se senhorêa povoando lodo o rio, desde o seu
nascimento até que desagua no mar, é o peixe-boi, pesca-
do que só de tal tem o nome, pois que não ha pessoa que,
comendo-o, não julgue comer saborosa carne : é de gran-
deza de um bezerro de anuo e meio e d*elleem nada se
differençaria na cabeça, se tivesse cornos e orelhas : tem
por todo o corpo algum tanto de cerdoso^e move-se na agua
— 191 —
com dois braços curtos, que em forma de pás lhes ser-
vem de remos, debaixo dos quaes as fêmeas mostram os seus
peitos, com os quaes dão de mamar aos filhos que parem.
Do couro, que é muito grosso, fazem adargas os guerrei-
ros, e tão fortes, que, sendo bem curtidas, uma bala de
espingarda não passa. Sustentase este pescado somente de
herva, que pasce como se fora verdadeiro boi , e por isso
a sua carne toma tio bom goslo, e é tão substancial, que
em pequena quantidade liça qualquer -pessoa mais satis-
feita e com maior força do que se comera dobrada porção de
carneiro. Conserva mui pouco o fôlego debaixo d'agua, e
por isso, onde quer que ande, deita fora amiudadas vezes
o focinho para receber novo alento, e d''aqui vem a sua
total destruição, porquanto ellc mesmo se vai denuncian-
do aos seus inimigos. Os indios, logo que o vêm, o seguem
nas canoas pequenas, e esperam que elle, querendo respi-
rar, deite fora a cabeça, e, cravando-o com os arpões, que
fazem de conchas, lhe tiram a vida ; partem postas medío-
cres, que, assadas sobre páos atravessados, duram sem
corrupção mais de um mez, e não fazem d*elle cenizas para
todo o anno (que seriam de muita estimação), por não te-
rem sal em abundância, pois que aquelle mesmo de que
usam para o tempero da comida é mui pouco, e feito
de cenizas de certas palmeiras, sendo mais salitre que
sal.
20.*— TARTARUGAS DO RIO, E COMO AS GUARDAM
Mas, apezar de nao poderem conservar por muito tempo
estas cenizas, não lhes falta industria para terem carne
fresca todo o inverno, a qual, se bem não seja tão gostosa
— 19Í —
como aqueila, é comluilo mais saudável e do nao menof
proveito. Fazem uns curraes grandes» cercados de pàos, e
tão cavados por dentro, quo, como se fossem poços fundos,
conservam em si as aguas da chuva ; feitos esles, no tempo
em que as tartarugas sahema desovar nas praias, deixam as
suas casas, e embosca ndo-se em paragens conhecidas que
eliasmais frequentam, esperam que, sahindo á terra^ cada
uma principie ^ occupar-se em preparar a cova em que
pretende deixar o^vos ; sahem n'este momento osindios,
e, ganhando a parte da praia por onde se hão de retirar
para a agua, dão de improviso sobre ellas, e em breve
tempo se vêm senhore? de grande quantidade, som mais
trabalho que volUil-as de costas, e, não podendo então me-
nearem-se, assim as conservam emquanto querem, ató
que, enfiadas todas com cordas por uns furos que fazem nos
cascos, o lançadas à agua, remando nas canoas, as levam
sem trabalho até as encerrar nos curraes, que já têm
promptos, onde as soltam todas, dando-lhes por prisão
aquelle estreito cárcere, e, susteotando-as com ramos c
folhas d'arvores, as conservam vivas todo o tempo que
d'ellas carecem. São estas tartarugas tão grandes e maiores
que rodas de bom tamanho ; a sua carne ó tíío tenra como
a da vacca ; têm as fêmeas, quando as matam, no ovário
ordinariamente duzentos ovos cada uma, algum tanto
maiores e quasi tio bons como os de gallinha ; porém são
mais dilBceis de digerir. Eslâo nos tempos próprios tão
gordas, que de duas S3 faz um pt)te de manteiga, que,
temperada com sal, 6 tão boae mais gostosa e dura mais
que a de vacca ; serve para frigir o peixe e para quaesquer
outros guisados, em que se pôde fazer uso da melhor man-
teiga. Apanham estas tartarugas em tanta abundância, que
não ha curral que não lenha mais de cem tartarugas, e por
isso jamais estes bárbaros sabem que cousa seja fome, por-
— 193 —
quaQto uma só basta a salisíazeir qualquer faon^ia, por
mais numerosa quo sej^f
27.°-r-MANimAS DE PESOAa
Com a maior facilidade gozam os moradores d'eslo rio
de lodos os pescados que em si encerra, e, nunca receian-
do que lhes faltem para o seguinte dia, jamais se proyiuem
no antecedente, e sustentados com o que diariamente co-
lhem estão sempre certos de que nos dias seguintes farão
outra igual pesca. A maneira de pescar ó dillerente, con»
forme a variedade do tempo c as enchentes ou vasantes ; e
por isso, quando as aguas baixam tanto, que os lagos sec-
cam, sem permittir-lhes communicação com o rio. usani de
um género de trovisco, e que n*aquellas costas se chama
timbó, da grossura de um braço, pouco mais ou menos, o
tão forte, que, machucados dois ou três páos d* estes, e, ba-
tendo com elles na agua, que, ( staiicada, sustente n'aquel-
les lagos o pescado, a|)enas chega este a provar o seu vigor,
iipqiediatamente sobro a agua do lodo se deixa apanhar
com as mãos ; porém a maneira mais ordinária com quo,
em todo e qualquer tempo, se fazem senhores de tod js os
pescados que sustenta aquelle abundante rio, é com as fre-
chas, que com uma mão disparam de uma paleta que
n'ell^ tem, e, cravadas nos peixes, lhes serve de bóia para
conhecerem aonde depois de feridos se retiram, e por isso
alli com presLeza correm e os recolhem nas canoas ; esta
maneira de pescar não se limita a este ou áquelle pescado :
é geral para todos ; de sorte que, nem uns por grandes, nem
os ouiros por pequenos, são privilegiados, c todos passam
por uma mesma rasoura. Estes pescados, sendo de tão di*
versos géneros, são todos de mui bom gosto, e muitos
d'elles têm de partiçularissimas propriedades. Mm peixOi a
— IÍ>V —
r|ue os íDdios chamam — poraque— ^semelhante a uma mui
^Tande enguia, ou para melhor dizer, a um pequeno cou*
gruo, tem tal propriedade, que, emquanto está vivo, a
todos que o tocam estremece immediatamente todo o corpo,
emquanto dura o contacto, como se tivessem graves quar-
tans, o que cessa logo que d'elle se aparta.
28.*— CAÇAS no MONTE E AVES nE QUE SE SUSTENTAM
Podéra acontecer que estes naturaes, comendo sempre
pescado, ainda que tão bom, se enfastiassem e desejassem
pelo menos, de quando em quando, alguma carne, e por
isso lhes preveniu a natureza os seus desejos, povoando -
lhes a t/rra firme com muitos géneros de caças, como são:
nntas, que são do tamanho de uma mula de um anno, e com
grande semelhança na cor e disposição, e o gosto da carne
não se diíTerença senão em ser algum tanto doce : porcos
monlezes, não javalis, serão outro género mui dilTerenle,
que tem o umtjigo no lombo, o d'esles estão povoadas quasi
todas as índias ; a sua carne c mui boa e saudável, assim
como também a de outra espécie d'esles mesmos animaes,
que se acham cm muitas parles, mui semellianles aos nos-
sos porcos domésticos. Ua veados, cotias, yguarús, yagotis,
e outros animaes, próprios das índias, de boas carnes, ode
tão bom gosto, que pouco menos são que as mais estimadas
na Europa, lia perdizes nos campos, e criam em casa al-
gumas galUnhas das nossas, que para alli vieram do Peru,
e se foram propagando por lodo o rio, o qual, em muitos
lagos que tem, sustenta infinitos pássaros e outras aves
aquáticas para quando d'ellas so quizerem aproveitar; e o
que mais admira 6 o pouco trabalho que custam todas estas
cousas, o que bem se pódc colligir do que diariamente ex-
perimentávamos no nosso arraial, d*onde depois de chega-
- 105 -
tios ao pouso em que haçiaoios de dormir, eoccupados os
in^lios anigos, qud h^jS acõmpmhiivam, em fazer barriicas
suflii:ienlt:s p,^ra tuiloo ac impam en Lo, em que gaslaViiin
JDuilo letnpo, se dividiam uds por terra com cãts em busca
da Cãça, e uulros por ngua unicamente com os seus arcos e
frechas, e em poucas horas via mos chtgar esles carregados
de pescado, e aquelles de caça sufliciente para que lodos
ficissemossalisfeilos; o que acontecia, não em um ou outro
dia, \íúTèm um tudos os que durou a viagem, que foi Ião
demíiradii, como jà disse: maravilha esta digna de admi-
ração, e que unicamente se pode atlribuir á paternal provi-
dencia daquelle Senhor, que com cinco pães e poucos pei-
xes sustentou cinco mil pessoas, ficando-lhe o braço sao o
as mãos cheias para maiores liberalidades,
39,'— CLIMA E TEIrtPLE DO RIO
O clima doeste rio, e o de todas as provi ncias a elle cir-
cumvisinhas, é temperado ; de sorte que nem ha calor quo
cnf^ide, nem frio que fatigue, nem variedade qui^ seja mo-
lesta, porque, ainda que se conhece algum género de in-
verno, não è tanto por causa da variedade dos planetas e
curso do sol, que sempre nasce e se pòe a uma mesma hora,
quanto pelas inundaçOi^s das aguas, que com as suas humí-
dadcs impedem, durante alguns mezes, as sementeiras e
fructos da torra, pelas quacs nos regemos ordinariamente
n\iquellas partes du Ferúde tão differentes temples para
conlircer e distinguir o verau do inverno^ de sorte que o
tempo, em que a terra nos produz fruclos, chamamos verão,
c pelo contrario inverno âquelle em que por qualquer
cumii se impedem ns colheitas.
listas sào duas anonalnjenta n'esla rio, nâo somente noi
maiores, um dos seus princípaes suslenlos, mas também
TO«o xxvíií, r. I* 26
- 496 —
em outras sementes próprias da terra. Verdade é que às
mais próximas às cordilheiras de Quito gozam de mais
calor que o restante do rio, pelas muitas brizasque ordi-
nariamente refrescam as mais próximas ás costas do mar;
se bem que este calor, quando grande, é como o ordinário
de Guayaquil, Paname ou Cartagena, sendo temperado cm
grande parte pelos frequentes aguaceiros, que ha quasi
lodos os dias, dando a estas terras grandes vantagens em
conservar por muito tempo os seus mantimentos incorru-
ptos, como experimentámc s nas hóstias, com que diaria-
mente diziamos missa, as quaes, passados cinco mezes e
meio depois da nossa partida de Quilo, estavam tão frescas
como se fossem feitas de próximo, e, porque enlfio se aca-
baram, não experimentámos a sua total duração ; cousa
esta que espantou a todos os que haviamos corrido osdiffe-
rentes temperamentos das índias, e por expiTiencii sabia-
raos a facilidade com que nas terras cálidas se corrompem
ainda as cousas de mais substancia. Não são nocivos os
soes d'este rio, apezar de estar Ião próximo á equinocial,
nem alli ae conhecem serenos que causem damno, do que
posso ser boa testemunha, pois que raras vezes, eni tudo o
tempo que por alli naveguei, d/ixei de pi.ssir as nnil s á
vela, exposto à inclemência, sem que jamais me causasse a
mais leve dôr de cabeça, quan lo em outras partes somente
um pequeno raio do sol as costuma causar mui fortes, se
bem é verdade que nas suas primeiras entradas, qu isi lodos
os que vínhamos de terras frias tivemos algumas calenturas,
que bem depressa, por elTeito de sangrias, nos deixaram
livres. Também não ha n^este rio ares corruptos, que por
elTeito da sua malignidade de repente deixam lisiados
aquelles que mais ferem, como á custa da sua saúde, c ás
vezes da vida, sentem muitos quasi em todo o descoberto
Períi ; e-, se naç fora a praça do mosquitO; de que abunda
- 197 -
em muitas paragens, se poderia cbamar à boca aòerta um
dilatado paraiso.
30.''— DISPOSIÇÃO DA TERRA E DROGAS MEDICINAES
l)*esta amenidade de tcniperamento nasce indubitavel-
mente a froscum de todas as suas margens, que, cheias de
varias e formosas arvores, parecem estar à porfia debuxando
incessantemente novos paizes, em que a natureza se esmera
e a arte aprend(». E, ainda que commumenle a terra é baixa,
tem lambem altos proporcionados, campinas desembara-
çadas de arvoredos, e cobertas de flores, vallesque sempre
ccmservam humidade , e para o interior serros taes, que
podem com justa razão passar por cordilheiras. N*estes in-
cultos bosques têm os naturaes collocada para as doenças a
melhor botica dos simplices, que ha em tudo descoberto,
porquanto alli se colhe a mais grossa cannafislula, a mais
perfeita snlsMparrilha ; as gommas e resinas mais saudá-
veis e na maior abundância, o mel das abelhas silvestres a
cadapr.sso, e tanto que, apenas se chega aparagem onde o
não haja, gastando-o não somente em remédios, porque é
muito saudável, mes também sustentando-se com elle por
ser de agradável goslo, e aproveitando a cera, que, ainda
que negra, é boa e arde como qualquer outra. Alli o azeite
de andiroba, que é uma arvore inapreciável para curar
feridas. Alli o oleo de copaiba,que também é arvore, e
superior ao melhí)r bálsamo. Alli mil géneros de hervas
e arvon^s de parlicnlarissimos eíTeilos, e ainda estam por
descobrir muitas outras, que poderão apparecer, como Dias
Corides, terceiro Plinio, e todos tiveram bastante afazer
para averiguar as. suas propriedades.
- 198 -
31. •—MADEIRAS E ADERIÇA PARA NAVIOS
As arviros n'esle rio sTo seti numero, e Ião altas que
vão acima das nuvens, p )r assim diz t, e lã )gri)ssas que
causam admiração ; medi com as minhas mãos, ced ^ de 'O
palmos de roda ; são Iodas, pela maior parlo, das melhores
madeiras, e não se pôde n dest^jar mi^lhores, pois são cedros,
ceibos, pào ferro, paio colorado, e outras muitas experi-
mentadas já alli, e tidas pelas melhores do mundo para
fabricar embarcações, as quaes, n^este rio, melhor e com
menores despezis do que em parle alguma podem sor, já
acabadas e perfeitas, deitadas à agua sem que nada se ca-
reça da nossa Europa, à excepção do forro ; porque aqui,
como digo, ha madeiras a pedir de boca, como vulgar-
mente se diz ; aqui ha enxárcia .tão forte, como a de cânha-
mo, de certas cascas de arvores, do que se fazem amarras,
que por si só escoram os navios em tempostafles, ou tor-
mentas desfeitas ; aqui o pez, e breu tão perreilocomoa
gomma arábia ; aqui o azeite assim de arvores, como de
pescados, para dar o ponto e tempnrar a sua dure/a ;
aqui se tira estoupa excollpnte que cha:nam ombira, que
para calafetar navios e juntamente para corda de arcahuz
não se creou outra melhor ; aqui o algodão para o volame,
e é a semente que melhor produzem os campos ; e aqui fi-
nalmente está a innumeravel multidão de gente, de que
adiante fallaremos ; e portanto nada falta para edifiviar
quantos galeões se quizerem pôr nos estaleiros.
32.'— QUATRO GRNEROS DE COIS.VS PROVEITOSAS
QUE HA n'eSTE RIO
Ha n'este grande rio das Amazuius quatro géneros que,
cultivados, seriam indubitavelmente suíTicientes para enri-
quecer um e muitos reinos ; dos quaes são o primeiro
— 199 —
as madeiras, qae, além de serem muitas da maior curiosi-
dade e esti nação, como o melhor ébano, são tantas das
commnns pira as embarcações qne ao mesmo tempo se
poierão tirar para outras cousas, na certeza de que, por
mais que se cortem, nunca Ihespoderão dar total extrac-
ção : o scííundo género é o cacáo, do que estam as suas
marofens Ião cheias, que alq[nmas vezes as madeiras que
se cortavam pira o acampamento do exercito, apenas eram
outras que não f;)ssem as das arvores que produz'^m este
fructo, tão eslimado na nova Hespanha, e nos paizes onde
se sabe o que é chocolate, o qual cacáo beneficiado é tão
proveitoso que a cada pé corresponde de renda annual-
mente, tiradas todas as despezas, oito rea?s de prata (GVO
réis portuguezes), e manifesta-se bem agrando facilidade
do cultivo de s'^melhant s arvores n'este rio. porquanto,
sem o mini mo auxilio da arte, a natureza por si só as en-
che de abundantes frucfos : o teroiro género é o tabnco,
de que se acha grande nuanlidade e. mui crescido entre
todos os moradores da« suas ribeiras, e, se se cultivasse com
o cuidado que pede esta semente, seria d'is melhores do
mundo, porque, na opinião dos entendedores, a terra e a
temperatura é a melhor que se pôde desejar para obter
mui grandes colheitas ; porém na minha opinião o que
mais se deveria cultivar n'este rio ó o assurar, que cons-
tituo o qmrl) género, que como mais nobre, mais provei-
toso, mais certo, e de maiores rendimentos para a fazenda
real, e muito principalmente agora que tanto tem deca-
hido o commerci v) do Brasil, deveria ser cultivado com
preferencia, procurando logo no principio levantar mui-
tos engenhos, que em breve restaurassem as perdas d'a-
qucllas castas, para o que não seria preciso muito tempo,
nem muito trabalho, nem muitas despezas (que constituem
hoje em dia o que mais se teme), porquanto as terras são
/
- 200 —
as mais famosas paraacanna doce, que ha em todo o Brasil,
como podemos altestar os que temos corrido por aquelias
parles, pois que todas ellas sâo um mazapé continuado que,
é o que mais procuram os lavradores d*estas plantas,
e com as inundações dos rios, que apenas duram poucos
dias, ficam tão ferlilisadas, que é para receiar a demazia.
E não será novo paraaquella terra levar canna doce, por-
quanlo por todo esle rio, desde o seu nascimento, a encon-
tramos sempre, parecendo dar signaes do muito que mul-
tiplicaria, querendo k'vantar-se engiMihos para fabricar,
os quaes pouco custariam por torem, como dissimos, as
madeiras á mio, e agua cm abundância, e só careceriam
do cobre, o qual facilmimte forneceria a nossa llesp»nha,
ambiciosa de bom retorno, que por elle receboiía.
33.**— DE OUTROS GENFROS DE ESTIMAÇÃO WE ALLI
SE ENCONTRAM
Não somente estes géneros se podiam promctlorn'este
novo mundo, descoberto para enriquecer todo o orbe. mas
também outros niuitf)s, que, ainda (pie de menor valor, iiao
deixariam de concorrer, no siu tanio, ao augmenlo da real
coroa, a saber: o algodão, qne se colhe em abundância ; o
urucíi, cnni que se faz o perfeito escarlate, qne os eiUran-
geiros tanlo eslimam ; a cannalislnla, a salsaparrilhai os
azeites, qne riv.ilisam com os melhores bálsamos no eiTeito
de curar as feridas ; as gonimas e resinas cheirosas; a pita,
de que se tira o melhor fio, e de que In grande* abundância ;
6 outros muitos que diariamenle irão descobrindo a neces-
sidade o a anibifío.
34.''— RIQUEZAS DO RIO
Não fallo das muitas minas de ouro e de prata, de que
— 201 —
já ha noticia, e que forçosamente irão sendo descobertas
pelo tempo adiante, que, se o meu juizo nao me eng:ina,
Ijão de ser mais, o mais ricas que todas as do Períi, ainda
que n'esse numero entrímas do afamaiio serro do Polosi ;
e não digo isto no ar, e sem fundamento, levado só, como
alguns pensarão, da alTeição que mostro em engrandecer
este rio, mas eslribando-rae na razão e na experiência ;
esta tenho eu do ouro, que em alguns indios d'este rio en-
contrámos» e dys notícias que deram das suas minas, e
aquelle me òbi^A a formar este argumento.
O rio das Amazonas recebo em si Iodas as vertentes das
terras mais ricas da America, porquanto pela parte do suj
n'elle desaguam caudalosos rios, que descem uns de perto
do Potosi, outros de Guanuco, cordilheira próxima á cidade
de Lima, outros de Cuscj, e outros de Cuenca e Gibaros,
que ê a terra mais rica em ouro das que ha descobertas,
de sorte que pela refiTida parlií do sul, (]uantos rios quan-
tos mananciais, quantos regatos, quantas pequiMias fontes
desaguam no oceano no espaço de eoO léguas, que se con-
tam desde o Putosi a Quito, tcdos rendem vassallagem e
pagam tributo a este rio, assim como também tod(js os que
baixam do novo reino de Granada, não inferior em ouro
aos outros. Se este rio, pois, êarua maior e o principal
ciminho por 0!id3 se sobe ás maiores riquezas do Períi,
bem [)osso alTirmar que é o principal senhor de lodos, além
do que, se a lagoa Dourada tem o ouro que se lhe attribue ;
se as Aina/.onas habitam, como atteslam muitos, entre as
maiores riqui/zas rio orbe ; se o Tocantins em pedras pre-
ciosas e em abundância de ouro é tão afamado, entre os
francezes ; se os Omagúas, com as suas riquezas, abarro-
taram todo o Períi, sendo mandailo imniedialamente em
su:i busca Pedro de Orsua com grosso exercito pelo vice-rei ;
é inconleslavel que n'este rio tudo o referido o está encer-
— i02 —
rado : aqui a lagoa Dourada ; aqui as Amazonas ; aqui'o
Ti.cantins; p aqui os ricos Omagúas, como adianle dire-
mos, e aqui Grialmenle eslá depositado o immenso the-
souro, qutí a Magestade Divina tem guardado para com elle
enriquecer o nosso grande rei e senhor Felippe IV.
3o.'— TEMQ UATRO MIL LÉGUAS PE CIRCUiTO ESTE DESCOBRI-
MENTO
Segundo a boa cosmogniphia, tem este dilatado império
perto de quatro mil léguas, e não penso que me alargo
muito, porque, se somente de coniprimonlo, mediílas cora
cuidado, tem I, í 6, e 1, 800 srgundoOrelhana, que primei-
ramente o navegou, e i)or cada rio, que n'clle enlni, tanto
do N. cómodo S , segundo boas observações dos naturaes
que pov(»am as suas bocas, em mais de 200 léguas, e em al-
gumas parles em mais de iOO léguas, por ambos os ladosv
nunca se sabe a povoação de hespanboes, encontrando sem-
pre nações dilTerenles, é forçoso que lhe concedamos de
largura ptdo mends *00 léguas na parte mais eslreiía, que
Comas !,3r;(), out, Ode cnin|)rininlo segundo Ondbana,
lhe darão de circuito, segundo boa arithiiittic:i, mui pouco
menos d:is V,000 que dissemos.
36.*— Ml LTIUAO DE GENTE, E DE DUTEUENTKS NAÇÕES
Todo estii novo munilochamenuiS-lhiTissim^csláhabitado
de b:irb;iros eni disiincl;is proviíicias e narõcs ; as de que
possoilarfé, noíni\'\ndo-as com ossrusnnines, e designan-
<lo-lh«'S (is di>lhclos, umas de vista, e oulras iH»r infonna-
rõ.'sdí»s inflius, qu»* ifellas haviam eslado, passam de 130,
(ofl.isdo lingiias dilLTiMíb^s, tão dilatadas o povoadas de
m.iradorus como as qu.' vimos por lodo o caminho, e de
que adiante fallaremos. Estam Ião continuadas estas nações,
— âí>:í —
quedos últimos povos de umas, em muiUs d'eliesse ourem
lavrar as madeiras nos oulros, sem que uma tal proximi-
dade os obriguem a fazerem paz ti s, conservando perpetua-
menta con li mias guerras, em que diariamente se matam e
captivam innomorav is almas, e é esta a maneira de se di-
minuir tão grande multidão, qne a não ser assim Já não
caberia em todas aquellas terras. Porém, ainda que entra
si so mostram bellicosose briososjâmais taes se mostraram
para com oshospanhoes^ como nolámos durante a viagem,
pois que nunca algum se atreveu a usar contra os nossos de
oulra defensa qm nao fosse a de que ordinariamente estam
prevenidos os cobardes, o vemaser a fugida, qneeUes lem
pronj|ílaem razão de navegar à umas embarcações tão
ligeinis que» apenas abordam à terra, as carregam aos
Lliomhros, e arrojando-se com ellas a uma lagoa das muitas
que o rio tem, deixam escarnecido qnalquer inimigo, que
com a èuâ embarcação nao possa fazer outro tanto.
37/ — ABMAS QUE USAM OS ÍNDIOS
As suas armas são, entre uns, azagai^medianas, e dar-
dos feitos de paos fortes bem aguçados, ^nto que, a tirando
com destreza» passam com facilidade o inimigo, e entre
outros, sao estolicas, armas em que os guerreiros do Inga>
graorei do Períi, eram mui destros ; sío estas estolicas
uns |íàos (feitos a maneira de taboas) de uma vara de com-
primento e três dedos de largura, em cujo remate na parte
lie cima fixa um denlc de osso, em que faz preza uma
frecba de nove palmos com a ponta também de osso, ou de
páo mui forte, que lavrada em forma de harpâo, fica como
lima garrocha, pt^ndenle d^aquelle a quem fere ; tomam
esta ua mão direita, em que tém a estolica pala parte infe-
rior, e fixando-a no dente superior a disparam com tanta
TOMO ixviir, F, u 27
— 204 —
força e acerto que a cincoenta passos não erram liro. Com
estas armas pelejam ; com estas frexam a caça, c se fazem
senhores de qualquer pescado, por mais que se queira es-
conder entre as ondas, e o que mais admira, com ellas
cravam as tartarugas quando, fugindo de serem reconheci-
das, somente de quando em quando, e por um mui breve
espaço, mostram a cabeça acima d'agua, lhes atravessam o
pescoço, que é a única parte em que, por estar sem concha,
se pôde empregar o tiro. Usam também para sua defesa de
rodellas, ou escudos, que fazem de cannas bravas, fendidas
pelo meio,e tecidas apertadamente umas com outras, e, ain-
da que são mais ligeiras, não são tão fortes como as outras
de couro de peixe-boi,e de que já íizemos menção. Algumas
d*estas nações uzam de arco e frecha, arma, que, entre todas
as mais, é sempre respeitada pela força e presteza com que
fere; abundam de hervas venenosas, de que fazem em algu-
mas nações uma peçonha tão eílicaz que, hervadas com ella
as frechas, e chegando a tirar sangue, tiram juntamente a
vida. ]
38/— 0 SEU COMMEUCIO K POR ACUA EM CANOAS J
Todos OS que vivem nas margens d'esle rio eslam rerfíii-
dos em grandes povoações, e, como venezianos ou mexica-
nos, todo o seu trafico é por agua em pequenas embarca-
ções, chamadas canoas ; estas ordinariamente são de cedro,
de que a Divina Providencia os proveu tão abundantemente,
sem terem o trabalho de os derrubar e tirar dos montes,
mandando-lh^os com as enchentes do rio, os quaes para
supprir a sua necessidade são arrancados das mais distan-
tes cordilheiras do Períi, e lh*os põe ás portas de suas
casas, onde cada um escolhe o que mais lhe convém. E é
para admirar vêr que, entre tanta infinidade de indios (dos
- 20Ô -
quâes cada um carece pára a sua família, pelo menos, de
um ou dois pàos, de que façam uma ou duas canoas, como
de facto tém], a nenhum custa mais trabalho que sahir à
margem do rio, deitar-lhe um laço quando vai passando, e
amarral-o ás mesmas hombreiras das suas portas, onde fica
preso até que, havendo jà baixado as aguas, e applícando
cada um a sua industria e trabaljÉo, lavra a embarcação de
que tem precisão.
39.°— FERRAMENTAS DE QUE USAM
As ferramentas de que usam para fazer não somente as
suâs canoas, mas também as suas casas, e o mais de que
carecem, como machados e anzóes, não são forjadas por
peritos olliciacs nas ferrarias de Biscaia, mas nas forjas dos
seus cntcndimonlos, havendo por mestra, como em outras
cousas, a necessidade ; a qual lhes ensinou cortar do casco
mais forte da tartaruga, que é a parte do peito, uma pran-
cha de um palmo de comprimento e pouco menos de lar-
gura, que,curada ao fumo e lirando-lhe o fio em uma i)edra,
a fixam em uma hastea, e com ella, como um bom machado,
ainda que não com tanta presteza, cortam tudo quanto de-
sejam. D'este mesmo metal fazem os anzôes, servindo-lhes
de cabo para elles uma queixada de peixe-boi, que a natu-
reza já formou com volta de propósito para este effeito.
Com estas ferramentas lavram tão perfeitamente não só as
suas canoas, mas também mesas, assentos e outras cousas,
como se tivessem os melhores instrumentos da nossa Hes-
panha. Em algumas nações são estes machados de pedra,
que, lavrada à força de braços, a adelgaçam tanto, que com
menos receio de quebrarem-se e mais brevemente do que
com as outras de tartaruga, cortam qualquer arvore, por
grossa que seja. Os seus formões, goivas e cinzéis para
— 20ti —
as obns debcadâs, qae as fazem com primor, são dentes e
colmilhos de aoima^s^qae encravados nos S::us p^ -s ni j fa-
zem menos bem o sea oíQcio que os de mais ãn j a^o.
Qaasi todos tém nas suas profincias algodão, nns mais,
outros menos, porém nem todos dVlle se aprove:tim para
o Testaarío, mas peh maior parte anJam niis, assim ho-
mens como mulheres, sem que a wrgonhd njtural os obri-
gue a não querer parecer que eslam no estado da inno-
cencia.
M)/— DOS SELS ftlTOS E DEISES OlE ADORAM
Os ritos de toda esta gentili<lade são quasi em garrai os
mesmos ; adoram idolos, que fabricam com as suas mãos,
attribuindo a uns o poder sobre as aguas, e por isso lhes
põem por divisa um pescado na mão, a ouirus escolhem
por donos das sementeiras, e a outros por valedores nas
suas batalhas. Dizem que estes deuses baixaram do céo
para acompanhal-os e fazer-lhes bem : não usam de ce-
remonia alguma para os adorar, mas aiit«*s os têm esqueci-
dos em um canto até o tempo em que d*i ilis carecem ; e
por isso, quando vão á guerra, levam na proa da canoa o
Ídolo em que tém posto a esperança da vicloria ; e, quando
sahem a fazer as suas pescarias, lariçain mãruraquellea
quem tém entregado odomiiiio das aguas ; porém nem
em uns nem*em oulros confíaia laiilo que não reconheçam
poder haver outro m.iiur. Inliro isto do que nos succedeu
com um doestes bárbaros, se bem o não mostrava ser na
agudeza do seu discurso, o qual, lendo ouvido algumas cou-
sas do poder do nosso Deus, e visto pelos seus olhos, que
subindo pelo rio o nosso exerci lo, o passando por meio de
tantas nações bellicosas, regressava sem receber damno de
nenhuma, julgava ser em razão da forra e poder de Deus
— 207 —
que o regia, e chegou a pedir com as maiores instancias ao
capitão-mõr e a nós outros que, em paga da hospedagem
e bom agasalho que nos fazia, não queria outra mercê
senão a de lhe deixarmos úm Deus dos nossos, que como
tão poderosos o guardassem, e a seus vassallos em paz e
com saúde, e juntamente lhes podesse acudir com o ne-
cessário mantimento de que careciam. Não deixou de ha-
ver quem o quizesse consolar, deixando-lhe no seu povo
arvorado o estandarte da cruz ; o que costumam a fazer
os porluguezes entre estes gentios, não com tão bom zelo
como a acção em si mostra, porém para lhes servir o sacro-
santo madeiro da cruz, levantado ao alto, de titulo e capa
para corar suas maiores injustiças, como são as continua-
das escravidões dos pobres indios, que, como mansos cor-
deiros, levam às suas cosas para vender a uns, e servi-
rem-se rigorosamente com outros. Alevantam, pois, como
digo, estes porlugupzes a Santa Cruz, e, em paga do bom re-
cebimento que os naturaes lhes fazem nas suas povoações, a
firmam ou cravam no mais alto lugar,dizendo-lhes que a hão
de conservar sempre intacta: acontece por acaso que a cruz
com o tempo cahiuem terra e se quebrou, ou que malicio-
samente elles, por serem gentios e não reconhecerem n'ella
veneração, a derrubaram, logo os porluguezes os senten-
ceiam e condemnam a todos os d'aquella povoação a perpe-
tuo captiveiro, não somente durante sua vida, senão para
todos os seus descendentes. Por esta causa não consenti
que se arvorasse a Santa Cruz, e juntamente por não dar ao
bárbaro que nos pedia um Deus occasião de idolatrar,
attribuindo àquellc madeiro o poder e divindade d'aquelle
que n'elle nos remiu : porém consolei-o, assogurando-lhe
que o nosso Deus o acompanharia sempre, que lhe pedisse
tudo de que carecesse, e confiasse n'elle, que algum dia o
Iraria ao seu verdadeiro conhecimento. Bem persuadido
- á08 —
estava este índio de que não eram os seu& deoses os mais
poderosos da terra, pois queria livremente lhes deixassem
outro maior, a quem obedecer.
U/— UM ÍNDIO SE FEZ DEUS.
Do mesmo parecer que o passado, ainda que de maior
malícia, se mostrou outro bárbaro, o qual, não reconhe-
cendo poder nem divindade em seus ídolos, elle mesmo se
fazia Deus de toda aquella terra : d'esle tivemos noticias,
algumas léguas antes de chegarmos á sua habitação, e, ex-
pedindo lhe a noticia de que lhe trazíamos a do verdadeiro
Deus e mais poderoso que elle, lhe rogamos que nos espe-
rasse a pc quedo ; assim o fez, e, apenas chegamm as nossas
embarcações a aportar nas suas ribeiras. dest\joso de saber
do novo Deus, sahiu possoalmenle a perguntar por elle;
porém, ainda que se lhe d(?cl.irou quem era,como o não pôde
ver, comos seus olhos, licuu na sua cegueira, fazendo-se
íilho (lo sol, onde aífirmiiva ir em espirito todas ns noites
para melhor dispor no dia segnintií o universal governo,
de que era encarregado, tanta era a soberba e malicia
d*este bárbaro !
Melhor discurso e enlendiínenlo mostrou outro, que,
perguntando-se-lhe por que razão, estando os seus compa-
nheiros retirados no niíntt?, reojio> s da clicgada dos hes-
panhoes, ellé só, com alguns dos seus parentes, sahia tão
sem temor a entregarem-se nas suas mãos ; respondeu
que pensava que gentes que havi;im subido por meio de
tantos inimigos, e regressavam sem damno algum, era im-
possível que, como senhores do todo aquelle rio, o não
viessem uma o muitas vezes navegar, e povoar, e que,
havendo de acontecer assim, não queria andar sempre
— 209 —
sobresaltado, e por isso, desde já, sahiaa reconhecer de
boa vontade por amigos aquelles a que u os outros rece-
beriam por força. Discurso bom, e qu:3 perraittirá à Ma-
gestade divina vejamos algum dia posto em execução I
42.'*— DOS FEITICEIROS*
Proseguindo no fio da nossa historia, e tornando aos ritos
d'estas nações, é para notar a grande estimação em que
todas têm os seus feiticeiros, não tanto por amor que lhes
mostram, quanto pelo receio em que sempre vivem dos
damnos que lhes podem causar. Tem, para que usem das
suas superstições o fallein com o demónio, o que lhes é
mui ordinário, uma casa, que somente serve para esse fim,
onde, com certa veneração, como se foram reliquias de
santos, vão recolhendo todos os ossos dos feiticeiros que
morrem, os quaes tèm dependurados no ar nas mes-
mas macas, ou redes, em que dormiam em vida. São
estes os seus mestres, os seus pregadores, os seus con-
selheiros,e os seus guias; a estes recorrem nas suas duvidas
para que lhes aclarem, e d'estes carecem nas suas maiores
inimizades para que lhes dêm hcrvas venenosas, pelas quaes
se vinguem dos seus inimigos. No enterro dos seus defunífcs
variam ; porquanto uns os conservam dentro das suas pró-
prias casas, tendo sempre em todas as occasiões presente a
lembrança da morte, que, se o fizessem com este fim teriam
indubitavelmente idóas mais adeqiiadás,outios em fogueiras
grandes não somente queimam os cadáveres, mas também
tudo quanto em vida possuíram. Tanto uns como outros
G^bram as suas exéquias por muitos dias com continuados
prantos, interrompidos com grandes borracheiras.
— 210 -r
43.*— SÃO ESTES ÍNDIOS DE APRAZÍVEIS NATURAES
Geralmente Ioda esta gentilidade tem boa disposição,
são bem figurados, e dc3 côr não Ião tostada como os do
Brasil ; têm entendimentos agudos e rara habilidade para
qualquer cousa de mãos; são mansos e dóceis, como
se experimentava com aquelles que nos sabiam ao en-
contro, pois que com a maior confiança conversavam,
corriam, e bebiam enlre nós outros sem o minimo re-
ceio.. Davam-nos as suas casas para que n'ellas vivêssemos,
recn|liendo-se elles lodos junlos a uma ow duas das maiores
da povoação ; e, apezar de roceberem infinitos aggravos
dos nossos indios amigos, s«Mn que pudéssemos evilal-os,
nunca praticaram más acções; o que tudo junto com
a pouca aíTeição e demonslraçõt s que dão de a não lerem
a tudo o que diz respeito ao culto dos seus deuses, pro-
mettem grandes esperanças de que, se lhes desse o co-
nhecimento do verdadeiro creador dos céos e da terra,
com pouca diíTiculdade abraçarião a sua santa lei.
44.*— TRATA-SE PARTICULARMENTE DAS COUSAS DO RIO E DAS
SUAS ENTRADAS
Até aqui tenho fallado em geral de tudo que diz res-
peito a este grande rio das Amazonas ; será agora justo
ir já descendo a tratar em particular das suas entradas,
e nomear os seus port(»s, a averiguar os aguas de que
se alimenta, a desentranhar as suas U-rras, assignalar as
suas alluras, notar as propriedades das su;is nações, e
finalmente a não deixar cousa alguma digna de saber-se,
pois que eu, como testemunha occular e pessoa mandada
por Sua Magestade a inquirir de tudo, poderei talvex
melhor que nenhum outro dar com bastantes funda*
- 2U —
mentos razão de Indo o de que fui encarregado» Não trato
aqui da principal entrada para esle rio pelo mar oceaoo
nas cosias do Grão Para, pois que essa jà ha muitos tem-
pos é conhecida, cahe debaixo da linha equinocial nos úl-
timos fins do Brasil, é cursada e frequentada por lodos
os que querem navegar para aquellas parles; nem Ião
pouco íaço menção, de proposilo, daquella por onde o
^ranuo Lopo de Aguirre sahiu defronte da Trindade»
por ser esta transversa! » e que por ella se não entra
direetamenle nesle rio, antes, sendo de oulras mãi prin-
cipal, de lance em lance lhe vem a cahir nos hraços,
que d* ella reeehem a sua origem, E' somente o meu in-
tento aclarar e assignalar, como com o dedo^ todas as
portas pelas quaes da parte do Peru podem os mora-
dores d^aquellas conquistas ter entrada certa para este
grande rio, com o qual, como já disse, por ambos os
lados das suas margens communicani grande numero de
outros mui caudalosos, por cujas correntes é forçoso
que quem as seguir vá dar n'este principal; porem, como
de certo não se sahe de que cidades ou pruvincias tragam
as suas origens, também se não pode dizer cousa certa
das suas entradas* Farei comtado menção de algumas
oito, das quaes nenhum versado n'aquellas terras poderá
achar difllculdados : ties cah{ m para a parte do novo
reino de Granada, que fica n*este rio para o norte; para
o sul veremos outras quatro, e uma debaixo da mesma
linha equinocial
55."— MS TRÊS ENTRADAS QUE HA PÊLO NOVO REINO DE
GRANADA
A primeira entrada» que pela parte do novo reino de
Granada está descoberta para este immenso pélago de
TOMO xxviiu p. \. 28
— 212 —
agua doce, é pela proTíocia de Micõa, que pertence ao
gOTernador de PopayaD : segundo as correntes do grande
rio Caquetà, que é o dono e senhor de todas as Terten-
tes que da parte de Santa Fé de Bogotá, Timanú e o
Caguan se lhe acercam (allagar), mui afamado entre os
naturaes pelas proTÍncías de gentios, que sustentam as
suas margens. Este rio tem muitos braços por entre di-
latadas nações, e, toniando-os a incorporar no principal,
faz grande quantidade de ilhas, todas habitadas de in-
finitos bárbaros. Corre sempre pelo rumo do das Ama-
zonas, acompanhandO'0 ainda que ao largo, e deitando
D'elle, de quando em quando, alguns braços, dos quaes
cada um bem podéra ser corpo de qualquer outro cauda-
loso rio, até que, recolhendo todas as suas forças na altura
de quatro grãos, prostrado por terra se lhe rende. Por um
d'estes braços, que mais se approxima da provincia dos
aguas de cabeça chata, é por onde se ha de sahir a gozar das
grandezas do nosso grande rio das Amazonas, porquanto
aquelles que se deixarem levar dos que mais se inclinam
ao norte, succeder-lhes-ha o que, os annos passados,
aconleceu ao capitão Fernão Peres de Quesada, que, ha-
vendo entrado por este rio com 300 homens, e deixando-se
levar para a parle de Santa Fé, deu na provincia do
Algodoal, e apezar de ir tão reforçado ile gente foi-lbe
forçoso retirar-se com velocidade maior do qa(» com a
que havia entrado. A segunda porta, que pela parte do
norte podemos assignalar para este rio, é pela cidade
de Pasto, jurisdicção também do governo de Popayan,
d'onde atravessando a cordilheira com alguns inconve-
nientes do máo caminho, assim de pó como de cavallo,
é impossível que, chegando ao Pulumayo e navegando
pelo rio abaixo, não venham sahir do Amazonas na
altura de dois gráos o meio as 330 léguas do porto do
Napo. Por este mesmo caminlio, sabindo» como disse,
da cidade de Pasto e passada a cordillieira, approximan-
do-se aos sucumbios, que estam uao mui distantes do
rio, ctiaraado Aparico, por outro nome rio do Ouro, Sô
pode sahir por elle a este principal, qoasi debaixo da
linha, no principio da província dos EncabcUados* que
fica às 90 léguas do dito porto do Napo. Esta é a ter-
ceira entrada, que pela parte do norte se podia in-
tentar*
46.*— OUTRAS E?ÍTRâDAS
k porta, que para este rio está debaixo da equino-
cial, calie rio governo de los Quixos, mais próxima a
Quito na cidade de Cofaues, d^onde, pelo rio da Coca,
se entra logo no canal principal do nosso Amazonas^
posto que pelis muitas correntes que tra^ alé cncon-
irar-se com o do Napo, nao é tao boa a navegação, como
será pelas mais partt s que vem do sul, das quaes a
primeira de todas, ainda que nao a melhor, é pelaci-
fdade do Ávila, no mesmo governo de Quixos, d'onde, a
Ires jornadas por terra, se vem dar no rio Payamino,
}ot onde a armada portugueza sabiu a lomar porto na
'jurisdicçao de Ooilo, Desemboca este rio entre o do Napo
e o de toca, n^aquella paragem, que chamam a coníluen-
eia dos rios, a 25 léguas do porto do Napo. Melhor porta
^íib rimos a esta mesma armada para a volta da sua via-
gem, que nao foi a que quando subiu, com muito tra-
balliu e perdas, havia descoberto, e vem a ser pela cidade
da Arclúdona, lambem no governo de Quixos, e Jurisdicção
de O«íto, d'onde a um sò dia de jornada, a pé, por ser in-
verno, porque no verão a cavai lo, chegámos ao por lo do
Napo, rio caudaloso, e em quem l/idos os vizinhos d^aquelle
- il4 —
goremo tem posto o sen tbesooro, tirando aDDualmeDte de
soas margens o ooro de que precisam para as saas des-
pesas. E* mui piscoso, e as soas ribeiras aboodantes de
caca ; são as terras tão boas, qae, agradecid is ao p oco
trabalho dos lairadores, rendem copiosas colheitas. Este
é o principal caminho por onde, com maior commodidade
e menores trabalhos, poderão descer ao rio Amazonas to-
dos os qae qnizerem navegar peia proiincia de Qaito, por-
quanto, ainda que por alli, se diz, que, junto ao povo de
Ambatos, a 48 léguas da cidade de Quito, caminho do rio
B^mba, a entrada a um rio, que sahe a este principal, se-
não lh'o impede algum salto, que faça as correntes, é mui
couTeniente esta descida por Tir sahir ao dito rio, 77 lé-
guas mais abaixo do porto do Napo, e desti maneira se
poupará todo o caminho dos Quixos.
47/— ornus e!ítradas a este riu
Pela parte da provincia de Macas, que está debaixo da
mesma jurisdicção e goverao, de cujas serras baixa o rio
Curaray, seguindo o seu ramal raudal, se pôde s.ihir ao
do Amazonas, na altura de 2 gràos, a 130 loguas do Napo :
distancia bem povoada de differonles nncõ.s. E' esla a
sétima entrada para esle rio, a oitava e ultima é por San-
tiago das Montanhas, e provi ncia dos Miynas, terras ba-
nhadas por um dos mais caudalosos rios. que pagam tri-
buto ao Amazonas, tendo o nome de Maranhão, e na sua
boca e muftas léguas antes da Tumburagua. E' o dito rio
tal, que por mais de 300 I ., iis, d^onde desagui, em
4 gráos no principal, se receia a sua navegação, assim pela
sua profundidade, como pelas suas precipitadas correntes ;
mas com as grandes noticias dos muitos bárbaros que sus-
tenta aplainam as maiores diílículdadcs os zelosos de um
Beas, e do bem das almas, em cuja basca n'elle entraram,
nos principios do anoo de lí> )8, dois religioâos da minha
religião pelos Maynas; d*tílles livo muiUs cartas, em que
nâo acabam de encarecer a sua grandeza, e as inrmmera-
veis provi Qcias» de que diariameole se iam recebendo
maiores noticias. Junla-se eslc rio cora o principal do
Amazonas, a 2 30 léguas do porto do Napo.
48/— Rio fíAPO
Tem a sua origem este, por mim Untas vezes nomeado
rio Napo, nas fraldas de um (párarao] que chamam de An-
tezana, a i8 léguas da cidade de Unilo, e, ainda que tão
próximo à linha, è para admirar que tanto elle como outros
muitos, que em varias cordilheiras coroam aquellas povoa-
ções?, sempre cobertas de neve» servem de temperar o ca-
lor, com o qual forçosamente, segundo íiffirma Santo Agos-
tinho» a zona tórrida havia de tornar aquellas terras inha-
hitaveis, ficando, por um semelhante refrigério, as mais
apraziveis e temperadas de todo o descoberto. Com este
rio ríapo, desde o seu nascimento, entre grandes penedias,
e por isso nâo e navpgavol, ate que no porto, onde os vizi-
nhos de Archidona tèm os ranchos dos seus índios; mais
humano, ^ menos bolicoso, Cíiosenle sobre ú% seus hom-
bros ordinárias canoas, com as quacs se atravessa [tragina}
e, ainda que desde este sitio, por 4 ou > léguas, nãô se es-
queça da sua soberba, cora tudo, humilde logo, até encor-
porar-SG com o rio de Coca» que esta a 25 léguas, com
muito fundo e grande serenidade offerece boa passagem a
maiores embarcações, e esta é a reunião dos rios» onde
Francisco de Orelhana com a sua gente fabricou o barco,
cm iiue navegou i>or este rio das Amazonaí^.
— 216 —
49/— AQUI MATAM O CAPITÃO PALLACIOS
Á 47 léguas d'esta confluência, da parte do sul, está
Auêle, povoação que foi do capitão João de Pallacios, morto
ás mãos dos naturaes,como já dissemos,e a 18 léguas d'este
sitio desemboca, da parte do norte o rio Aguarico, bem co-
nhecido, assim pela sua temperatura menos sadia, como
pelo ouro que d'elle se tira, por cuja causa toma também
o nome do rio do Ouro. Na sua boca, de uma outra banda,
dà principio á grande provinciados Encabellados,que, cor-
i^endo pela parte do norte por m&is de 180 léguas, e go-
zando sempre das aguas que o grande rio das Amazonas
espraia por lagos caudalosos, desde as suas primeiras noti-
cias influiu ardentes desejos de sujeital-a em toda a juris-
dicção de Quito, pela grande multidão de gentios de que
está povoada ; e, de facto, em varias occasiões se princi-
piou a pôr por obra a referida sujeição, se bem que a ulti-
tíma, em que o capitão João de Pallacios a intentava, foi
tão mallograda, como jà vimos.
SO.*— AQUI FICOU A ARMADA PORTUGUEZA NA PROVINCIA DOS
E?sCABELLADOS
N*esta província, na boca do rio dos Encabellados, 20
léguas mais abaixo do rio Aguarico, onde elle principia,
ficaram a pé firme, por mais de 11 mezes, 40 soldados da
armada porlugueza com mais de 300 indios amigos dos que
levavam em sua companhia. E, ainda que ao principio
acharam bom acolhimento nos naturaes da terra, e, pa-
gando, d'elles recebiam os mantimentos necessários ; não
durou muito tempo tanta confiança em peitos, nos quaos
ainda fervia a raiva, com que haviam derramado o sangue
do capitão hespanhol, e como este também pedia vingança
contra os aggressoros, receiosos do que fosse castigado o
— 317 —
sêo atrevimento, por pequeno moliTO *S6 alvomlarâra, e,
tnatindo Ires dos nossos índios, se puzeram em armas para
defender suas pessoas e terras. Não se descuidaram os por-
tugueaes, que, como pouco soflredores, e ainda mais mal
aeoslumadus a semelhantes liberdades de Índios, quizerara
imraedialamente pôr em execução o devido castigo, To-
mam as armas, e com seus ordinários brios cahem sobre
elles da tal sorte, que, matando poucos, colheram vivas
mais de 70 pessoas, as quaes conservavam presas, até
que delias, umas por morrerem, e oulraspor seescapa-
rem» nao ficou alguma. Reduzido a este eslado o esqua-
drão portuguez, de ser-lhe preciso empregar a força para
alcançiiT o comer, a não querer morrer, resolveram- se a
fazerem correrias pela terra dentro, e por força on por von-
tade remirem a sua vexação : entravam uns e outros no
arraial, e tanto uns como os outros não deixavam de ser
molestados pelo inimigo, que corria a fazer-lbes todo o
damno possível ; o que fizeram em muilas embafeições,
destroçando umas, e fazenda em pedaços as maíiiracâs,
Comludo, nâo foi este o maior damno que receberam, po-
rém sim o que com as suas emboscadas nos causavam con-
tra os nossos índios, degolando os que podiam haver â
mio, posto que bem o pagaram com ires dobradas vidas i
castigo este pequeno em comparação dos rigorosos que os
portuguezes coslumam dar em semelhantes casos. CUama-
ram a estes indios — encabellados — os primeiros hespa-
nhôes que os descobriram, em razão dos cabellos compri-
dos de que usam, assim os homens como as mulheres, que
algumas lhes excedem os joelhos. As suas armas são os
dardos, a sua habitação em casas de palhas feilas com cu-
riosidade, e os seus mantimentos os ordmarins em todo o
rio* Trazem continuadas guerras com as nações circuni-
Tízinhas, que sao os sérios, bocàbas, tamas» chuGes e ru*
— Í18 —
mos. Correm em frente d'esta proTÍDcia dos EDcabellados,
pela parte do suU as nações dos avixiras, yurosones, zapa-
rás e Tqnitos, que acabam encerrados entre as agnas d'este
rio e o de Curara?, onde ambos se convertem em am só,
qne fica na altura de 12 gràos a 40 léguas de distancia dos
Encabellados.
5!. •—RIO TIMBURAGIA
A 80 léguas do Curaray, da mesma parte, desemboca
o famoso rio Tumburagua, de que já acima dissemos que
baixava pelos Maynas, com o nome de Maranhão ; faz-se
respeitar do das Amazonas de tal sorte, que, apezar de ha-
ver í ste todo o seu cabedal reunido, detém algumas léguas
antes o seu ordinário curso, dando lugar a que aquelle, es-
praiado por mais de uma légua de boca, lhe entre a beijar
a mão, pagando-lhe não somente o ordinário tributo, que
de todos cobra, mas também outro muito abundante de
muitdr géneros de pescados, que até à boca d'este rio se
não conhecem no Amazonas.
52.'— província dos aguas
A fiO léguas, mais abaixo de Tumburagua, começa a me-
lhor e a mais dilatada provinda de quantas n*este grande
rio encontrámos, que é a dos aguas, commumente chama-
dos omaguas, impróprio nome que lhes puzeram, lirando-
Ihes o natural e adaptado á sua habitação, que é de parte
de fora, o que quer dizer— Aguas. — Tem esta província de
longitude mais de 200 léguas, continuando-se as suas po-
voações tão amiudadas, que, apenas se perde uma de vista,
logo se avista outra : a sua largura ê, segundo parecia,
pouca, pois não pas^ da que tem o rio, em cujas ilhas, que
$ao muitas e algumas mui grandes, tem a sua habitação; po-
réfliíalltíndon^Jo a que Lail.is eslão ou [Hjvoaílas»t)u cultivadas
pelo menos p ira o sustentu destes naluraes, ?e poderá
fazer idca dos muitos Índios, que em lao comprida dislan-
eia se alimentam. E' csti gente amais razoável e de me-
lhor governa que ha em lodo o rio; o que devem àquel-
les que d'clks esUveram em paz, não sãu passados muitos
afinos, ao governo dos Quixos, d^onde, obrigados jielo mào
tratam( nto que se lhes dava, se deixaram vir pelo rio
abaixo até ilarem eom a força dos da sua nação, cinlrodu-
zindo entre elles algumas cousas das que haviam sprendido
dos hespanhôes, os puzeram em alguma pulicia. Andam
lodos mm ihxomui vestidos, lanlo os homens corno as mu-
Iheri^s, as quaes, do muito algodão que cultivam, tecem,
nao somente a roupa de que carecem, senão outra muita
que lhes siTVe para o trafico com m nuções vidinhas, que,
com razão, ambicionam o trabalho de tao babeis lecedores-^
faziím pannos mui visLosos, nao silmi^nt^ tecidos de diversas
cores, mas tauibem pintados com as mesmas lao subtilmente,
queapen IS se dislinguem uns dus outros. São tao sujeitos e
obedientes aos s.us pnuei|)aes caciqursque, apen.iS estes
úm uma s6 pdavni, logo executam o que Ihesordenami
São todos de cabega chata, que causa fealdade nos homens^
e as mulheres melhor a encobrem coai o muito cabello ; e
está entre elles Ião iotroduzidu o uso de terem as cabeças
chatas, que, desde que nascem as crianças, as mettem em
pretis:i, colhenrlo-ns pela frente com uma pequena taboa,
ç pida parle do cérebro cora outra tão grande, que ser-
viíido-lhes de berço reci bem todo o corpo dos ream-
nascid<is, os quaes, postos de cost;*s sobre as refu ridas
tatuas e apc rladus fort mente com a outra, ficam com
os cérebros e as testas tão cliatas , como a palma
da mão; e, como estes apertos não dão lugar a que
TOMO XXTni» p. i 20
— 220 —
as cabeças cresçam senão para os lados. Têm a ficar
mui desproporcionados, de sorte que mais parecem mitras
de bispos, que cabeças de gente. Tê:n por uma e outra
parle do rio continuadas guerras com as províncias es-
tranhas, que, pela parte do sul, são, além de outras, os
curinas, tintos em num^To, que não somente se defendem
da parte do rio, da infiniti multidão dos aguas, mas lam-
bem contra as outras niçõt^s, que pela parte da terra
lhes dão continuados ataquu^s. I^ela parle do norte têm
estes aguas por inimigos aos tecunas, qii.', segundo boas
informações, não são menos em numero, nem menores
em brio que os curinas, pois lambem sustentam guerras
com os seus inimigos que têm pela torra dentro.
53.* — uso DOS ESCRAVOS QIE CAPTIVAM
Dos escravos que estes aguas captivam em suas bata-
lhas, se servem para tudo o de que carecem, tendo-lhes
tanto amor, que comem com elles em um prato; e fal-
lar-Ihes de que os vendam é rousa qu.» muito seutem,
como por experiência vimos em muitas íKv.asiõ 's Ch''ga-
vamos a uma pov(?aç;T > doestes in lios, eraunís recelndos
não somente em hoa paz, mas taml):'!a com d:uiças e
demonstrações de grande alegria; oITereciani quanto ti-
nham para nosso sustento com gnmle lib Talidade ; com-
pravamos-lhes pannos tecidos e laborados que. volunlaria-
mento davam; tratava-se <la venda das canoas, que são
os seus cavallos ligeiros em que andam, immediatamente
entravam em ajuste, porém fallamlo-lhes dos escravos e
rogando-lhes encarecidamente que os vendessem, hoc
opus hic labor est; desconliavan, entresleciam-st' e pro-
curavam todos os modos de enco!)ril-os, e se esfi)rçavam
poF escaparem d^enire nós; demonstrações estas de que
- 2Í1 —
OS estimam em mais, e sentem mais o tendèl-os,
que desfazerem-se de tudo quanto possuem. E ninguém
diga que nâo quererem os ditos indios vender os seus
escra>os é procedido de os conservarem para os comer
nas suas borracheiras ; dito commum e sem fundamento
entre os porluguezes, que andam mettidos n'aquelle tra-
fico c doesta maneira querem corar a suainjustça: por-
quanto, ao menos n*esta nação, eu averiguei com os indios
dos que Iviviam subido com os mesmos portuguezes e eram
naturaes do Para, os quaes, fugidos desde Quito, vieram
a ser caplivos d*estes aguas, com quem estiveram 8 mezes,
e em sua companhia foram a algumas guerras, tempo bas-
tante para conhecerem seus costumes. Estes asseguraram
que jamais os haviam visto comer os escravos que traziam,
senão que o que usavam com os mais nrincipaes e va-
lentes era matal-os por occasião das suas festas e reuniões
goraos, receiando maiores damnos se lhes conservassem
as vidas, e doiiando os corpos ao rio, guardavam para
trophéo as cab-ças cm suas casas, e estes em as que
por lodo o caminho vinhamos encontrando. Não quero
comtudo nogar haver n'este rio gente cariba, que, na
occasião, não lèm horror de comerem carne humana: o
que quero persuadir é unicamente que em todo elle
não ha açougues públicos, em aue todo o anno se pesa
carne de in'li('S, como publicam os que a titulo de evi-
tarem semelhante crueMade a usam maior fazendo com
os seus rigores e ameaças escravos aquelles que o não
são.
rii."— SITIO FRIO EM QUE SE PODERÁ COLHER TRIGO
A cera léguas pouco mais ou menos das primeiras povoa-
ções íKestes aguas, cm (que ficam em três gràos da equino-
— 2i2 -
ciai e vem a ser no rinõn , desta dilatada proTÍncia
chegámos ^ um pi?o, onde estivemos Ires dias, com tanto
frio, que aos nascidos e criados nas t rras m.iis frias de
Hespanha era necessário ajuntar alguma roupa â ordi-
nária: cansou-me admiração mudança tâo repentina de
temperatura, e, perguntando aos naturaes se aqu^iie frio
era extraordinário n*aquella povoação, me responderam
que não, porque todos os annos por espaço de (res luas,
que assim contam, e é o mesmo que dizer três mezes,
experimentam aquelles frios, que conforme o que aflBr-
maram são os mezes de Junho, Julho e Agosto: porém
eu, ainda não satisfeito, quiz com m lis fundamento in-
quirir a causa de frio tã) penetrante, e achei que esta
era uma grande serra (ou param i), que da banda do
sul está situada pela terra dentro, pela qual passam, du-
rante os referrdos três mezes, todos os ventos, e gela-
dos estes com a força da neve, de que está coberlí, cau-
sam taes efTeitos na terra circumvizinh.i. E sendo assim
não ha a minima duvida que alli se dará mui bem o
trigo e as mais sementes e fructas, que produz a co-
marca de Quilo, a qual, ainda quj situada debaixo da
linha, semelhantes ares passados por nevados serros ha-
bilitam a taes producções.
55/— RIO PUTUMAYO, E NAÇÕES QUE HA n'eLLE E NO YETACÉ
A dezeseis léguas doestas povoações, pela parle do norte,
desemboca o grande rio Pulumayo, bem conhecido no
governo de Popayan, por ser tão caudaloso, que, antes
de desaguar no das Amazon:is, ciilram n'elle trinta cau-
dalosos rios; chamam-lhes os naturaes n'esta pangem
Uza. Desce das cordilheiras de Pasto até o novo reino
- 4i:i -
de Granadi: tem mnito nuro, e. s^gundn nos afBrmâm,
está mui lo pnvnarto de geMiliõs. pnr ciiji causa sê reti-
raram com aígoma penla os hespanliòes que por elle
desceram ha poucos annos. Os nomes das províncias
qae o hihilam sao \urunas, Guaraicús Yacariguras, Pa-
rianas, ZyifB, Anais, Cimas e os qm mais no principio
ih* um e outro l:if1o, coma stmhoros rf pstfí rio o povoam
são os oma^nas, a an^m os asruiaâ das i)has chamam
omafjuPsytHá, que significa omafrua^ verdadeiros. A 50
legms d'esla hoca, p^la partia opposla. encontramos a
boca dô um formoso e ciutialoso rio, que, trazendo sua
Driíí*^m de junto dfl Cusco, fenere no das Amazonas na
altnra de tr s cnios e meio Chamam-lh^* ns natiiraps
Yetacé: é enfre elles tamiííerarl « as^ítm pf*la sua rriió
com> pela multidâi de irenles que sustenta» a saber: ti-
punas, guanarús» nzuanas, momas, naunns, conomomas,
mariannas, e os ulliinos, qne mais se avizinham ao^^hes-
pinho ^s que povoam oPíTÍ!,são os omaí?u^s, que dizem
ser Renlo rianissima de ouro, que em grand^^s pranchas
Irazem pendentes das orelhas e narizes: e se me não
encana o mni discurso, seiíundn o que li na historia
do tyranno Lopo de Apuirre, esta era a província dos
omaguas. em cujo descohri mento ía Pedro de Orril i m lo-
dido pelo vice-rei do Peni em consequência das muitas
noticias que das suas riquezis publicava a fama, e, se
com ella nào deu, foi porque, tomando a sua entrada por
um br;»ço de rio, que sahe a algumas léguas abaixo, quando
desembocou no das Amazonas, jà ficavam estas nações
tão acima, que lhe foi impossivel dirigir-se a dias cora
receio da força das correntes e mui principalmente pela
pouca gente, e por isso já os seus soldados tilubeavara.
E* este rio Yetacé mui abundanie de peixe e caça, e
segundo as noticias dos seus] moradores' se fpòdej nave-
— 224 ~
gar por elle com facilidade em razão de ter sufficiente
fundo e siTem moderudas as correu Us.
56/ — FiM DA província DOS AGUAS E RIO DE CUSCO
Seguindo o curso do nos?o rio principal, demos em
distancia de 14 léguas com a uUimn povoação dos aguas,
que termina com um lugar mui populoso e de muitos
soldados, por srr a primeira força, que por esta parle
resisle aoimpeto dos seus conlMrios; dos qu;ies, pelo es-
paço de 3i loguns, nenhuns povoam ;is margens d'esle
rio, de maneira que (rdle so avislem os seus ranchos,
mas algum tanlo retirados para díiilro na terra firme,
por pequimos braços sahem a buscar o quo precisam.
Kstes são, da parte do norte, os curis e gu yrabas, e da
parle do sul, os cíchi^^uaras e tucuryis. Porém, ainda
que como disse não pudemos avislar estas nações avis-
támos a boca do rio, que com razão podemos chamar
do Cusco, pois segundo um regimííulo d\'Sli navegação,
e que eu vi, de Francisco Orelhana, eslá norte sul com
a mesma cidade de Cusco. Entra no das Amazonas em
5 gràos de altura e ás i% léguas do ultimo povo dos
aguas; chamam-lhe os nalurai'S Yurúa; é muito povoado
de gentio, que pela banda da mão dir/ita entrando por
elle acima não ha outro senã» o quví já disse, habitnva as
ribeiras do Yetacé, que estendend( -se ale assuns margens
fica como isolada entre os dois rios. E este é por
onde Pedro de Orríia desceu do Peru, se a minha ima-
ginação me não engana.
37." — província om)E se a<:iíol' oiro
A 28 léguas mais abaixo do rio Yurúa damesma pnrle
do sul, em terras dos mais altos barrancos, dá principio
- 225 -
a mui populosa nação dos curuziraris, que, seguindo sem-
pre uma ribeira, como por espaço de 80 léguas, Ião con-
tinuadas as suas povoações, que apenas se passavam 4
horas sem que de novo se encontrassem outras, e às vezes
por espaço de meio dia inteiro não cessávamos de avistar
os seus ranchos. D'estes os mais achávamos sem gente,
que por elTeito de noticias falsas de que vínhamos des-
truindo, matando e captivando, quasi todos se haviam
retirado para os montes, posto que ellL'S são natural-
mente mais esquivos que nenhuns outros d'esle rio, apezar
de que demonstram não terem menos governo e policia,
segundo se viu pelos mantimentos, de que estavam pro-
vidos, pelas alLias de suas casas, que para beneficio das
cousas relativas à vida eram as melhores de todo o rio.
Tèm nos barrancos onde moram mui bom barro para
todo o género de vasilhas, e aproveilando-se d'elle
fabricam grandes olarias, em que fazem (tinajas) panellas,
fornos, em (lue cozem as suas farinhas, cuezelas, jarros,
librillos eaté.certans bem formadas; havendo tudo isto
promplo pira trato conimumdas mais nações, que, obri-
gados das necessidades que doestes generts têm nas suas
terras, vem fazer grandes carregações, dando em paga
as cousas de que os outros carecem. A primeira aldôa
d'esta nação vindo pelo rio abaixo chamaram os por-
tuguezes, quando subiram, aldêa do Ouro, por haverem
n'elle achado e resgatado algum, que em pranchas po-
qu<mas traziam os indíos pendentes dos narizes e orelhas,
o qual em Quilo foi examinado, e se achou ser muito
de vinte e um quilates. Como os naturaes viram a am-
bição dos soldados, que tanio empenho mostravam em
fazer toda a diligencia para que lhes trouxessem muitas
mais d^aquellas poquems pranchas, logo as escond.ram
todas sem que apparecessein mais algumas; o que obser-
— 22(1 —
▼aram tombem na Tolta» de sorte que ainda que vimos
muitos índios, só um trazia dois brincos de ouro e bem
pequenos, e que eu resgatei.
58. '—MINAS DE omo
Não se pôde averiguar, quando subiu a armada, com
algum fundamento, cousa alguma das que encontraram
n't'Ste rio, porque jamais tiveram línguas, com os quaes
pudessem fazer a necessária inquirição; e, se os portugue-
zes julgaram, puderam dar contii de al«,uima cousa, era so-
mente d'aquillo que por signaes haviam entendido, e isto
mesmo tão incerto que cada um interpretava segundo o
que tinha no seu pensamento: porém na volta cessou toda
esta incerteza querendo Nosso Senhor favorecer esta expedi-
ção com prevenil-a ordinariamente de bonslinguas,pormeío
dos quaes se averiguou tudo o que so contém n'esUi rela-
ção. A noticia que me deram, das minas de que se tirava
o ouro, é a seguinte: Defronte d'esla aidéa, algum tanto
mais acima da parte do norle, entra um rio chamado
Yuruparé, subindo pelo qual e atravessa». lo em cerla pa-
ragem, por t rrn, trís dias de caminho ale cliegar a outro,
que se chama Yupuri, por elle se enira no Yquicós, que é
o no do Ouro, onde, junlo a uma serra que alh está, os na-
turnes tiram gnmde quantidade: e esl(í ouro todo é em
(punias) e grãos ile bom lamanlio.dosqu:u's formam, â força
de halélo, as pranchas, de que já fanámos,(lepeni!urando-
as nas orelhas e narizes. Os nalnrai^s que conlralnn com
os que tiram <'Sle'ouro chnmainse nianajús, e os niesiiios
que hohil nn o rio e se rccupamnii IípíiI oyumí.^nans,que
quer dizer tiradores de metal, porque yunia é metal, e
guaris os que o tiram, e dão a todos os metaes o mesmo
— 227 —
nome genérico de yuma, e também para gualqnér ferra-
menta das nossas, como eram machados, macbadinbas e
facas se serviram da mesma palavra yuma. Diíficultosa pa-
rece a entrada a estas minas pelos inconvenientes de mudar
rios, e abrir caminbos por terra, e por isso não me satisfiz
até descobrir outro muito mais fácil, de que adiante fal-
larei.
SO.""— USAM DAS ORELHAS E NARIZES FURADOS
Estão estes bárbaros nús inteiramente, tanto os bomens
como as mulheres, sem que a sua riqueza lhes sirva de
mais que de um pequeno atavio, com que ornam as orelhas
e narizes, que quasi todos têm jã furados, e nas orelhas é
tal o enfeite, que a muitos lhes cabe um punho pelo bu-
raco, que na parte inferior, onde costumam pender os
(zarcillos) tôm, trazendo-o ordinariamente occupado com
um (mazo de ajustadas), que n'elle, por gala, costumam.
Pela banda fronteira a estas povoações altas, ha terra plana
como uma mão, e tão cercada assim de outros rios, como
dos braços que o Caquetá tôm pelas suas (orillas), que iso-
lado em grandes lagos, como por muitos léguas, até que
todos encorporados no rio Negro se reúnem com o princi-
pal. Estão povoadas estas ilhas de muitas nações, porém a
que mais se estende, por ser a mais populosa, é a dos
zuanas.
60.'— ENTRADA PARA AS MINAS DO OURO
A 4 léguas d'csta aldôa, que denominámos do Ouro, pela
parte do N. sabe a boca do rio Yupurã, que é por onde se
TOMO XXVIII, P. I. 30
— 228 —
entra no do Ouro. Esta é a mais certa e direita entrada
para com brevidade chegar a avistar a terra, que tâo liberal
oiTerece seus tbesouros. A altura da boca d'este rio é a
de dois gràos e meio, como também a é de uma povoação
que, 4 léguas mais abaixo, na banda do sul está situada,
sobre uma grande (barranca) ao desembocar d'elle no cau-
daloso e claro rio que os naturaes chamam Tapi, e tem nas
suas margens muita multidão de gentio, que chamam pa-
guanas. Sâo todas as ti-rras, que, como disse, por espaço
de 80 léguas occupa esta nação dos cruzirarís, mui altas,
de lindas campinas, e pastos para gados, arvoredos nâo
mui cerrados, abundantes lagoas, e que promettem muitas
e boas commodidades aos que as povoarem.
6! .''—LAGOA DOURADA
A 20 léguas do rio Tapi desagua no das Amazonas o
Catuã, que, formando na boca uma grande lagoa d'agua
verde, traz a sua origem de muitas léguas pela terra dentro
para o sul, tão povoadas as suas margens do barbares, como
todas as dos outros, posto que lhe leva a,vanlagem na mul-
tidão de diversas nações outro rio, que, com o nome de
Araganatuba, O léguas mais abaixo, sahe á parte do norte,
pela qual também se communica o Yupurá, de que acima
falíamos. Chamam-se eslas nações yaguanais, mucunas,
mapiaríis, aguainaíis, huirunas, mariruás, yamoruas, tera-
rús, siguyás, guanapurls, piras, mopilirús, yaguaranis,
aturiaris, macaguas, masipias, guayacaris, anduras, cagua-
raús, maraymuraas e guanibis. Entre eslas nações, que to-
das são de diíTerentes línguas, segundo as noticias, para a
parte do novo reino de Granada está a desejada lagoa dou-
rada, que tão inquietos traz os ânimos de toda a gente do
- 220 -
Peru. Não o aflirmo de certo , porém algum dia quererá
Deus que saiamos doesta perplexidade. Para que nlo haja
equivocaçâo eora o nome de um rio que sabe pela parte do
norte, â IG léguas do Araganatuba, e se cbama como elle,
se de?e advertir que ambos sao um mesmo rio, que, por
tdois dist iodos braços de um mesmo nomCp desaguam no
das Amazonas, e a ^2 léguas d*esle uUimo braço se ter-
mina a populosa e rica nação dos euruziraris, povoadores
de uma das melhores porções de terra (migajones) que en-
contramos em todo este grande rio.
nn
!.*— rnoviNcjA de voriman
A 2 léguas mais abaixo começa a mais nomeada e bellicosa
nação de todo o rio das Amazonas, e com quem nas suas
primeiras entradas atemorisavam a toda a armada portu-
gucza, a saber, a de Yoriman, Está na banda do sul occu-
pando nao somente terra firme das suas margens, mas tam-
bem grande parte das suas ilbas» e^ ainda que de compri-
monto se eslrei!a em poucas mais de 6") léguas, como se
aproveita das ilhas e da terra firme, está tao povoada, que
em neDbuma outra parto vimos reunidos mais barbaroft
Saocomraummente mais bem parecidos e mais bem figura-
dos que os outros ; andam todos nus, e confiam muito no
seu valor, porquanto com grande segurança entravam e
sabiam por entre nós, vindo ao arraial diariamente mais de
200 canoas carregadas de meninos e mulberes,com fruclas,
pescados, farinhas e outras cousas, que com bolorios»
agulhas, e facas se lhes resgatavam- E' esta a primeira po-
Toaçãn d'esta provincia, situada sobre a boca de um rio
crj^staIlino,que mostra ser mui caudaloso pela grande força
com que impelle as aguas do principal* Sustenlarát sem
— 230 —
duvida, bem como todos os mais, outras innumerateis na- ,
coes, das quaes não soubemos os nomes por caminharmos
de passagem pela sua boca.
63."*— UM POVO DE MAIS DE UMA LÉGUA DE COMPRIDO
A 22 léguas da primeira povoação de Yoriman está si-
tuada a maior que em todo o rio encontrámos, occupando
as suas casas mais de uma légua de comprimento, e não
vive em cada casa uma sô familia, como ordinariamente
acontece na nossa Hespanha; mais ou menos, debaixo de
um mesmo telhado vivem quatro e cinco, e muitas vezes
mais, do que se poderá inferir a multidão que ha n'esta po-
voação ; csperaram-nos todos, sem faltar pessoa alguma,
com a maior serenidade, e deram-nos todos os mantimen-
tos, de que carecíamos. Aqui estivemos cinco dias, durante
elles se fizeram para matalotagem mais de quinhentas fan-
gas de farinha de mandioca, com as quaes tivemos que
comer por todo o caminho restante, o qual proscguimos,
topando mui a miúdo povoações d*esta mesma nação. Po-
rem onde habita a sua maior força, a 30 léguas mais abaixo
em uma grande ilha, cercada de um braço, que deita o rio
principal em busca de outro, que lhe vem pagar tributo ; e
também pelas margens d*este novo hospede, aonde são
tantos estes naturaes, que, com razão, ainda que não fosse
mais que pela sua multidão, são temidos e respeitados de
todos os outros.
64.*— RIO DOS GIGANTES
A 10 léguas do referido sitio termina a província de
Yoriman, e, passadas outras duas, desemboca (da parte do
sul) um famoso rio, que os indios chamam Cucbiguaoz.
— Ui —
l»', navegarei, ainda que em partes com algumas pedras ;
tem moito pescado, grande quantidade de tartarugas, abun-
dância de maiz c inandioca, e tudo o necessário para faeili-
tar a sua eutrada. Está povoado este rio por vãrías nações »
que principiando pela sua boca, proseguindo por elle acima,
sâo as seguintes: os cuchigueras, que tomam o nome do
rio, cumayaris, guaquiris^cuyariyâyanas,cumcurús, que-
tausis, mutuanis, e por fim e remate de todas eslas oscuri-
guercs, que, segimdo as informações dosqueos liavjam
visto, e que s@ otTereciam a levar-nos às suas terras» sao
gigantes da 16 palmos da altura, e mui valentes f andam
níis \ trazem grandes (pateras) de ouro nas orelhas o nari-
zes, e para chegar aos s*3us povos sao necessários dois me-
26S continuos de caminho, desde a boca do Cuchiguara.
Pelo das Amazonas abaixo, da banda do sul, correm os ca-
ripunas e zurinas, íí^nte a mais curiosa que lia em todo
elle, em lavrar com as raaos, som mais ferramentas, que
as que acima disse ; fa^gem bancos feitos em forma de ani-
maes, com tanto primor, e tio commodos para ter o corpo
descançado, que nem a commod idade nem o engenho po-
derá lembrar melhores* Lavram (estolicas) que saoas sras
armas, de pàos mui vistosos, e tão delicadamente, que, com
razão, as ambicionam as outras nações; e o que mais ad-
mira, 6 fazerem de um tosco lenho um polosinho (idolillo)
tão ao natnral, qua n'elles achariam que aprender muitos
dos nossos esculplores. E não somente todas estas obras
lhes servem de entretenimento e commodidade própria,
mas também do muito proveito, achando a troco d'ellas @n*
tre as outras nações tudo de que carecem-
os/—rio BAsoaunu* Ê SUAS naçoeí •
A Sã léguas do lugar em que desagua este rio Cucbi-
- 232 -
guará, desagua também, da parlo do norte, entro com o
nome de Basururú entre os naluraes, o qual dividindo a
terra do interior em grandes lagoas a reparte toda em
muitas ilhas, as quaes todas são povoadas por innumeraveis
nações. São as terras altas, e nunca íicam debaixo das
aguas por maiores que sejam as inundações ; mui fértil
de mantimentos, assim de msúízes, mandioca e fructa,scomo
de caça e pescados,com que os naluraes vivem fortes, e se
multiplicam todos os dias com rapidez. Chamam-se geral-
mente todas as nações, que habitam este dilatado sitio, ca-
rabuyanas ; e em particular as provincias, em que estão di-
vididas, são as seguintes : caraguanas, pocoanas, urayaris,
masucamanas, quererús, cotecarianes, moacaranas, ororu-
pianas, quinarupianas, luinamainas, araguanayas, marí-
guyanas, yaribaríis, yanuaguacus, cumaruruayanas e cu-
ruanaris, e são estes indios de arco e flecha ; ha entre
alguns d'elles ferramentas de ferro, como sâo machados,
machadínhas e facas, e perguntando com cuidado pelos
linguas d'onde lhes vêm, respondem que as compram dos
naluraes, que por aquella paríe estão mais próximos ao
mar, aos quaes as dão uns homens brancos como nós ou-
tros, que usam das mesmas armas, espadas e espingardas,
que nas cosias do mar têm a sua habitação, e que unica-
mente se distinguem de nós no cabello, que em lodos ge-
ralmente é louro : signaes estes bastantes para induzir que
são os hollandezes, que junto i boca do rio Doce, ou de
Ftílippe, ha dias tomaram posse, e no anno de 1638 deram
com grande força sobre Guyanna, jurisdicção do novo reino
de Granada, e não somente d'ella se apoderaram, mas lam-
bem foi tão de repente, que, não podendo os nossos tirar o
S. Sacramento, ficou captivo em poder de seus inimigos,
os quaes. como sabiam quão estimada é entre oscalholicos
aquella prenda, esperavam grande resgate por ella, o qual
— 233 -
se lhes estava apromptando quando sabimos d'aquellas
partes : eram boas companhias de soldados, que com animo
cbristão iam gostosamente dar as vidas para resgatar a seu
senhor, com cujo auxilio indubitavelmente conseguiram
effectuar tão bons desejos.
66.* — RIO NEGRO
Não bem trinta léguas mais abaixo do Basururú, da
mesma banda do norte e em altura de 4 gràos sabe
ao encontro do das Amazonas, o maior e o mais for-
moso rio que pelo espaço de mais de 1 ,300 léguas lhe
rende vassallagem, posto que, como tão poderoso na
sua entrada, que tem légua e meia de largura, parece
envergonhar-se de reconhecer outro maior, e ainda que
o Amazonas com todo o seu cabedal lhe lança os braços
não se querendo sujeitar hombro por hombro, sem o
mínimo respeito, senhoreado de metade de todo o rio,
o acompanha por mais de 12 léguas, distinguindo- se
claramente umas aguas das outras, até que não soffrendo
o das Amazonas tanto orgulho, revolvendo-se nas suas
turvas ondas, o faz entrar no caminho, e reconhece por
senhor aquelle que o pretendia avassallar. Chamaram
os portuguezes e com muita razão a este grande rio
Negro, porquanto na sua boca, e muitas léguas acima, o
seu muito fundo e a claridade das aguas, que de im-
mensos lagos n'elle vertem, as fazem parecer tão negras,
como se realmente fossem tintas, sendo aliás crystallinas.
Faz o seu curso de oeste a este, nos seus princípios,
ainda que as voltas são tantas, que em distancias bem
pequenas,muda de rumos e às vezes bem ditlerentes, sendo
o que traz muitas léguas antes de entrar no das Ama-
zonas de poente ao oriente. Os seus habitantes o deno-
— 234 —
minam Curíguacunã. Os Tupinambares, de quem adiante
fallaremos, o chamam Uruna, que na sua lingiia qaer
dizer Agua negra, e também n*esta paragem chamam
ao Amazonas Paranaguassú.qne significa rio grande, para
distincção de outro menor, porém mui caudaloso, a que
chamam Paoznamerim, isto é, rio pequeno, que desagua
na banda do sul, uma légua antes do rio Negro, que
aSirmam estar mui povoado de dillerentes nações, das
quaes a ultima anda vestida o usa de chapéos, signa!
certo de que se approximam dos hespanhoes do Peru.
São grandes provincias as que estuo nas próprias aguas
do rio Negro, a saber : Canizuaris, Aguayras, Yacuuca-
raes, Cakuaypites, Mauacarús, Yarim;is, Guanamas, Cara-
panaaris, Guarianacaguas, Azerabaris, Curupatabas ; e as
que primeiro povoam um braço, que este rio arroja,
por onde, segundo informações, se vai sabir ao Rio Grande,
em cuja boca no mar do norte estão os hoUandezes,
são os guaranaquazanas. Todas estas naçGes usam de
arco e frcxas, muitas das quaes bervadas com veneno.
As terras iVesie rio são todas altas e de magnifico torrão
e cultivadas prometlem dar quaesquer fruclos, e em al-
gumas partes os da mesma Europa; tem muitas e boas
campinas cobertas de pastos próprios para n'elles pasta-
rem innumeraveis gados : produzem grandes arvores de
preciosas ma<leiras para embarcações e edifícios, que com
a muita pedra, do que alli ha abundância, se podeiio
facilmente edificar. Todas as margens doeste rio estão
povoadas de muita caça de todo o género, e posto que
o pescado n'csle rio não seja tanto como no Amazonas
cm razão de serem as su is aguas mui claras, nos lagos,
que tem pelo interior, sempre se colhe pescado ás mãos
cheias. Tem na sua embocadura accommodados sítios para
fortalezas e muita pedra para as edificar, por meio das
— 235 —
qoaes se poderá facilmente defender a entrada ao ini-
migo, que por elle quizer descer ao principal, posto que
eu julgo que não n^esta paragem mas muitas léguas mais
para o interior ; no braço que desemboca no Rio Grande,
que, como disse desagua no oceano, onde mais segura-
mente se deveria pôr toda a defesa, ficando inteiramente
cerrada ao inimigo a passagem para todo este novo
mundo, porquanto é mais que provável que ambi-
cioso algum dia a intente. Não me atrevo a afirmar
6e o Rio Grande, em o qual desemboca este braço do
Rio Negro, é o Doce ou de Felippe, posto que muito me
inclino a este segundo, segundo muito boas demarcações,
pois que este é o primeiro rio considerável, que, pas-
sadas algumas léguas, entra no mar além do Cabo do
Norte : com tudo posso affirmar positivamente que não é
o Orinoco, cuja principal boca flca fronteira à ilha da
Trindade, mais de cem léguas para baixo onde desagua
o rio Felippe, pelo qual sahiu do mar do norte Lopo
d^Aguirre, e, assim como este navegou, também qualquer
outro poderá entrar por onde uma vez se abriu o ca-
minho.
67.* — INTENTAM OS PORTUGUEZES ENTRAR PELO RIO NEGRO
Estava já a armada portugueza de torna viagem na
boca do Rio Negro a 12 de Outubro de 1639, quando os
soldados reputando-se já ás portas de suas casas, e, vol-
vendo os olhos não sobre o que traziam, que nada era,
porém sim sobre as per.las, que no espaço de mais de
dois annos tinham soffrido, as quaes não eram pequenas,
e convencidos por outro lado que os serviços feitos a
Sua Magestade n*estas conquistas nenhuma remuneração
teriam em terra, onde os que mais sangue têm derra-
TOMO XXVIII, P. I. 31
— 2:16 —
iBido em semelhantes occasiões eslão já loiqniladoft e
morrendo de fome em razão de não comparecerem pe-
nnie qnem os [KvJên premiar, delerminanm persuadir
ao capitao mor a queji qae a saa pribreza os obrigan
a basearem algum remédio para melhorar a saa sorte, e
tísIo as noticias d.>s muitos escnTi^ que no ínleríord»
Rio Seçro p.^ssuiam •:»> natunes. offereíen Jo-se-lhcs por-
tanto oocasilj opp^>rMni, nío permittisse deixaJ-a perder
Sim J'elÍÃ se apr:»Teiiir. :• ^iêsse orlem àe que sese-
Mi»e Aqnella Jerr>la, p^rjuantj com os maitos escraTos,
qur -leste rí.i se tirassem. :iiri'1i que nids mais leTassem.
s iriam t>em receb:õ:ts n:* Pari. e lIo os lerando serian
Cv>riSiieraios com:* ho?a:ns Je pouc-^ monta, em raiio
dr que. bi^enJ^ ^^assil' pcT túLtas e tão differeoles
nj-jL*es, e en-vTitràJ^ U:.v?s eN:riT'>s. se apresentaram
oa as mios tasiís. â.vresc-rn !o haxer nestas conquistas
b>meLS que iS parias dr suas projT: js cisas ^^abem Cuer
escrav:r? pm > s u Scrr:;:^. O capitã >-m->r parecia querer
annair a sr-meihiTtlr prxosta. tai^rz «^«*>ríue elle era sõ
e :f s ::í: s ::^i;::.?: -. : : iss:- i^rzi.::.!: que sepre-
; -.rií^srz: -f ^t'í.-. : ::z:z y-,'^:: -.Tí ::i^:TÁYel pui
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- 237 -
68."*— REQUERIMENTO AO EXERCITO
Os padres Cbrístovão d*AcuDa e André d'Arlieâa, re-
ligiosos da companhia de Jesus, pessoas a quem El Rei
Nosso Seuhor, por uma real provisão dada pela sua real
audiência da cidade de Quito de S. Francisco nos reinos
do Peru, a 21 de Janeiro do presente anno de 1639,
manda e encarrega que vindo em companhia d'esta ar-
mada porlugueza por todo este grande rio das Amazonas,
novamente descoberto, tomemos noticia sufficiente e a
mais clara possivel, das nações que n'elle habitam, dos
rios que n'elle confluem, e de tudo mais necessário para
que no real conselho das índias se faça um pleno con-
ceito d'esta grande emprcza, e que, havendo-se assim
executado, passemos com a maior brevidade à Hespanha
a dar conta a Sua Magestade de tudo o referido, sem
que ninguém nos possa obstar a que assim o façamos*, o
que tudo o mais extensamente consta da dita real pro-
visão, que em nosso poder trazemos, e estamos promp-
tos a mostral-a a todos, assim como já a temos mos-
trado aos principaes chefes do exercito, ouvindo dizer
a muitos, e vendo que as velas estão dispo*stas para na-
vegar, que o capitão -mór Pedro Teixeira, capilães e
olTiciaes maiores da dita armada, em cuja companhia
vimos de ordem de Sua Magestade, intentam dilatar mais
a viagem entrando pelo Rio Negro, em cuja boca pre-
sentemente nos achamos, com o designio de resgatar
escravos para os levar como taes para as suas fazendas
do Pará e Maranhão, como costumam fazer aos naturaes
que habitam nos seus coníios, e porquanto n'esta entrada
se haja de gastar forçosamente muito tempo, segundo
affirmam pessoas de experiência, e hajam de haver muitos
outros ínconvenienies, por cumprirmos com a nossa obri-
- 238 -
gação, e para deseocarregar nossas consciências perante a
real pessoa de Sua Mageslade, em seu nome faltando com o
acatamento devido, requeremos ao capilão-mór Pedro Tei-
xeira, ao coronel Bento Rodrigues de Oliveira, ao sargento-
mórFelippe de Mattos, aos capitães Pedro da Acosta, e Pe-
dro Bayâo, e aos m lis officiaes vivos, que actualmente estão
governando este exercito na boca d'este Rio Negro, que,
porquanto Sua Magestade já tem noticia pela sua real au-
diência de Quito, e pelo seu vice-rei do Períi, dos despa-
chos das nossas pessoas para os fins acima mencionados, e
da brevidade com que se esperava chegaríamos á sua real
presença, pois que, segundo o dito capilão-mór Pedro Tei-
xeira, e muitos outros de sua companhia, asseguraram aos
senhores da dita real audiência de Quito, haviamos de estar
no Pará dentro de dois mezes e meio, e de hoje a seis dias
se completam oito mezes depois da sabida da dita cidade
de Quito, e faltem ainda 600 léguas desde este ponto
até ao Pará; e de semelhante demora possam resultar
muitos e graves inconvenientes a saber : o dilatar Sua
Magestade a fortificação d' este rio, cujo descobrimento
ha tantos anpos ardentemente deseja, esperando que nós
cheguemos com brevidade com as necessárias informa-
ções ; no entretanto apoderar-se o inimigo das suas prin-
cipaes entradas, do que resultará gravissimo damno, a
sua real coroa, ao mesmo tempo que tão bons e esforça-
dos capitães, como aqui vão, farão sem duvida, por effeito
de semelhantes demoras, grande falia à fortaleza do Pará,
da qual se o inimigo a atacar estando elles ausentes, será
mui certa a perda : além do que os indios d'este Rio
Negro são na opinião de todos mui bellicosos, de arcos
e frechas envenenadas, com as quaes nos poderão fazer
muito damno, e muito mais vendo a poiíca força dos indios
amigos que nos ficaram, muitos dos quaes estão doentes,
— 239 —
e outros são rapazes sem experiência da guerra, e todos
em geral sem n iiiinima vontade de emprehenderseme-
Ihantti entrada, podendo consequentemente resultar a perda
total d' este exercito» sendo mais provável que, indo cora
pouca Yontade, talvez nos fujara» assim como têm fu-
gido os outros dos que sahiram do Pará, e mui principal-
mente vendo -se quasi às portas das suas casas. Aqui
advertimos que os escravos, que se pretendem resgatar,
talvez em boa consciência não possam ser considerados
como taes (a excepção de nos podermos ser\ir de alguns
para Imguas), porquanto esta lerra é nova, e ainda que
ba decretos de Sua Magestade (como se diz) para se ti-
rarem escravos, somente seraelliante faculdade é per-
mittida nas circum vizinhanças do Para e Maranhão, e
com as mais circumstancias, que para isso se requerem*
e os d*esle rio não se sabe a que dislriclo ou jurisdic-
ção pertençam : e mesmo dado o caso de que nenhuma
das referidas razões, faça devida fnrça, e que se con-
siga o fim desejado, de tirar grande quantidade de es-
cravos» estes mesmos, em razão das poucas forças, que
presentemente lemos para sua guarda e nossa defensa,
tdlvez possam a vir a sor a total ruiua e destruição de
todos. Portanto e por tudo mais que oíTerecer-se possa
em deserviço das duas Magestades, divina e humana, e
prejuízo da salvação de tanta immensi dado de almas, como
ha n'este rio, novamente uma e muitas vezes tornamos
a requerer ao dito capilão-mòr, corunel, sargento*mòr,
capitães e officiaes vivos que presentemente governam
este exercito, que, não dando lugar a dilações, que não
sejam do serviço de Deus e de Sua Magestade, com toda
a brevidade se procure proseguir na nossa viagem para
ú Pará, para d'alli passarmos a llespanha a cumprir
com o Um e obrigações da nossa legacia, c se possa acudir ;
- 240 -
haY6Ddo-a assim a bem á Sua Mageatadet a salvaçio á%
tantas almas, que se tem descoberto n'este novo mundo»
as quaes jazem miseráveis nas sombras da morte. E se o
que fica dito nâo fõr sufficiente a obrigar a que todo9
juntos prosigamos a nossa viagem com a mencionada
brevidade, requeremos de novo com a real provisão, qu0
para isto trazemos ao capitão-mór Pedro Teixeira e aos
mais oíQciaes do exercito, que para isso poderem coope->
rar, que, dando-nos tudo o necessário e a boa passagem para
resguardo das nossas pessoas, se nos permitia proseguir
sem demora nossa viagem, que, ainda que seja com riscos
de inimigos, preferimos, por cumprir com o que Sua Ma-
gestade nos manda na sua real provisão, e fazendo-se
o contrario, protestamos de todos os damnos e incon-
venientes que da demora que houver n*esla jornada se
seguirem, e de darmos d'isso conta ao real conselho das
índias e á real pessoa de El-Rei nosso senhor, como
nos é expressamente ordenado. E ultimamente para res-
guardo de nossas pessoas, e demonstração de que dese-
jamos cumprir pontualmente tudo quanto nos foi orde-
nado, pedimos se ordene ao escrivão nomeado d*este
exercito nos dê fé de tudo o que se contém no nosso
rcquerimonlo e do que nos fôr respondido, ele.
60."— PROSEGUE-SE NA VIAGEM , E 1)0 RIO DA MADEIRA
Feito este papel e communicado ao capilão-mór, que
muito se alegrou de ter quem se pozesse pela sua parte,
e, reconhecendo a força das razões mandou immediata-
menle ferrar as velas, cessar com as prevenções, e dis-
por tudo para que no dia seguinte, tornando a desembocar
pela boca do Kio Negro, proseguíssemos lodos pelo das
Amazonas. Assim o fizemos, e ás 4^ léguas demos com
- 241 —
o gratide rio da Madeira, que os portuguezes asdim de-
nominaram em razão da maita e grossa que traziam
quando o passaram, porém o seu nome próprio entre
os naturaes que o habitam é Cayari ; desce da parte do
sul, e, segundo o que averiguamos, é formado por dois
caudalosos rios, que, em distancia de algumas léguas pelo
interior, se lhe reúnem, pelos quaes, segundo boas de-
marcarcações, com maior brevidade que por outra qual-
quer parte se ha de descobrir sabida para os mais pró-
ximos rios da comarca do Polosi. Das nações d*este rio
que são muitas, as primeiras se chamam zurinas, ecayanas
è logo se vão seguindo os ururiahús, anamaris, guari-
numas, curanaris, erepunacas e abacatis, e, desde a
boca d'este rio correndo pelo Amazonas abaixo, o povoam
os zapucayas, urubutingas, que são mui curiosos em
lavrar cousas de madeira, a estas seguem-se os guara-
naguacas, maraguas, guimaús, burais, punonys, oregua-
tús, aperas e outros cujos nomes não pude com cer-
teza averiguar.
70.** — ILHà GRANDE DOS TU PIN AMBAS
A 28 legôas da boca d'este rio, caminhando sempre
pela mesma parte do sul, está uma formosa ilha, que tem
60 de comprimento, e consequentemente mais de 100
de circuito, povoada toda dos valentes tupinambàs,
gente que das conquistas do Brasil, em terras de Pernam-
buco, sahiram derrotados ha muitos annos, fugindo ao
rigor com que os portuguezes os iam sujeitando. Sahi-
ram era tão grande numero, que, despovoando ao mes-
mo 84 Aldêas onde estavam situados, não ficou um só
d'elles, trazendo em sua companhia as próprias crianças.
Foram deixando sempre à sua mão esquerda as fraldas da
- 242 —
cordilheira, qui\ vindo desde o Estreito de Magalhães,
cinge toda a America, e atravessando as cabeceiras de
quantits rios d*ella descem ao Oceano, chegaram alguns a
communicarem-se com os hespanhòes do Peru. qae ha-
bitam nas cabeceiras do rio da Madeira, e alli estiveram
algum tempo, até que, açoutando um bespanhol a om
Índio em razão de Ibe haver morto umi vacca, aprovei-
tando-sê da commodidade do rio, se abandonaram todos
liS suas correntes, e vieram dar com a ilha, que presente-
mente habitam. Faliam estes índios a língua geral do Brasil
a qual é vulgar entre todos os d;is conquistas do Maranhão
e Pará . Dizem também que, como sahiram tanttis que por
aquelles desertos se não podiam sustentar todos reunidos,
se repartiram successivainente durante aquelle tãodíLitaâo
caminho, que pelo menos seria de 900 léguas, ficando uns
a povoar umas terras, e outros outras, e por isso d*elles es-
tavam bem povoadas todas aquellas cordilheiras. São
genle de grande brio na guerra, e bem o demonslraram
os que checaram a cslas paragens, onde presentemente
habilani. porquanto. s-nd'.»elles s-?m comparaçriO em muito
menornu:iiero que o dosn.itiiries dVsleri «. de t il s-»rte os
assolaram, e sujeitaram a loi- »s jiquell'.> rom qu-m tiveram
g'3érr:i, qu\ consumindo n:iç"»-?s iiiteini>, j oulras obriga-
ram a iiei\'ir por mel • •» luirar do sen ii:i>cimêiito, o a ir
pér.-irriruiii.» terras estranli.i>. Is.mi estes inàios de arco
e frL':li:i, qíiè í jin u^^ftrez i •iispiírám : são de Cjr:t'*i!i"?s
nobres e aiíd.il^:d .s, >•• N-m que, como j.t quasi tvdi>s os
quê preséir.êmeiítê exist-rnsfu lilli ■> e neios d^is primeiros
pOToadoít^, jA >í' v.v.» :4.L-':irui-."!;iri'.1o u> !míxl7:íS e manhas
dos d.i terrji. c-iin e'':j» s.irijne êsLVuiiisurtJos. M^stra-
raiíj-ijos iod.-s ímid- Aj.iSáll".». 'linik» >ijn:i».s de que
brevemente se r^luziri^Lm .i vivtr enirê os indios amigos
do Pará : cousa que será sêm duvida muito ulil para con-
- 243 —
quistar todas ãs mais nações d*este rio» se se houver de
povoar, porquanto nenhuma ha que não se renda apenas
ouvir o nome de tupinambás.
71/— NOTICIAS QUE DERAM OS TUPINAMBÁS
D'estes indios tupinambás, como gente de mais razão, e
que não carecem de interpretes por correr entre elles,
como já disse, a.Iingua geral, que muitos dos mesmos por-
tuguezes faliam eminentemente em razão de serem nasci-
dos e creados n'aquellas costas, recebemos algumas noti-
cias, que aqui direi, e que se podem ler como certas por
serem dadas por gente, que tem corrido e sujeitado ao seu
poder todas as circumvizinhanças. Dizem que próximos á
sua habitação da parte do sul, na terra firme, vivem, além
de outras, duas nações, uma de anões tão pequenos como
meninos de mui pouco tempo, que se chamam guayazis, e
a outra de uma gente, que toda tôm os pés ao revéz, de
sorte que, su quem os não conhecesse, quizesse seguir suas
pegadas, caminharia sempre oppostamente a elles, e são
chamados mutayús, e são os tributários a estes tupinambás
de machados de pedra para o roçado das arvores, quando
querem cultivar aterra ; fazem-nos mui curiosos, e inces-
santemente se occupam na sua factura. Dizem que na parte
fronteira, ou na do norte, estão continuadamente sete pro-
vincias bem povoadas, porém que, por ser gente para
pouco e que unicamente se sustentam de fructas e pequenos
animaes silvestres, sem jamais sustentarem guerras entre
si nem com os outros, d'elles não fazem caso. Também
ailirmam que com outra nação, que com esta confina,
tiveram pazes muito tempo, commerciando entre si em
todos os géneros de que cada uma abundava, sendo o princi-
pal género, de que os tupinambás se proviam, o sal que os
TOMOXXVIII, p. 1. 32
- 24i —
amigos lhes traziam pelos seus resgates, que affirmaTSUA
vir-lhes de outras terras próximas ás suas ; cousa bem
interessante, e de grande utilidade para a conquista e po-
voação d'este rio, e, ainda que aqui se não ache, se desco-
brirá em grande abundância em um rio dos que descem
desde o Períi, d'onde, no anno de 1637, estando eu na
cidade de Lima, sahiram dois homens, que de terra em
terra aportaram, para aquellas partes, a certa paragem,
d'onde, descendo por um dos rios, que desagua n'este prin-
cipal, deram com um grande monte de sal, de que os
moradores tôm exclusivamente o commercio, suslentan-
do-se, ricos e abundantes, com as pagas, que por elle re-
cebem dos que de mais longe o vôm comprar. E não é novo
no Peru e em todas as suas cordilheiras ter montes de sal
de rocha excellente, pois que esto é o que se alli consome*
tirando-o em pedaços tão grandes que alguns tèm 5 a 6
arrobas de peso. Occupa esta província dos lupiDambás
66 léguas de comprimen to, e acaba em uma boa povoação,
que está situada em 3 gráos de latitude, bem como a pri-
meira povoação dos Índios aguas, de que já fizemos acima
menção,
72/ — DÃO NOTICIA DAS AMAZONAS
Estes mesmos tupinambás nos confirmaram as lai^gas
noticias, que por todo este rio Iraziamos das famosas
amazonas, que lhe deram o nome, desde os seus primeiros
princípios, não o reconhecendo por nenhum outro todos
os cosmographos, que até hoje d'elle lêm fallado, e fora
sem duvida mui para admirar que, sem bem fundadas
razões, houvesse usurpado o nome das Amazonas, poden-
do-lhe qualquer lançar em rosto de que por um tal nome
se queria tornar famoso» revestindo-se do alheio. A' vista da
34:
— a*o —
nobreza d*a$lerio, não me persuado, nem éerlveUque,
tendo esle rio tantas grandezas d<3 que lançar mão, se
gloriasse unicamente do titulo que lhe aão competia :
baixeza ordinária era quem, nâo podendo por seus braços
alcançar a honra que deseja, a procura mendigar dos
vizinhos. Os fundamentos para asseverar ser a província
das Amazonas n*este rio, siio tantos e tao fortes, que Stí
faltaria à fó humana não lhe dando credito. Eu nao trato
das serias indagaç/ies, que por ordem da real audiência de
Quilo se fizeram entre osnaluraes, que a habitaram, muitos
annos, de tudo o que se continha nas suas margens ; e uma
das principaes cousas, que lodos unaniraemenle assegura-
vam era povoado de uma província de mulheres guerrei-
ras, que, suste nkindo-se por si sòs, sem razões, com
quem não tinham comraanicaçao alguma senão em deter-
minado tempo, viviam n;is suas povoações, cultivando as
suas terras, e obtendo por ineío do trabalho de suas mãos
todo o necessário para o seu sustento : também não faço
menção das inflagações que pelo uovo reino de Granada,
na ciilade de Paslo, se fizeram Cími alguns Índios, e par-
ticularmente cum uma' Índia, que disse haverei la mesma
estada nas terras povoadas por semelhantes mulheres ;
ajusUndo se em tudo no que jà se sabia pelas primeiras
indagações. Unicamente lanço mão do que ouvi com os
meus próprios ouvidos, o cuidadosamente averiguei desde
que pisámos este rio^ no qual é tradição vulgar» e que
ninguém ignora, dizer-se que n*elle hahilam estas mulhe-
res, dando signaes lao parliculares, que, concordando
todos nos mesmos, não é provável que uma tal mentira se
podasse espalhar entre lautas differentes nações, de outras
tantas línguas, e com tantas appareucias de verdade ;
porem aonde mais as tivemos dii situação em que vivem
6slas mulheres» dos seus coslumes, dos índios que com
— 246 -
cilas communicam, dos caminhos pulos quaes seentn
nas suas terras, e dos habitantes, que as povoam (e que
aqui daremos], foi na ultima alilèa, em que termina a pro-
víncia dos tupinambás.
73.** — RIO DAS AMAZONAS
A 36 léguas d'csta aldéa, descendo pelo rio, está da parte
do norte o das Amazonas, que com o nome de rio Cunurís é
conhecido entre aquellcs naturacs. Toma este rio o nome
dos primeiros indios, que sustenta na sua boca, aos qaaes
seguem-se os apautos, que faliam a lingua geral do Brasil:
além d*estes eslâo situados os taguaús, e os últimos, que
sao os que communicam e commerciam com as amazonas,
são os guacarás. Tem estas mulheres varonis o seu estabe-
lecimento principal entre grandes montanhas e eminentes
serros, dos quaes o que mais se distingue entre os outros,
e que é mais combatido dos ventos, moslrando-se conse-
quentemente sempre escalvado e sem herva, se cbama
Yacamiaba. Sao mulheres de grande valor, e que sempre
se lôm conservado sem o ordinário commercio de varões,
c, ainda mesmo quando estes por convenção feita com
ellas, vem annualmentc ás suas lorras, siío recebidos com
as armas nas mãos, e, depois de atirarem por algum tempo
com as frechas, e convencidas de que vem de paz os conhe-
cidos, deixando as armas correm apressadamente ás canoas
e embarcações dos hospedes, e levando cada uma as
macas ou redes, que mais acham á mão, as levam às suas
casas, e armando-as em partes, onde os donos facilmente
as conheçam, os recebem por hospedes durante aquelles
poucos dias ; findos os quaes elles regressam para as suas
terras, continuando annualmente a mosma viagem e pelo
mesmo tempo. Conservam as filhas, que noscem d'e$tes
- 247 -
ajuntamentos» e as criam entre si com desvelo, por serem
as que hão de levar avante o valor e costumes da sua nação,
porém a respeito do que praticam com os filhos varões não
ha a mesma certeza : um indio que, sendo ainda pequeno,
havia ido com seu pai a estas entradas, affirmou que os
entregam a seus pais, quando no seguinte anno vão às suas
terras ; mas o mais certo, por ser o que mais vulgarmente
se diz, é que logo que os reconhecem por varões os
matam. O tempo descobrirá a verdade ; e, se estas são as
amazonas famigeradas entre os historiadores, grandes
thesouros encerram na sua provincia para enriquecer a
todo o mundo. Está a boca do rio, que povoam as ama-
zonas, em dois gràos e meio de latitude.
74.*— PARTE MAIS ESTREITA DE TODO O RIO
Passada a boca do rio das Amazonas, e correndo 24
léguas pelo principal, desagua pela mesma parte do
norte, outro mediocre, chamado Uriíamina, que vem
asahir áquella paragem, aonde, como já dissemos, se es-
treita este grande rio em um espaço de pouco mais de um
quarto de légua ; ealli oilereco aprazíveis sitios para n*elles
construir de um e outro lado duas fortalezas, que não
somente obstem à passagem que o inimigo intente da parte
do mar, mas também sirvam de alfandegas, nas quaes se
registre tudo quanto por este rio das Amazonas, se se po-
voar, descer do Pcríi. Desde esta paragem, que esiá, como
acima disse, mais de 3J0 léguas em distancia domar, se
principia a conhecer as marés, reconhecendo se diaria-
mente Iodas as enchentes e vasantes, ainda que não tão
claramente como d'alli a algumas léguas.
TS.""— RIO E NAÇÃO DOS TAPAJOZES
A 40 léguas (l'este estreito do rio pela parle do sol des-
emboca o grande e vistoso rio dos Tapajozes, tomando o
nome da nação e provincia quo susteota nas suas margens,
que são mui povoadas de bárbaros, em boas terras e de
abundantes mantimentos. São os tapajozes gente de brio,
temidos por muitas nações circum vizinhas, em razão de
usarem nas suas frechas de um veneno tal que, chegando a
tirar sangue, causa sem remédio a morte. Por esta mesma
causa muito tempo os temeram os portuguezcs, receiando-se
da sua communicação, desejando reduzil-os por bem à sua
amizade, o que nunca conseguiram de todo, porque os
obrigavam a deixar o lugar do seu nascimento, e a vir
estabelecer-se em povoações, jà domesticados ; cousa esta
que muito sentem estas nações, ao mesmo tempo que nas
suas terras recebem com agazalho a um povo dos seus,
composto de mais de 500 Tamilias. Durante todo o dia não
cessaram de virem resgatar gallinhas, patos, macas, pes-*
cado, farinhas, fruclas e outras cousas, com tanta segurança
que as mulheres o meninos nâo se aparUivani de nós outros,
oiTerecendo-nos que se os deixassem em suas próprias
terras viessem os portuguezes lambem povoal-as, por-
quanto os receberiam com a maior salisfaç^lo, e os ser-
viriam paciíicamente toda a vida.
7t).'— OPPRESSÃO QUE FIZERAM OS PORTUGUEZES
Mão bastaram os humildes oíTerecimentos doestes pobres
tapajozes para que pessoas tão interesseiras como são as
d'estas conquistas, e que só einprehendem dificuldades
com a ambição dos escravos que esperam resgatar, os
admittissem ou pelo menos os tratassem razoavelmente ; e,
- n9 —
saspeilando quo esta oaçao liolia em seu poder maitós
escravos, trataram com todo o empenho, com o pretexto de
serem rebeldes, de lhes fazer cruel guerra : a qual se
eslava preparando quando chegamos ao íorte do Desterro,
aoQde se reu nia a gente para tão in humana faeçaOt e, ainda
que pelos melhores meios que pude» procureit jâ que não
irapedil-a ao menos suspen^lél-a, alè que chegasse nova
ordem de SuaMageslade, eo sargento-mór do estado, cabo
e chefe de todos, que era Bento Maciel, fdho do gover-
nador, me deti a soa palavra de não proseguir emquanto
não recel>esse nova ordem de seu pai ; apenas nos reti-
rámos, logo com o maior numero de gente, que pôde
ajunlar em uma lanclia com peças de arlilheria e em outras
embarcações menores, cabindo sobre elles de improviso,
lhes offereceu cruel guerra, jà que não queriam boa pai.
Com a melhor vonUíle receberam elles a paz que sempre
oílereceram, sujei tando-se a tudo o que quizessem fazer de
suas pessoas. Manda-lhes pois que entreguem todas as
frechas envenenadas, que eram as de que mais se receiavam,
a que pontualmente aquelles miseráveis obedeceram, e,
vendo-os jà desarmados, apanham uma grande quanti-
dade de bárbaros, e encerrando-os todos como carneiros
em um curral forte com sufllciente guarda, soltam os indios
amigos que levavam, dos quaes, para fazer mal cada um é
ura diabo solto, e em breve tempo foi saqueada a povoação,
sem nada deixarem por assolar, aproveilando-se, como mo
OQDlou uma testemunha de vista, das filhas e mulheres dos
afflictos encarcerados âsua própria vista; e fazendo cousas
que me asseverou esta pessoa bem antiga n*aquellas cou-
quislas, que para as não ver, não somente deixaria de
comprar escravos, mas também daria de graça os que
possuía. Como a ambição dos porluguezes estava envol-
vida com a de escravos, não se contentaram sem que se
- 260 -
ifissem senhores dos ditos escravos : e por isso ameaçamos
Índios encurralados e temerosos, fazem-lhes receiar novos
rigores, afim de que oíTereçam escravos, assegurando-lhes
que então ficarão livres e seus amigos, e carregados de
ferramentas e pannos de algodão ; que deviam fazer os
pobres miseráveis presos, tiradas as armas, saqueadas as
casas, opprimidas suas mulheres e filhos, não tinham outro
remédio que sujeitarem-so a tudo o que d'elles qnizessem.
Offerecem mil escravos, mandam em busca d*elles, por-
quanto se haviam posto a salv© durante o alvoroto, e, não
podendo apanhar mais de duzentos, os entregam, dando a
palavra de entregarem os restantes, e para se verem livres
offerecem seus mesmos filhos como escravos, o que tem
acontecido differentes vezes Todos os referidos escravos
foram mandados para o Maranhão e Pará, e eu mesmo os
vi, e, como fitaram satisfeitos d'esta primeira entrada, pro-
jectam logo outra maior em outra nação mais para o in-
terior do rio Amazonas, onde farão sem duvida maiores
crueldades, porque vão menos numero de pessoas valentes,
que possam ir á mão d'aquelle, que fôr encarregado de
tudo. Por esta maneira o rio se alvorotará Ião depressa,
que, quando Sua Mageslade quizer picifical-o, encontrará
as maiores difficuldades, quando semelhante pacificação
seria mui fácil conservando -se aquolle rio no eslado em
que o deixei. Estas são as conquistas do Pará; este ó o
trafico de que se sustentam, e esta é a juslissima causa
porque. andam todos arruinados, sem terem que comer;
e, se não fossem os serviços que têm foito a ambas as Ma-
gestades, divina e humana, em resistirem valorosamente
ao inimigo hollandez, que va: ias vezes tem derrotado
n^aquellas terras, já Deus Nosso Senhor a teria assolado.
Tornando pois a faltar dos tapajozes, e do famoso rio que
banha as suas praias, digo que é de tão bom fundo, que
— 251 —
subiu por elle muitas léguas em oulro tempo uma náa
íogleza de grande porte, a qual pretendeu estabelecer-se
Doesta proviocia, e, para conseguirem dos habi tau les taba-
cos, lhes offereciam bons partidos ; porém elles cahindo de
improviso sobre os inglezes mataram os que poderam, e,
aproTeilando-se das suas armas, quB ainda hoje conserYam,
obrigaram os ouiros a deixarem a terra mais depressa do
que haviam vindo, poupando-se agente que ficou na nào a
passar por outro semelhante desgosto, porque logo deram
â vela,
77.*— CLmtlPATUBA
A poucas mais de iO léguas da bocado rio dos Tapa-
jQzes esta o Curupatuba, que, desaguando oo principal do
Amazonas pela parte do norte, da o seu nome i primeira
povoação oualdéa de gear que tem os portuguezes, a favor
da sua coroa. Não parece ser este rio mui caudalosa de
aguas, porém sim de thesouros, se os seus naturaes nos
não enganam, afUrmando que. subindo por este rio, que
elles denominam Vriquiriqui, a seis dias de caminho se
encontra grande quantidade do ouro, que apanham nas
margens de um pequeno riaclio, que banha as fraldas dn
mediano sarro Vaguuracuru* Dizem também que perto
d'este está outru sitio, cujo nome é Picuríi, d onde têm
tirado muit^is fezes outro metal mais duro que o ouro, e
de cor branca, que sem duvida é piata, de que em outro
tempo fizeram machados e facas ; porém que, apenas virara
que bem depressa se amolgavam, o abandonaram inteira-
mente. N'este mesmo districto ha duas serras, das quaes
uma, segundo os signaes dados pelos índios, è de enxofre,
e a outra, que denominam ParaguaxOf affirmam que quando
sobre elia dà o sol, e igualmente uas noites ctaras* resplau^
TOMO xxvni, p. u 33
— 2:ii —
desce laato que toda ella parece esmaltada e com rica
pedraria, e de quando em quando arrel)enta com grandes
estrondos ; signaes certos de que encerra pedras de muito
valor.
78/ — Rio GENIPAPO
Não promette menores Ihesouros, segundo as communs
noticias, o rio Genipspo, que, correndo pela mesma parte
do norte, desemboca no das Amazonas, a 60 léguas mais
abaixo do Curupatuba. Os índios dizem que nas suas
margens ba tanto ouro que se pôde colher, que, a ser
assim, só este rio excede com as suas riquezas todas as do
Peru. As terras, que banha este rio, são da capitania de
Bento Maciel Parente, governador do Maranhão, as quaes»
além de serem maiores de que toda a Hespanha e conterem
muitas minas sabidas, são pela maior parte de melhor
torrâo para darem as melhores e mais abundantes co-
lheitas, e não ha em todo o immenso rio das Amazonas
melhores terras. Ficam todas ao norte, contém grande
multidão de bárbaros, e, o que é mais para estimar, en-
cerram debaixo da sua jurisdicção as afainadas e dilatadas
terras do Tucujú, tão suspirado e tantas vezes povoado,
ainda que com bastante damno, pelo inimigo hoUandez,
que, reconhecendo n*ella as maiores commodidades do
mundo, para enriquecerem seus moradores, jamais se
podem d'ellas esquecer. São não somente próprias para
grandes colheitas de tabaco, e capazes de muitos engenhos
de assucar, e de muitos mantimentos com qualquer pe-
queno cultivo, mas também tem excellentes campinas, que
com abundantes pastos sustentam grandes e innumeraveis
gados. N'esta capitania, a seis léguas de d'onde desagua o
Genipapo, pelo rio acima das Amazonas, está um forte de
- 23:4 —
portuguezes.que donominam do Desterro, com 30 soldadosp
e algumas peças de artilheria, que para defender o rio de
nada serve, e sómenle aiiclorisa a dita capitania, e conserva
em respeito os Índios, que se vâo reduzindo. Ksle forte
deixon Benfo Maciel com auctoridade de governador do
Carupà, que está mais abaixo em distancia de 36 léguas,
^aoudt3 esteve situado em mui bom sitio por muitos annos,
e aonde as nãos inimigas vinham ordinariamenle fazer os
sens reconheciraentíis,
'.
««In.
79/^RlO PARAÍSAUIBA
Dez léguas mais abaixo do Genipapo, da parte do suli
sahe, mui vistoso, caudaloso e cora duas léguas de boca
vem pagar tributo ao principal rio» o que os naturaes
chamam Paranabiba ; ha nas suas margens algumas po>
voaçdes de índios amigost que achando-se estabelecidos
nas suas primeiras entradas, obedecem aos portuguezçs,
que os governam ; e para o interior vi em outros muitos,
dos quâes, e dos mais que este rio contem nâo ha suffi-
cientes noticias.
80.*— RIO PACiXÉ
A 2 léguas mais abaixo do Genipapo, principia a re-
partir em grandes braços o rio das Amazonas, causados
pela multidão de ilhas que n*elle se encontram alé des-
embocar 00 Oceano ; estão todas povoadas de differentes
nações e linguas, posto que todos entendem a geral
d^aquella costa. São tnnias as ilhas e tão diversas as
nações qne as haliitam, que sò para ellas seria necessária
uma nova historia* Com tudo nomearei alguma das mais
conh<^^idas, comu sâo as das tapuyas, auuxiares» mayana-
- 2B4 -
ses, engahibas, bocas»' joannas, e os valentes pacaxés,
que nas margens do rio» de quem tomaram o nome, a
80 léguas em distancia do Paranahiba» e da mesma parte
tem a sua habitação» e em tão grande numero» assim de
aldéas» como de moradores» segundo affirmam os porta-
guezes que alli estiveram» como qualquer outra das mais
numerosas do nosso rio Amazonas.
81. •—POVOAÇÃO DO CAMUTÁ
Á 40 léguas do Pacaxé está situada a aldêa do Camutà,
que n'aquellas conquistas foi em outro tempo de grande
fama» assim pelos seus muitos moradores» como por ser
alli onde ordinariamente se preparavam as armadas,
quando tinham a fazer as suas correrias : porem jà não
tem gente» por haver-se mudado para outras terras ; nem
mantimentos» por não haver quem o cultive ; nem alli ha
outra cousa mais que o sitio contíguo com poucos habi-
tantes» sempre bom» aprazivel e de linda vista» e por tanto
convidando com a sua formosura e commodidade aos que
o quizerem povoar.
82.°— RIO DOS TOCANTINS
Na parte opposta do Camutá desemboca o rio dos To-
cantins» que ainda que n'aquellas partes tem afamado rico,
e, segundo parece» com grande exageração» de ninguém é
conhecido senão pelos francezes» que, quando povoaram
as suas costas» carregaram navios da terra» que das suas
praias tiravam, afim do que beneficiando-a em França» se
pudessem enriquecer, sem que jamais se atrevessem a
mostrar semelhantes thesouros aos bárbaros que n'elle
habitam» com u justo receio de que conhecendo elles a
— 25a -
grande estimação que d*aqiiellas areias se fazia, as defeti-
desêem com as irmas, para não ficarem sem lanlas
rique^s. Nas cabeceiras d' este rio aportaram certos sol-
dados porluguezes, que desde Pernambuco com um sa-
cerdote em sua companbia, atravessaram todas as fraldas
de cordilheira em busca de novas conquistas, c, querendo
navegar por elle abaixo até a sua boca, acabaram às mãos
dos tocantins, em cujo poder foi achado, nâo ha muitos
annos o cálix, como qual o bom sacerdote lhes dizia
missa, durante as suas peregrinações.
83/— PARà
A 30 léguas do Camulá está a fortaleza do rirão-Parà,
povoada e governada por portuguezKS. N^ella ha um ca-
pitão-mòr que é superior a todos os d^aquella capiiania^o
a quem estão sujeitos outros três capities de iDrantariai
que ordiuari amento assistem com as suas companhias para
a defesa d^aquelia praça: todos obedecem ao governador
do Maranhão, que eslà estabelecido ou reside em dis-
tancia de mais de 1^0 léguas pela costa do Brasil, resu!-
tando d aqui grandes inconvenionles no governo do Para,
pois que, se este rio se povoar» será forçoso ficar senhor
d'elle, por ter em suas mãos a chave de todo o rio ; e
posto que é verdade não ser a situação, oode presente-
mente esta, na opinião de muitos, a melhor que se podia
escolher, indo este descobrimento avante, será fácil mu-
dar-se para a ilha do Sol, 14 léguas mais para o mar,
posto este, em quem todos tem os olhos fixos pelas muitas
commodidades que oflíerece para a vida humana, assim
na capacidade e bondade das terras para sustento da po-
voação, como para commodidade dos navios que alli apor-
tarem, os quaes pòJem consL^rvar-se abrigados na enseada
- -256 —
^guros de todos os peiigos, e quando se houverem de
fazer ã vela com a primeira maré cheia, ficam desemba-
raçados de todos os baixos que tornam diflBcultosos estes
portos, commodidade esta de grande utilidade. Tem esta
ilha mais de 10 léguas de circuito; boas aguas; muito
pescado do mar e do rio, grande multidão de caranguei-
jos, que são o sustento ordinário dos Índios e gente pobre;
e presentemente é das principaes aonde vão do Pará cagar
a carne de que precisam para seu sustento.
Si.""— ENTRA NO MAR 0 RIO DAS AMAZONAS
À 26 léguas da ilha do Sol, debaixo da linha equinocial
se espraia com S% de boca, tendo pela parle do sul ao
Zapararà, e pela opposta o Cabo do Norte, e desagua
no Oceano o maior pélago de aguas doces que se conhece ;
o mais caudaloso rio de todo o orbe, o pheníx dos rios ; o
verdadeiro Maranhão tão suspirado e nunca acertado pelos
do Peru ; o Orellana antigo, e para tudo dizer em uma
palavra o grande rio das Amazonas ; depois de haver ba-
nhado com as suas aguas 1 ,350 léguas de extensão ; depois
de sustentar nas suas margens innumeraveis nações de
barbares ; depois de ferlilisar immensas terras e depois
de haver passado por cl riíion de lodo o Períi, e como
canal principal recolhido em si o melhor e o mais rico de
Iodas as suas vertentes.
Este 6 em summa o novo descobrimento doeste grande
rio, que, encerrando em si grandes thesouros, a ninguém
exclue, antes, bera pelo contrario, convida liberalmente a
que d^elles se aproveitem. Ao pobre oíTerece sustento ; ao
trabalhador satisfação do seu trabalho ; ao mercador em-
pregos a fazer ; ao soldado occasiões de valor ; ao rico
maiores augmentos ; ao nobre honras : ao poderoso es-
— ±-^7 —
lada; e ao próprio rei um novo e grande império- Porém
Oft que roais se devem mostrar iuteressados aesla con-
quista sao os zelosos da lionra de Deus» e do bem das al-
mas, porquanto lao grande raullidão eslá chamando por
fieis mlnisEros do Santo Evangelho, para que com a sua
claridade se afugentem as sombras da morte, em que jazem
miseráveis ha tanto tempo. Ninguém se escusa d*esta em*-
preza, pois ha campo para todos e jà descoberto ; e por
muitos que sejam os trabalhadores» que se conduzam, sem-
pre a colheita será mui grande, e necessllarà esta vinha de
novos e fervorosos obreiros para a cultivarem, até a sujei-
tarem toda debaixo da chave da Santa Igreja Romana ; e
sem duvida o nosso grande e calholico rei Felippe IV, que
Deus guarde por muitos e felizes annos, concorrera pela
sua parte com a liberalidade que costuma no temporal
para o sustento de taes ministros ; e a santidade do nosso
mni santo padre Urbano VHI, de gloriosa memoria» como
pai e chefe, que hoje é da igreja, se taosirarâ no espiri-
tual nao menos liberal e benigno, recebendo a grande
fortuna de que em seus tempos se abra ampLissima poria
para reduzir ao rebanho da igreja de uma só vez mais na-
ções juntas, e mais populosas de quantas em toda a Ame-
rica, desde o seu principio, se descobriram.
Lmis Dm Virginique Matri,
REQUERIMENTO APRESENTADO NO REAL CONSELHO nAS IJíDUS
SOBRE O niTO nESCObHtMENTO ^ DEPOtS 0A REBELIÃO DE
PORTUGAL
Senhor. — Cbristovão d*Acuna, religioso da companhia
de Jesus, que por ordem de Vossa Magestade veiu ao des-
cobrimento do grande rio das Amazonas, cuidadoso sempre
- «58 —
dos Biaiores augmeotos da real oorôa, e receioso de qoe
acoDtecimeolos menos faYoraYeis, vistos às nossas portas,
afoguem e empeçam o luzimento dos seus affectuosos ser-
viços, diz que, ainda que é verdade que a principal porta
d'aquelle novo mundo descoberto, para com maior brevi-
dade se principiar a desfructar os proveitosos e ricos fruc-
tos que liberalmente oilerece, é a sua boca principal pela
parte que desagua no oceano, nas costas do Brasil, sujeita
a portuguezes, e por isso menos própria para por ella se
procurar presentemente fazer aquella conquista, nem por
isso deve Vossa Magestade desistir, nem demorar a posse
d'este grande rio, porquanto com mais facilidade e muito
menores despezas a poderá conseguir pela provinda de
Quito, nos reinos do Peru, pelas mesmas entradas por onde
elle e seus companheiros desceram, e resultando indubita-
velmente grandes utilidades ao serviço de Deus Nosso Se-
nhor e de Vossa Magestade, e evitando-se não menores in-
convenientes, que se experimentarão, e talvez sem remé-
dio, se com brevidade assim se não executar. Poderá
effectuar-se sem consideráveis despezas da real fazenda,
enviando-se ordem á chancellaria de Quito para que capi-
tule as entradas mais convenientes pelos rios, que dentro
de sua jurisdicção desaguam no principal, com algumas
das muitas pessoas que á sua casta se oíTerecem a fazer es-
tas conquistas unicamente pelos interesses que d'ellas se
tiram, como s5o . as commendas dos indios, repartir ter-
ras, prover olficios e outros semelhantes, commeltondo-se
ao mesmo tempo o espiritual d'ellas, relativamente à con-
versão e ensino dos naluraes, aos religiosos da companhia
de Jesus, cujo instituto ó este, já que com não pequenos
titules a este particular descobrimento podem mostrar
algum direito, pois que seus filhos não somente têm acla-
radOy à custado seus trabalhos e desvelos, e ainda de mui-
— 2nO —
tos ducados, as sombras de um novo e dilatado imperio.que
' banhado por este grandioso rio, oííerece crescidos aug-
' mentos à real coroa de Vossa Magestade» além da posse de
mais de 40 aooos adquirida com o sangue do ditoso
tpadre Raphael Ferrez, derramado pelos naíuraes a quem
'pregava nos princípios doeste rio : continuando a perder
estó direito os padres da companhia, que por Santiago
da Montanha, ha annoSt cultivani com a sua doutrina os
principaes ramaes d'esta nova conquista, para continuar
na qual se necessita n*aqutílla província de Quito do novos
obreiros da Europa» qun os coadjuvem em tão copiosa co-
lheita. O que Vossa Magestade proverá com a piedade
costumada, ea liberalidade que pede a necessidade extrema
de tanta immensidade de nações dillerentes, resultando
d'ahj os seguintes proveitos ;
O primeiro, e que sempre é o principal no cLristiauissimo
peito de Vossa Magestade, dar-se, sem mais demoras, prin-
cipio á conversão de um novo mundo de InQeis, que
miseravelmente jazem na sombra da morte ; obra tanto
do serviço de Deus, que não pude oíTerecer-se outra que
mais lhe agrade, e tal que por elle se considerará como
obrigado a estabelecer com perpetuidade a coroa de Vossa
Magestade, e novamente a accrescentar com maiores im-
périos.
Osepndo, pouparem-se âs muitas despezas que, como
necessárias, indispensável mente se haviam de fazer, in-
tentando-se esta conquista, como se projectava, pela boca
do rio, t*m conduzir soldados, preparar embarcações»
ajuntar petrechos, e ludo mais necessário para formar no-
vas povoações, o que ludo occasionaria grandes despezâs,
as quaes se evitarão mandando-se que lenha principio esta
conquista pelas entradas de Quito, porquanto os particu-
lares, a quem íòr commeKida, farão gostosamenie todas
TOMO xxviu, p. I. 34
— ãiio —
âs deípeías, e unicaitoenle carecerSo para o espíriluâl d'eUa
de obreiros e mioislro.s aptos do Evangelho, que Vossa
Mâgeslade envíari de Hespanha, pela extrema necessidade
que d^elles ha n^aquellas partes,
O lercciro, começar Vossa Mâgeslade a possuir e gonar
doqiie todos os senhores reios, seus predecessores, úe^dm
oieuhor Imperador Carlos V, que Deus haja, dipo visavô
de Vossa Magestade, desejaram, e com despezas e diligeo-
cias nào pequenas procuraram sujeilar á sua real coroa»
para o que, no annode Í5l&, u mesmo Senhor Impera-
dor Carlos V mandou dar a Francisco de Orellana ires
nafioscom sufBciente gente e pretetios, para que, em seu
real nome» tomasse posse d'este grande rio das Ama-
zonas (qiie, nove annos antes, elle havia navegado)
em razão das mui las utilidades qiie de seraelhanle execu*
Qâo se esperavam, posto que as tormentas e morte de
quiftí lodos os soldados o obrigaram a que, reduzido a uma
Qniea embarcação, arribasse á Hargarída, cassando com o
sen infeliz successo as esperanças que a HespanUa se pro-
mettía, se tivessem obtido melíior fortuna naquetla ex-
pedição ; e Vossa Magestade desde o principio do seu rei-
nado, que dure por muitos e felicíssimos annos, oceupoci,
e poz todo o seu desvelo em conseguir isto mesmo, com«
mettendo a execução doeste descobrimento a varias pes-
soas, como consta de vários dipl<»mas, despacliados n'esta
conformidade nos annos de I62t, 1620 e 163b; o de il
expedido á real audiência o chancellaria de Quito para
que se estipulassem as condições, que para o referido d©&-
cobrtmento fossem convenientes, com o sargento-mór Vi-
cente dos Rei» Villalobos, então governador e capitão gene*
rsi dos Qtiíxos, juriadicção de Quito, o qual não teve effeito
por chegar o seu successor no governo : o de 26 expedido a
fãVíw de Bento Maciel Pâreate, portugnez de naçSo, para que
- 2IH -
pelas provi nciis Jo MarânhSo e Grão-Pará, que Oêtlo na
boca «leste rio principiasse o seu descobrimento^ o qual
lamlicm nâoso executou por serniandado acudir â guerra
de Pernambuco : o de 34, expedido a Francisco Coelho de
Carvalho, porluguez, que então era governador do Mara-
nliào e Pará, com ordem expressa de que com a maior
brevidade por pessoas de confiança, e, ^e f*>sse necessário,
por elle mesmo se desse principio por aquellas partes ao
que tanto se desejava, e que nunca sorti q eíTeilo ; 6, pre-
sentemente, querendo-o assim Vossa Mageslade, terão felix
execução, t; para o futuro se verão diariamente maiores
vantagens do que as que se promettiam.
O quarto, fechar-se por esta maneira a porta a que nin-
guém do Peru intente arrojar-se com os seus thesouros
pelas correntes d*esle rio, pi>r evitar pagar os direitos, que
por Cartaf^euM se pagam a Vossa Magestade, e fugir dof
riscos dos corsários, que qtiasi sempre andam frequente-
mente por aquellas parles ; pois que é certo que o hão de
pretender assim fazer por occasião da facilidade com que q
poderão executar, a que ninguém se atrevera, seguros os
portos principaes das suas entradas, como realmente fica-
rão por meios das pessoas que por elles começarem a con-
quista.
O quinto, obstar ao trafego e communicação, que lanto
desejam os ptirlnguezes que habitam na boca doeste rio,
fazer com os da sua nação residentes no Peru, o que n'estefi
tempos será assas prejudicial. E se elles soubessem que
Cí*m tempo se previnia a sua malícia, lomando-lhes todas
as entradas, é certo que se nâo atreviam a intental-o?
sendo certo que os portif^uezes das costas do Maranhão 6
Pará intentam esta (xiinmunicação, o que eu sei com toda
a evidencia, e o poderei afUrmar como testemunha do o
ouvir muitas vescs a eUes mesmos.
— 262 -
O sexto, reduzindo Vossa Majestade á sua obediência as
príncipaes nações d*este rio, e particulannentL' as que ha-
bitam as libas e as margens, e são mui bellícosas, e com
valor ajudarão aquelles que uma vez reconhecerem por
seus senhores ( pouca ou nenhuma resistência farão, em
razão das muitas guerras que continuadamente tém umas
com as outras ; e sujeitando-se uma, as mais com facili-
dade se sujeitarão também], poderá pelo mesmo rio abaixo,
melhor ainda que pelo mar, expulsar da boca d*elle a
quaesquer outras que com sinistro titulo a possuírem, e
assegurar por esta maneira os muitos e riquíssimos fructos
que d*elle se esperara, cujo gozo será retardado unica-
mente pela demora na sua posse ; e, dado o caso que com
brevidade, como esperamos, se ponha freio e se castigue
o mal olhado atrevimento dos portuguezes, e que fique
desembaraçada a boca d* este rio, para que por elle se con-
siga a conquista, principiada esta, desde já, pelas entradas
de Quito, se tornará mais fácil e menos se despenderá para a
conseguir com felicidade.
O sétimo, deve-se advertir com mais particular cuidado
que já os indios em todo o Períi, e quasl em todo o desco-
berto, e em especial aonde ha minas e outros estabeleci-
mentos de importância que dependem do seu trabalho pes-
soal, estão tão acabados, como poderamos aíD mar os que
havemos corrido aquellas partes, e todos os dias vão em
tanta dimlnuiçlo, que em poucos annos pela sua falta ces-
sarão, ou pelo menos diminuirão sensivelmente os muitos
interesses que da sua existência dependem; damno incontes-
tavelmente grande, e que VossaMagestade deverá esforçar-se
prevenir com tempo, e remediar por todas as maneiras pos-
síveis, não havendo, nem podendo imaginar-se outras, a
não ser, tomar mui a peito a conquista e conversão d*este
novo inundo, onde são tantos os seus habitantes que pode-
~ 263 —
rão de novo povoar todo o despovoa ri o do Verh ; e^ se se
sujeitarem ao jii?» do Santo Evangelho» e €om a paz geral
cessarem as gnerras continuadas era que diariamente se
arruinam reciprocamente, augmentíir-se-hao tanto, que,
rompendo os limites» por serem estes pequenos, será for-
çoso estabelecerem-se por mais espaçosos reinos. E» até
mesmo se por meio frplles se heneficiassem unicamente as
muitas minas, e o mais que nas suas nações offerece a fer-
tilidade da terra» se deverá, qual outro Peru, aceitar im-
mediatamente a sua conquista, e mui principalmente com a
facilidade que aqui se olTerece.
O oitavo, se succedesse quo os portuguezes que estão
na boca do rio ( que tudo se pôde presumir da sua pouca
christandade e nenhum:i lealdade ] qnizessem, ajudados de
algumas nações bellicosas, que lhes estão sujeitas, peneirar
por elle acima até chegar ao povoado do Peru, ou do novo
reino de Granada; e ainda que por algumas partes achariam
resistência, por outras muitas encontrariam pouca ou
nenhuma, por sahirem a povos mui faltos de gente; e
emfim pisar-im aquellas terras vassallos desleaes de Vossa
Magestade, bastando, em reinos lao distantes, o nome de
desleaes para causar gr^vissimos damnos. Pois se unidos
Cí)m os hollandezes, como estão muitos do Brasil, inten-
tarem semelhantes atrevimentos? E' bem evidente o cui-
dado, que nos poderão dar* Que o? hollandezes desejara
ha muitos annos,e procuram deveras senhorearem -se d'este
grande rio, é cousa tao cerla* que não duvidou aíBrraal-ci
epublical-o João Laeth, auclor hollandpz no livro que
intitulou — Utrimquê Ámerka — e sahiu à luz no anno de
1033, e n^elle no livro f 7 cap. XV in-fíne diz estas palavras:
a Virum tamen tamhi ( sei I ice t Angeli et Hiberni) quam
nostrí (scilicet Belgi) a Portugalis, a Para venienlibus,
jnopinato oppressi et fugati non leve damnum fecerun ^
— 2G4 —
perpesi; ad quod rcsarcíendum; et aecepUs injarías
viodicandas maiori cGoato^et ?iríbos institotam repetere el
Ulcere satagunt. » E no mesmo livro no cap. 2* diz: « Port
anoum autem 1615 Poriugalii ad Pararipam, qoi sine
dubíu.n bujns magni flumini^ ramus est, coeperont íncolrai,
ut ante díximus, et an'mum ade cetpra forte adjicientes*
nisi ab Angelis et Belgis nostris imp(?diantur. » Donde se
collige evidentemente que se oshollandezes dilatam a cob-
quista d'este grande rio, de que falia o auctor n'estas doas
passagens* é porque mais nâo podem, e não porque lhes
faltem ardentes desejos, e verdadeira estimação do muito
que ganhariam em a executar. Acautele, portanto. Vossa
Magestade estes tão graves damnos, que este seu fiel
vassallo lhe propõe, e não permitta que haja lugar de
algum dia chorarmos perdas, quando presentemente se nos
offerecem grandes lucros e vantagens em todo o género.
Finalmente, se com o andar do tempo se sujeitar e
aplanar a passagem por este grande rio, e aclarar as en-
tradas que ha por elle, por todo o Peru, e se se quizer
reduzir a esta viagem tudo quanto d*nquellas partes enri-
queça a Hespanha, eu me gloriaria de haver feito a Vossa
Magestade um dos maiores e mais proveitosos serviços,
que se podem esperar do um vassallo: não somente se
pouparão grande somma de ducados em iinmensasdes-
pezas que serão indispensáveis emquanto durar o trajecto
de Panamá e Carlagema, as quaes seriam mui módicas por
este rio, por ser por ai2[ua e ajudarem as suas correntes,
mas timbem ( o que é de maior consideração ) assegurará
Vossa Magestade de uma vez os seus fortes, e sem o
minimo receio tle corsários porá em salvo lodos os seus
thesouros, pelo menos até chegarem ao Pará, d'(mde em
2i dias por mar alio, com líaloões feiljs uo mesmo rio,
a lodo o tempo passarão á Hespanha, sem que inimigo
— à65 —
algum os possa esperar á sabida, por ser a cosia do Pará
tal, que nem dois dias podem os navios fora do rio resistir
às correntes do mar. Consequentemente cessarão de uma
vez os grandes cuidados, que todos os dias nos causa tão
perigosa e tão dilatada viagem, como é a de Cartagena.
Tudo, senhor, se remediará com o que tenho proposto
n*este requerimento, ao que somente ajunto, que a maior
parte do bom successo n*esta matéria será a brevidade na
execução. E se eu para alguma cousa servir sempre
estarei ao pès de Vossa Magestade.
RIODE JANEIRO— Typ. de Piutieiro òl G.*, rua 7 de Setembro, i65.
índice
DAS MATÉRIAS CONTIDAS NO TOMO XXVIII PARTE
PRIMEIRA
PRIMEIRO TRIMESTRK
Diário da viagem feita pelos sertões de Guarapuava ao rio Pa-
ranan, porCamillo Leilis da Silva 5
Mato-Grosso por Goritiba e Tibagy. Itioerario da viagem que fez
ao baixo Paraguay o capitão Manoel Joaquim Pinto Pacca. . 32
Informação sobre o modo porque se elTectua a navegação do Pará
para Mato-Grosso, e o que se pode estabelecer para maior
vantagem do commercio e do Estado, por D. Francisco de
Sousa Coutinho i 38
Exploração do rio Paraguay e primeiras praticas com os índios
guaycurús , • . • 70
Expugnação pelos hespanhòes do presidio de Nova Coimbra. . 89
Fundaçiío de Villa-Maria do Paraguay e providencias para o seu
engrandecimento 110
Estabelecimentos de Nova Coimbra e Viseu, e noticia de um
màppa geographico por onde se mostra a corrente do Guaporé. 118
Construcção do forte do Príncipe da Beira, e conservação de
outros estabelecimentos 121
População da capitania de Mato-Grosso em 1800 123
Breve memoria relativa a chorographia da província de Mato
Grosso, por Augusto Leverger. 129
Documentos relativos a prisão de M. I. da Silva Alvarenga, Ma-
rianno J. Pereira da Fonseca e outros, por ordem do conde de
Rezende ". 157
SEGIND» TRIMESTRE
Novo descobrimento do grande rio das Amazonas, pelo padre Ciiris-
tovão dWcuna 163
REVISTA TRIMENSAL.
REVISTA TRlMEiNSAL
DO
INSTITUTO HISTÓRICO
GEOGRAPhICO, E ETHNOGRAPHICO DO BRASIL
3* TRLMESTRE DE 1865
ESTUDOS HISTÓRICOS
ANNAES DA PROVÍNCIA DE GOYAZ
POR
J. M. P. DBALBNCâSTRB
CAPITULO XV
(1800—1803)
Viagem de D. João Manoel de Menezes pelo Araguaya. ^Motivos d'esU
viagem.— Assume o governo da cafútania.— Procedimento de TrístSo
da Cunha. — Os dois partidos em campa — Excessos que se prati-
cam.— Manda á camará que intime a Tristão da Cunha para que se
retire da capitania. — Prisão do intendeqte Manoel Pinto Coelho. —
Intervenção da camará.— Prisão de D. Joãa — A villa em alarma e
a força publica em armas.— Prisão dos camaristas. — O intendente
é conduzido para a aldèa de Pedro III (Carretão). — Gan^^cter de
n. João.--Seus serviços administrativos.— Horto Botânica —Instruc-
v^o publica. — Presidio do Araguaya.— Leva de tropas para Mato-
— 6 —
Grosso.— D. JoSooo desagrado do prí'!cipe regente. —Devassa. —
D. Francisco de Assis Mascarenhas, seu successor.— D. Manoel de
SanfAnna Alves e o vigário geral da Nati\idade, Luiz José Custo-
dio.— â missão e o missionário.— Ordem de prisão.— D. Manoel re-
siste.—Quem era esse missionário ?
Tendo D. João recebido, poucos mezes depois de no-
meado governador, a caria régia de 12 de Maio de 1798
(62), na qual se lhe determinava que, de combinação com
(02) D. João Manoel de Menezes, etc. Eu a Rainha vos envio maíto
saudar. Porquanto tenho determinado promover efficazmente a
riqueza, a felicidade e commodo dos habitantes d'essa parte do Bni*
sil, sou servida, além de outras providencias já dadas, dar outras
para a communicaçào de umas capitanias para outras, encarregando
da sua execução e da sua direccAo e inspecção de todos os trabalhos
que requer a realização do plano que mando pòr em pratica o go*
vemador e capítão-general da capitania do Pará, D. Francisco d«
Sousa Coutinho; e porque a sobredita communicação se ha de fazer
pelos rios, ordeno-vos que, conformando-vos, como quero e man-
do vos conformeis com o que vos íòt proposto pelo referido gover-
nador, e de accordo com elle quanto ao tempo e ao modo de prin-
cipiar e proseguír os trabalhos necessários, façais explorar os rios
que correm pelos districtos d'es8a capitania e que vão levar as suas
aguas ao Amazonas, e que por elies se façam descimentos em épocas
determinadas, que vos annuncíar o governador do Pará, de sorte
que em lugar dado venham encontrar-se com as partidas que do
Pará subirem pelos mesmos rios, afim que por este modo se façam e
continuem as exploraçi^es, que de todos os rios» que do interior do
fírasil vão desaguar n'aque1la capitania e suas costas, vindo assim a
conseguir-se os preciosos conhecimentos para se regular depois a
mesma communicação, conGando do vosso zelo pelo meu real ser*
viço que executareis com actividade, promptídão e desvelo tudo o
quts para aquelle fim vos f(\r proposto e ordenado pelo sobredito
governador e capitão -general; porquanto é por expressa ordem
minha tudo o que elle emprehender e vos participar. O que vos hei
por ordenado e mui recommendado para que assim o cumprais e
façais cumprir, não obstante quaesquer ordens em contrario. Es-
cripta no palácio de Queluz, em 13 de Maio de 1798. — Príncipe,
D, Francisco de Sousa Coutinho, emprebendesse a explora-
ção e naTegaçao dos rios da capitaoia, que ?ao desaguar no
Amazonas, e que executasse para esse fim tudo quanto lhe
fosse diclâdo peto governador, de que tratamos, partiu de
Lisboa em direitura ao Pará, oude demorou-se, para melhor
conbinar o que devia fazer na conformidade d'esta ordem
tao terminante, e cuja boa extjcução muito importava,
A 111 embarcando-se, subiu o Tocantins, entrou pelo Ara-
guaya, e foi ler ao porlo de Sania Rila, donde seguiu por
terra para Villa Boa,
D'este modo quiz por si mesmo estudar os meios
de cumprir as reaes recommendaçoes, desprezando assim
os ioeúramodos por que ia passar, atraTessando mais
de quatrocentas léguas despovoadas, e mm recursos,
além de oxpõr-se aos insultos dos selvagens, que habita-
vam uma e outra margem do rio.
A chegada de D. João á capital foi uma sorpresa agradá-
vel para os inimigos de Tristão da Cunha, quu desde logo
começaram a mauifestar por actos o seu contentamento, o
que de algum modo estimulou o orgulho e o amor própria
do ex-governador*
Também esle nao recebeu, como era de justiça e dever
de cortezia, ao seu successor e parente com as cordiaes
manifestações que se esperava, E» manifestando despeito,
por ver a satisfação dos que o tinham hostílisado, no dia da
posse do seu successor, togo depois do acto religioso^ que
era de estylo, retirou-se da igreja, deixando de acompa-
nhar a D. João ao quartel-general da sua residência. Ou
acto irrertectído fosse ou iutencíonal, é certo que esta gros-
seria e incivilidade causou estranheza a todos, e foi hábil*
meule aproveitada pelos seus inimigos, como arma pre-
ciosa de intriga.
Uma testemunha ocular dos tristes acontecimentos doesse
— 8 —
tempo» esboçando o governo de D. Jo2o, assim se ex-
prime:
« L(^o depois da sua posse na matriz, teve o seu foco a
discórdia de Goyaz, por não ser acompanhado ao quartel
da sua residência pelo seu antecessor e primo, que da igreja
se retirou.
« D'aqui cresceu a intriga, que perturbou a boa ordem
de todas as cousas de Goyaz. A* demora do seu antecessor
acudiu depois a emulação, e fez partidistas, que Ibe tor-
naram suspeitosos os seus súbditos, ainda os mais obe-
dientes: em quasi todos se lhe Ggurava ver régulos e
anarcbistas (estes os valiosos nomes que lhes inspiravam
e que dava a todos] e a todos ameaçava com a mais severa
vingança, à excepção dos satellites da intriga, que sempre
applaudiu, e teve a desgraça de não poder conhecer, sendo
que a malignidade é que lhe acendeu o animo e alterou a
rectidão de suas intenções.
« Principiou affavel e beneflco, estabeleceu sociedades
que frequentou, mas pessoas mal intencionadas achavam
occasião apropriada para desafogo de vinganças particu-
lares e para augmentar os interesses próprios, e lhe repre-
sentaram suppostas infidelidades, tornando tâo critico o
tempo d'esse governo que tudo era perigoso, e a mesma
prudência mais encanecida.
<c Fulminou, trovejou, ferveu a dissenção entre dois
grandes, e assustado tremeu o resto do povo.
« Amíudaram-se então as representações ao tbrono, e,
quando a camará incorporada foi intimar ao seu antecessor
a sua retirada, apresentou este um aviso para se demorar
o tempo necessário para exlrahir os documentos que pre-
tendia e se lhe denegava.
<c Então enviou o seu ajudante d'ordens a Lisboa afazer
novas representações a este respeito : — auctorisou o outí-
— 9 —
dor de Malo-Grosso* que passava, a tirar devassas em terri-
torioalheio contra o ouvidor Liz, que jà linha dado residên-
cia, e oulros mais : enlao fez prender, sem tomar contas e
dar balanços, o thesoureiroe escrivão, deputado da junta da
real fazenda, o thesoureiro da casa da fundição e outros,
nomeando-ihes serventuários, e conservando-os muito
tempo em si^gredo, o que tudo se fez com um apparato mi-
litar, qm inspirava temor a toda a villa.
í( Então se flzeram reposições aos cofres de ordenados
que se tinham recebido, e que depois foram mandados res-
tituir por Sua MagesEade- Kntao, finalmente, uns foram
exterminados para fora da capitania, outros para dilTe ren-
tes lugares da mf sma, e quasi todos ameaçados dos mais
seteros castigos. Mas nem cora tudo isto socegava a in-
triga, fervia cada vez mais a obra da iniquidade, a cada
jm&} sonliavam e apresentavam a este gt»vernador ataques
feitos contra a sua pessoa e a sua honra, de sorte que uma
jaiiella fechada com estronJo por uni golpe de vento síí
figarou como um violento tiro de pedra que so lhe fazia.
Veiu a supposta pedra criminosa a juisío, fez-se auto dii
corpo de delicto em uma mossa da dobradiça da janella, e
se procedeu á celeberrima devassa, em que, depois de se
macularem pessoas innocentes, aOnal Gelaram criminosos e
obrigados a livramento os mesmos que contra ellas tinham
jurado. Com isto dobrou a guarda de sua pessoa, prepa-
rou a artilhe ria, que assestou contra a casa do seu ante-
cessor, municiou as tropas que velavam â noite^ e com o
alarma aterravam, reformou e povoou as cadêas, e fez assim
esperar, antes da consummayão dos séculos, o dia rio juízo
universal, » (63;
A pintura carregada eom que desenha o auctor o quadro
Cl. A. Silfa e Souza. Hfim* tioy
TOMO xxvnr, p* ii. í
— ia —
da administrarão de D. João iam mui lo de exaola ; ma& è
bom saber que, ooulemporaneo d^esses deploráveis acon-
tecifneotoSt lambem teve Q'eiles parte corno ura dos amigos
de Tristiio da Cunha,
Ambos os personagens foram eu I pados ; Trislao da
Cunha por nào saber respeiLar-se^ D* João por não saber
dissimaUr.
O cirtirgíno-mor Joso Manoel Antunes da Prola, âuclor
da ama historia do Goyaz, reíerindo-se a este governador,
faz-lhe jusliça, dizendo : << que tinha boas intenções, e de-
sejava acertar; porém, infelizmente» mo sabia fazer es-
coLha dos homens^ e dava ouvidos a muitos, que o i&\^
díam, n (64)
Ambos tinham os mesmos defeitos como administrado^
res; mas dislinguia-se Trislao da t^nha pela sua perícia
em manejar a terrível anaa da intriga, que muitas wtesé
uma arma de dois gumes, que não sò fere â victima eomo
o algoz. Foi o que succiídeu : querendo ftizer mal aos seus
contrários» fez mal ao seu successor, e alinal se véiii a pre-
judicar a si mesmo. Níl hOra suprema da justiça foi TrisLío
da Cunha envolvido n'essa rèdo infernal, que teceu por suas
próprias mãos.
Os factos succedidos no mez de Mato de 1803, por occa-*
siâo de ser preso o Dr< Manoel Pintu Coelho, intendente do
ouro, nao se podem dizer filhos da imprudência o do ca-
racter violento de D* João ; mas devem ser levados em
culpa ao seu antecessor, que, empurdiando o facho da
discórdia, fez sublevar todos os ódios e atear todas *as
más paixões 6 ã imprudência do mesmo intendente.
Foram tão repetidos os i d sul tos, tantas ns provocâçOes
desrespeitosas recebidas dos apaniguados de Tristão da
[U) Pãlriota; anno 1814, n. t, pag. 33.
— u -
Canha, que, apurada a paciência de D- João, esgotado o
cálix da amargura até ás íeses» toda a energia do seu carac-
ter cumeçou a raanifeslar-se em actos, alguns de injustifi*
cavei violência*
Vejamos o qtie deu origem k prisão de Manoel Pinto
Coelho, Não era D. João pouco zeloso do camprimento dos
seus devereSf nem condescendente que tolerasse abusos •
Vendo que a renda da capitania decrescia espantosamente»
qoê era preciso fazer economias^ havendo muito onde
realizal-as» apresentou em junta da fazenda um plano de re^
forma económica, que em algumas das suas partes signiC-
caia reprovaíâo de actos do seu antecessor, e em outros
redundava em prejuizo de alguns dos seus deputados, par-
ticularmente de Manoel Pinto.
Este plano de reforma encontrou da parte do procurador
da fazenda a mais decidida e tenaz oppúsição ; e no parecer
escripto, que foi convidado a dar sobre elle, nao se limitou
a combater o projecto, mas passou a aggredir o gover-
nador, mént^scahando da sua auctoridade, Nao contente de
proceder de um mudo t~(o insólito» ainda foi além, capi*
tulando uma accusaçãu dt^sabrida contra os actos adminis-
trativos de D. João-
Este procedimento do procuradur da fazenda fez-Ihe tão
má impressão que, escrevendd a propósito ao secretaria
doestado, assim se exprimiu, profundamente desanimado :
« O meu procedimento em cortar os abusos sâo desvir-
íubáíqí ; os meus planos acham aqui sempre opposiçao, e
sáo diíBceis a praticar pelos obstáculos do partido e da par-
cialidade. >» Faltando do seu plano de reforma ; ^ A digni-
dade com^que representei ajunta da real fazenda, os remé-
dios de que se devia fazer uso para obstar a sua mina, o
inleresse que uella mostrei para" que fossem pralicados»
não uarecíiLm a triste recompensa de serem obstados pelo
- 42 -
pedantismo e crassa ignorância do dilo procurador da fa-
zenda, levando o seu delírio a proferir falsidades para me
insultar e uIlR^ar, e d'esie modo satisfazer ao seu amigo e
protector Tristão da Cunha Menezes, com quem todos os
dias confere, e os do partido da opposiçao, cogitanio
sempre nos meios de me insultar e transtornar os meos
plano8« X»
Desgostoso D. João dos factos que todos os dias sncce-
diam em Villa Boa, retirou-se para uma chácara no arraial
do Ferreiro.
No dia 1* de Maio alli fui ter o intendente e lambem ou-
vidor interino, afim de declarar ao governador que por
aquelles dias seguiria para Meia Ponte em diligencia do seu
officio.
O tom do recado e o mào humor do governador concor-
reram para que esta audiência não fosse nem mesmo atteo-
ciosa. D. João declarou-lhe peremptoriamente que ido
podia dispensar a sua estada na capital ; que aguardasse a
diligencia para depois da chegada do ouvidor MouiCo ;
e, finalmente, que a sua retirada era motivo para não po-
der haver junta, e que esta já havia representado, mos*
trando o incobvenienle doesta falia.
Àpezar do que ouvira a J). João, no díaã oí1iciou4he,
pedindo a nomeação interina de um procurador da fazenda,
e solicitando outras providencias, por isso que era irrevo-
gável a resoIuQDo que tinha tomado de ir à Meia Ponte.
Foi a reproducção de facto idêntico que se deu com
um ouvidor interino no governo de Tristão da Cunha, como
vimos, mas sem as falaes consequências que d'esle se ori-
ginaram.
Declarando por toda a parte Pinto Coelho que não cum-
pria as ordens do governador, apromplava-se para no dia
18 partir para Meia Ponte. No dia aprazado, porém, apre-
- 13 —
sentou-se-flif* '" ajudante d*oriletis, Álvaro José Xavier^
e ÍDlimou-lhe de ordem de Sua Magestade a suspensão de
todos os seus empregos, declarando -o também preso em
sua casa atò nova ordem.
O intendente, resistindo com umapistola» tentou montar
a carallo; intervindo, entretanto, a fijrça, e comellao
ajudante, Marcellino José Manso, foi Coelho desarmado,
e conservado preso sob a gnanla de um tenente de
dra*íÕes.
O governador, que reeeiava a preseTjra do intendente na
vdia, resolveu fazél-o sabir em 48 boras para a aldôa de
Tedro III, até que pudesse dar lhe outro destino, e n'este
sentido deu suas ordens.
íí*este mesmo dia, à tívrde. chegou á capital o ouvidor
Mourão: us amiííosdo intendente faramaoseu encontro,
e, tanto se empenharam para que interviesse em favor do
preso, que nao teve remédio senão empregar os seus bons
oíBcios junto à pessoa do governador; mas não sò nada
consísguiu, oomo teve ordem de ser elle próprio o executor
das que anteriormente tinha D, João dado.
Paraiavitar o degredo, e ganhar tempo, requereu Coelho
uma inspecção de saúde, cora a qual provou nao poder se-
guir viagem* Por intermédio do ouvidor chegou esta cir-
cumstancia ao conhecimento de D* João.
Telas 10 horas da manha do dia 17, pouco antes da hora
marcada p;ira a sabida do intendente, a camará cm corpo-
ração e arvorando o seu estandarte foi ter com o ajudante
Marcellino José Manso, e intimou-lhe que substivesse no
cumprimento das ordens do governador.
O ajudante e o secretario do L^overno, Manoel Joaquim
da Silveira Félix, se transportaram immedialamente ao
sitio do Ferreiro, afim de com mun içarem a D. Joio o que
ocDírria,
— 14 —
N'essa oecasião foi laesente ao mesmo governador o
officio de Mourão, parlicipando que o preso uâo podia fazer
viagem, por ter eíTeclivamente adoecido.
Pouco depois regressou do Ferreiro o ajudante Manso,
deixando em companhia do governador o secretario e o
capitão-mór da villa» António de Sousa Telles.
Sendo mais de 3 horas da tarde» c vendo a camará que
o governador não deferia o requerimento do intendente,
apoiado no testemunho insuspeito de Mourão, dirigiu-se
a este, e intimou-lhe que não cumprisse ordem alguma
emanada de D. João, c em seguida foi declarar ao ajudante
Manso que se considerasse preso até segunda ordem da
mesma camará.
Dadas estas providencias, partiu a camará em corpo-
ração para o Ferreiro, e alli chegou ás 5 horas da tarde.
N'esta mesma occasião recebia Manso a seguinte carta do
governador:
a Recebi a sua carta ás 3 horas da tarde : ella me obriga
a tomar a medida de encarregar ao Dr. ouvidor da comarca
o pôr os meios de calmar a tempestade levantada por esses
facciOvSOS camaristas, para cujo fim Vm. entiegará logo
esse meu oíTicio, que remetto incluso, para que de mutuo
accordo com o Dr. ouvidor determinem o que parecer mais
conveniente ; e, no cuso que Manoel Pinto Coelho, inten-
dente que foi, se ache molesto (como aQinna\ não ponha
em execução a minha ordem de o fazer sahir esta tarde,
esperando até que melhore ; poderá igualmente recolher
a tropa, se assim as circumstancias exigirem, confiando na
sua prudência, se conduza sobre este importante objecto
como lhe parecer melhor convir á tranquillidade publica e
serviço do Príncipe Nosso Senhor. Silio do Ferreiro, 4 ho-
ras da tarde do dia 17 de Maio de 1803.— D. João Manoel
de Menezes. »
— 15 —
Se O sargetnto-murMarcellioo tivesse algumas horas anles
recebido esla ardom, a lempestartti se lona desfeito, 6 a
camará não se excederia do procedimenlo que ttive, proce-
dimento altamente criminoso^ corao passamos a vêr.
ApresenlandO"se ella ao goviiruador, foi conveoiente-
mente recebida, e nesse aclo inlimou-lbe o secretario
d' essa corpuraçãu ordem de prisão por crime de lesa-ma-
gestade» devendo por islo a*nsiderar-se desde aquelladata
apeado das fuucções de governador e capiiâo-generaL Em
seguida foi também intimada ao secretario do governo
ordem de prmo, sendo para admimr que d' ella escapasse
o capitio-mòr dacoraârca, que se achava como governador
e ora testemunha doesta scetia-
D. João, com calma apparenle e ironia nos lábios, de-
clarou simplesmente que ficava certo da resolução da ca-
mará; e, ao relirar-se esta» fez saber ao governador» que
corasigo conduzia o secretario : antes, porém, da sua par-
tida, lAl^o D. João entrar em um gabinete particular, e es-
crever a seguinte ordem :
« O sargeato-mòr, ajudante das minhas ordens, Mar-
cellino José Manso, mandara pegar em armas a toda tropa,
que puder ajuntar das quatro companhias do regimento do
iíifanlaria dos pardos, cavai 1 ária e Henriques, e me enviará
um pequeno reforço para minha guarda, e, logo que tenha
em armas a gente, lhe ordeno que venha a este quartel-
geoeral do Ferreiro, receber de mim as ordens que ahi
deve executar, parlici pando ao Dr, ouvidor da comarc;i,
Manoel Joaquim de Aguiar Mourão, que se dirija a eslo
sitio logo e logo, »
A camará quiz obstar que este otlicio, de cujo assumpto
ignorava» fosse levado ao seu desliiu», mas não o pôde con-
seguir. Eram 5 horas c meia da tarde.
Desde pela manhã o iatendentô trabalhava da sua prisão
— 16 —
com frenética actividade, para augmenlar os elementos da
desordem com que conUiva, mediante o concurso dos seus
amigos, do ex-governador e da camará, com quem esta?a
em incessante correspondência.
No regressar a camará do sitio do Ferreiro para a villa,
encontrou em caminho o ouvidor Mourão, o qual, depois
de censurar em termos enérgicos o procedimento d'ella,
conseguiu soltar o secretario e leval-o comsigo.
Jà riilo era tempo de recuar.
O ouvidor e o secretario do governo voltaram do Ferreiro
ã noite, trazendo as ultimas instrucções. Ao chegarem a
palácio, ahi encontraram o ajudante Manso, que jà tinha
reunido a força nos seus quartéis, prompta à primeira or-
dem, afim do manter a tranquillidade publica, no caso de
alguma tentativa de sedição.
A camará, depois da prisão do governador, recolhendo-
se à villa, mandou tocar a rebate. Durante todo o resto da
tarde se ouviu o toque monótono do sino da cadêa, cha-
mando o povo á revolta ; mas foi embalde, porque nin-
guém se atrevia a sahir à rua. As casas estavam trancadas,
as ruas desertas, a força em armas no quartel, e a camará
em sessão permanente desde as 9 horas da noite.
O capitão-mór Telles e o ouvidor Mourão foram Dor ella
intimados para que comparecessem á sessão : mas estes
não só recusaram ir, como declararam em suas respostas
aos camaristas qne era prudenle dissolveremse, o não
continuarem a perturbar o soce^^o publico.
Sciente o governador de tudo quanto occorrêra depois
da sua prisão, expediu a seguinte ord(?m ao ouvidor Mou-
rão, que d'ella foi entregue às H horas da noite :
« O estranho e nunca pensado procedimento, praticado
no dia de hoje pela camará doesta villa, me obriga a tomar
medidas instantâneas contra os aggressores de tão atrozes
— 17 -
delictos; e, porque se acham esgotadas as de moderação p
Vm. proceda immedíalameote a prender lodos os officiaes
da camará, sendo o presidente e escrivão os primeiros
sobre quem se exercite este aclo de jurisdicção, e porque
me consta que na mesma casa da camará» fora de horas,
se conspira novaraenle contra a minha immunidadep pro-
cederá contra elles sem atlençSo a qualquer immuDidade
de pessoa e lugar, por ser este o caso em que se não co-
nhece asylo: Vm. assim o cumpra, e me dê parte de
assim ficar executado. Deus guarde a Vm- Sitio do Fer-
reiro, !0 horas da noite do dia 17 de Maio de 1803.—
D, João Manoel dts Mello. —Sr* Dr. ouvidor, Manoel Joa-
quim de Aguiar Mourão. »
De posse d' esta ordem, o ajudante Manso com uma
força de 60 praças partiu para a casa da camará e pôz-lhe
cerco ; porém os camaristas um quarto de hora antes se
tinham dissolvido e occultado, A*s 2 horas da noite foram
dois camaristas presos em suas casas pelo ouvidor : quatro
tinham conseguido evadir se.
Pelas 4 horas da manlia partiu o intendente Manoel Pinlo
Coelho para o Carretão, no meio de uma escolta de dragões,
na conrormidade das ordens de D. João,
No dia seguinte se recolheu a vitla o governadoF, acom-
panhado das pessoas do seu parlídu, que o tinham ido visi-
tar ao Ferreiro*
Comquanto a tranquillidade publica não tivesse sido se-
riamente perturbada, o descontentamento produzido pelas
scenas que acabamos de narrar foi geral.
O ouvidor Mourão começou enlao a devassar d*estes
actos criminosos, em cumprimento das ordens que lhe
furnm transmitlidas.
O facto da sua prisão e os precedentes havidos por tal
modo impressionaram a D. João, que» oOiciandoao secreta-
TOMoxxvm, p. 11. 3
- IS —
rio dd ^lado, manifestou o soa pangente desgosto nos i
gDintas termos:
<t Acho-me baslanleniente enfermo, dizia elle, affeelando
este facto (â sua prisão) demasiadamente o meu syslBma
nenroso. n
E nunca mais se satisfez de faltar raal docaraeterdo
poTO que governava, da depravação dos seus costameSt da
venalidade dos empregados, dos insultos de que era t icti-
ma e dos torpes meios de que lançavam mão para de-
primil-o 6 caluniniar suas mais rectiis intenções. Em Juoho
dizia a D. Rodrigo de Sousa Coutinho :
(c V, Ex* conheça que ninguém tem melhores desejos de
lugmeniar a prosperidade d esta capitania ; porõm o vicio
enervado por muito tempo tem arruinado e destruído lodos
os ramos da administração publica, e que sem eliminar os
inimigos domésticos, e combater e destruir essas hydras,
que envenenam todos os planoí^ benéficos, jamais poderei
colher frueto das minhas laboriosas fadigas, »
Os dezeseis annos de governo de Tristão da Cunha tinham
concorrido para que a obra regeneradora, começada por
João Manoel de Melto a continuada pelo visconde da Lapa*
fosse completamente destruída. D. João Manoel de Mene-
zes não era o homem mais profirio para succeder aTristãoí
não tinha para a missão, que quíz desempenhar, nem tino^
Bem instrucções apropriadas. A luta que travou com os
funccionarios e magistrados foi-lhe fatal, não recebendo o
necessário apoio da corte* Muitos dos seus actos foram
desapprovados, outros reformados, alguns derogados com-
pletamente, e não poucos ser\iram de ra^âo ás mais graves
censoras. Se um partido em Goyaz se levantava ousa^
para combater seus actos, e desrespeitar na sua pessoa o
delegado do soberano^ esse partido mais desenfreado se
tornou na aggressio, vendo que os secretários de Estado
- (3 -
eram os mais empenhados em hoslilisar o governador, que»
se n5o era um modelo de moderação, era comludo um
typo de probidade.
A mola principal de toda essa guerra atros a iniqua foi
Tristão da Cunha Meneses, que para a eôrte pintava o seu
successor com as cores mais negras, mentindo e calum-
niando de um modo indigno e inconcebível*
Não consta que, n*essos tempos de despotismo e arbitra-
riedades, houvesse um governador que lao severas repri-
mendas recebesse de* ordem do soberano, pelos ministros
e pelos Iríbunaes superiores.
D. Rodrigo, em carta de ih de Dezembro de 18ÍK, es-
Iranhou-lhe os excessos de jurísdicção e despotismos prati-
cados era raateriii de justiça e de fazenda, transgressões de
ordens e arrog.ições de auctoridade.
Uma provisão de á8 de Maio de i802 advertiu-o para
que levantasse o braço de ferro, com que opprimia a coló-
nia o llagellava os magistrados: outra do r de Junho de
1802 estraíj liava varias providencias suas.
N'uma provisão da mesa da consciência, de O de Agosto,
se lè i
« No meu tribunal da mesa da consciência e ordens fo-
ram presentes os desatinos e atten lados que praticava o
goviírnador D. João Manoel de Menezes, mandando arre-
batar violentamente os processos dos cartórios, entregar
os bens litigiosos, sobstar as execuções que se moviam
contra teslamenleiros dolosos, mancomraunados com o seu
secretario, sentenciando tudo a seu arbilrio, com tanta
ignorância como incompetência, chegando mais ao excesso
de chamar à sala os oOícíaes públicos para lhes dar uma
audiência irrisória e fazer-lhes um exame vocal das suas
obrigações, do que seguiu suspender uns e nomear outros
de novo, tudo imprópria e illegitimamente, como costu-
— 20 —
mava dos seus absurdos procedimentos, sendo o mais n(h
tavel o que pralicou com o ouvidor António de Líz (65) no-
meando-lhe um syndicanie para lhe tirar uma nova resi-
dência, depois de ter dado a primeira na forma da lei,
pondo para esta estranha e violenta diligencia uma senti-
nella ã porta do bacharel, a quem accommetteu, abrindo
devassas, soltando presos que se achavam convencidos como
roubadores da fazenda dos ausentes, e alliviando outros
incursos nos mesmos crimes de sequestro, que se lhes tinha
feito, para segurança do que tinham extorquido aos ditos
ausentes ; e sendo todos esses factos informes e abusivos
da auctoridade que lhe confere, contrários à legislação do
reino e praxe de julgar, e ao que se acha determinado
no regimento ; emquanto não dou a semelhante procedi-
mento as immediatas e positivas providencias, que julgar
mais próprias e terminantes para cohibir e castigar em
desempenho do meu real serviço e da justiça : Hei por bem
de vos ordenar que, reputando-se verdadeiramente nullos,
irritos e improcedentes todos os actos com que o mesmo
governador tem atropellado as leis, a jurisdicção da magis-
tratura e o direito das parles, procedais logo a repor tudo
no seu primeiro estado.... »
A. conservação de um agente de confian^*a, que se tomou
pelos seus actos merecedor de tão severa reprimenda, éum
delicto dos mais graves que se pôde commet^er contra os
altos principios da administração publica, crime de lesa-
politica, que subverte pela base o edifício social.
E D. João Manoel de Menezes continuou no governo da
capitania I
Como temos visto, foi o intendente Manoel Pinto Coelho
(65) Este ouvidor deixou na capitania uma chrouica escan-
dalosa, e um nome manchado de improbidade.
seu irreconcilnvel inimigo. Suspenso em 1801 pela ma-
neira inconveniente porque Lratára o goveraatior, recorreu
para Lisboa d*essa decisão ; o resuliado foi ser estranhado
o procedimento do governador em carta régia de U de
Dezembro do mesmo anno, e baixar outra ordem ajunta
administrativa mandando-o reintegrar.
Este golpe feriu profundamente a D. Joaõ e deu alentos
aos seus adversários. Foi alludindo a esie facto que assim
escrevia a D. Rodrigo de Sousa Coutinho em 30 de Março
de 1803:
u Vejo-me diariamente ;i lacado peio intendente, o qual,
atropellando ludo quanto o resptMlo c a civilidade tem de
mais sagrado, me oíTende e insulta em toda a occasiao e
lugar, muilo principalmente desde o momento que Sua Al-
teza Real houve pur bera estranhar os meus procedimentos
despóticos pela carta régia de 14 de Dezembro de 1801,
que beijei e fn dar a mais pronii>la e submissa execução.
A minha saúde não precisava d'esle tão forte estimulo para
desapparecer, e a minha existência diOícultosamente se
conserva desde essa faial época das minhas desgraças, ob-
tendo os meus assígnalados serviços a mais insólita e in^
esperada recompensa*
*( O Deus grande fará um dia apparecer a pureza dos
meus sentimentos, e o interesse que tenho sempre mos-
trado pelo real serviço, e fidelidade ao meu augusto sobe-
rano, a quem ti^nho com gosto sacriGcado os interesses da
minha casa e a minha vida na ditficultosa viagem do Ara-
guaya, onde fui viclima das maíbres desgraças, as quaes
foram preludio das que tenho solTrido em todo o decurso
do meu guverno n'esta capitania, onde achei nm partido
apoiado pelo meu antecessor para combater todos os meus
projecttjs, teodo a sou soldo milhares de intrigantes* afim
de me iDqaíeUrem e lançarem veneno em todas as minhas
rectas e desinteressadas medidas. »
Quando esta carta chegou às mãos de D. Rodrigo já
D. João estava demittido, e nomeado D. Francisco de Assis
Mascarenhas, por carta de 25 de Novembro de 1802, para
sobstituil-o.
No meio de tamanhas perturbações, não se esqueceu
D. João dos neí(ocios administrativos. A organisação da
força publica, a creação de um horto botânico e outras
obras na capital, e assim também a remessa de tropas para
Nato-Grosso, deram matéria para alimentar a sua acti-
vidade.
Merece especial lembrança o empenho que fez este go-
vernador pam propagar o ensino elementar, regulando a
cobrança do subsidio litterario, que jà nada rendia, pelo
que se diflicultava o pagamento do estipendio dos profes-
sores.
Este imposto, creado para manutenção das escolas, co*
meçou a ser cobrado em Goyaz em 1774, em observância
das leis de 6, 10 e 23 de Novembro de 1772, e das inslruc-
çôes dn 4 de Setembro de 1773, ampliadas depois pelas de
7 de Julho de 1787.
Então não existia ainda em Goyaz uma só escola de pri-
meiras letras, e, não havendo applicação para o rendimento
da coUecta, foi toda a sua Importância remettída durante
alguns annos para o tribunal da mesa da commissão geral
do exame e censura dos livros, na importância superior a
vinte contas de réis.
Em 1788 vieram para Goyaz os primeiros professores,
sendo três de primeiras letras, para Villa Boa, Meia-Ponte
e Pilar, dois de latinidade e um de rhetorica.
Mo governo de D. João algumas cadeiras foram creadas.
— 23 —
ficando enlao a capitania com oito proressores de primeiras
letras e três de latim.
Tendo por missão especial íazer explorar os rios e esla-
belecer uma commuriicaçâo regular com a capital do Pará,
pouco ou nada realizou u*eslo sentido- Tendo-lht^ feito re-
conhecer a viagem do Aragaaya a necessidade da creaçâo de
um presidio, que d^ futuro viesse a servir de protecção aos
navegantes, commissíonon a Braz Martins de Almeida para
levar a effeilo esta creaçâo, e indicou- lhe o lugar que lhe
pareceu miiis apropriado, junlo á barra do Itacayuna, ponto
próximo à confluência do Araguaya no Tocantins, onda
prelendeu-se fundar depois a vílla de S. João das Duas
Barras,
Com estas medidas deu D. João fim ao seu governo, que
podia ter sido feliz se não fora a demora do seu antecessor
na capitania. Ambos tiveram aliaal de recolher-se a cfirte»
para responderem por seus actos.
D, Francisco, tomando posse do governo em 27 de Fe-
vereiro de 180 i, poz logo em execução a carta régia do T8
de Abril de 1803 (66), que mandava devassar pelo desem-
(0$) D« Francisco de Mft.^careiihas,goveriia4nr e ca^ítM^general da
capiUnia d^ Gúfwi, — Amíj^o. — Eii o Priftpipe flepenle toa entio
muita mudar. — Tundo otimendo o desembiirgackir Aiitonk» Luíz
d0 Sõusu Leal, para ir à dUjicapkauk devci^isiirdo iroveruador ê ca^^
nfiCâo -general que ucâbon TristÍKi da CuqIiu ^leneiteit. e do aiHual
Qfârtiadúr e capiUio-fteDeríit D« João Manoel da Men^^ei, e fazer as
Itnnh uverigiiucneâ e diEigeiícia^, que Ihesào íiMUimbitlas pelo e\pe*
fdioiUti Uú meu concelho ulirauí afino ; e sonda necessário que o diio
minis Iro vá munido de todas a^i protídencias, qne pos^um mc1l3Df
servir para amais pmmpia e perfeita exofuçfio d*íique]la ditigencta»
da modo quenáo encimlre ernlKiraçá íiíguin nas auctorirtiides civis,
ou iDdtlarcâ d^ incsmu capilanid que :í pu^^am estorvar, antes de
eúmmuia accordo conenrram lodos para lhe facílilar tudo o que
poder ser ti til && íadagAçOcs de que vai e a carregado: sou servido
- 24 —
bargador dos aggravos da supplicação, António Laiz de
Sousa LeaU para este fim commissionado.
Chegado que fosse o desembargador syndicante, ofiQciou
a D. Francisco, exigindo que os ex-govemadores sahissem
para fora da capitania dentro de trinta dias.
Intimada esta ordem no dia 3 de Março, n*este mesmt)
mez partiram para o Rio de Janeiro.
Com a sabida dos ex-governadores foram desappare-
cendo as intrigas, que por tantos annos comprometteram
os mais graves intiTèsscs da capitania ; restabeleceu-se a
paz das familias, reataram-se antigas relações, que o espi-
rito de partido tinba conseguido quebrar.
Antes de encerrarmos este capitulo, paremos ainda por
ordeoar-vos que lhe presteis lodo o auxilio que elle vos requerer,
ou seja militar ou civil, e que participeis ao ouvidor da comarca res*
pectiva a commissUo incumbida ao referido desembargador, e lhe
ordeneis que lhe preste igualmente todos os ofíicios da sua jurís-
dicçíto, que elle lhe requerer. E ordenareis á camará que nprompte
uma aposentadoria competente para o mencionado ministro e seus
officiaes. Tereis também entendido que este ministro vai auctorisado
para chamar testemunhas, ainda ecciesiaslícas e de fora da capita-
nia, para ver e examinar cartórios, e quaesquer hvros de ordens ou
fazenda que façam, a bem de apurar a verdade, passando para isso
as competentes deprecadas ; para pôr em exterminio pelo menos de
seis léguas quaesquer pessoas ecclesia<(ticas, ou seculares, que façam
poso á diligencia emquanto esta durar, e para poder tomar outro
escrivão ou meirinho, na falta, ímpcdimcnlo ou prevaricaçi^o dos
que se acharem nomeados, e para melhor o mais completa execu-
ção da dita diligencia, sou ouirosim servido que o referido ministro
proceda na devassa que vai tirar sem limilaçfio de tempo, nem de
numero de testemunhas, dispensando n'esta parte o que se acha dis-
posto na Ord. I. \^ til. 65 SS 3i e 39 e em outras quaesquer leis em
contrario. O que assim executareis. — Escripla no palácio de Que-
luz, aos 18 de Abril de 1803. — PHncipt. — Para D. Francisco
de Mascarenhas.
— 25 —
alguns inslantes a contemplar o aono de 1802* No arraial
da Natividade, no decurso do mez de Setembro, occarren-
cias houve nos domínios da igreja, que iam sendo causa
de mais algumas scenas, além das muitas desagradáveis
que o clero tioha representado com o maior escândalo e
cjnismo.
Em principios de Agosto do anno a que nos referimos
appareceu no arraial da Natividade, depois de ter percor*
rido uma parte do norte da capitania, um sacerdote myste-
rioso, que se inlilalava prelado, e era conhecido pelo
nome, que dava, de D. Manoel de SanrAnna Alves.
Trazendo cruz pendente e um numeroso séquito de
criados e escravos, conduzia também comsigo relíquias de
santos e ura grande arsenal de objectos religiosos, com
que, na qualidade de missionário apostólico e encarregado
de uma grande missão cá n'este mundo soblunar^ ia fazendo
adeptos e seguidores eatreo povo ignaro, que facilmente
se deixa fanatisar desde que a hypocrisia se atavia com
vestes de santidade, e a religião é sacrilegamente posta a
serviço de miseráveis especulações.
O povo ha de ser sempre um velho-creança desde que de
suas crenças religiosas se Czer arma para captar a sua boa
vontade e leval-o a todas as consequências, por mais absur-
das que sejam.
O intilulado prelado sabia manejar esta arma com perí-
cia e com ella tinha conseguido alcançar uma tal ou qual
popularidade : pur onde elle passava o povo corria pressu-
roso a depositiir suas esmolas em tenção da Senhora das
Pores e de S* Fructuoso,
Onde D. Manoel chegava, os parochos eram tratados por
eUe cora menoscabo, não tolerando sua qualidade de pre-
lado e de missionário qualquer acto, que revelasse subor-
TOMO 3C%VfU, p. II* 4
^ 26 —
dinaçSo, oudefereDcia:— *]ulgava-se eom supremacia sobre
todo o clero.
Chegando á Natividade annuncioa que ia abrir uma
missão : — o povo concorreu numeroso desde que se es*
pathou esta notícia.
O vigário geral, Luiz José Custodio, estranhando o pouco
respeito e consideração em que o intitulado missionário
tinha a sua auclor idade, exigiu que elle apresentasse as
suas cartas de ordens e licenças. D. Maneei xombou do
vigário geral, e não lhe quiz dar a menor satisfação.
A consequência, como era de esperar, foi prohibir-lheo
vigário geral o exercicio de qualquer trabalho apostólico
dentro da comarca da sua jurisdicçao,
A luta travada entre D. Manoel e o padre Custodio ia
produzindo consequências graves* O povo, fanatisado pelo
missionário, araotinou-se, e exigiu do vigário geral que
revogasse suas ordens, e que perraittisse a missão tão
apparatosamenle annunciada.
EntretantOt apparecendo calculadaraente D. Manoel no
seio do motim popular— foi levado em trinmpho ate a casa
da sua residência. Este acto do dedicação do povo en-
corajou por tal modo o missionário que este prometteu
suspender o vigário geral, se a ordem nâo fosse relaxada.
Desde então o padre Custodio se viu em cruéis embaraços
no meio do seu rebanho tresmaUiado.
Achava-se n*essa época na Natividade, para exercicio das
funcções do seu cargo, o ouvidor Manoel Joaquim de Aguiar
Blourao: ao braço sr^cular, pois, recorreu o vigário, afim de
compellir o missionário ao cumprimento dos seus deveres.
Despachou o ouvidor, mandando que se prestasse prora-
pta e imraediata ajuda do braço secai jr, e pela gravidade
e urgência do caso resolveu acompanhar era pessoa a
diligencia*
- L>7 -
Prevenido D. Manoel, esperou o ouvidor com os seus
fâmulos e escravos armados, e elle mesmo com uma pis-
tola engatilhada sahiu ao encontro da força, contra a qual
a disparou: —reconhecendo, porém, a presença de Mourão,
recuou, e fugiu.
No dia seguinte escreveu ao ouvidor com muita hu*
mildade, pedindo perdão do crime que havia commettido.
£nlregando-se finalmente à prisão, perdeu o prestigio, por
que o povo o suppunha um ente sobrenatural. Sendo con-
duzido para a capital, em caminho peitou os guardas, e
evadiu-se.
Nunca mais se soube novas do intitulado prelado, que
na opinião de alguns não passava de um refinado veHiaco,
e cavalleiro de industria, que sob a capa da devoção da
Senhora das Dores e S. Fructuoso tinha por muito tempo
conseguido enganar a todo o mundo.
No quadro da administração do D. João Manoel de
Menezes inda havia este retoque a fazer.
Passemos agora a tratar da administração do seu suc-
cessor, quo foi pacifica e conciliadora.
— 28 —
CAPITULO XVI
(1804—1809)
mflaencia moral do governo de D. Francisco.— Saas medidag eoono*
micas.— <:reaçSo do Juizde Fora de Goyaz.— Comarca deS. Joào dãt
Ikm Borras.— Agricoltura, Gommercio e Navegada --Os rios To-*
cantinseAragQaya.— Privilégios.— Expedição parao Pari.--0 gover-
nador d*e8ta capitania não segunda as vistas de D. Frandsco.—
Incorporação das freguezias do norte á prelasia de Goyaz.— Bispos de
Goyaz.— D. Vicente Alexandre de Tovar.—Sna morte em Piraeatíí d»
Frmeqie.— Comarca do Rio das Velhas.— Novas contestações solne
divisas.— As minas do iámctuw.— Exploração dosríos do sul de Geyai*
^-Correioda Gôrte parao Pará.— Fim do governo de D. FrandeeOb—
1809^— Estado da capitania.
Depois de José de Almeida foi D. Francisco o mais in-
telligepte governador qae teve a capitania de Goyaz. Os
bons serviços que prestoa na saa mocidade e durante este
seu governo o habilitaram para administrar Minas-Geraes
e Bahia, e exercer os mais altos cargos da administragio
publica.
Descendente da nobre família de Óbidos, ramo da casa
de Bragança, foi depois conde, e marquez de S. João da
Palma.
A.'s suas excellentes qualidades deve o ter governado
Goyaz com muita distincçâo. Achando a capitania compro-
mettida e anarchisada, em pouco tempo conseguiu restau-
rar a ordem,e restabelecer a harmonia entre os habitantes,
perturbada desde a administração de Tristão da Cunha.
Para este resultado influiu a circumstancia de ter levado
para Goyaz, como seu mentor— um homem illustrado, e
intelligente, que o dirigiu com seus conselhos, e o auxiliou
com seus trabalhos. Falíamos de Luiz Martins Bastos, que
foi durante algum tempo secretario interino do governo, e
— áD —
mereceu-lhe sempre a mais plena ennfiança» a qual soube
corresponder com dedicação e fidelidade.
O zelo com que D, Francisco olhava para os interesses
dacapilaniâ, o seu espirito de conciliação— grangearam-
Ihe eslima e gralidão» que se perpetuaram na família
goyaua.— Cora prudente cuidado desarmou o braço da in-
Iriga, extinguiu os ódios o rancores inveterados, e coucilioo
aquelles dos seus governados que ainda ha pouco se olha-
vam como figadaes inimigos.
Remediada a situação moraU era preciso attender a
outros males; a capitania eslava prostrada em todos o&
sentidos: uma grande divida embaraçava a administração
em todos os ramos do serviço. Como desprende r-se de
peias tâo fortes? Nos seus peiores tempos o estado da
capitania fora menos desesperado.
Parecia chegada a occasiao de dar-se algum alimento a
esse corpo inanido» e restaurar-ihe as forças por meio do
desenvolvimento da industria e do commercio, sangue
puro e vivificador das artérias sociaes. — Tudo estava por
fazer.
Sendo grandes os encargos, e nâo havendo receita para
provél-os, nem meios de conseguil-a de prompto,^ — re-
correu D. Francisco a uma prudente economia pela re-
ducção da maior parte das verbas de despeza.
 força publica foi díminuida; o pessoal da administra-
ção fiscal reduzido ; a casa da fundição de Cavalcante ex^
tincla e substituída por uma provedoria commissaria;
algumas cadeiras de primeiras letras foram lambem ex-
tinctas^ por não dar o subsidio lilterario renda suíBciente
para pagamento dos professores.
Os empregados da provedoria e da casa da fundição da
capital soflreram reducçáo nos seus honorários, O cargo
de intendente da fundição foi substituído por fiscaes com
— 30 —
menores Yencimentos, e attríbaicõesmais limitadas. Moidt:
outras medidas foram postas em execução para dimimiir os
encargos da capitania ; e, porque ainda assim a de^[mea
fosse superior á renda, — alcançou D. Francisco da
munificência real poder dispor» para fazer face ao deficit,
de ires arrobas de ouro, tiradas annualmente do rendi*
mento do quinto, jà muito reduzido n'essa época.
O plano de reforma offerecido à consideração do go-
verno em 15 de Setembro de 1806, para equilibrar a re-
ceita com a despeza, e approvado por provisão de 12 de
Agosto de 1807, só pôde ter completa execução no exer^
cicio de 1800.
Segundo elie, a folha da despeza ficou reduzida a
43:2079260, e calculada a receita em 47:8609734 : mas,
como dois annos depois os reaes quintos não davam para a
consignação das três arrobas de ouro, o deficit foi conse-
quentemente apparecendo durante todos os exercidos
financeiros que se foram succedendo, por modo tal que em
1819 a despeza eievava-se a 50:846^120, e a receita descia
a 37:8739330. Em um período de 10 annos a divida pas-
siva era de 83:6809835, sendo mais de metade proveniente
da falta da consignação dos quintos.
Estamos convencidos de que, se o periodo do governo de
D. Francisco tivesse sido mais longo, a administração da
fazenda sahiria, ainda que lentamente, dos embarações em
que ainda a deixou pelas dividas passadas, que não pude-
ram ser pagas.
E nem se inculpe aos seus antecessores d'esse estado
pouco satisfactorio, mas sim ao governo central, que, des-
cuidoso das providencias que devia tomar, porque atempo
foram reclamadas, só muito tarde acudiu com remédios
ineíficazes e pallíativos. — Deixemos, porém, este objecto
e tratemos de outros assumptos.
— in-
ovando D. Francisco entregou o governo da capilania a
Fernando Delgado » fallando do juiz de fora de Villa Boa»
creado por alvará de 18 de Março de 18 >9, diss e o segui nlts :
^ A camará de Villa Boa, sendo até agora a única d'estâ
capitania, administrava anteriornienle as rendas de todos
os julgados; poréni acamara, composta de vereadores in-
dolentes, e presidida por juizes leigos, além de indolentes,
ignorantíssimos, de tal modo confundiu as conlas dos seus
rendimentos, *3 deixou de receber ou de cobrar as que llie
compeliam, que durante todo o tempo do meu governo não
sònão pode edificar uma só obra publica, mas nem ainda
lhe foi possível reparar aquellas que jà se achavam cons-
truídas om beneficio do publico, e que o tempo havia dele*
riorado; para remediar, pois, estes males, bem como a
outros de igual ou maior consideração, foi o principe re-
gente nosso senhor servido, annuindo ás minhas represen-
tações, crear para esta villa um juiz de fora do civil , orphãos,
provedor dos ausentes e procurador da real fazenda.»
Creado o lugar de juiz de fora, foi n'elle provido o ba*
charel Manoel Ignacio de Mello e Sousa,
Perlenceniio-lhe pelo alvará de sua crcaçao o exercício
no contencioso, era manifesta a desnecessidade de um in-
tendente, que n'esta parle de suas altribuições ficou conve-
nientemente preenchido, ficando a cargo dos fiscaes a
administração da casa da fundição e suas dependências.
Foi o desembargador Florêncio José de Moraes Cid o ul-
timo intendente deGoyaz.
Não pareça que a D, Francisco pertence a paternidade de
todas estas reformas ; muitas tinham sido estudadas» e ja
submettidas á consideração do mouarcha, que só agora as
julgava merecedoras de altençâo.
A divisão da comarca de Goyaz, por exemplo, era um
projecto velho, em que Unhara insistido lodosos capitães
— 38 -
gêoeraeB como necessidade, que a boa administraçiéda
justiça reclamava.
Entrando esta idéa no plano gerd das reformas em que
trabalhava D. Francisco» por alvará lambem de 18 de Março
de 1809 foi creada a comarca de S. João das Doas Barras,
assim chamada da villa qne na confluência do Àragnayaiio
Tocantins se mandara crear com este nome.
Nomeado o desembargador Joaquim Theotonio Segu^
rado para n'ella servir, teve ordem de crear a referida
villa, podendo, entretanto, residir na Natividade emquanto
nSo o fizesse.
A nova comarca comprehendia os julgados do Porto-
Real, Natividade, Conceição, Arrayas, S. Felii, Cavalcanti,
Trahiras e Flores, que por acto de 16 de Agosto de 1807
tinha sido creado julgado pelo mesmo Segurado» quando
ainda ouvidor de Goyaz. O arraial do Carmo, que até 1806
tinha sido cabeça de julgado, perdeu esta prerogativa com
a sua transferencia para Porto-ReaU ponto este que com a
navegação do Tocantins começava a prosperar, ao passo
que o Carmo e o Ponlal iam decahindo, concorrendo para
quasi todos isto a circumslancia de se irem mudando
os seus princípaes habitantes.
Provida, pois, a nova comarca da repartição do norte
n'esse intelligente, laborioso e benemérito magistrado, em
1810 seguiu elle para o Pará afim de designar o ponto em
que devia fundar-se a villa de S. João das Duas Barras. Em
23 de Agosto mediu e demarcou um perímetro junto â
foz do Tacayuna, abaixo do registro de S. João dez léguas.
Comquanto insistisse o principe regente pela construo-
ção da nova villa na confluência dos dois grandes rios da
capitania, não pôde esta medida ir adiante por terem contra
ella representado os povos e o mesmo ouvidor, mostrando
^ 3:1 —
os inconvcDitíDltís de esbr a sede da comarca a tão consi*
deravel distaocía dos julgados.
EniYirlude dasreikíradasrepresenlaçõesque subinmao
conhecimento do príncipe regenlo, cinco aonos depois bai-
xou o alvará de 25 de Fevereiro de Í814, mamlândo erigir
a villa na Barra da Palma, por ser esle ponto mais central
e commodo aos povos e ao exercício das funcçúes do seu
magistrado. Providenciava o alvará que a nova villa tivesse
isenção de pagamento de decimas e dízimos por dez
annos.
Satisfeitas as vistas da administração, marchava ella re-
gularmente aos seus fins, auxiliada pelo intelligenle con-
curso dos deserabarg.idores Segurado e Cid* Concedidos
todos os f:ivores que solicitava do governo centra!, facili-
tados os meios goveriiamenlaes, parecia que D. Francisco
era destinado a abrir em Goyaz uma nova éra, êm que os
seus interesses mais legilimos seriam afagados, porque
outros se nao podiam considerar maiores qne os da nave-
gação dos seus rios, os provenientes da agricultura e do
Goramercio, em prol do qual se procurava abrir novas vias
de íacil communicaçao para o seu desenvolvimento.
Foi, porcnv, uma éra que passou rápida.
Entendia D. Francisco, com razão, que a capitania de
Goyaz não podia exclusivamente visar Tuturo maior das soas
rainas, comquanto ricas fossem e numerosas; que era uma
verdadeira illusio esperarem os povos por essa felicidade
apparenle e transitória, de que Unham gozado os seus an-
tepassados, deslembrados dos grandes interesses da la-
voura, segregados de todo o trato commercial com os
povos de uma granée parte do litoral,
E, pois, sem abandonar de uma vez os mineiros, dirigiu
D, Francisco a sua protecção à lavoura, á navegação do
TOSÍO XXVUL p. II 5
^ :íí ^
[ Aragmya e aos oegociantes» que pí>r esse caoií e pelo To-
eáDlÍDs quizessem iransporlar géneros para o Para e rece-
ber era permuta os de imporUçao*
O principe regente apoiou suas ?istas progressistas > de-
creta odo prhjlegios em faror dos que se dedicassem ao
mister da laTOura e da oa¥egação, como se vê da seguinle
carta régia:
« D, Francisco de Assis Mascarenhas,— Amigo, — Eu, o
principe regente, vos envio muito saudar.— Sendo-me pre-
sente as reflexões que, em carta datada de 7 de Outubro de
i804, dirigida ao visconde de Anadia, de meu conselho
doestado, ministro e secretario doestado dos negócios da
marinha e doraiuios ullramarinos» lhe fizestes, para que
me fossem notórias, sobre os meios de augmentar a cul-
tura, população e commercio d'essâ capitania de Goyaz ; e
sendo-me igualmente presente o que sobre a mesma ma-
téria me foi ponderado pelo meu conselho ultramarioOt
que mandei ouvir; me parece, louvando o vosso zelo e
efficacia em promover o bem dos povos, cujo governo vos
confiei, mandar-vos dizer: que, sendo o principal objecto
do meu paternal desvelo pela felicidade dos meus fieis vas*
sallos o augmento da agricultura, população e commercio»
como as verdadeiras bases da força e prosperidade publica:
bei por bem conceder por espaço de dez annos inteira
isempção dos didmos, que deverião pagar à minha real fa-
zenda» a todos os lavradores que nas margens dos rios To-
cantins, Maranhão e Araguaya, onde ellas são actualmeute
deserlas, fundarem novus estabelecimentos de agricultura,
sendo os mesmos situados â borda dos ditos rios ou até
Ires léguas de distancia d^elles, e ficando junlo às margens
o necessário espaço para a publica servidão, o qual deverá
ser de meia légua» ua conformidade das ordens e^iistentes a
este respeito em todos os meus dominios do Brasil. Dada
era Lisboa, a 7 de Janeiro de 1806* — Príncipe (cora guarda).
—Para D, Francisco de Asáis Mascarenhas* >*
Ou porque jà estivesse encaminhada a navegação do To-
cantins» ou porque a do Araguaya lhe parecesse mais van-
lâjosa, entregou-se D. Francisco com empenho ã d'esle
rio, deixando a do Tocantins correr por conla do desem-
bargador Joaquim Theotonio Segurado, que, na qualidade
de ouvidor de S. João das Duas Barras, tinha sido encarre-
gado de promovêl-a.
Cuidar de preferencia da navegação do Araguaya, pen-
sava D* Francisco, importava chamar para as suas margens
desertas alguma população industriosa, importava lambem
promover de um modo indirecto a caLechcse e civilisaçSo
dos Índios, que em suas margens desertas se tinham ido
refugiarem outros tempos, ou fugidos dos aldeamentos ou
levados de vencida pelas armas dos bandeirantes-
Havía alguma cousa de grande u*esta providencia, havia
muito de progresso para a capitania na sua realização ; não
viessem tarde estas idéas bem pensadas, e teriao vingado
completamente, se houvesse quem, com perseverança e
zelo, tivesse pugnado por ellas«
Mas com que difQculdades não teve de lutar D. Fran-
cisco? Devendo marchar n*estes assumptos de commnm
accordocom o capilão-genera! do Gl-am-Pará, que em 1805
era D* Marcos de Noronha, não encontrou da parte doeste
governador vontade alguma de au\ÍiÍal-o, embora a nave*
gaçâo do Tocantins e do Araguaya fosse de interesse para
as duas capitanias.
fí. Francisco, porem, não desanimando com as primei-
ras contrariedades, por mais sérias que lhe parecessem.
— 36 -
mandoQ em 1805, pela junta da real fazendí), que se cons-
truísse cinco grandes canoas e duas montarias, as quaes no
anno seguinte deviam descer para o Pará, levando géneros
de producçâo do paiz.
Em principio de Maio de 1806 partiram elTectivamente
do porto de Santa Rita as canoas Príncipe Regente^ Jfi-
nerua, Thetis^ Aurora e Vénus, tripuladas por cinco pe-
destres, quatorze índios cherentes, quarenta e oito caía-
pós, tirados das aldêas de S. José e Pedro IH, e mais vinte
e sete remadores. O carregamento compunha-se de assu-
car, couros, algodão e outros géneros, constando de
66 barricas de assucar, 99 surrões de dilo, 55 jacas idem,
e 177 caixões de 2, 5 e 8 arrobas, 91 meios de sola, 9 ro-
los de algodão, 11 caixões com quina, 75 rolos de fumo,
6 pacotes de dito, e outros objectos, prefazendo tudo o
peso de 1,640 arrobas.
Desde que se começaram a fabricar as canoas reaes,
Luiz Rodrigues Pereira e seu irmão, João Apollinarío da
Costa, Manoel da Silva Soeiro e Francisco José Teixeira,
moradores em Crixá e Santa Rita, associados, trataram de
mandar construir quatro canoas, que carregaram e Iripo-
laram com quarenta pessoas, e fizeram partir a 13 de Maio,
atempo de poderem alcançar a llotilha real.
O seu carregamento constava de 300 meios de sola, 700
varas de algodão, 24 arrobas de dito em rama, 1 IG arro-
bas de assucar, 14 frascos de aguardente, 10 arrobas de
sabão, 18 arrobas de toucinho, 101 arrobas de carne sec-
ca, 8 arrobas de goiabada, 24 rolos de fumo, ;J8 alqueires
de feijão, 100 de farinha e 30 do arroz.
Não estando ainda entaboladôs relações cummcrciaes
com a praça do Pará, todo este carregamento foi consig-
nado ao respectivo governador e deputados da junta da
- 37 -
fazenda, a quem D. Francisco a a junta da real fazenda de
Goyaz escrtiveiain a respeito. (67)
(6T) Os mnusiros depuLudos da juiila da admÍDbtmi;;io e arreca-
d;içao da real fazenda da capiUiuia de Gojaí, ele* Fjíiem saber que^
em ctnisequeiicia dassubms providencias e incansável zí^lo dollím-â
£\m. Sr. li. Fmncíseo de Assis Masf^arenfias, governador e cnpitào*
general doesta Cítpitãaía, seeunseguíti que al^^uus negociantes dVlIa
ft5 delcnnmas^seLiL a fazer uma cspecula^^Tio dos g^eneros da pro-
ducçào do paiz para essa cidade pelos rios qiie servem de comniu-
nicat^ao; para facilitar esla tcníativa, mandou esta junta fabricar
: * por conta da rea! fazenda as canoas Príncipe Rtgente^ Timm, Mi-
mna, Âncora, e Thetia, que agora descem carregadíis, e cujos fre*
t65 constunles dos conhecimentos iticluscs ^e (tão de cobrar n^õssa
por conla da mesma real fa/eoda, levando-as Deus asnlvamenlo*
— Conhecendo que do exilo feliz d'eslas tentativas depende a con«
I linuaçAo de ou Iras, e que do descrediío resultaria perecerem as
mais bem fundadas esperanças, de que vcnba a estaberocerse uma
OOEnmunicaCi^lo seiJ^uida o frrquente enire estas capitanias, IHo vanta^
joaa ao commercio, como ao b«ni do Estado, nos lemos a satisfação
de persuadir nos que, seudo V> \u%. o mais Srs, ministros deputados
I d'essa junla aquelles, a quem nos diri^nmus para Iodas as depen-
dências doeste imporlanlo objecto, tudo será providenciado de ma-
neira que, lauto a tripolaÇr^^o como os carregadores voltem animados
I para continuarem novas emprezas. Além da cobrança dos fretes, da
reparação e bom trato das canoas, do ufreUimeuto para o regresso,
que desejamos se eíTóctue com a possível brevidade, nós não po^
demos deíiar de rogar a V. Ex, e mais senboies queiram mandar
assistir j^o furriel losé António tlamos, commandanie d'csla expe-
dição^ e soldados que acompanham, por conta de seus soldos ven*
eidos, com aquetlas quantias que V. Ex, c mais senhores julgarem
proporcionadas ás suas necessidades, para o que levam as suas
competentes guias, e vai aqui junta a Larifii dos seus soldos. Igual*
mente pomos debaixo da prelecção de V, Ex* e mais senhores os
iiuliose pessoas da tripotaç^^o, para que dles nHo careçam de subsía*
Letícia, e não desertem aquelles, daodo-se-lhes, á vista das informa*
çHos que do seu serviço der o commandante, alguma modicn
quiQtia de dinheiro para que suppram as suas pequenas necessidades
e voltetn ^satisfeitos* Faz-sc uUiuiamente ueces^ario partioípar que o
*-«s-
Partido que foss6 este primeiro comboi, começaram
desde logo os preparativos para o que devia descer no anna
seguinte. Por conta ila real fazenda foram construídas mais
cinco canoas, que, Iripoladas com setenta e um Índios,
iírados dus aldeamentos, e sob o commando do capílãã
Tbomaz de Sousa Villa-Real. desceram em Abril de 1807,
procedente do porlo de Santa Hita do Rio do Peixe. O car*
regamenlo constava de iO arrobas de quina, 109 fardos d6
algodão, 129 barricas de assucar, U9 surrões de dilo,
106 ridos de fumo, couros, ete*, perfazendo o pesotolalde
l#62i arrobas.
Este carregamento, embarcado a bordo das canoas Pnn^
c^za Cnrhtat Condessa de Óbidos ^ Agnia^ Pérola e Cysm^
pertencia aos negociantes Francisco Pereira Caldas, Fran-
cisco José Pereira e José Lopes Pereira.
D* Francisco, que tioba querido ir assistir pessoalmente
à partida da í^xpeJíçâo, ao descer emliaixado o riu do
PeiKe, estiíVt! em risco immioente de morrer afogado, por
ter virado a canoa em que navegava. Por muilu tempo
lutou com as aguas, arrebatado pela corrente, que o arre-
megou de encontro a uns galhos de arvores que se debru-
çavam sobre o rio.
Por este comboi escrevia D. Francisco ao governador dô
Pará, José Narciso de Magalhães, com a fé viva de um
homem íjue |>aína por uma idéa de progresso e tem espe-
rança no ruturot
Cl Pela cópia inclusa da carta régia de 7 de Janeiro de
1806, a qual approva ama representação minUa, reconhe-
pralirn iflfio Pnuío nadft devo recehor, porque se obri|:í>ii a doscur
e Voltar naft dila?^ canóaR graliulameiítef etc. Dcuíí f^^uanJe n Vé Et.
e m&h seíUtorea ministros depuUilos. Vitlsi^Boa, ilO de Abril d^
iWCáu — Florêncio Jmé <k Mor{ie.i Cid. — J{t$e /cmpíuíi» f^tíkh^rh^
àoê Sfififoíi^ ^ Jòuqtiim Theof*mh St*^urndo.
m
(mk T» El, quanto Sua Alteza Ucal quer que se pruUyaa
1 DÃegtçâo doa rios que desaguam bo Amazonas; consla
que esUio a decidir-se também mui lo favuravelnifiile algu-
mas outras propostas, quo levei à real presença, relativas
ao mesmo objecto, as quaes, me dizem, foram jàcommuni-
cadas a V, Ex. officialmeote. Se as ditas propost.iS furom
dignas de atlenção, sirva-se V, Ex. de promover da sua
parte com efflcacia e energia o bora exilo d'ellas, na cer-
teza de que esta capitania toda lera collocado as esperanças
do seu futuro melhoramento na adopção dos planos ofTere-
cidos por mim ao ministério, porém unanimemente appro-
vados pelos interessados n'eltes ; na certeza de que, pro-
tegendo» como lhe peço, estes negocias, promove igual-
mente os interesses d*essB Estado, que lhe sao connexos,
I Formar atai uma companhia de negociantes destinada a co-
meçar methodicamente o commerdo de Goyaz pelos rios,
, coueeder-se a esta nova e ulil sociedade os | privilégios e
I isenções que ao ministério parecer mais conveniente aos
fijis propostos, e prevenir-se, emfim, ao general desta
capitania afim de dar as providencias para que nao faltem
os géneros para o negocio» são a meu ver os primeiros pas-
sos a dar-se, e sera os quaes nunca poderemos estabe-
lecer ura commercio activo e permanente cutre estas duas
capitanias. )>
I Providencias que então eraw ião ubvias nunca foram
tomadas por parte do Pará : marchava, pois, D, Francisco
aos fins que se propunha, sò com os fracos elementos de
que podia dispor, e, podemos dizer, através de algumas
dificuldades oppostas pela capitania do 1'arâ : d'alli m
partiam duvidas e protelaçôes, que nao permiti iam se con-
solidasse uma empreza encetada sob tao bons auspícios.
f Outra expedição |)artiu em 1808 com menor carrega-
meulo; q desanimo so ia apoderando dos emprehende-
iO
dortiS, Du porque lODgas diim^ís pan^ctíssem 6âsas viagettô,
ou porque os negociantes de Goyaz, dispondo de poucos
capitães, não os pmlessem ler empatados por taolo tempo,
ou, rmaltuente, pelos riscos de uma navegação difficil»
através de terr.mos incultos, de barbaras aldé iS, onde ne-
nhum recurso se encontrava, nem o menor auxílio no caso
de algum sinistro, em uma emergência qualquer,
E, poiSp o commercio cora o Fará, por via do Araguaya,
foi sendo abandonado. Nem a população, que se esperava
affluisse para sulis margens desertas, abi procurou estabe-
lecer-SG ; nem uma povoação se formou nessa extensão
de trezentas léguas de terras ainda não eiploradas . uiu
pânico terror afugentava a lodos das margens pi Uorescas
do magestoso Araguaya, não produzindo o menor incen^
tivo os privilégios que se concediam aos que as fossem
povoar.
E o que Gzeram os successores do D. Francisco ? Quasi
nada para destruir os preconceitos populares, para prose-
guir com coragem na obra tão bem começada e dar-)be o
ultimo remate : o, que estava feito, desap pareceu. O go-
verno matou a navegação do Araguaya, condemuando-a
por impossível ; o povo repetiu o anatbema, e os selvagens,
mansos e paciQcos em suas aldèas, nunca mais viram descer
suas aguas as canoas dos ousados aventureiros, carregadas
de mercadorias; nunca mais foram perturbados em seu
Iranquillo repouso.
K um ília que nassas solidões se quiz fundar um pt^queuD
núcleo de populac^ío, que de futuro nodesse dnminar as
aguas du Araguaya, e ttjrnar possivol a sua navegação, eol-
ligados os selvagens, no tirme propósito de deslruil-o, tre-
mendos se mostraram no acommettimento, e sò vulUàram
para suas aldèas, afim de se recrearem melhor com o es-
peclaculo magestoso das chammas a devorarem a oasceule
- 41 -
payQaçlo, ctijos habitanles, aterrados, mal liveram tempo
de se encommeiídarein a Deus, para se abandonarem de-
pois à mercê dacorrenlc.
Antes de proseguirmos nos assumptos relativos â admi-
nistração temporária, permilta-se-nos uma diversão.
Foi DO governo de D* Francisco que se desmembraram
do bispado do l^arà, ese mandaram encorporar á prelazia
de Goyaz, as freguezias do oorte da capitania : por este facto
Qearam alteradas as suas divisas ecclesiasticas.
As provisões do conselho ultramarino de 18 de Junho de
1807 ordenaram a D, Vicente Alexandre de Tovar, bispo
titular de Titopoli, e nomeado prelado de Goyaz pela bulia
de 15 de Julho de 1803, que tomasse posse d*essas fregue-
zias era numero de dez ; e ao bispo do Pará D. Manoel de
Almeida de Carvalho* que, à vista do seu livre e pleno con-
senlimunto dado para essa desmeoibraçao, cessasse toda a
jurisdicção que aló entio exercera sobre uma parte do ter-
ritório de Goyaz [íj8).
(68) D. Jf*ao, por íçra<:a de Dcas, príncipe regeaie da ?drlugal c dos
Algirve^, il*«qiiem e d*ttlém nmr. cm Afrim, senhor do Guíní,
etc* Faço salier a \úfi Hev. bispo de Titopoli, preloílo Je Goja^, que*
sendo-ine presente, em consuUa de meu conselbo utlramariao de
lide Abril proiímo i^assado, a resposta que o Heir. bígpodo t^ará
deu á ordem de 15 de Haia de ÍHOVt^ que pefo mesmo conselbo Ibe
foi expedida para eSle expor lod^s as razíiés (se algumas houves-
sem) que no seu coneeilo devessem obstar ádesmcmbr,içâo que
euhuvia resolvido fazer de parte d'aquelle bispado, separando d^elle
para unir-se â pretuEia de Goyaz a porçl^u de território que se com-
prebende dos limites civis da capitania, assim denominada, era
que nlé agora ejuercíam jurisdicção pas^toral os bispos do Pará, com
grave inconveniente do serviço de Deus e meu; e lendo conside-
raÇiio ao que pelo raencionailo biíipo toe foi dito, e ao mais que na
indicada eonsuUa me foi ponderado, fui servido por minha rf-gía
resotuçJlo de â do coironte mez do Junho, conformando -me com o
parecer do cgnselbo baver por desmembrado dn bispado do Fará
toMo xxvni, p. n, a
Já vimos em ouira oecasiâo as dííDculdadesquõappa-
receram para a escolha do prelado da Goyaz. Não tendo
todo o lerrítorjo pertencente á eapilanía tJe Gojm, em que oi biipos
i]'aquella diocese eierciuvam aLé agora juriâdicQâo paslomi, pam
que o mesmo lerritorio haia de licar unido á prelazia deGo^nz e su-
jeito á vossa jurisdicçâD e dos mats prelados que :i houverem de
reger* E eomo pani etrentuar-se coavemeuteíweDlea expressada des*
membrac<~m se requer que vó^ tomeis legalmente po^se do indicado
território, me pareceu mandar ei^edir ao Rev, bispo do P&râ a
oídem que i»e yos. remetie ^or copia, assiguada pelo secretario do
meu cuaselho ultramarino, e maiidar-vos rcmetler a referida cópia
para a tossa Ínle!ligeDCÍa e guia, atim de que na conformidade do
espirito da mesma ordem vos entendais com o referido bispo « para
que este negocio se ultime com a vossa posse tomada com as so-
lemn idades que o direito canónico requer, ou se adiem por uso e pra-
tica antiga consagradas para esle íiro. — O que semelhanlcmento
me pareceu mandar parlicípar^voSp para assim o eiecutardes, como
vos bei por muito rctiomínendado. O Phneípe Regente, nosso se-
ubor, o mandou por seu e^pecíalmandado pelos minisiros abaiio
assignados o do seu conselho e do de ultramar. — AntoHio Juã{in4}
Machado de Moraes fei em Lií^boa aos 18 de Junbo de 1807. — O
secretario, Frçindsco de [forja Garção Slokter^ o fei escrever, —
Jtjrts Pinto de Soma^ — Ànlunio Ratimatido de Pinna CouHnhQ,
D. João, por grara de Deus, Frincipo Regente, clc. Faço saber a
YóSpRev. bispo do Pará, que, sendo-me presente em consulta do meu
conselbo ultramarino de 14 de Abril próximo passado que, fóiiconi
louvavet zôio do serviço do Deus e meu, respondendo u ordem que
na data de 16 de Maio de 1800 se vos expedira pelo mesmo con-
selho, para me expordes as razoes (se algumas houvessem) que no
tosio conceito devessem obstar á desraembrat;ílo que eu havia resol-
vido fa^er d*esse bispado, separando d'elle para a prelazia de Go}a£
aporçiio de lerritorio da vossa junsdicçào episcopal, comptebon-
dida nos Umites civis da mencionada capitania, baveis prestado o
vosso livre c pleno consentimento para a indicada desmembração,
demittindo e renunciando desde logo toda a jurisdici^Jio pastoral*
que antecedontemente exercieis e baviam exercido os vossos pre*
decessorcs nos diocesanos babiiantes do indicado território, para
que esla d*aqui em diante fique j>t*rteneendo ao prelado que ura
- \n —
sida aceitas as propostas do conselho tillrâiflarino, a re-
partição do sol passoo a estar sob a jurisdicçlo do bif^po
do Rio de Janeiro ; em 1782, porém, foi nomeado o pri-
meiro prelado.
Como o*estes assumptos oao p6de haver melhor auclo-
ridade do que a de monsenhor Pizarro, oupamol-o :
rege e aos que de fulura regerem a mencionatia prefacia do Go^az;
fui servido por minba régia reiofução de i do corrente mei de
JunhOf conformnodo-nie com o parecer do conselKo e usando Ja
auctoridade que a esle respeito me compete em virtude da cons-
tituição aposlolica do sanlissimo padre Benedicto XIV, de 21 da
Abril de 1766, na qual me permitiiu,e n todos os Srs. reis doesta me
narclib, a liberdade de podermos li ff emente determinar, estabe-
lecer cerlos e novos limites a todos os bispados e prelazias já erecias
ou que se houverem de erogir nos meus dorníníos do BrasiU sem
dependência de novo e especial beneplácito da Sé Apostólica, peta
primeira ves^, que a respeito de cada híspo nas parecer conveniente
qualquer aUeraçâo a este respeito, nssignar e determinar, como por
esU assigno 6 determino, para limiLes ou lermo de separaç^io ds
prelada de Co^r^iz e do bispado do Par4'l, o^^ mesmos limíles civis
que artyulmenie separam as duas capitanias, pelo que respeita á
jurisdícrãn de seus respectivos governadores e cíipiliies-generaes;
o que me pnreeeu participar-vos, afim de que deixeis tomar posse
do indicado terrilorio ao íiev. bispo deTilopolí, prelado deCofaz,
pnr si ou por quem para osso eíTeito seus poderes liver: o que se-
meíbantemenle mando participar na data de hoje ao sobredito pre-
lado, para que, entendendo^se comvosco a este respeito^ termineis
de commura accordo a rererida desmembrarão com a posse por elle
convenientemente tomada, a qual lhe fareis dar e elle tomarA com
ã^ sofemnidndes que o direito canónico requer^ ou o uso por pra-
tica antiga tenha estabelecido, aílm de que para o futuro nàe possa
excita r-se conteiitaQao alguma a esle respeito, entre os bispos vos^
«oa sneeessores c os prelidns que governarem a dita prelazia; o que
fos hei por mui lo recommemíado, O Principe Regente, nosso se-
nhor, o mandou por seu especial mandado pelos ministros abaixo
íisnig nados, do seu conselho e do do ultramar. — Anttfmú Justír^
Machado 4c Moraes a fex em Lisboa aos 18 de lunho de 1807, ele.
— 44 —
« D. Fr. Vicente do Espirilo-Santo. da ordem Agostii-
Diana» e sagrado bispo das ilhas de S. Thomé ^ Príncipe, a
quem o actual estado de saúde inconstante, por moléstias
habituaes, impediam a residência na diocese destinada, foi
q primeiro eleito em 1782 para occupar o cargo prelatico
de Goyaz. Por esta circumstancia, em nome da rainha
D. Maria I, foi ordenado ao embaixador na côrle de Roma,
D. Diogo de Noronha (posteriormente conde de Yilla Verde
8 que falleceu sendo secretario de Estado), por officio do
secretario de Estado conde da Villa Nova da Cerveira, da-
tado de 13 de Agosto do mesmo anno, que instasse pela
aceitação da renuncia do bispado sobredito, e nas bulias
d'ella se declarasse livro ao bispo renunciante o exercicio
da ordem episcopal no território de Goyaz, d*onde estava
nomeado prelado. Continuando, porém, o impedimento de
moléstias, que no anno de 1788 levaram o bispo à sepul-
tura, não se realizou o exercicio prelaticio. )>
Foi seu successor D. José Nicoláo de Azevedo Coutinho
Gentil, da ordem de S. Bento de Aviz, bispo titular de
Zoara e prelado de Cuyabá, por nomeayão de 23 de Janeiro
de 1782, cargos que renunciou, desde que por decreto de 16
de Maio de 1795 conseguiu ser despachado deão da real
capella de Villa Viçosa.
O terceiro prelado foi D. Vicente Alexandre de Tovar, por
nomeação de 11 de Setembro de 1802. A seu respeito diz
Pizarro nas suas Memorias Históricas :
cc O padre Vicente Alexandre de Tovar, natural da Bahia,
formado em cânones, e presbylero secular, que, sendo có-
nego reitor da só de Faro, passara a Goyaz, e por provi-
mento do diocesano do Rio de Jaíi(?iro occupára de
encommenda aparochial igreja do Pilar, desde 6 de Julho
de 1791 a 1830, em que se retirou por obrigado a regressar
— 43 —
â conesia reitoral, cujo beneficio deixou pela prebenda
canooical da sú da Babk.))
Provido na prelazia, diz ainda Pizarro: « Por aviso da
secretaria de Eslado dos negócios do reino, datado de !4
do Setembro do mesmo anno (1802),se IBe facultou solicitar
da sé aposLiilica a nomeação de hispo in^jwrtíbm infidelmm
em Tavordos povos da sua diocese.,.. Por intervenção régia
Se expedii^am as bulias qne o insliluíam bispo de Títopoli,
ê em virtude d'ellas recebeu a sagraçJo administrada a 28
de Agosto de 1803, na igreja do toreto/pelo actual núncio
apostólico o moQsetihor D. Lourenço Caleppi, arcebispo de
Naiibl, assistido do arcebispo de Andrcánapoli, D* Manoel
Joaquim da Silva, e do novo bispo de Angola D. Joaquim
Maria Mascareobas»»
Nomeou D, Vicente governador da prelazia, emquanlo
nao ia tomar d'ella posse, ao padre Vicenle Ferreira
Brandão, Em viagem para sua diocese, falleceu na villa de
Piracatú a O de Outubro de 1803, de uma violcnUi dor
sobre o coração, que so lhe periiiiltiu viver o tempo pre-
ciso para se lhe administrar o Sacramento da Penitencia.
Sem receio de offendermos a ordem chronologica, que
rios impuzemos n'estes annaes, e por nao convir interrom-
per o que temos a dizer ainda sobre a historia eccle-
siastica da capitania — proseguimos :
Foi successor de D- Vicente de Tovar na prelazia de
Goyaz D» António Rodrigues de Aguiar, por eleição de 24
de Juoho de 1810. Filho do Rio de Janeiro, e bacharel em
cânones, íoÍ familiar do bispo D. José Joaquim Justiniano»
depois secretario do bispado do Rio de Janeiro, reitor do
seminário de S. José, e cónego da capella reaL Tomando
posse da prelazia em 13 de Janeiro de 181 i, designou para
seu governador o Uov, padre Vicente de Azevedo Noronha
- ifl —
a Gamara, com faculdade de poder delegar seus poderes na
caso de impedi mento ou de força maior.
Nomeado D. António bispo titular de Azoto em IH Ifi,
foi sagrado na capella real em 29 de Setembro do mesmo
anno, pelo Rev, bispo capelI5o-mòr, D* José Caetano da
Sika Coutinho.
Esperava D, António por esta confirmação, que tanto Sô
demorou, afim de tomar posse da sua prelazia : desde, po-
rém, que^ como seus antecessores^ viu-se revestido da ju-
risdicçâo episcopal, seguiu para Goyaz; mas^ assim como
seus predecessores, nao cliegou a ver a sua diocese. Em
viagem foi assaltado de uma malina, e na margem do rio
Iguassú terminou seus dias a 2 de Outubro de Í8l8.
Fallecendo também o governador padre Vicente da Az^
vedo, suGcedeu-lhe no governo da prelazia em 12 de No-
vembro de 1818 o cónego Luiz António da Silva e Sousa.
Não se fez esperar muito o preenchimento da vaga dei-
xada por D. António de Aguiar,0 vigário de Macacú, da pro-
víncia do Rio de Janeiro, que fora eleito bispo de Meliapor
em 1811, foi designado em lO de Outubro de 18 1 8 prelado
de fioyaz, e n*este cargo confirmado com o titulo de bispo
de Castoria pela buUa de Pio Vil de 10 de Junho de 18Í0,
Tomando posse da prelazia por procuração em 21 de Ou-
tubro de I82i, seguiu lempos depois pnra Goyaz.
Elevada a prelazia de Goyaz a bispado pela bulia d© IS
de Julho de 1826, de Leão Xllt que principia— So/íctía ca-
íhõUci gregia (69) » foi D, Francisco eleito bispo por <te-
(6t)) M nomtnê B<>mini^ amm* — Leo Epfscopu^ Servo rum Dêt iii
pêrpdiiam rei memoriam^ Solicita calholici pregis cura nos com*
pellft assidue uL oa prestem us in tonto sludio quíP pro solubríori ejus-
(lem procumtione videantur expodire miêt qufi? priírum lenet
locum l^piseoporum constkulio ut (tdeiís Foptili «^pirítualibus oece»*
siljiribus celeriler valeanl opem ferre opporluiiaTn aç in MDia pre-
— 47 -
creio dê 11 de Setembro de 1843, e conQrmado por buUa
de Gregório XVi, expedida em 1844-
sertioi teiupomm acerhíULo Saneia ol iQConcusRa CaLbotic^ lidei
dogmala orEinibm u recla via dêcUciuntíbus opponat Pupulumque
verbo @l exemplo ita iti^iiruat aaiidue^^ul yberrinii Sacmmcriltirum
pabuli parUeeps faciuâ coron^im vít^e ia iriumpbaniis Ecclesiuu si nu
mereiílur {iccipera cmu dlías fd i reco rd í Bçnediclus Dí^cJuiusquar»
ius Predticesãur aosier suis niotus proprií IJieris iiicipiens — Can-
dor lucíâ elernuí — daiis Octavo fdus DeceraUris nnno Doroínl
millesliBO sepiingenLesima quadragésimo sei lo e% vaslissinia Flu-
miais ianuanis Dieeest ío Brasília bttms erexit sedes Episcopales
unam nempa Saoctí Pauli et aJ Leram Marmiieni^em ouDcupala duas
iii^lmul iiJsUtuJt PretaLurus Goiaseosem nluiirum ei Cublmeusem
deaomioatas ei separalum territoriuin babetUes iuquo idutieíPrcs-
b^leri Seculares ycI iteguUre^ a rege in Frolalos etiam ad teoipus
sibi benèviâum Ubere depulatidi spiriUialem omaimedam respective
esLereereutjurísdrctianem sub certis quibusdaoi legihusad saluber»
rimecoDsuiendunj ulíliori procuralíotii poputorum per ásperas illas
Gt mauto&aâ Hegioue^ degentium ac mu lia profeeto auimíirum lucra
ojiínde comparai a di^auscuDlur piores enim creclio EcciesiiJí^ et ea*
rum oonnuIJíc ParofiliialiUtis jure donaia^ non pauci Sticroruni Pre*
sídesadscili quí populis Otristiaoa disciptioa informandís coUabo*
rareni afiaque in íditpportuna fuerunt instituta Auamen ad uberjore
adLoc ibidem compara oda increinenta rei sacr^e uode ílegnorum
iacolumitas el vero habelur felicitas caríssimos in Christo FiJius
nosler Petrus Prímus BrasiliíE Iraperaior per dííectum filiam Fran-
eiscum Corrêa Vidigal suum apud dos el aposloliram sedem píeni-^
poleociarium admiiiislrum impensa soIlícíLudine canlendjt ui binas
eouncíalas Prelatoros ad sedis Episcopalis grndum eL dignitatem
extuUeremus aperto despondens quidquíd iu Episcopales Biensas in
Capitulorum ac Semínariorum Patrimouium el ad Catbedralíuiii
o;diom tuílionem neeessaríutn depreJiendereturei publico erano se
iDlegre ac slabilíler collaturum PíenLíssimi!^ igítur laudaU Impera^
toris voLis quanlum in Domino po^sumu^ beoigiie annuendom coo*
sentes omoíbusque rile perpensis et certu scientía ac matura
delíberaLione noslrís de quii* aposioUcfO potestatis plenitudine previa
utriusque P rela l uni;; Goiasensis cl Cuiabensis âuppressione ex-
linetione el atmulialíone biiios oppidos Goiás iuni et Cuíalaum in
— 48 —
ando por Goyaz, para a saa diocese» o bispo de
Cuyabá» D- Josó António dos Reis, nessa occasião sagrott-
se D, Francisco.
Civílales Epjscapãles ctim Ciiria et Cancellana Ficclesísstica cfitPfis*
qua júri bus tiQUOribus et privilegits quíbu^i f^audlent aViua stmiíts
Episcopais CiYLlnle§ íq eisdeni vero CiYit.tttbus eiislÊEtes Mt|Orit
Ecclésias Í<iCi¥Ítatc sfilicelGoiaseo^i honori SoLro Àn[i«ii dicatam at
m CuíabAõnsi Cí¥itate tiiulo Bqdí Jesu vocaUm ná gradara Calb«-
drâlium Ecolegiamm Coiaseosis et Cuiatiaensis P<iroch)aie« ul antca
sub lisdem titutis eitiLur^yi evetkimus et exLoKIimus illasque metr^
poliLioo júri pro tampore c%isientís Archiepiscopi Scii Sahatomiii
Brasiliii uti sulTraganeas fiubjicicDUS atque iu biuis ípsis Eccl^iâ
Diguítatem ct SciUm Poiuiricatem pro l^oiasenMet Cuíabaiinsí Epif*
copii rêspectíve nuncupandi^i qui Ecoti^stits iisdem Civítatibui mm
Oicpcesibus ut mim MKigrtíindis ilUrumque Oero cl Pôpulo pretiat
ac omQÍa eisinguUjura el munia Epíscopalia eierceant €úm iilíi
iarfáseriptis Capitull» Arca Sigillo Meosis Epiâoopalíbus Samíaaríis
Fueroruin EcctcsiasUcis cclcrisque Pofiiííiealibus insigiiiis JMris-
dieiioiíibui prerogaliTÍs ae indultís realibus et per!iúnalibus adâliai
Catbedmies Ecciesins íllarum parlium legitima ex causa spectail-
tibus eadem apoitobca auetorilaLe erigimus et coRStitulrans Forrei
ia una et altera ex predieLis Cathâdmfibas Capitulam eríl instíMien-
dum qui t^x Arehidmcouo prima poi>L t^ouimcidtcm el Arr.hipr«sbj^
lero secunda díguitale et ei decem saltem constiibil CanoDÍeii
respectivis gaudentibu* Prebendii iiit«r quas Tbeologalia et Pem-
teDciaría eruui percensenda iiemi|ue cum np por! uno com peie utt
Capeíknorum ac Mini&trorum numero pra uoiuscujusque Eceleâiie
fierfitio Tdí autem eíTormalo Capilutu faculialem iiu parti mur gau*
dendi omjubus et síngulis bouoribus iasigniis et prívilegib noii
tnEoeu titulo oneroso vet ex pecutjari favure aoqal^itis qui bus Qipi*
tut& ANarum GitltedraUum m Braâilieii!^i Império legitime fruuntur
itemque condondi quiE^ibeL statula Ordinalionm et derreia licita
tamen et banesla ac sacrís Cationibus decretisque Coucílii Triden-
Uai et apastoUcis cotistiLulionibus mioime adversantia quibus de
rectal diviui euUus disciplinarei deaccurata sacroruin procuralioue
oppoTtuna pra'cepia tradaiituf quieque postmodum pro eoniin ro*
boro eipleuario eíTectu erunt respectiva Episcopo subjicieQda el ab
eo speciatím approbauda Fuerorum itidem Ecciesiaslicum Semitia*
Nos assumptos rtslalivos ã igreja de Goyaz houYeram
sempre as maiores delongas, como lemos visto.
riuin exTritlentinorum Patmm ordiníiLionn in qiiatibet ex duabus
Epíscopalibus Ecclesíis erigendani staiuimm ul inibi adoleseenlos
Oeríci ad EccIesiiBdiscipImam informentur utílibus per KpÍBcopos
legibus impoAitis qvjibus pieLas in prímis etmorum probilasuc sana
docirioa fovealur at noTellHs pbntationes quai ibiilem alutilur ia
Bpero Ecclesíarum suncrescanl felíciler uboriores in díôs fruelas
allatarn? atquc ul pro tempore exislentium Episcoporam eL Capilu-
lorum nec non Sarainariorum con^rue dotalioni respectivo consu-*
ktur denerntmuB quod una êl altera BX Epíscopalibus MeDSÍs Coia-
sen$iis eL Oíiabaensis ad normam abarum Monsaruni Epíscopabum
per Brasibam in^trnalur expTícalís ac eerli^ annuíit reddidbus in
iummasaliem quingeniomm sepmaginta unius Dj^icatorum auri de
Camera ex imporíab erário bbere pcrãotfenda quodque paritor Ca-
piLulorum ae Seminarioruni congrue dolalioní alque Cuibedrabum
adíum tuitioni Episcoporum decenU babítatLooi et Seminariorum
Ordinationi a supralíiudalo Brasibíp Iraperalori ad normara saltem
alíorum Epíscopaluum pro suo m CfUboMcam FkUgionom impeuso
sludio Ubcrabler consulolur pro singularum profeclo Dí(v*eesium
eíTorniando Território ea ipsa loca uDíciíique attribuimus qutL> ifi
presenUarum adatiledictas rrelaturas respectivo perlinent atque
idcirco suppressa et exlincta qualibet alia si qua^ forsan exíBtat alte-
ricm cuju!%piãm antisliti;^ in lU Territariís jurisdictionem iMorum
Íncolas uiriusque scxus iam Laicos quam Clericos nec nan Ecclesíaâ
Monasteria Beneítcia quírcuroque memoratts Epif^copalibus Ecelosíis
earumque Presulibu^ pro buís Cívrtalo Territorío Diecesí Clero ac
Populo assignamus eorumque omnimudaí jurisdictioni acsuperio-
rílali in spírítuatibus perpetuo respectivo supponimus atquo sub-
jictmus fescnrata tAmem Nabis ot Romanis Pontibcibua successo-
líbus nostri^ facultaie novam harum Dtecesíum circurnscriplionem
eliam qiiond Moiro poUlice Eccle^ue designalíonom ^jtncire uhi saiu-
britis pro líeligíonis bono fore fonspiciafyr quin uHuui in iil vel ab
anliiilitrhus vet a O^ipiíulis opus sit a$;^en^um ciquírere. Qooniam
veroad furuiam supradicli Mulus proprii liiudaLi Ponlificis Bonedioii
Deotiníquarlí prefac tus Brasília? Imperaior Indulto gaiidebat Iiioneoã
Presbyleros ad enuncialas Goiascnsos ei Cuiabaonsem Prcbiluras
Bominandí. Nos attentia quaqtie prs^Iaris in Heligíonem cl Eccte-
TOMO XXVIU, p. TI, 7
- 30 —
Foi I). Francisco o primeiro prelado que entrou em Goyaz
e exerceu, apezar de cego, o pastoral officio. Dotado de ?ir-
8iam meritís ipsius Petri Imperatoris libenter concedimus ut hac
eliam prima vice el in futuris vacalíoníbus idem Imperator ejusque
in Brasiliensi Império successores gaudeant jure patronalus et pre-
sentandi ad anledíclas sedes Romano PontlGce infra annum adie
vacationis ob locorum longinquitatem Personas Ecclesiasticas pie-
tate Religionís sludio doctrína secundum Doum prudentiael gra-
\itate commendatas iisque preditas dolíbus quas sacri Cânones
requirunt a nobís et Romanís PonliGcibus successoribus noslrit
juitd statulas formas per apostólicas líteras Canonice promoveodas
el iustituendas. Eidem ínsuper Imperatori tribuimusjus nominandi
Ecciesiastícos idóneos viros nd omnes et s igulas predictas Dignita-
tes Ganonícatus Prebendas ac Beneficia ut preferlur respective erí-
genda congriísque per ipsum Imperatorem rodditibus donanda quo-
ties iila quomodolíbet et ex quorumcumque Personis eliamapud
sedem aposlolicam vacare contigerit ita ut hujusmodi nominalís ae
presentatis Cinonica per respectivos Episcopos decernatur instilutio
eo plano modo quo a supradícto Predecessore nostro Benedicto De-
cimoquarto in supra enunciatís Motus proprií iiteris pro BeneGciii
Capitulorum pro Cathedralium Sancti Paulí et Marianensis fuit san-
citum ad consulendum interea Cliristííidelíum in illís partíbusde-
gentíum spiriluali regímini ubi primum binaram Cathedralium
erectioní locus faclus fuerit ne iisdem dcsil Preses donec de primo
earum anlislite provideantur Venerabilera Fratrem Francisoum Fer-
reira de Azevedo Episcopum Castorien in partibus inlidelium Prela-
tuno Goiasensi et dilectum fílíum Fr. Joseplium Mariam e Macerata
Presbilerum Ordinis Fralrum Minorum Sancti Francisci Cappuc-
cinorum expresse professit Cuiabaensi Prclature modernos Pre-
sidentes in Vicários apostólicos earumdem Prelaturarum cum
necessaríis el opportunis in eam rem facultalíbus durante lantum-
modo illarum sedium Episcopalium vacatione respective deputamus
et constituímus. Volumus autem quod juxta redditus annuos Mensis
Episcopalique ut supra assígnaudos consueta Taxa Ecciesiarum
Goiasensis et Cuiabaensis de more cílbrmata in floreois auri centum .
sexdecim cum duobus terliis pro unoquaque in Libris Camerae nós-
trse apostoliccie describatur. Denique ut cuncta superius a nobis dis*
posita rite ad suum perducantur efTectum Venerabilem Fratrem
— SI -
ttidtís preclaras, era entretanto de caracter timorato e de
orna bondade extrema* Cego, esta círcumstancia muito con-
Josephum a Silva Episcopum Sancti Sebasiiaoi Flamims Januarii ia
harum Uteramm MposlDlícârum 6xequuiDrem cum omníbus et sin-»
guILs necessariís et oppoTtuniã fâcuItaLibus eligimus ac dcpulamus
uísive per se síve p6r aliam ítlustrem PersoDam ia Eec[esia<iilca Ui«
gQÍtate constitutam ab oo subdelcgandam prosit satius m Domino
eensueríL nedum cuQCta vafeat peragere ad optaluoi premísoruin
oiitum sod etíiiin siujjer í|uacumt|ue oppoíiítioae in acLu ©jusmodí
esequalionls quomodolibel Torãan úrjtura deliaíLlve pronunetare
delagaCa sibi apostólica âuctoriUie Nbere et licite \aleai Cidein ÍQ«
super Joseptio Episcopo iDJungimus ut aulhentica decrelorum et
aelorum omoía inejusmodi eitequuliononi coullciendomm ad após-
tolíeaiD sedem trrtnsmiUat ín Tabula rio hujtis Congregatioais rebus
consisiorialibus preposíte do more jis^ervanda Presentes autem
literas et ia eis contenta qua^cumque etiam ei eoquod quilibet ia
premissis itueresset babe ni es vel habere pretendem es illts non coq«
senserint seu vocati ei audiU non fucriat uullo uoquain temporede
subreptionis vel nbreplioDis seu nullttalis vitio seu itileniionis nosr
Irce aut atío quabtumvís subslaQcíaíi defectu nolari impugna ri vel
ia eontroversiam ^omrl miuime posse sed semper et perpetuo fa-
fidas Bi otficaeeso.\islere et fore suosque plenários et íntegros efle-
ctus sorlíri et obLínere ac ab omnibus ad quos specUl inviotabíliter
observari debere et si secus super bis a quoquam qtiavís aticLorítale
seienter vel ígneraoter cotitigerit attenian írrílurn et inane deeer-
nimut. Non obstantibus eliam in Sinodal ibus ProvincialíbusCenera*
libusque Coneilits edítis Conslitulionibus el Ordinalionibus apos^
lolicis predícturumque EccJesiarum slatniís consueludinibus &t
privilegiis quibus omnibus et singulís illorum tenore pro plene et
sufficicnter ex[íressis babenlos iltís abas ín suo robore perraansuris
ad premissonim eíTeolum derógamus ceterisque eontrariisquibus-
cumque NulJi ergo omnino hominum fíceaL bane paginam nostram
Erectionts InslítuUonis assignalionis aitfibuitíonis Concessionis De-
paialioois Injunctionís Derogaiionis Dccreti roandati et toluntatís
infringe re vel oi aussu Lemer<Arío conlrairo ; si quis aulom Zioc at-
lentare presurapseriL indignaLíonem Omnipoientts Dei ac ííeatorum
Pelri eL Payli apostolo rum ojus se noverlt incursurum Datum Bomín
ap\iá Sanei um Petrum atino Incarna tiouis Dominica* millesimo
— 5» —
corroo para que nSo poucas vezes abusassem da snacMh
fiança e da soa bondade, com grave prejuízo dos interesses
da sua igreja ; foram seus próprios familiares os que mais
o comprometteram.
NSo consta que em tempo algum houvessem duvidas
sobre divisas ec(^lesiasticas ; a desmembracSo que se te
das freguezias que pertenciam ao Pará foi aconselhada por
bem dos povos; um facto, porém, teve lugar em nossos
dias, a usurpação por parte de Mato-Grosso da freguesia
de SanfÀuna do Parnahyba, assumpto este de que ji nos
occupàmos quando tratámos das questões de limites com
aquella capitania.
Vem aqui a pello fállarmos de uma azeda polemica, que,
travada no governo de D. João Manoel de Menezes, teve
fim no tempo de D. Francisco.
Por carta régia de 25 de Abril de 1799, foi o ouvidor de
Sabarà, José Gregório de Moraes Navarro, incumbido de
erigir a villa de Piracatú do Príncipe, e crear a comarca dô
Rio das Velhas. Determinava esta carta que na demar-
cação da villa ficariam comprehendidos os lugares que
mais próximos d'ella ficassem, sem atlenção às divisas das
capitanias.
N'esta conformidade, o ouvidor, em 15 de Outubro de
1800, installou a villa e traçou-lhe os limites, annexando-
lhe o julgado de S. Romão, que entendeu, n'essa occasião,
dever extinguir.
Á linha divisória, partindo do Porto Real do rio de
octingentesimo vigésimo sexto Idibus Julii Pontiíicalus nostri <
terlio loco í{í Plumbi-Super quibus quidem Literis Ego Notarius pa-
blicus presens Transumplum confeci et signavi presentibus D. D.
Germano et Dâmaso Testa Testibus. — Goncord cum Originali F.
kola Opus Depus. — B. Gardinalis Pacca Pro-Dat. — Ita esl Carolas
Baltaglia. — Notus Apeus.
- &3 —
S. Francisco, ia lêr á barra do Rio das Velhas, e d'âhi, pas-
sando pelo julgado de S, Romão, prospguia em direcção ã
barra do rio Carinhanha, e soas cabeceiras na chapada de
Sanla Maria, seguindo depois alé ás cabeceiras do Rio
Preto, e d'ahi, acompanhando o curso das aguas dos Arre-
pendidos, ia ler às suas cabeceiras, e d'ellas em linha recta
ao rio de S. Marcos, cuja corrente seguia até fazer barra
no Pamahyba. Pelo 1'arnahyba acima, remontando assoas
vertentes, continuava a linha diirisoriâ, e depois proseguia
até o registro dos Ferreiros : d*esle porto par li a ate o Fun-
chal, cnjas aguas acompanhava até se lançarem no Indabyá,
e pelo seu curso até conDuenciar no rio de S, Francisco,
cuja corrente servia de natural balisa até o Porto Real,
ticando doeste modo fechada a linha divisória*
N'este grande periraetro estavam comprehendidas as po-
voações de S. Romão, Salgado, ribeira do Urocuja, do
Acary, Peruassíi, Rio Pardo, Rio Preto» Carinhanha, cha^
pada de Santa Maria, e quasí todas as fazendas da picada
de Goyaz, desde Piracatú até Bamboby, Incontestavelmente
uma grande parte do território, que até enlao pertencia a
Goyaz, não se respeitara n'esta divisão.
Informado D. João d'este fado, dotado, como era, de
génio ardente e violento, representou contra o acto do ou-
vidor ao capitao-general, Bernardo José de Lorena, então
governador de Minas, e^ não satisfeito com assim ter pro-
cedido, mandou postar um forte destacamento em André-
qoisé, para assim manter melhor osUmites dasua júris-
dicção.
Depois de uma troca de oQicios, escriplos em lingoagom
pouco conveniente, flcou a questão adiada; porém D, Fran-
cisco entendeu prudente dar-lhe flm, deixando a capi^
tania de Minas na posse do contustado terreno* Entretanto»
ficavam ainda para futuras ambições de Minas os julgados
- u -
do iraiá ê DeseihboqBe, e lodo esse lêrrilorio camprefifeií^
iiáó entre o Rio Grande e Parnah j ba» coahecido pelo nome
Úh sertão da Farinha Podre,
Julgamos de interesse mendonar aqui estes factos, para
que se cooheça âs mudanças que se foram operando do lar-
rítorjo da capitania, o que foi ella outrora em exlSDSlo
tôrritorial, 6 o que representa hoje em relação ao passado.
Decidida, como acabamos de Tér, esta questão^ dirigia
D. Francisco as soas vistas para o assumpto que mais o
prendia, — as vias de Ciimmunicaçao — . Entrava dos seus
planos admiuislratívos a e^íploracâa dos rios do sul da capi-
tania, para estabalecer por esta modo uma fácil communi*
Câçao com S* Paulo.
Antes, porém, de tratarmos desta matéria, fallaremos
do descobrimenio que do seu tempo se fez das ricas minas
do Anicuns, que em 1752 foram conhecidas do câpitão-mÂr
PãDlaleâo Pedroso.
Informando D. Francisco ao seu sucoessor sobre o ser^
viço da mineraçãOt disse ;
II Esta capitania é talvez a uuica do Brasil que lem a at*
pecialídade de conter nos seus limites, além do muitas mioss
de ouro, as melhores matarias, muito férteis campinas e
dois grandes rios navegáveis, que lhe offerecem uma com-
municãçao fácil com a do Gram-Pará. E' verdade que as
minas lèm experimentado considerável decadência desde
muitos annos ; as conhecidas, por se acharem cansadas, dSo
já muito limitado interesse, ou, para melhor me explicar,
o pequeno numero de escravos que ha na capitania nlo
permitte o estabelecimento de serviços mais custosos e
adaptados á sua natureza, para se tirarem aquellas utili-
dades que ainda poderiSo offerecer-nos. Quanto, porém,
às minas até agora por descobrir, mas que muito bera fun-
damentadas opiniões indicam a sua existência oo centro
— «5 —
d*este vaslo continente, lôm obstado a sua exploração, em
primeiro lugar, o génio pouco activo e sempre inclinada
ao ócio dos brasileiros, especialmente dos habitanles d esta
capitania; em segundo lugar, os infelizes resultados e
grandes despezas que tiveram os últimos descobridores,
entre os quaes se faz especial menção de um Bulhões, na-
tural do córrego de Jaraguà, que inleiramenle ficou arrui-
nado com toda a sua familiat dissipando nas suas inúteis
tentativas um considerável património que lhe haviam dei-
xado seus antepassados ; sendo estes motivos assas podero-
sos para se nâo arriscarem ouLros exploradores aos mesmos
infelizes descobrimentos e trabalhos ásperos e perigosos ;
o que sempre serviu de intimidar a povos em que concor-
rem as circurastancias de um génio extremamente frouxo e
de temperamento o mais fleugraatico»
ff O novo descobrimento dos Anicuns ollerece, comludo,
uma grande resurça a estes povos : nella lém collocado,
não eu, mas sim os enthusiaslas da mineração, as mais
consoladoras esperanças do futuro melhoramento doesta
capitania.... )>
Digamos como foi êste descobrimento e o que se seguiu
depois.
Andando a faiscar no córrego de Anicons um pobre
homem, de nome Luciano, reconheceu a existência de um
rico vieiro, dilEcil de trabalhar, por ser em pedra, e, pare-
cendo-lhe ser esta nova agradável ao governador, a elle a
foi levar*
Com a noticia aOluiu para o ponto grande numero de
pessoas. Não tardou que D, Francisco desse ordem ao
Dr. Joaquim Ttieotonio Segurado para proceder à divisão
das terras ; e, porque desde o começo dos trabalhos appa-
recessem grandes desordens, deu fira a ellas mandando
organisar uma sociedade mineralógica- Da organisaçao
— 56 -
desta sociedade foi incumbido o desembargador superia-
teúdeote Joaquim IgQacio Silveira da Motta.
Iodo para este Om a Anicuns, teve Silveira da Mo tia oc^
casiao de verificar que uma pedreira mandada conservar
sob gaarda por D, Francisco era a mais rica qua até então
se tinha descoberto em Goyaz.
Isto succedia no 1* de Março de 1809 : no dia 2 estava a
sociedade organisada, sendo Silveira da Motta seu director
e imraediato na administração o guarda-mór territorial
Francisco Anlonio da Fonseca.
Além doestes dois superintendenteSt linha a sociedade
um caixa ou Ihesoureiro, um escrivão e seis feitores. Os
primeiros accionistas, segundo a regra dos estatutos, eram
obrigados a entrar para a sociedade com doze praças de
serviço: admitliram-se também todos os homens livres
que quizerara trabalhar a salário, Organisada a companhia
sob estas bases> e com um grande corpo de operários» come-
çaram os desmontes*
As primeiras provas deram logo a conhecer a riqueza
eiístenle: no quarto dia de trabalho enconlrou-se uma
pedra solta com o peso de doze arrobas, da qnal se es-
trahiu mais de duzentas oitavas de ouro.
Em Março foi D* Francisco a Anicuos para observar c
serviço feito e dar uma conveniente direcção aos trabalhos
da companhia. No fim d'este mez se recolheu ao cofre era
ouro o valor de ^:i395S25, no mez seguinte !0:607C^I03,
e em Maio 7:2933J128. Do mm de Junho em diante dimi-
nuiram um pouco os trabalhos, porque grande numero de
operários foi dislrahido no serviço do encanamento do rio
dos Bois, e no levantamento da igreja de S. Francisco de
Assis, que o governador mandara erigir, assistindo em pes-
soa ao lançamento da primeira pedra,
Apezar d esta distraçao de braços, no ftm de 1809 havia
- 57 -
em cofre uma renda liquida de 20:í>46»^735 ; em 1810 a
renda foi de 8:0585sl87; em 1811 do7:8i3»SOO; e em
1812 de 3:01 5?íOOO.
,N'este uUimo anno linha rareado muito o corpo dos
operários : o demónio dâ intriga, pondo em luta o ouvidor
Motla contra os sócios Braz Maninho de Almeida o Joaquim
José Gandras, afugentou a muita gente, O serviço da mi-
neração foi decahindo alé dissolver-se a companhia no go-
verno de Fernando Delgado, que tentou debalde dar-lhe
nova forma. N*esse lugar das minas de Anicuns ficou nma
povoação, hoje pequena e acanhada, mas que ainda mostra
pelo numero dâs suas rui nas o seu antigo florescimento-
Não crendo D, Francisco, por elle mesmo confessado,
como acabamos de ver, no progresso originariamente filho
do trabalho mineralógico, cuidou com preferencia da la-
voura, do commercio e da abertura de novas vias de com-
mnnicação, por onde pudessem facilmente sahir os pro-
duetos da capitania.
Estabelecer com o Pará relações commerciaes, por via
do* Tocantins e do Araguaya, era seu grande desideratum,
porque elle via que Goyaz produzia bem o algodão, o
fumo, o assucar, o café e o trigo, e nao podia permutar
esses géneros^ nem dar extracção aos produclos do gado,
sendo uma provinda essencialmente creadora : para lar
consumidores e fregueses carecia de meios fáceis de trans-
porte.
Quando D. Francisco em 1808 fez publicar o alvará do
1" de Abril do mesmo anno, que revogava o de 5 de Ja-
neiro de 1785, que havia prohibido e extinguido as fa-
bricas e manufacturas, por se entender que eram ellas
também causa da diminuição considerável da extrac-
ção do ouro e diamantes, recommendon a lavoura do at-
íodao e a creaçao de fabricas de tecer, considerando
TOMO xxYin, p. II* 8
- 58 -
essa laTOora e a industria da tecelagem do maior interesse
para a capitâQÍa. Aconselhando que a esta industria se
applí cassem os povos de prerereocia a qualquer oulra»
aílirmava e garantia que n^elle enconlrariam e nos magis-
trados todo o apoio e protecção de que carecessem ao
principio e no progresso dos seus estabelecimentos, aquet*
les que com interesse e vigor a ella se di*dicassem (70).
(70) Eu o Príncipe RegeDle faça saber aos que o pres6iUe alfafa
virem que, deseJaQdo promover o adiantar a riqueza nacíODoi, c
sendo um dos raananciaes frella as mamifâclurase a índustriíi, que
miillii^lícam e melharam, 6 dão mais valor ans fçeneros e produelOf
da agricullura c das arles, e augmentam a populacho, dando qoe
fazara muitos l»rnço!> e fornecetiijú meios de subsislencia a muiloi
dos meus ^ assa lios, que por fnlla d^elles se entregariam aos tícios d&
ociosidade: e convindo remover lodos os obsiaculos que podem
inutilisar e frustrar Ião vantajosos proveitos: sou servido uboHro
revogar toda e qualquer prúliibi^fio que b aja a este respeito no £^
tado do Brasil e nus meus domínios ultramariuos, e ordeoar quo
d'aqui em diante seja Ueito a qualquer dos meus vassallos, qualquer
que seja o paiz em que habitem, estabelecer todo o género de ma-
nufaeturas sem exceptuar alguma^ fazendo os seus trabalhos *eai
pequeno ou em grande, como entenderem que mais thes convém,
para que bei por bem derogar o alvará de 5 de Xatieiro de 1785, ^
quãesq^uor lets ou ordens que o cooirario decidam, como se d'6liââ
fizesse ei pressa e individual mem^ão sem embargo de lei em con-
trario. Pelo que mando ao presidente do meu real erário, governa*
dores e capiíaes-generaes, e mais governadores do Estado do Brasil
e domínios ultramarinos, e a iodos os ministros da justiça o mi»
pessoas aquém o eonbeci mento doesta pertencer, cumpram e guar-
dem, e façam inieiramente cumprire guardar este meu alvarâ como
n^elle se cootémi sem embargo do quaesqaor leis ou dispasic^ em
contrario, as quaes liei por derogadas para este eITeito somente,
ficando alíús sempre em seu vigor. Dado oo palácio do Rm de Ja-
neiro, no i* de Abril de 1808, — Principe* D, f/?rnandú Jméde Púr-
tugai. — Alvará por que Vossa Altoxa é servido re?ogar tod& a
probibiçào que bavia de fabricas e manufacturas no Lstado do fim-
— S9 -
Mãs a primeira protecção que D. Franeiscô podia dar â
lavoura e à industria da capitania era, sem duvida Jacili lar
o seu transporte para os mercados consumidores* Para os
habitantes do norte haviam os rios Araguaya e Tocantins ;
para os do sul as estradas de Minas e S. Paulo, vias de
coramunicação longas e caras.
Se fosse possível navegar os rios do sul de Goyaz, que
lodos se dirigem para S, Paulo e Minas, estava am parla
resolvida a questão. Sabia D, Francisco que pelo Tietê,
Paraná, Camapuan e Taquary viaja va-se do litoral para
Cnyabà, que este caminho era jà frequentado: porque,
pois, não seria possível continuar esta navegação até pou-
cas léguas de Villa-Boa, subindo o Parnahyba, rio Verde e
rio dos Boisí Foi o que tentou veriflcar* Offerecia-se para
esta empreza Eslanisláo de Oliveira Guterres, homem ou-
sado e qae desejava prestar algum serviço que o recom-
mendâsse. D. Francisco mandou construir á sua custa uma
canoa, que aprestou e tripolou convenientemente para esta
exploração. No começo das aguas de 1808 partiu Guterres
e embarcou-se no rio dos Bois ou Anicuns,
Diz um contemporâneo, fallando doeste eommettimento;
a Dos companheiros doesta espediçao alguns voltaram
logo da campanha do Neiva, e Eslanisláo seguiu só com
seis companheiros em uma canoa, e nâo voltou e nem
consta que chegasse a seu fim. Dizem passageiros da
S. Paulo que deu em uma catadupa (7t)» em que perdeu a
síl e domínios u!tntniaTÍnós, na fúrma acima exporta. ^- Pam Vossa
Alteia iieal ver. — João Alves de Miranda Varejão, o fei.
(71) Diz Cunba Mui los: — Entregues A vioteneia das correntes, a
ignorando lahoz a verdíideira situaçáo da íoi do Tietê, varou de
noite a loca d'esle ?{o, que linha ordem de subir até S. Paulo, 8 Toi
precipitar-se na cefebre cachoeira das Sote-guédas {Gomara], onde a
canoa se fei em pedaços. — lUmmrw lom. 2* pag. 103,
— 60 -
caiiôa e mantimentos e só salvaram as vidas, e que conti-
Buaado em uma jangada que fizeram » a qual deu em ou-
tra, só 36 salvaram Estanisláo e dois compaoLeiroSp e que,
entranhados em uma mala, só sustentados de raízes e pal-
mitos, desíalleceu Estauislâo, e, jà moribiindo, flcou junto
a uma arvore, tendo os companlieiros a desbumanidade de
o deixarem n'esse estado, que depois de tempo Toram sahír
no sertão da Coritiba, Esta noticia se confirmou com a cer-
teza que mo dá pessoa de confidencia, que fatiou com os
mesmos que escaparam, e dizem que desceram muito
abaixo da embocadura que deviam tomar, e que se perde-
ram já em terra que suppunham de Castella; que encon-
traram infinitos Índios, dos quaes sempre se occultaram; e
que depois de andarem pelas matas perdidos dois ao nos
sabiram perto à viUa de Lages, valendo muito afinal para
sua sustentação os pinbaes do sul ; que foram presos e
soltos depois de conhecer-se a verdade; não quiseram
voltar a esta capitania; que um se conservava casado
em S. Paulo [li] ^ e o outro , ao presente (18121 j
na Bahia, » (73)
Esta narração nos parece a verídica, e com ellaestáde
acGordo o que disse o marechal Cunba Mattos no seu ÍUn^
O resultado d*esta exploração sentiram os que contavam
com uma fácil comraunicabiUdade para a capitania de
S. Paulo, e principalmente D, Francisco, que a linha pre-
parado à sua custa. Tão funesto fim, porém, não inUaiu
para que mais tarde outros exploradores deixassem de
(7â) Um doestes homans, cbamaLla |] regar Ío, exísUa casiido oi
villa de Juodiafiy no mno de 1817. — Cunha MaUas. — i/^ifraf^.
(7^) U A* Silva e Sousa. UemoriuM.
— tíl -
seguir aíi pisadas de Guterres e chegassem a realizar com
felicidade o que elle não pudera conseguir.
O apoio dado pelo governador aos ialeresses da navega-
ção foi mais ou me aos efficaz, porem os que realmente
d*ellB se aproveitaram íoram os povos do Tocantins* Além
do serem as margens d*este rio as mais povoadas da capi-
tania, e o ponto mais distante du Rio da Janeiro, Bahia e
S. PaulOt com quem até então commerciavam os habitantes
de Goyaz, oííerecendo o commercio para o Para outros
commodos e facilidades, para alli se dirigiram.
E, como consequência natural d*esle facto, a porção des-
povoada do Tocantins foi recehendo habitadores, e se for-
maram pelo prolongamento das suas margens novos focos
de população-
Por ordem do ministério da guerra, de 26 de Maio de
1809, se mandou estabelecer um presidio militar na foz do
rio Manoel Alves Grande para servir de protecção ao com-
mercio e de escala entre Porto-Real e S, João das Duas
Barras, que se mandara crear para sede da nova comarca
do norte, e, nao se tendo realizado esta creação, era nada
foi sensível ao commercio, por terem os povos, melhor
acoDsel liados, fundado a povoação de S, Pedro de Alcân-
tara, e mais tarde feito apparecer a actual cidade da Boa-
vista, próxima ao estabelecimento de uma aldêa de
apinagés.
Ao desembargador Theotonio Segurado e coronel José
Manoel da Silva e Oliveira, aquelle ouvidor e este comman-
dante militar da nova comarca» muito se deve o ter sido
n'aquelle tempo a navegação do Tocantins mais prospera
do que é hoje.
Uma circumstancía muito cooperou para o desenvolvi-
mento doesta navegação, e foi o ter-se estabelecido uma
linha do correios da corte para o Pará por via de Goyaz<
— Ii2 —
A «0iiiiiiãnÍGaç5o da extrema capUânia do norte com i
corte, por \ia de barcos de vela, era demasiadamente de-
morada : imagiooa-se que um correio por terra, funccio-
nando regularmente, a poderia pôr em mais estreita cor-
respondência com a capital da monarcLia*
Para o conseguimGnto à'esle dcsidenilum era indispen-
sável conbecer-se o caminho mais curlo do Rio de Janeiro
até Goyaz ; e» quando essa estrada não estivesse ainda ex-
plorada, abril-a com toda a urgência. N'este sentido se
deram as ordens a l*, Francisco por avisos da secretariada
guerra de 12 de Setembro de 1808 e 8 de Abril de 1809.
Ao desembargador Segurado e coronel Oliveira incum»
Mn o governador da abertura de uma estrada em rumo
direito, a partir de S, Romão ale Porto-ReaL Até S* Ro-
mão a estrada de Minas era franca e frequentada, e pouco
ou nada havia que Tazer ; d'ahi por diante, porém» em vei
de seguir pelos Couros, Saola Luzia, Corumbá, Meia-Ponttó
e capilal, para tomar a direcção do norte pela chapada dos
Viadeiros ou pelo sertão de Amaro Leite, convinha explo-
rar uma nova estrada que» partindo de S. Romão, fosse ao
Porto -Iteal, passando pelo registro de Santa Maria, S, Do-
mingos, Conceição e Natividade.
Foram encarregados da sua abertura Nicacio da €n aba
Monteiro, Domingos António Cardoso i Francisco de Al-
meida Salerno, Joaquim António dos Santos e João Ayres
da Silva, homens de fortuna e de iniluencia no norta de
Goyaz, únicos capazes de tomarem a si esta empresca.
Aberta esta nova via de communicação, foi d'ella nomeado
inspector o coronel Oliveira para cuidar da sua conser-
vação.
Em 1810 jà o serviço dos correios se fazia com a pos-
sível regularidade, percorrendo os estafetas uma eitensâa
_ 63 —
de 530 léguas pouco mais ou menos, 280 por terra e 250
pelo rio Tocantins (74) •
(74) Os roteiros da viagem de lerra sao rariíiveis, D. Francisco
calcukTa que do Rio de Janeiro ao Forto-Beal haviam 361 leguag»
e o corooel Belfard 3Bi, e o desembargador Segurado 'M\Z* Entre
os dois aUimos é que está a verdade. Coof reatemos ps dois pri*
meiroi roteiros >
Roteiro ãt D. Frandsim dê
Mascarmhas.
Do flío de Janeiro í% Vi lia
Rica. ...,.,,-*.
De Viiia Bica ao Sabará» . .
De Sãbará a Ctirvello, . . ,
De Curveílo a S, Bomfio* .
Ue S. Homào a Santa Maria
De Sania Maria a Conceiçiio
Da Conceiçíio A Natividade
Da Natividade á Chapada, »
Da Cljapada ao Carmo * . ^
Do Carmo a Porto-Heal . .
Á$tis
mi
Roteiro ão cormiel Bilfard,
Do Hio de Janeiro á Vi lia
Rica
De Villa Bica ao Sabarã. . .
De Sabará a CurvoBo, - - ,
De Cnrvello a S* Bomâo . .
De S* Horaào a Sania Maria
Do Santa Maria A Conceit;ão
Da Cortceíi;ão á Natividade
Da Natividade á Cdapada* .
Da Chapada ao Carmo . » ,
Dú Carma ao Porto- Beal. ♦
Leg.
364
O roteiro de Segurado era o mais seguido. e poretle se regulavam
as marchas dos estafetas a partir de Vjlla Bica até Santa Maria, c
d'alfi para o Porto Imperial. Vejamos este roteiro ; *
De Vi lia Biea á Villa de Sabará, passando pela Matta da
Boa Vista, Cravato, Pissarrâo* Alto da Tires, arraial do
Rio das Pedras, rasLcnda do Papudo, Ribeiro Manso, Ola-
ria, Coxe de Agua, Santo António do Rio Abaixo, Santa
Rita, Padre Pequeno, Raposos, Pís§arrào, e arraial Volbo i5
De Sabara ao registro das Sete Lagoas, atravessando e cor-
reK'0 da Lage, Santa Luzia, Ribeirão da \ratta, Mattosí-
nho, e Resende* , , . 13
Das Sete Lagoas ao arraial de Curveffo, passando por Fetix
I^rbosa, Uanoel de Araújo, Matiiias Pereira, Jeronjmo
Ribeiro, Camafeu, Maria ThomRzia. . . . , , , IGf^
1)0 Curvello ao arraial da Barra do Bio das Velhas, passando
- 64 -
Calcnloo-se^que uma ?iagem redonda de correio poresU
estrada se poderia fazer em 97 dias ; se, porém, alguma
yez isto succedeu, é o que não podemos aílirmar.
pelo Pissairão, Capão do' Rocha, fazenda da Garça, Gon-
trías, Porto Real, riacho do Lavado, S. Gonçalo, Pedras
de Maria Gomes, Borily Pequeno, ribeirão dos Ferros,
Padre Moreira, Borily] de José Félix, Gameleira, For-
quilha. ' 381/1
Da Barra do Rio das Velhas ao araial de S. Romão, passando
pela fazenda da Varge, rio Jequitahy, Engenho da Ex-
trema, Capella, Calinga, Pacub^^ Piracatú, Seis Dedos,
Reliro da Gameleira 34
De S. Romão & fazenda dos Morrinhos, passando pela fazenda
do Riacho, Exlrema, Vão, Santo Ignacio, Coqueiro,
Riacho Secco, Pedras, Gameleira, ribeirão das Areias, e
riacho das Éguas S01/2
Dos Morrinhos ao registro de Santa Maria pela Ipoeira, Boa*
Vista, Riacho Claro, Varge Grande, Rancharia, Cerra-
Âcima, Fortes, Manoel Zacarias, S. Sebastião, Santa
Theresa, Fetaes, S. Domingos, Catingas, Caiçara do Meio
e Bocaina, 383/4
166 V«
Na capitania de Goyaz a extensão era de 121 1/4 léguas de Santa
Maria ao Porto Real, a saber :
Do Porto Real ao registro do S. Domingos, passando pelo
arraial da Chapada, arraial da Natividade, arraial da Con-
ceiçíio^ Recanlillado, S. Pedro, Rio da Palma, Mocambo,
lk)rily. Salobro, ribeirão dos Montes Claros, Bom Jesus,
ribeirão doCalheiro, ribeirão do Bonito, Rio Vermelho. 821^
DeS. Domingos a Santa Maria, passando pelos ribeirões dos
Macacos, de Angélica, de S. Vicente, S. Matheus, I^pa^
Palmeira, S. Bernardo, Boa-Vista, ribeirão de Agua
Quente, Posse, Trombas, Prata, Forquilha, Bonito, Bio
Corrente, lagamar, ribeirão da Lontra, Malhada Alta,
ribeirão da Tabúa 38 3/1
1211/4
-" 65 -
Por occasião de estabelecer-se etn 1808 o correio do
Pará também se creou uma linha de estafetas para Cuyabâ,
Jiaba que ainda hoje se conserva.
Além de todos estes trabalhos da máxima importância
para a capitania, também se deve a D. Francisco a organi-
saçao de uma eslâtistica da população a mais regular qos
se íez, e na qual trabalharam, além de Segurado e Cid, 0
illustrado cónego Luiz António da Silva e Sousâ,
Depois de 5 annos e quasi 9 meies de administração,
foi D. Francisco transferido para o governo de Minas-
Geraeg.
Quando em 1809 entregou a Fernando Delgado o bastão
da governança, se nao era bom o estado da capitania de
Goyaz, era pelo menos como o do convalescente que acaba
da passar pelos perigos de uma longa enfermidade, e tem
esperanças de um completo restabelecimento. Havia p po-
rém, o receio de uma recahida que aggravasse o estado do
enfermo*
Em 1809 a administração publica oíTerecia a seguinte
organisat^ão em relação aos differentes ramos de serviço.
Desíle quí> foram creadas as duas intendências do ouro.
fiú Pofto Impeml tiavlam áum eant>fls proitiptaSf eflffuipadiiít
por âoUiiidos pedestres, pura a conducçrta ih^ mafasal^ o primeiro
esUbeleciíiiento da eapiluDia do Pará. As malas de lerra eram
condiizíflas por praça.^ de* eavalJari» miliciana t^etn mo n ta d aí; ^ ha-
vendo para csíe fim piquetes de duas e IrQs praças^ poslados etn
dista no fãfi convenientes.
Os com mandantes mí ti tares e os juiies ordinários eram os inspe-
ciores dos correios, ou paradas, cada iirn nos !im lies da sua ju-
risdieçáo. Nunca as ordens feaes foram execuUidíis com tanía
promplídão, coroo A*este caso, semlo para adruirar a boa vontade
com qu^ o povo concorria para abrír-se esta entrada de Í2i legoas,
e oonstruir-se immensas ponteia, devendo no (ai^se que em tudo isto
nada despendeu a faienda reâ).
TOMO XXVUI, P. IL i
^- e<i —
o lerriíorio de Goyâz íol dividido em duas repartiçõa,
a da Dorie eadosuL
Aceitaado esta divisão , vejamos o que Queila ha a consí-
derar-se.
Na repartição do sul residia o gíveriiador e capitâo-
generaU qtie lambera era regedor das justiças, presidente
da juQta da real fazenda e direcLor geral dos estudas : para
o serviço do seu expediente tinha o secretario do goveniOt
eomou dois ajudantes de ordens.
Segui a-se na hyerarchia dos empregos ;
O ouvidor, corregedor, e também provedor das capellas,
defuntos e ausentes.
O juiz de fôra do eivei, crime e orpbâos. Pelo alvará da
sua creaçâo, ex ti neto como fora o lugar de inlendenle do
ouro, era obrigado a tirar a devassa drís extravios» e prali*
car todos os mais acttís judiciários que pertenciam aos io-
tendenles.
Para a arrecadação e Useatisação das remias baTÍa o tri-
bunal da junta da fazenda, com a sua contadoria e a casa
da fundição.
O tribunal da junta se compunha da um presidênle» epie
era o governador, e de quatro deputridõs, a saber: o jaix
dos feitos, que era o ouvidor, o procurador da fazendâi
que era o juiz de fòra^ o ihesoureiro geral e o escrivão de-
putado.
Como repartição anuexa ao tribunal, havia a contadoria,
servida por um escripturario-contador, dois escriplurarios
elfectivos, alguns supranumerários, um thesoureiro das
despezas miúdas, um almoxarife dos armazéns reaes, um
escrivão da matricula & um continuo.
A casa da fundição de Villa-Boa era admiuistrada por
quatro fiscaes, e n'ella serviam um thesoureiro, uca escri-
vão da receita, um escrivão dainteodeucia, um fundidor»
— 67 —
mm ensaiador, um âjadanie das officínas, um meirinho da
intendência e cinco fieis dos registros.
Na repartição do norte, como vimos^ extinguiu-se a fun-
dição de Cavalcanti, e creou-se em seu lugar uma prove-
doria commíssaria, com um provedor-lhesoureiro» um es-
cri vão e três fieis de registros.
As mesmas obrigações impostas ao juií de fora de Villa-
Boa, em relação ás funcções judiciarias exercidas pelos
intendentes, tinha o ouvidor de S> João das Duas Barras.
Além dos funccíonarios, de que temos Tallado, haviam
mais na capitania sete professores de primeiras letras e um
de grammatica latina.
A folha da despeza com os empregados civis importava
em 17:290^300, depois da reducçao f^ita por D. Frani-
cisco ; a folha ecclesiastica em 2:960s^00O, e a militar em
2l:i09s5675. O total da despeza subia, pois, a mais de
40:000?>000 ; e porque a receita montava em 51:l37?í88i,
verificava-se um pequeno saldo, que servia para amorti-
zar a divida de exercícios findos, que ainda era crescida.
Na provedoria de Cavalcanti se arrecadava o ouro da re-
partição do norte, e de dois era dois raezes era remettido
para a casa da fundição de Villa-Boa» afim de ser fundido,
e então cobrar-se os devidos direitos senhoriaes. D'esta
reudâ se deduzia aunualmeute 14:746;!^00 paraasdes-
pezas geraes da capitania, na coníormídade da provisão do
real erário de 12 de Agosto de 1807, e o que ficava res-
tando era remettido para a provedoria real de Mato-Grosso
por conta do subsidio, com que sempre fora dotada aquella
capitania.
As duas comarcas» de que se compunha Goyaz, compre-
hendiam quinze julgados com seus respectivos juizes ordi-
nários e de orpliãos triennaes-
A divisão ecciesiasticâ acompanhava a divisão civil ; na
— «8 —
reparti^ do mU ^P^ eonipreheodjâ iiOf« GrggMtiis, Hm
das qaies proTídas da ptroohos coiladoSt aféiB do píb1»1q^
qúB era também vigário da malríz de VillvMoi, havia im
prorísor ou figario geral com o seu eserífio e promotor:
a repartição do norte, com onze fregaeziãs» dtias daâqaas
profídâs de vigários collados, linha tâmbem o seu vigarin
geral A administração eccksiasUca abr^ogia» além d isto«
qtialro capei laai^ das aidêas existeDtes.
A força pablíca se componha de tropas paps (ama com-
panhia de dragões e outra de pedestres], de tropas míli*
eimas e das ordeoancas. As milícias se compuabam do 1* e
2" regimentos de cavallaria com 14 companhias lada um^
de um regimento de íorantaria com 32 companhias, e dê
companhias avulsiis de Henriques, com exercício na arma
de arlilberta. As ordenanças constavam de 29 compa*
abias* cotnmandadas por um capitãu-mór e sargentcMnor.
Quando foram creadas as compaabias de Henriques (dd
pretos forros]» pretendeu-se formar com ellas nm regi-
mento de artilherta de milícias, mas, não tendo sido no-
meados os officiaes superiores, fícou sua organisação in-
completa.
A divisão militar era feita por districtos, e n^elles únM
o commando geral o oíficial de cavallaria de mílicias mai»
antigo.
Islo quanto á administração : agora atgumaji palaiias
sobre o commercio e a industria*
O quadro do commercio e da industria era em 1800 rc*
presaotado por algarismos tão fracos, que sò elles baslâm
para dar uma idéa do quanto estava âtrazada e deoadesto
essa parte das possessões portuguezas ; é, poréra^ verdade
que a agrtctiltura esteve por muiiu tampo completamente
abandonada : apenas eatao começava a âgurar nos oiappa»
da exportação.
• Í9 -
OâlgôdSo, quô era rendido a 750 rs* â arroba ao norte e
a 900 rs, no swi. dava para uma exportação anuual de 3,874
arrobas ; o assucar, vendido no sul a 11980o e no norte a
2;jioo, dava um produclo de 6,oao arrobas ; o famo, esti-
mado a í^^dQ a arroba, mal chegava para o consumo, e so
do norle sahia algum para o Pará ; a exportação do trigo
SB avaliava em 214 alqueires, o arroz em í>,0H8, vendido
no norto a BOO rs. e no sul a 159200 ; o café, que se vendia
no Dorte a 435600 a arroba e no sul a 2aií>*N era cultiva do
era pequena escala, pelo que a sua exportaçio era apenas
calculada em 212 arrobas ; a producção da aguardente figu-
rava no quadro da exporlâçáo com i,S7S almudes, â razão
de 25*T>0 e 3íí600, sendo esta ultimo preço o do mercado
do norltí*
A industria pastoril, a que se dedicaram os mineiros,
desde que as lavras foram empobrecendo, ou se tornando
diflicil o trabalho ou pouco productivo, j4 lígurava r.om
nma exportação de 16,358 rezes, representando um valor
de 33:288jp900, por isso que no sul era cada rez vendida
por 4^800 e no norle por l^^oo !
As lavras de ouro davam para a exportação 87/200 oila*
vas, representando o valor de 104;748ííooo*
A importação annual, avaliada em 137:109lt»4l4 (oSicial-
mente), provinha de géneros recebidos do Rio de Janeiro,
Bahia, S, Paulo, Para e Rio de S. Francisco, mercados em
que Goyaz fazia suas transacções commerciaes. O valor da
importação, segundo os mercados, guardava a seguinte
proporção ;
Rio de Janeiro 51:*í79!í091
Bahia, i6;545?íi369
S. Paulo 2tí;550»T07
Para. 10:326»10O
Rio de S. Francisco. . . 2:0089057
-70-
Estes falores qSo demonstram simplesmente o preço doi
géneros nos mercados exportadores: addicionoiírse mais
60 % no sol e 80 •u no norte, o valor dos direitos e o
preço dos transportes. A importação era qaasinalli; o
commercio, por assim dizer, nenbom.
Dorante os primeiros tempos o commercio da capitama
era (eito com a praça de Santos, depois dirigiu-se qiUM
qae só para a Bahia, d*onde vinham os escravos para o ser-
viço das lavras, as fazendas, o gado do consumo, e sobre-*
todo muitos capitães que se empregaram no trabalho das
lavras e na compra do ouro em pó ; porém, depois que as
communicacões se foram abrindo para M inas-Geraes, a
praça do Rio de Janeiro foi entrando em concorrência com
a Bahia, e acabou por se tomar preferida pelos habitantes
do sul : entretanto, os do norte alargaram suas transie-
C9es com o Pará, nSo ficando por este. facto abandonado o
mercado da Bahia, para onde continuaram a mandar áen
gados» e .d*onde recebiam em permuta géneros de impor-
tacio.
— 71 —
CAPITULO XVU
{Í809— 1820)
Governo de Fernando Delgado Freire de Castilho» — Procura cingir-
ie ao syslerna adaptado pelo seu autecessorp — O desembargador
Joaquim Theotonio Segurado,— Ainda a uavegagSo do Araguaya e
Tocantins. — Medidas protectoras. — A carta régia de 5 de Setem-
bro de 1811.— Fundação da villa de S. Jom da Paitm^—O pre-
sidio de Mamei A/ve^ Grantk, — S: Pedro de Âkaníara. — Fran-
cisco José Pinto de Magalhães, seu fundador. —questão de limites
com o Maranhão. — Acto de demarcação de limites.— O porto da
Piedade de Salinas.— O porto do RÍo-Grande.— Pmidio th SanUk
Jfarttí*- Estrada entre o Araguaya e o Tocantins* —Creação dos
iaspêclore,=* dos presídios. — Goalisào dos índios do Araguaya* —
Destrui;;ão do presidio de Santa Maria,
D. Francisco de Assis Mascarenhas foi succedido no go-
verno de Goyaz pelo infeliz Fernando Delgado Freire de
CasMlbOt o qual sendo nomeado em 4 de Junho de 1800
só veiu a tomar posso em 20 de Novembro de 1809,
Este homcím, distinclo por algumas excellentes quali-
dades de qtie era dotado, Glho único de pais abastados de
bens da fortuna, abandonando todos os commodos da vida
particular, veiu para o Brasil em 1797, onde se dedicou
com interesse ao serviço publico » exercendo o cargo de go-
vernador da Parahyba até 1802. Voltando a Portugal em
1805, regressou pouco tempo depois para servir o cargo
de governador e capitao-general de Goyaz, em cujo exer-
cício se conservou por espaço de 1 1 annos.
Homem de caracter iotegro e de uma bondade extrema,
governou pacificamente, deixando na capitania o melhor
nome, para ter o mais desastrado fim*
Nlo sendo de umi intelligencia superior, era judicioso,
prudente e acautelado, por isto evitou innovâçôes pert-
— 7í —
gosâs na adminislraçao. Assim enteodeu obrâr com pra-
denciâ, cingindo-se muilo de perlo ao systema adoptado
por D. Francisco, lambem para íívilar que os secretários
doestado, que viam no seu anlecessorumabalisado homem
de governo, um modelo dos administradores» não o adver-
tissem de qualquer desvio : mas isto nem sempre pftdô
conseguir.
Da correspondência oíGcial do seu tempo se conhece
que até os próprios erros de D. Francisco eram lidos em
boa conta ; seus projectos» por mais ínexeqaiveis que fos-
sem, pareciam aos míuislros do prÍDCipe regente da maior .
praticabilidade. Muitas vezes teve Fernando Delgado da m
lutar com os embaraços da posição « em qae o cotlocavamt
não sô em proseguir nas medidas adminislrativaSt lembra-
das pelo seu antecessor, como nas que iniciava o ouvidor ,
Segurado» que em Goj az era considerado como consultor M
dos ministros nas questões mais importantes do governo ■
da capitania»
Durante o tempo que governou Goyaz teve Fernando
Delgado sempre a seu lado homens intelligentes» que o aju-
daram com dedicação: entrava em primeira escala Segu-
rado, de quem era amigo e em quem depositava a maior
confiança, confiança que, sem duvida, era devida em grande
parle ao predomínio que via elle exercer no espirito dos
ministros e o apre^^o em que eram tidos seus trabalhos,
suas idéas e seus projectos, apreço que se manifestava em
documentos officiaes da maior importância : citaremodi
por exemplo, a caria régia de 5 de Setembro de f8il<
Compendiando o ouvidor era uma extensa memoria lo-
dââ as causas que, mais ou menos, co atribui ram parai |
decadência em que se via a capitania, e lembrando n*e)lt
todas as -medidas que^ em sua opinião, podiam, mai&o
mauofit concofrer para a sua prosperídada, mecnoria 69i
— 73 —
em que, a par de muita idéa justa e aproveilai?eU appare-
ciam outras incongruentes, à vista des&e mesmo estado de
decadência que se deplorada e se procurava remediar,
d*ella fez remessa Fernando Delgado á secretaria doestado,
e tal foi a impressão que causou a sna leitura no espirito
do conde de Aguiar^ que foi approvada em todas as suas
partes, não exceptuando mesmo o direito da escravidão
€ontra os índios, presas de guerra, idéa de ha muito con-
demnada, senão pelas suas funestas consequências politi-
cas, como por ser attenlatorio das leis naturaes-
Essa memoria deu origem à carta régia, da qual acima
falíamos, e por virtude d'ella se concederam favores, pri-
vilégios e isenções (7S) ao commercio e á navegação dos
(in) Fernanda Delgado Freire de CasliUio, do meu conselho,
governador e capitão^ííenef ai da capitania dô Goyaz.— Amigo,— Eu
o príncipe regente vos eaw muito saudar.— Tundo subido à míalja
real prci^ençao vosso o tfíciG datado do l*' de Fevereiro doeste annOp
com o qual remeUestes a memorm que vos dirigiu o desem-
bargado f Joaquim Theoloaio Segurado, ouvidor da comarca de S.
Joào das Duas Barras, sobre os obslaculos que exislem para o
augmenlo e prosperidade do commercio enire c^sa capitania e a
do P^irá, e sobre oi meios de remover os mesmos obstáculos á
beneGcio do dito commercio ; e tendo tomado na minha real con^
gideração e^te tão importante objecto, que desde multo tempo
occupa os meus pateraaes desvelos, sobro o que já em outras oc-*
casiòes tenho mandado dar providencias: sou ora servido, avista
da referida memoria e das rellexí!>c5 i^ue sobre o seu couleudo
fazeis no vosso oflicio, determinar- vos o seguinte, esperando do
zelo, (ntetllgencLa e eflicacia, eom que vos empregais no meu
re&l serviço, que fareis lodos os possíveis esíori;os parrt o cabal
desempenho das novas providencias que vos incumbo, das quaes
devem sem duvida resuitar as maiores vantagens a essa capitania,
facilitando as suas relações commereiaes, promovendo a sua ri-
queza, e a segurança d'esses povos.— Em primeiro lugar sou ser-
vido approvar o plano proposto para uma sociedade de cem-
TOMO IXVIII^ p< tL 10
— 74 —
rios, qnerenJose deste modo galmiisar eise ca<&Tfri
chamado capitania de Goyaz.
ineicie, to Ire
moria, o qual
capitaaiA o o Pará, de qua IraU 9 g t7 àíi m^
parece mui próprio e Qotifetikèt^le pam aajiaat
e fazer proí>perar o mesmo commercio; ^e d do esta soe iodada (or-
Piada segundo as condições do primeiro â|jpenso á mÊHioria^ Dão
devendo ser o seu fundo raenor do 40:0008000; não se admll*
imáo ftcrí^es menores de lOOSOOO; não serido no capítiif dos
40^0008000 com pretiend idas as catíòos, e os ^cmvos, eow que
a sociedade prinoipiar; pois que o diio capital só dete eamiar ^i
objectos de comroercío, eda dinbeiro; estabelecendo seus artaa*
íeit» e 03 caixas nos sítios indicados; impondo-sea estes caíias
as obrigaròes e o eiercicio que allí se declara; e íiiialmenlê pf»*
Ucando^e tudo o que dii o otjvidor,— quanto á divisão dos lucros,
e as despesas que devem fa^er-se por couta da sociedade. Somen-
te, pelo que respeita d duração da mesma sociedade, parece- me
que será mab útil estend£)-aao praBode Í5 atá 20 anoos. E poi^
qua a veritica<;&0 d*esle eslabelecimento, attendendo ás aeluiii
cÍTCunistaueiús das duas capitanias, nâo pôde deiíar deencontru
grandes diffieuldades, como H^ e o referido ouvidor jud íaosi-
menio ponderais, por isso mesmo se faz tanto mais necessária
n^oste particular toda a vossa eflicacia e dili|^^eneraf para dispAr os
ânimos dos negocmntes e capil»lf8ias d'essa capilnnia para e$$i
empresa, fazendu-tties sentir as vantagens que d^ellas tbos retul-
tarão» e que ou me propotiljo proteger o auxiliar em tudo a »-
cíedade, mandando desde Já p4>r em pratica lodus as provideneias
que as circuinstancms permiltiremr para tornar mais fácil a eoin*
* municaçíio entre as duas capitanias^ procurando que a nmvegarQlli
do rio Tocantins e Maranhão seja menos arriscada c trabalbosi»
Bl^o só por meio das obmiif a que se vai proceder, para a líiii-
pem dos rios, e encanamenios necessários, desde Arroios até
Porto Real, mitó pelo que mando praticar, para impedir que as
nações gentias continuem a commetter os íusuttos e depreda*
ç5es qua infelizmente ainda fazem em algumas para^enSt O ptm
remover os outros obstaoulos que difticultam aquolla navegaçâOi
—Portanto, querendo prover a esses importantes objectos, sou ser-
vido mandar declarar a concessão dos segai utes privileg^íos a fa*
vor da sobredita sociedade^ e do commercio e naregaçlio d'6SM
- 15 ^
Era embalde que se procurava de improviso restaurar ô
passado prospero, que nâo souberam aproveitar, deixando,
como lemos visto, compromettido lodo o futuro,
capitaDla: — i,* Qye todos os sócios e pessoíis por elles emprega-
das no commercíOt navegação dos rios, e na cuiLura das suas mar*
genfi, e dos serLuos, serilo iseatos do serviço mílilar. %*^ Que
áquellcs sócios que n^ísirafem ler ifesu sociedade o valor de
4:OOO£0OO réiít concederei um posla de recesso (servindo clles
nas milicias ou nas ordenanças) ate o posio de coronel de mili-
eias, ou do capiu\o-mor, inctusive» e uma sesmaria ú borda dos
Tios Tocantins, Marão liao e Araguaia, ite meia légua de frenlBi
o uma légua e meia de fundo, em qualquer sUio que escolhe-
rem? oude o terreno so acLe ainda devoluto, e níio concedido»
nem demarcado, X^* Que as dividas activas d'esta sociedade te^
obam o privilegio de dividas liscaos, para serem cobradas oxecuti*
vãmente, como so tossem dívidas activas da mi nlia real fazenda;
4.* Que a todos es que so forem eslabelecer nas margens eser*
toes dos ditos rios í^erjio franqueadas as mesmas graças e pri>
TÍlenios que fui servido conceder aos povos da capitania de Miuas-
Geraes pela mtním carta ri^gia de 13 de Maio de 180^, dirigida
ao governador n capilâo-general d^aqui^lla capitania, relalivamen-
le ao Rio Doce, tanto a respeito da iseuçfio dos dízimos de suas
culturas, o dos direitos de entrada dos géneros de commercío
d'essa capitania de Go^az, sendo navegados pelos mencionados
rios, como lambem a respeito da moratória concedida aos úesBÚO*
res da minha igíú fazenda, e do tempo de serviço que poderio
baver d^aqueltes índios, que, nho quojcndo pelos meios brandos
e suaves^ de qtie com elles teuLo mandado usar, e que agora
novamenie recommendo, viver tranquillos e sujeitos ds mintias
leis, cobmetlerem hostiíidadcs contra os meus lieis vassallos.—
l^^ualmenie suu servido, pelo que toca ás obras e encanamento
dos rios desde Arroios alé Porto Beal, que o ouvidor propòem
no g i8 da memoria, approvar o plano que elle oflerece, para
metliúrar a navegHÇãOf ordenando quo se formem as esquadras
com a gente e ferramentas que elle aponta no segundo appenso,
e quo nos tempos das seceas se proceda à e^tecução dos tra-
ballios pelo methodo indicado, para se conseguir a limpeM dos
rio& « o SGU encanamento nos sítios em que (6r necessário, e os
— 76 —
Os privilégios concedidos em favor da navegação do To-
caDlJos e do Araguaya n^o tiveram forca baslaote para
cortes daí pontas dos rochas e dos baíiíos; não deveodo ^ue-
cer a profidencia de pôr espigões eom roldanas do ferro nos sí-
tios dos saltos, ou cachoeiras, (lue o ouvidor lembra como muito
útil, para cviUr n'estas paragens o risco das can6as, podendo-
vos serifir de grande soccorro» para execução de ludoislo,a*
luzes, actividade e patriotismo d'esl6 magistrado.— Quanto io
pTOcedimeolo com os gentios, sou servido deiefmÍivãr-¥os que,
com aquellas nações quo nfio cotnmetlem li usLil idades, mandeis
usar de ioda a raodera<;:ão e ímuian idade, procurímdo conveo-
côl-as da utilidade quo lhes resultará de sa conservarem em boa
intelligencia, e amizade com seys povoa, para o que pareee
conTâuiente empregue alguniíis dadivas, e até introduzir com eUes
alguns christâos, que thes ensinem a agricullurae os ofricios me*
caniços mais necessários, como aponta og 10 da memoria. Igual*
mente parece que será uttl tenUr por meio do perdão que o de-
sertor do Pará, que tive com a nação carajá , tem eii^do para ella,
premetteadoquea!>sim terçará á boa fé» e antiga birmonia. Acon-
tecendo, portam, que este meio nllo ccrresponda ao que S9 Cfipera, e
que a naçào carajá continue nas suas correrias, será indispensa?e1
usar contra ella da forga armada; sendo este lambem u meio de
que se deve lanhar mRo, para conter e repellír as nações âpin&gé,
xavanle, xerente o canoeiroi porquanto, supposlo que os insul-
tos que ellas praticam tcnbam origem no rancor que conservam,
petos mãos tratamentos que expedmen Luram da parte de aíguni
cem mandantes das aldeãs, n^Q resta presentemente outro partido i
seguir senuo intimtdal-os, e at6 destruil-os, se necessário fòr, pan
evitares damnos que causa m,N'este inluito, yos bei por muj rei^om-
mendado, não só o enviar os convenientes reforços do pedestres
para o destacamento do Porta Rea), mas toda a vigilaneia em dar
as providencias que tondererei ao de«;emponho doestas mínbas
reaes ordens^ Finalmente, quanto aos dois uU imos obstáculos de
que trata a memoria, determino que mandeis proceder ho estabe^
lecimento dos presídios em distancias proporei o na es, como prop&e
o ouvidor^ para assim poderem mais facilmente ser fornecidas ai
canoas dos necessários viveres no seu transito, o íguat mente que
mandeis pdr em pratica a necessária prevenção, de que as canddi
— 77 —
fazer resuscítar esse corpo inanimado; era preciso um
grande milagre, e esle sò o podia fazer um motor pode-
roso que se chama— trabalho e capital— : mas a capitania
estaya pobre e os povos desanimados-
Concedeu-se a Iodas as pessoas que se quizeram em-
pregar n*esse commercio, no mister da navegação e na cul-
tura das lerras, isenção do serviço mililar ; mas este nada
linha de pesado e vexatório ; — nao altrahia a altenção dos
povos.
Mandou-sfí promover ntna sociedade mercanlil, e foi de-
terminado que os que entrassem para ella cora um certo
capital tivessem um posto de accesso nas milicías ou nas
ordenanças, atè o de coronel ou de capitão -mor, e uma
sesmaria do terras de lavoura : mas que importância tinham
os postos em uma capilaniai onde liinto se haviam elles
barateado; que valor liníiara as terras, quando qualquer
se podia d^ellas apossar sem riscos ?
J^TCiB sempre um sufíicíetitG provimenta dos reniediof^, que a cx'^
periencía Icm mo^irado smam efJieazes o es[}eciljcos para a mo-
testíá de sczucs, que mais ordinariamente co!^luma acommetter u&
irlpoJaçC^es dai luesmas caDòas.— Tendo>vos usstm participado Luda
11 que julgo cativeuientG mandar praticar a bem do commercio ^
eômmuuicãçrio entre e^^sa capitania o a do Tar^, para que o tenlinís
enleodido c façais execular, súmente resla prevonir-ifos de que
n'esta mesma oceasião determiuo ao governo iutarino do l^aráque
pela sua parle Imja de promover também o lUil estabelecimento
da sociedade de com me rei o entre as duas capitanias, detiaixo dos
mesmos principiou e condiçOes ejípendidas n^csta carta régia ; daa-
do-lbe ao mesmo tem|m as mais positivas ordens, para que ImjaUe
auxiliar com a tropa que é necessária o estabeleci nica ta das es*
(fuadras^ presta ndo^so a dzir lodos os maissoccorros, que Ibe forem
requeridos a bem da reciproco commercio e íalcresses das ânas
capitanias.— Escriplo no palacia do Rio de Janeiro, em 3 do Setem-
bro do 1811.— Pr i/itíií>c.— Para Fertiaoda Delgado Freire do Cas*
titlio.
— 78 —
O plano para a organísaçâo da sociedade mercantil do
Pará, sendo approvado, foi submettido ao primeiro ensaio.
Mandou-se construir três barcos [D. Francisco^ Temerário
e Forte), algumas hygarltés e montarias, que desceram car-
regadas de géneros de producção do paiz ; porém Geou
tudo n'este primeiro ensaio : a sociedade nunca cbegou a
organisar-se, apezar dos esforços que empregou Fernando
Delgado, que para ella também quiz entrar comum cres-
cido numero de acções.
Tempos depois, fallando doeste assumpto, disse : ^c con-
voquei os negociantes e capitalistas para saber a importân-
cia das acções com que elles podiam entrar, e sendo a sua
pequena monta, convenci-me de que se não podia realizar
a dita sociedade. »
Entretanto também se determinou, em garantia d'ella,
que as suas dividas tivessem o privilegio das dividas da fa-
zenda, para serem cobradas executivamente. Outro favor
não menos importante se concedeu,— a isenção por 10 an-
nos do pagamento dos direitos do dizimo aos moradores
das margens dos rios, e a importação dos géneros livre de
qualquer ónus.
l)eterminou-sc ainda a creação de esquadras de traba-
lhadores para limpeza, canalisaçrio e desobstrução dos
rios ; |)orém nada se fez. Em protecção aos habitantes c
ao commercio fundarani-se presídios militares nos pontos
que mais convenientes pareceram, e com elles as guardas
volantes, que Unham por dever a defesa das povoações dos
insultos dos selvagens.
Effectivamente ensaiou-sc tudo isto; entretanto, con-
tando para tão vasto projecto apenas com os recursos da
capitania, que eram nenhuns, o governador não pôde dar
a tantos serviços o desenvolvimento de que careciam.
Reconhecemos o valor de algumas das providencias lo-
— 7t —
madas, mas niDgaem ilirà que sem grandes meios era pos-
si?el realízarem-se raelboramenlos laes e de tao compli-
cada execução.
Ficaram sobre o papel Iodas estas medidas auxiliares de
um grande projecto concebido por uma intelligencia supe-
rior, que nunca teve a felicidade de vel-o realizado,
por mais empenhos que flzesse, por mais aclíTidade que
empregasse.
Como meio de fomentar o commercio e a navegação do
Tocantins e do Araguaya, se mandara crear a vi lia de
S, Joio das Duas Barras para a cabeça da comarca do norte;
mas^ não podendo realízar-se esta ereação, por nao que-
rerem os povos esL^belecer-se na localidade escolliida, que
licavâ a grantic distancia dos arraiaes, requcreu-se a sua
transferencia para outro ponto que proporcionasse mais
coramodidade aos povos, e entretanto conciliasse os mes-
mos interesses que se teve em vista promover.
Por alvará de 25 de fevereiro de 1814 ordeno u-se que,
na barra da Talma, fosse creada uma nova villa com a de-
nominação de S. João da Palma* a cujos habllanles se con-
cedeu isenção de decimas e dizimos por tempo ile dez
auQos ; e, porque não queria o príncipe regente extinguir
a de S. João das Duas Barras, foi conservada com a deno-
minação de villa comarca» gozando os seus habitantes
dos mesmos favores, apenas com a differença de não ser a
cabeça da comarca (76).
(7G) Eu Q Príncipe Regente fut;Q saber aas que este nlvurà virem
que, lendo creado pelo alvará de i8 de ^Marco Ú^ÍHOi^ uma Di^va
comarca na capitanífl do ikijm^ denominada de S. Jo&o das 0ua8
BarraSf determinando que o ouvidor pudesse residir no arraial da
Natividade^ emquanto nfio fosse possivel a sua residência na dita
villa de S* João das Duas Barras: e seado-mo presente em con^^uj-
la da Rie»a do desembargo do pago coDvir mui lo ao meu serviço e
-80 —
Em 26 de Janeiro de i 81 5, estando presenle o ouvidor
Joaquim Theotonio Segurado, o povo e os vereadores de
ao bem dos povoig]'âqueOa eomarca o crear-se uma villa ua baf-
ra da Palma, para abi Oear existíodo a cabeça da comarea, Uniu
porquo, <iendo mais cenlral, é roais eomraoda para a determinado
da juslíça, como por ser uma síluaçao mais próxima aos dJstricloi
acLualmenle poToados, c igualmenie vaniojosa para a navep^o
dos rioF e communicaçao interior do pari ; como con&iaYa daía*
formação qiie &« houTO do governador e capiláo-generai da wbfe-
di(a capiUnia; tendo eonsidcrac^io ao referido r hei por bera crear
uma vilLa no sitio du barra da PaTmut a qual licará sendo a cabeça
da comarca de S, Joào das Duas Barras, lendo a referida villa a
denominação de vitia de S. iofio da Patma, a qual goiÃkTk de iodos oi
privilégios e prerogalivas que pelns leis e usos dos meus reinei
goiam as mais vi lias e seus habilãdores, liei oulrosim por beraeoil_
ceder a qualquer pessoa que na mesma sobredita Villa edillcar <
para sua habitação, c estabelecer de novo roQa, ou fazenda, i
isenla de pagar decima e dizimos por temjio de dez annoa: eow-
pretiendendo esla graça a villa e o termo que para etia fõr des^ígni^
do*— B para quo esía mudança da cabeça da comarca nlLo iqi
impedimento a estabelecer-se e augmentar-se a «illa de S.Jcáa
das Duas ítatras, a «(ual deve ticar vigora per teneend o â sob rcdila
comarca, como villa comarcH ; observa ndo*se em tudo o mais o d^
lermioado no dito alvará de IHde Vtun;o de 1IM>1>: sou serrldo que
a tnesina graça de iscnçímde dizimose decimas pelo mesmo i€iii*
po de dez annos íique concedida, como Uei por bem conceder aoi
bahilanles, e povoadores da diLa villa de S. Joito das Duas Ikrrat^
« seu respectivo terreno, comprebendendo tanto as casas e fazen-
das, que novamenle estabelecerem, como aqueUes que de^de t
data do soh redito alvará tiverem já estabelecido. Elsle se cumprira^
como n'elie se contém. Pelo que mando ámesa do dcsembarí;o do
paço, o da conicicQcia e ordens, presidente do meu real erário,
eoDBelbo de minha real fazendai icgedor da casa da éuppbca^«
do Brasil, gOTeriiãdor ecapitão-general da capitania de Goyai, to*
dos os mais governado res^ magistrados, justit^a e pessoas a quecn
o conhecimento d'eslo alvará baja de pertencer, o cumpratn c ^unt*
d em, como n'elle se contem. E valera como carta (lassada pela
chancellaria, posto que por ella não ha de passar, c o seu efleito hi^a
II
I
— 81 ^
9* Joio das Duas Barras, que lioham suâ residência fia Na-
lividade, houve lugar o aclo da creação da villa, com o le-
vantamento do pelourinho e mais formalidades do cos-
tume. Em 26 de Janeiro procedeu-se à demarcação do
termo, estando presentes o mesmo ouvidor e os vereadores
Simeão Eslellitâ da Silva, Manoel Joaquim de Almeida, Pe-
dro António de Mendonça, o procurador da camará, Fran-
cisco José da Silva, e o juiz ordinário ^ António Alves Ban-
deira. Em acto successivo procedeu-se à abertura do pe-
de durar por mais de um anno sem embargo da ôrdenaçfio emcon-
Irario- Oado no ííio de JaDeiro, em t5 de Fêvereiío delSli,—
Príncipe.
— \mo da creat;ilo da villa de S, João da Palma.
Adbo do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Chrisio de Í81^^ aos
fínle e seis dias do mezde Jaaeiro do dtlo anno* n'este lugar da
Barra da Palma, e residência do Doutor Joaquim Th eotonío Segu-
rado, cavalieiro (irofeisu na ordem ^e Christo, desembargador dn
relação da Baliia, ouvidor geral e corregedor d'esia comarca de S*
Jo&o da Palma, e sendo alii, por elle ministro foram conYOcadt>s m
vereadores o procurador da camará até agora residentes no arraial
da Natividade, e mais pessoas aliai xo assígnadas, e estando presen-
íea se levantou o pelourinho, em que cslavam as insígnias compe*
tentosj e que denotam a jurisdíccào real, a cujo auto se alteraram
por três ve/es as vo?.es ;— Viva o Príncipe íieal nosso senhor,— E
com esla solem nidade houve ell& ministre por formada esta vina de
S. João da Palma, e para constar mandou íattt este auto, em que
se assignou com os vereadores^ procurador e mais pessoas assisten-
tes, E cu Aíé%andre Ribeiro de Fteiías^ escrivão vitaíicio da ouvi-
doria geral e correição, que o escrevi.— Segurado, Francisco José
da Silra, SemeTio Eslellitâ da Siivai (nnocencio Teixeira Alves,
Manoel Joaquim de Atmcída, Ãnlonio Alves Bandeira, Pcdrn An-
tónio de Medonha, Boaventura da Silva, Florêncio António da
Fonseca, Victor Peieím de Lemos, padre Manoet Joaquim do
Araújo, Manoel \Mm Pereira^ Luciano da Costa Sampaio, Valen^
Um Vat Monteiro, Simplieio Pereira,
TOMOXXVUl, P. IK li
— 8S —
looro^para a eleíçlo dos juizes ordinários^ ofBciaes da cáh
mara, juizes de orphãos, almotacés, alcaides, ele (77),
Com a creação da villa de S- João da Palma exlioguiiMe
Q presidio creado na foz do rio Manoel Alves Grande,
ficandOt ootretanto, substâtindo alli ama guarda folanU)
para proteger os habitante» daá incursões dos selvag<
que Se tiobam tornarJo frequentes.
Ao passo que Segurado cuidava com empenho da crea^lô
da nova vllla, mais ao norle da capitania, e na maii^n
oriental do Tocantins, nascia e tomava alentos a povoa^
de S. Pedro de Alcântara, da qual passamos a fallar.
Francisco José Pinto de Magalhães, nalural e morador
do arraial da Natividade, dedicou-se a vida do commercio,
desde que foi franqueada a navegação do Tocantins ; trafi-
cava para o Parà^ onde dispunba dos géneros que em suas
canoas levava de Goyazj permulando-os por outros, que
vendia nos arraiaes do norte*
Muito conhecedor da navegação do Tocantins» e das
necessidades e melhoramentos, que reclamavam os negCH
ciantes em uma viagem lao longa^ vendo que do Porto*
Real para o Pará não existia uma única povoação na mar-
gem doeste importante rio, onde pudessem arribar as canoas
para prover-se dos necessários recursos, falta esta que se
fazia muito sensível,— em 1H08, depois de haver estudado o
melhor local para uma povoação, auxiliado de alguns ami-
gos ê parentes, que o acompanhavam n*est:i idéa, lanvou ^
*
(77) Foram eleiíos: juízes ordinários, o capiUio-môr UomlngcM Aa*
tonio Cardoso e capUão João Caetano de Sampaio; vereadúrif», LiiU
Pereira da Rocha, José de Oliveira o Silva e Vicior Tmeim Baste»;
procurador, Matheus Joaquim da Silva ; juiz de orphlQSi alferii
Joaquim Pereira de Lemos i juizes almolacés, Manoel Joaquim d«
Almeida e Ànlonio de Amaral Garoia ; fíerivão da camará. Fe*
brouioJost* Pereira Sudré, alcaide; AntoDia José do CarvalliOt
— 83 —
pDucas léguas da toi do rio Manuel Aíves Graade, os pri-
meiros fundamentos de unia [lavoaçâo.
Uois ânuos depois existiam alli quarenta o duas pessoas,
todas dedicadas á lavoura, e uão havia que duvidar mais
do porvir da povoação, O arraial deS, Pedro de Alcântara
eslava fundado, e a futura cidade da Carolina desen-
volvi â-se.
Em 1810 foi alli residir definitivamente Pinto de Maga-
lhães, levando comsigo todos os seus haveres o uma es-
quadra de trabalhadores e operários. Deu-se então começo
á coustrucção de um pequeno templo e levantaram-se as
primeiras casas regulares, emprega ndo-se o resto da po-
pulação na lavoura do algodão, aprovei tando-se assim as
vastas o ricas proporções que offerecia o local para este
género de cultura-
Não foram poucas as privações que oos primeiros tempos
solTreu Magalhães e a sua gente ; mas este homem empre-
hendedor, à força de muita coragem o perseverança, pôde
conseguir que em 18iit, augmentada a população, fosse já
prospero o estado de S, Pedro de Alcântara, pelos recursos
que lhe proporcionara a agricultura.
Entretanto foi Magalhães a Villa-Boa representar a Fran-
cisco Delgado sobre as medidas que entendia serem pre-
cisas, afim de assegurar o futuro e a prosperidade do dono
povoado. O governador, deferindo a sua representação,
[ p:ira S. Pedro de Alcântara fez partir uma guarnição mili-
r, de cujo eommando encarregou o mesmo Magalhães.
'Pacificados o gentio macamecram, tranquillos os habi-
tantes com as providencias dadas, o desenvolvimento do
novo arraial não se fez muito esperar, principalmente de-
pois quo para ahi foram affluindo os povos que viviam dis-
persos pelos sertCfes de Balsas, Grajahii, Farinha, Lapa, etc.
As estradas que se abriram, a navegação do Grajahú des-
— 84 -
coberta por intonío t^raiiciscG Bandeira em 1811, a naf
gaçao do Tocanlins» o commercío com o Pará e o Ma
QliãOp as communicações abertas para Aldèas Altas, a situa-
ção fantajosa que occupavam os habitantes de S. Pedro de
Alcanlara— foram circumslaocias que necessariamenla de-
viam influir da um modo directa no seu rápido crescimeDio.
Todas estas condições de progresso, que favoreceram o
uovo arraial, o facto do nào se ter ale eu tão desíguado
positivamente os limites entre o Maranhão e Goyaz, fez
nascor n'aquella capitania a ambição de possuir S> Pedro
da Alcântara para seu território.
Julgava-se o Maranhão com direito à posse de todo o
território da margem oriental do Tocantins, desde afoxdtí
Manoiil Alves Grande até a barra do Araguaya. E, d*isío
convencido, protestou contra o facto de ter Goyaztodo
esse território debaixo da jurlsdicçâo das justiças de Porlo
Ueal, mantendo em S, Pedro de Alcântara um deslacamea-
to, e exercendo alli todos os mais actos administrativos.
Apezar de ser oriunda do Maranhão a maior parte dos
habitantes, que allluiram para essa parte do Tocaulins, e
ficar o ambicionado arraial mais próximo de S. Lui^ do qu6
de Villa Boa — esta pretençâo não encontrou apoio da parle
dos seu 3 habitantes, que nenhum beneticio tinham recebido
doesta capitania, e sim de Goyaz, a cujos povos e a cujo
governo tudo deviam, nao s6 do que estava feito, como do
que se projectava ainda fazer.
Depois de uma troca de correspondência a respeito d' esta
questão entre os respectivos governadores, foi o assumpto
affecto ao governo central, o qual determinon que se proce-
desse á demarcação dos limites das duas capitanias. Em
t8l5, por virtude do aviso de It de Agosto de 1813, desi-
gnaram-seos commíssarios demarcadores ; —por parte de
Goyaz o capitão commandauto do presidio de S. Pedro de
— 85 —
Alcântara, Francisco »Iosó I'inLo áô Magalliães, o sargento-
mòr» director dos presídios de Tocantins, José António
Ramos Jubé, e Paulo José da Silva Gama ; por parte do
Maranhão o capitão Francisco de Paula Ribeiro, o ai fores
JoSo Baptista de Mendonfa e o piloto António da Costa.
Depois de varias conferencias, divergindo sempre os com-
missarios na questão capital, foram as actas remettidas aos
respectivos governadores, nao ficando nada assentado.
Em 1816, reunidos de novo os commissarios, procedou-se
á demarcação, da qual se lavrou o competente aulo, que foi
do theor seguinte :
íí Aos 9 dias do mez de Julho de 1816, n esta povoação
dfi S, Pedro de Alcant^^ratSituada na margem lésie do rio
Tocantins, em districto da capitania de Goyaz, em o quar-
tel da residência do sargento mor José An tonto Ramos
Jubé, sendo juntos em sessão como commissarios por parte
da capitania de Goya2 o mesmo sargento-mòr Josó António
Ramos Jubé e o capitão do ordenanças Francisco Joso Pin-
to de Magalhães; e por parle do Maranhão o capitão do ra-
ginienlo de linha da mesma capilania Francisco de Paula
Ribeiro, o alferes do mesmo regimento João BaptisUi de
Mendonça, e António da Costa, piloto appr ovado pela aca--
demia real das sciencias, auctorisados esses c outros pelos
seus respectivos governos para limitar entre si as duas ca-
pitanias nos terrenos em quo uma com outra se encontram
pelos rumos sudoeste e oeste da de Maranhão, nordeste e
lòste da de Goyaz, e, por Lodos elles eleitos commissarios,
assentado de commum accordo que, segundo o espirito do
régio aviso de M de Agosto de 1813, em que por bem do
seu real serviço Sua Alteza Real determina adita demarca-
ção cora reciproca vantagem do publico estabelecido de
uma e outra parte, atLentas as razões discutidas nas ses-
sões de 11 e H de Agosto de 181$, a que se procedeu n*es-
- 80 ^
ta commissão sobre o mesmo objecto, e as ordens pro?iQ-
das das combinadas resoluções dos mesmos governos, ori-
ginadas dos documentos d'aquellas ditas sessões, a ume
outro presentes:— fiquem, se Sua Alteza Real nâo mandar
o contrario, servindo de balisas ou marcos divisórios en-
tre as mencionadas capitanias os rios Manoel Alves Grande,
que corre de sueste a noroeste, e Tocantins, que corre de
sul a norte d'aquelle Manoel Alves Grande, desde sua em-
bocadura, buscando suas primeiras vertentes, até encon-
trar com o rio Parnahyba, pertencendo à capitania do Ma-
ranhão a margem nordeste, e a de Goyaz a margem sudo-
este; o d'esle Tocantins, desde a foz do dito Manoel Al-
ves Grande até a foz do rio Araguaya, no presidio de S.
João das Duas Barras, pertencendo ao Maranhão a mar-
gem leste, o a Goyaz a margem oeste, devendo, para co-
nhecimento da causa que esta commum resolução promo-
veu, ficarem juntos a este todos ou parte dos documentos,
resultado das referidas sessões acima ditas, conforme o que
a cada um dos ditos governos lhes pertencer. Do que,
para constar, se lavrou um auto para cada uma das ditas
capitanias, por elles demarcadas, em o qual uns e outros
commissarios, plenamente auclorisados, assiguaram por
parli3 (los seus respectivos governos. Povoação de S. Pedro
de Alcântara, 9 de Julho de 1810. — José Aiilonioltamos
Jubé, sargenlo-mòr commissario.— Francisco de Paula Ri-
beirOf capitTio commissario. — Francisco Josc Pinto de Mar
(jalhãeny capilão commissario. — José Baptista de Mendonça^
alferes commissario. — António da Costa^ piloto commis-
sario. »
t( K, apezar de que os termos d'esta demarcação fossem
insinuados pelos dois governadores, e ella se ultimasse
a aprazimento de ambos, comtudo, nem então, nem ao
depois, foi ella sanccionada c confirmada pelo poder real...
— 97 -
« Conseguiotemeote ficaram prevalecendo os antigos H-
miles,qae o eram^quando aquelleterrilorioaDhava-se com-
prebeníliíio na totalidade da capilaoia de S. Paulo. >> (78)
A entrega do território não se verificou; entretanto
em 1820 Fernando Delgado informava a este respeito ao
triunivirato, expriraindo-se do seguinte modo:
« O presidio de S, Pedro de Alcântara ficou pertencendo
ao Maranhão, em consequência da divisão que se fez d'esta
com aquella provincia, na conformidade das reaes ordens,
o que levai â real presença com o meu ofljcio de 7 de Ou-
Iobrodel8l6. »
Mas este officio nunca leve resposta, nem o auto de de-
marcação foi approvado (79)*
(78J Purecor da commissao de eslatislíca úa camam dos sculmrci
deputados de 1815,
(71») Francisco José Pínio d& Míigalhries, fundaiíor ile S. l*edro
de Alcantarrtj hoje cidade da Carotinu. escreveu uma memorííi so-
bre o seu estabelceimetno, a conquislado gentio insicítmecram, e
navegação da Toeaulins, que em 3 de ianciro de 1813 ciíFercceu ao
goféroador Fernando Delgado. D'cste importanle trabalho ex*
tractamos para esta noia o que nos parece a proposilo:
t Inírodnccâo d memoria. ^0 bom o honrado cidadão, e qualquer
homem de bem^ que deseja ser considerado como fiel vnssaffo*
deve DUO sé cegamcnie obedecer aos preceitos iicgalivos das leis
promulgadas etn benelicio e favor da sociedade» como deve íguah
mente applicar todas as suasi forcas e incansáveis fadigas pam
onclier os justos fins a que se desatinam as íeis affirmalivas do paiz^
cm que vive, e em que nasceu; pois que os imperantes com eo^
nhecimento de causa, sem preoeeupaçíío, ouvindo os sábios minis-
tros e precedendo as mais sérias indagaçòes, e com vistas Iodas
saudáveis, as promulgaram em favor dos seus lieís vassatlos^ de
que SC compele a me&ma sociedade civil, ã que a príncipe preside
eoroo chefe e pai commum dos seus vassallos; as demonatraríjes
mais effica^ies de amor o patriolismo, que pude mostrar qualquer
em benelieio da pátria e seus concidadãos, consiste cerlamenio em
iratHilhar por enelier os ditos Hns recornmendados pelas lois^ romo
- 8ft —
Todâs as povoações que se fundaram nas margens do To-
cantins vingaram e se desenvolveram, mas nao assim as que
mais conducentes p^ra feiicida le publica, no que utii vassaílô tiã
fãi voT o respeito e amor para com o seu príncipe» e o seti ps*
tríotíâmo em beneficio e favor dos seu^ eoncid^drios.
« Estes tâo sólidos, como verdadeiros priucipioSf me fiíerim
olhar corn a mais seria e respeitosa allen^Ao para é dispoMo na
carta e ordcDs régias^ que mnndam animar a navegaçíio do fio To-
cantins e Maranhão, da capilani^ de Gojai, Pará e MarauUão JA
para ay^mento e felicidade de Cojfaz, com a qual podo estabelecer
o eammercío aetivo, exportando os géneros que lhe forem super-
tloos; sem dependência de despenderem o ouro que tiram das
siiis minas na compra dos géneros que eonda^m dos porloi de
hetra^niar, em que áié agora famm o commercio todo puslve
Q'estã capilania; já reiíuziodo*se ao grémio da santa igreja lautas
naç(>cs barbaras, que habitam n*aque1les vastos serlC^es» e que os
ínfesUim« ímpecendo a navegação ^ e UosUlísando aos moradores,
veiame que tem sido rao incommodo, pcsatlo e funesto a estas troi
Mpitanias sobredilasi eonvencido, pois, de que eu faria grande ser-
viço ao príncipe regente, nosso seuhor, e á minha pátria, empre-
gando-mo cm seraelbanie obra, c com elTuiio medindo esld inh»*
lho, e olhando para as minhas eirnumstancrase fnieas for^s, quasi
desanimava ; porém da minha mesma fraque/a e impossibilidade
tirava a satisfaríio e gloria de ser mais relevante o meu sen tç?»
lodo Hlho do meu ardeuto patriotismo, e por este moda in6 reani-
ma va« e eíTectivamcnte entrei n'esLe trabalho,
a O arraial da Natividade tia çouiarcu do norte d^^esta eapitaoU
do tloja/ foi a minh:i pátria e miníi-t morada, disiante do Porlo
Heat do FoQlal âtí léguas, sendo este porto o do embarque pam o
Pará ; segui n vida de negocio, e, reconhecendo as oommodidid€9
d'aquella navegação, eu a fcoquentcí, faiendo seis viagens a cidadi
do Gram-rarã, onde dispunha os géneros e eíTettos que coadutii
de Gopi^, e d'affj voltava com o meu pequeno negocio, que dispu*
nha n'eslas minas: n*estas viagens adquiri os conhecimentos pre*
eisos pam reconhecer as grandes e úteis vantagens que recebe o
publico e o Estado de se povoarem as margens do Tocantins, e, sem
eiigir do Tninislerío, nem do governo, soccorros e auiilíos, me íui
esiabeleeer em um lupr ires léguas abaixo do rio Manoel Alves,
- 89 —
se tentaram estabelecer aas margens do Araguaya, O presi-
dia de §• Pedro do Sul daNovaBeira.o deTacayiina.â
I
na margetn orienlaE do TocAntiDs, fazenda ahi uma pc^voaçâo, que
s« denomina povoarão de S* Pedro do Alcanlara, em disiancia
do Poflo Real do Pontal 79 léguas^ convocando homeos acoslu ma-
dos ao traballio e â vnk do senão i de âorie que no auno de 1810 se
coropunbu a dita povoaçfio de iâ pessoas; alli roe oslaboleci ; tU
coQstruir casas de oração e de vivenda, ç o file t nas necessárias aos
diíTerentes officiaes mecânicos que me acompanharam : lizefam-se
roças, e logo cuidei em fazer grandes plantações de algodão, já com
fista nos úteis que me podiam resultar docommercio d*estc ge*
nero.
« Dm:ripção da ^iovaação de S. Pedro de Âkaníara.—k povoaçiio
de S. JPedro de Alcantani eslã situada na margem orienlal do rio
Tocantins, 79 léguas abaixo do Porto Real do PonlaL da comarcft
do norte da capitania de Gojaz* em lugar alto, saudável e aprait*
veU abunda em matos para p1antaç5es, as melhores madeíraSi
emmpos de criar, muito petvOt sendo consideravol n'aqueUe lugar
a abundância de tartarugas ^ que Uz um ramo do comraercio acti-
fo d*esta capitania, pelo alto preço e fácil disposiçiio que tem na
cidade do Gram-Pará, As plantaç^^es produzem com vantagem, e
sem menor trabalho n'aquella povoação do que nos matos conhe-
cidos de toda a capitania do Goyaz, Os pastos são os melhores que
se podem desejar, porque o gado vaecum que liz conduzir para
aquella povoação ^ sendo d^ esperar que estranhassem a mudança
doi pastos d'onde sahiram, e em que se criaram, pelo contrario to-
maram melhor nu trimento de que d 'antes tinham nos pastos em que
nasceram. As aguas sao puras, cr^^tallinas e saudáveis, sem depen-
dência do rio, pois que tem córregos e ribeiros, que cobrem o lu-
gar da povoação, com que prelendo mover os engenhos necessários
para moer C4inua, socar o irar. Era na verdade grande a minha sa-
tiifaçâo em me vereslabeíeciíJo n'aquclla povoação, onde cu reco-
nheci as vaniagens que d'ella me podiam resultar, e onde eu ti'*
nba o prazer de soecorrer aoi mais negoeJantes, que navegavam
n'aqiielle rio, e que muitas vezes aílí cUegam cançado^j c incom-
modados de fome, portifio baver povoações amiudadas, aonde com-
prem os mantimentos precisos para sua equipagem ; porém as na-
ções barbaras de gentios que babitam nos vizinbanças tfaquelia
TOMOXXYin, p. IL li
- 90 —
?illa de S. João das Duas Barras, foram tentatíTas infroo-
tiferas.
povoaçào me obrigavam a ter o grande trabalho de me acautelar
de dia e de noite, e sempre com as armas nas mãos, e sentinellas
vivas, das suas hostilidades; e a muito custo e considerável in-
commodo pude fazer as minhas plantações e colheita. E' desne-
cessário notar quaes seriam os incommodos, sustos e trabalhos, e
também fomes, quesoíTri com a minha gente no primeiro annodo
meu estabelecimento, antes de ter concluído as casas de vivenda,
e emquanto não chegou o tempo da colheita dos mantimentos ; po-
rém actualmente ha abundância do necessário n'aquella povoação, e
vivem com fartura 80 pcssoas,que já n'ella existem. As Ribeins,
que são districto d'esta povoação, são habitadas por mais de 3,000
pessoas ; estas t6m dependência de procurarem os géneros e effei-
tos da primeira necessidade na villa de Aldeãs Altas, que dista mais
de i50 léguas. Continuarei a mandar conduzir sal, ferro, fatendu
da cidade do Gram-Pará, para dispor na dita povoação, em uma
casa de negocio que alli vou estabelecer, fazendo por este modo
ainda mais solido, tirmee constante o estabelecimento da dita po-
voação. Achei enxofre em pedra nas vizinhanças d'esta povoação;
pois que ignoro as operaçòes chimicas com que se possa dcsen.
volver aquelle mineral das ditas pedras, por isso o não exibo e
apresento, como desejava. E' este o estado e as circumstanciasem
que se acha a dita povoarfio
« Conquista do (jenlio macamecram. A nação do gentio macame-
cram estava alojada em duas aldCas cm distancia de três léguas di
povoação de S. Pedro de Alcântara. F^sta nação, a quem erradamen-
te chamavam de timembós, era temida por lodos os fazendeiros
dos sertões de Balsas, (irajahú, Neves, Lapa e Farinha, território
perlenceulo á capitania do Maranhão, pelas hostilidades que alli
faziam, e, apezar de alguns damnos que me causaram, nem por isso
as hustílísei, antes com mimos e otlertas, Inilando-os com afagas,
pretendi cliainal-os á minha amizade, o que felizmente conclui, de
sorte que abandonaram as suis aldt^as, c vieram estabelecer- se nas
vizinhanças da povoação, dentro da (jual constantemente está um
grande numero d'elles
ff Tenho convidado a muitas famílias para se estabelecerem nas
margens do rio Tocantins, e muitos voluntariamente se apressam
— ul -
FaUaremos aioda dâ uma tentativa malsuccedida,— o
presidio de Santa Maria do Araguaya, que se mandoa fan-
dar para proteger a navegação doeste rio, e o commercio
da companhia que Fernando Delgado tentara incorporar
em virtude do aviso de 5 de Setembro de 18 H.
Entre S. João das Duas Barras e o registro de Salinas foi
escolbido o local etn que vantajosamente devia ser elle coí-
locado, e em princípios de 181â parti u da Villa Boa o te-
nente Francisco Xavier de Barros, com o capellâo padre
Luiz da dama, o cirurgião Manoel Alves, e 80 pessoas
entre paisanos e praças de linha, e, embarcados no rio do
Peiíe, desceram o Araguaya, e a 196 léguas do porto da
Piedade estabeleceram os seus acampamentos, e começaram
uma povoação. Correu bem o anno, e tudo promettia que
o estabelecimento não seria perturbado, porque os índios
se mostravam satisíeilos, sempre que iam de visita ao pre-
sidio receber brindes e ferramentas. Para consolidar o
a empossar-se das meíhnres situações desde o rio do SorttQO aLé a
ilha de S. iosé, exiensâo do nuiis de 10 le^ua^, que liça povoído,
sendo a miúor parle dos navos povoadore^^ domiciliários da capita-
nia do Mfiranhão, o que mai^ nos iuteressam, porqvie conduzem oi
gudos pura as margeo.'^ do Tooanlins» bem como so eçipera proiima-
moate Manoel José da AssumpQlú, commatidautG d'aquetias ribei-
ras, com 500 calieças de gado, achando-íve ji em S. Pedro de Alcân-
tara o capitfiO Aalonio Moreira da Silva, viudo d^aq^ieiía capitania
do Miiraohfto com sua ruiiilí^^ sugeito mui Lo rceommendavel peta
Bua prudência» valor, e actividade, o que tem tido graude parte no
fôtiz resultado dos meus irabalhos, a digno eertamente de maior
contemplar>ío, etc, ele. i*
Além do que fica trauâcriplo, trata a memoria da abertura de
uma estrada para u Pará, da navegaçáo para o Manuib[ko pelo río
{■rajahú i noticia quaulo bavía sobre os indíos, e suns difTerêtites
nações, babilos e costumes^ e Gnalmeute Irata dasprovideacias no-
cessarias para n augmento da povoa<;Ao, conquista dos ind tos, e fa-
cilidade da uatega^lo dos rios Araguaia 6 TocantíDS, etc^
- 94 «
imprimir. De envolta com as aguas, lutando com a morte,
foram levados pela corrente, que lhes serviu de mortalha :
os que os acompanharam n'esta atrevida ompreza retroce-
deram.
Acabado o cartuxame, eram as armas carregadas a poN
vora e chumbo, sendo as mulheres e crianças quem prepa-
ravam as cargas ; os h:ibitantes de Santa Maria praticaram
prodígios de valor ; os enfermos se levantaram dos seus lei-
tos de dôr, ou para empunhar as armas, ou para ajudar os
combatentes.
Por três vezes ferido o t3nenle Barros, conservou-se com
a arma em punho, encorajando os seus, o fazendo conter a
fúria dos aggressores.
De repente ouviu-se um grande alarido, e notouse que,
d*entre os indios, um se destacava, gesticulando com
violência, e accionando para o presidio.
Uma índia xacriabá, que Barros tinha levado para Santa
Maria de interprete, sendo testemunha d'osta scena, com-
munícou ao commandante o que o chavante dizia e queria.
N'essa gesticulação, e n^esscs gritos, havia uma ameaça.
Dizia o Índio que baldada era a rL^sistencia, que, sendo pou-
cos os brancos, cm breve seriam vencidos : que os aggres-
sores nâo largariam as armas sem conseguirem seus fins.
Então ()rden'ju o tenente Barros á índia quo convidasse
os seus parentes a lhe virem failar: depois d'esta ordem
cessou o fogo.
Com o índio, que se suppunha um dos caciques, vieram
outros ter com o commandante, que lhes sahíu ao encontro.
N'estc acto depuzeram os inimigos os seus arcos, e o tenen-
te abraçou a todos, acabando [)or entregar a sua espada ao
que suppunha chefe. Este a recebeu, para restituíl-a ins-
tantes depois.
— 95 -
Approximindo*se a interprete, travou^seealreellaeo
Cacique chereiíte um vivo dialogo.
Foi eatão que se soube das causas d' essa alliauça, que
trazia aos muros do presidio ires nações colUgadas, Os ca-
rajás, habitantes do Araguaya, tinham ido ao Pontal ^aqua-
si 80 léguas de distancia, convidar oscberentes a esta
guerra, allegando, para justificar a sua necessidade, qneos
brancos tinham toraado suas terras e os queriam captivar,
Emquanlo Barros persaadia-os a deporem as armas e a
fazerem a paz, procnrandu desvaneeel-os d^csses infunda-
dos receios, e estando jà entabolada e em bom pé uma es-
pécie de negociaçãa, no grupo dos chavantes e carajás, que
ficaram a distancia, e do outro lado do ribeirão, dava-se
uma scena, que veiu a decidir da sorte do presidio.
Estes» que dos aggressores eram os que mostravam mais
ousadia e sede de vinganç-a, tentaram invadir o presidio
pelo llanco direito; porém alguns dos soldados, que ob*
servaram este movimento, com uma descarga os fiíeram re-
troceder*
Ao estampido da descarga oscberentes, que rodeavam o
comniandante, tentaram apodera r-se da xacriabà, que,
evitando os, preveniu a Barros das malévolas intenções dos
seus parentes*
Barros recuou, e seis soldados, que, com as armas car-
regadas, o guardavam de qualquer traição, a este aviso, nâo
tiveram mais que descarregar as armas. Os cberentes,atro-
pelladus e em confusão, fugiram a grande distancia, dei-
xando quatro dos seus arcando com as vascas da morte.
A paz era jà impossiveL
Quando o commandante se recolhia á sua tenda, a se
preparava para sustentar novo e inevitável ataque, chega-
vam os cinco soldados que pela manhã tinham sabido á
caça. Uma nuvem de inimigos sobre elles se arremeçou, e
m
mal deu-lhôs lerapopara se defenderem. E que defesa era
possível, se estavam desprevenidos? Ijm circulo de ferro
os apertou, e no meio da lati a mais firme e desigual ex-
piraram todos aus golpes raivoso j das davas dos earajàs.
Esta espectáculo, prasiinciado sem remédio pelos solda-
dos do presidio, os fez desanimar.
Pelas duas ou três horas da tarde, satisfeitos os indios
com as victimas que haviam s icriUcado ao seu furor e á
sua vingança, em torno de cujos cadáveres dansàramc
tocaram— suspenderam o cerco e se retiraram para além
dos bosques que rodeavam o presidio» deixando grande
numero de atalaias, qoe pelos soldados foram vistas a es-
piarem do cimo das arvores.
Era sigrial de que voltavam a satisfazer seus desejos.
Reflectindo Barros que a guarnição era pouca para re-
sistir a tantos inimigos, e que essa mesma se achava exte-
nuada de doenças, e das fadigas que tinham supporlado du-
rante tantas horas, e receioso de que os indios viessem em
suas numerosas ubás atacal-o pelo lado do rlOr resolveu
abandonar o presidio, e para logo deu as ordens necessá-
rias Doeste sentido.
Ao anoitecer o som das boslnas e maracásdos índios an^
nunciou a sua approximaçâo; — embarcarara-se todos em
péssimas montarias, e precipitadamente e sem piloto se
entregaram á mercê das aguas.— Foi uma scena conlrisla-
dora a fuga d'essas 38 pessoas» que compunham o pessoal
da presidio de Santa Maria ; espectáculo pungente, o que
dias depois ollereciam esses fugitivos, devorados peia fome,
acabrunhados de soffrimentos, e entregues, no meio de
tantas attribulações— somente á proteção de Deus.
A canoa, em que ia o commandante, arrebatada pelas
aguãi de uma cachoeira, alagou-se, e submergiu-se ; dois
filhos seus e dez ]>essoas adultas foram arrebatadas pela
— 97 —
corrente, e no seio daâ aguas acharam as suas sepulturas.
Ao GoniraâDdanle só restava uin filho, salvo por sua mãi,
que o disputou às aguas, até consegail-o salvar! Só resta-
va uma montaria, e esta mesma fazia lauta agua que pres-
te sossobrou, deixando uas margens do Aragiiay a 25 pes-
soas innanidas, e entregues ao desespero da dôr* Tinham
navegado 15 dias 1 Em que altura se achavam esses infeli-
zes» para onde dirigiriam os passos? Era preciso resolver
em tâo terrível conjunclnra !
Alravessâudo as areias ardentes do Araguaya, internan-
do-se pelas florestas, galgando serras, a pequena caravana
procurou o rumo do norte, acompanhando as sinuosidades
do rio, Quasi 60 léguas venceram em dez dias^ para che-
garem ao presidio de S. João das Duas Barras, Muitos fal-
leceratu n'esta penosa viagem ; poucos foram os que res-
taram, para contarem seus padecimentos^ e o trágico fim
dos seus companheiros.
O presidio de Santa Maria deixou de existir, não por ne-
gligencia do seu commandante, mas por falta dos soccor-
rús quQ esperara de Vitla-Boa, e que nunca chegaram!
A fundação deste presidio foi assumpto de tão magna
importância, e de um interesse tão immediato considerado
sempre para o serviço da navegação do Araguaya, que, che-
gando ao conhecimento do príncipe regente a triste nova
da sua destruição, por aviso de 3 de Setembro de 1813 o
mandou restaurar.
Mas nada se fez, attento o estado da capitania ; e ficou
este importante objecto adiado indefinidamente.
TOMOXXVni, p.
13
— 08 —
CAPITULO xvni
(1809-1820)
Extincção da aldêa Maria I.— S. José de Mossamedes.— D. Damiana.—
A calechese inteiramente abandonada.— Os indios cherentese earor
já9.—k na?egaçao para S. I>anlo.— Viagem de exploração.— Jo5o Cift-
tano da Silva e José Pinto da Fonseca.— Resultados d'esta exploraçfto.
— Oravissimo erro administrativo.— Outros actos do governo de Per»
nando Delgado.— Fabrica de tecidos.— as minas do Anicuns.— Refor-
ma militar.— Correio. — O palaciodo governo.— Contagio da bexiga.—
Desmembra-se de doyaz o Araxá e Desemhorjiíe. — ContribuiçSo
voluntária.— Creaçâo da junta do Desembargo do Paço.— Estado
financeiro da capitania.— Dei.\a Fernando Delgado o governo.— Toma
posse um triumvii ato. — Retirada do governador. —Seu fíoi desas-
trado.— Causas do seu suicidio. — Manoel Ignacio de Sampaio no-
meado governador.
Não foi somente o presidio de Santa Maria a uuica po-
voação que desappareceu do mappa de Goyaz : o aldea-
mento indígena conhecido pelo nome de Maria I lambem
foi extincto em 1813, mas de um modo pacifico, e por sop-
postas conveniências administrativas e económicas.
Tendo sido nomeado regente geral das aldéas José Amado
(Irehon, teve ordem de inspeccionar esta aldèa e a de
S. José de Mossamedes. Do exame a que procedeu conhe-
ceu que aquella tinha apenas uma população de 138 indios,
e esta de 129
A' vista de um estado Uío decadente, propôz transferir os
caiapòs da aldca Maria para S. José, esperando por este
meio poder augmentar os recursos agrícolas da aldéa que
mais próxima ficava da capital, e economisar as despezas,
que se faziam com a guarniyão militar da primeira.
Approvada sem reflexão esta providencia, os dois quar-
téis, o paiol, e alguns edifícios, exiçtentes na aldêa Maria,
- 99 ^
mram demolidos » e os maleriacs Innsforidos para S/JÕse
bem como todo o pessoal alli existente-
Em vez de promoverem o aaginenlo do pessoal das aldêâs
chamando dovos habitadores paraellas, deslruia-se o pouco
que aiuda restava de quanto se havia feito com tanto sacri*
ficio ! A questão da catechese estava completamente aban-
donada ; eia assumplo em que jã ninguém pensava. Se em
iHVi as aldeamentos mais próximos á capital ainda pos-
suíam uma população de 267 Índios, ha uma única razão
explicativa d'esle facto*
Existia em S. José uma mulher^ a quem os caiapôs re-
verenciavam e obedeciam cegamente; essa mulher cha-
mava-se P. Damiana, e era nela do cacique Angrayochâ e
de sua mulher Xiunequà. A ella se deveu nâo só a con-
servação da aldèa de S. José, como muitos serviços im-
portantes à catechese, que ella promovia, indo em pes-
soa ao centro das florestas chamar os seus parentes a virem
viver na commuohSo dos brancos.
Fernando Delgado, porém, pouca soube aprovei tar-se da
influencia d*esla mulher, o muito menos u seusuccessor;
tanio assim que em 1828, dois annos antes do falleci-
menlo de Oamiana da t^nha, sendo director da aldôa Ma-
noel da Cunha Menezes, seu irmão, a população indigena
constava apenas de UB pessoas, as eonstruecões estavam
em completa ruína, como melhorraente se vê do inventario
a que o presidente Miguel Lino do Moraes mandou pro-
ceder pelo juizo dos feitos da fazenda, desembargador
Josú Joaquim Corrêa da Costa Tereira do Lago,
Cumpre notar que em I8â8 e 1829 linha D. Damiana
conseguido chamar para S* José alguns caiapòs, indo pes-
soalmente buscados ao rio Claro, e alto-Araguaya.
E assim se foi aniquilantlo até desapparecer também o
— too —
mais importante aldêamealíj que teve Goyaíi e que coslau
ao Estado sommas enormes.
Não é escusado fazer n'esta occasião uma ligeira des*
cripção da aldda de S. José da Mossamedes» fundada por
José de Almeida Vasconcellos Soveral e Carvalho, senhor
de Mossamedes.
O centro do aldeamento constava de um quadrilongo^com
conslrucçôes em todas as quatro faces. Os quatro lados
eram guarnecidos de casas coastmidas para residência dos
Índios, quartel da força^ deposilo de géneros» e outros
misteres* Nos ângulos da praça do lado do sul elevavam-se
duas grandes casas assobradaiías, e no centro a igreja,
construída com alguma elegância. Em frente á igreja sobre*
sabia um edifício de appareocia nobre, que servia de re-
sidência aos governadores, quando iam de visita á aldéa.
Os lados maiores do quadriiongo prolongavam-se para fôn
da praça, e se compunham de uma serie de casas de regu-
lar construcçiLo. Por fora existiam espalhadas sem ordem e
em differentes direcçííes choupanas e Ujupds, onde mo-
ravam de preferencia os indíos casados, ou os que não
podiam por qualquer circurnstancta morar nos qua;
commuDS,
Tudo isto desappareceu e hoje só resta do antigo espiei^
dor de S. José de Mossamedes a igreja, e maia uns ires ou
quatro pardieiros arruinados, em um dos quaes reside o
vigário da freguezia.
Perdeu Fernando Delgado todas as occasíôes qoe stí
lhe offereceram para prestar serviços importantes à cate-
chese, e fazer nascer nas aldeãs decadentes seu antigo flo-
rescimento* Os Índios cherentes e carajás do baixo Ara-
guaya mostraram as melhores disposições para se submel-
terem ao regimen dos aUlêamentos, do que vieram depois
a convencer-se os incrédulos, veodo-os reunidos em Sali-
— 101 -
nas, Tl vendo mansa u pui^ilicatuente. Chogar^n estes Ín-
dios a mandar á capital emissários seus, à procura da ami-
zade do capitào-grande, que não lhes deu a menor im-
portaocia : enlrelanto a aldeã de Pedro III linha jà perdi-
do dois lerços da sua população.
Somelhantemenle aconteceu com os carahós, do Tocan-
tinSp que lambem foram à capital pedir para serem aldea-
dos, e voltaram sem nada lerem conseguido, pouco se
importando Fernando Delgado que o aldeamento do Duro
estivesse quasi que em completo abandono.
Allegava-se, para justificar o nenhum interesse que se
dava então á catechese da gentilidade^ a falta de recur-
sos pecuniários da capitania ; entretanto existiam parochos
empregados no serviço das aidéas, uma guarnição militar
na capita], superior ás necassídades da capitania, ainda
mesmo depois que foi reduzida, e posta debaixo de ura só
commando.
Os soffrimentos physicos e moraes de Fernando Delgado
nao o deixaram empregar-se com actividade e zè\o no ser-
viço da administração ; era pí)r isto muitas ve/^es indolen-
te e descuidoso dos negócios puhlicos.
Além d*isto dizia-se que o período da catechese estava
passado ; que outros assumptos, outras idéas, dominavam
os espíritos. A navegação dos rios^ por exemplo, preoccu-
pava de preferencia as attençoes ; o commercio e a lavoura
eram o idolo do dia, a quem todos rendiam cultos»
Vimos que no governo de D. Fíancisco procurou-se
abrir para S. Panio e Minas uma via de comnfcnicação flu-
vial, e que a exploração do Guterres teve um fim desas-
trado.
Agora iremos ver como João Caetano da Silva e José
Pinto da Fonseca, emprehendendo a mesma exploração, a
realizaram de ura modo completo e satisfac tório.
— 102 —
Á navegaoSo de S. Paulo para as minas de Guyabà.era
já conhecida e praticada desde os primeiros tempos do de»*
cobrímento d'estas regiões. Os paulistas, que entraram
para Hato*Gros8o e Cuyabà, descobriram a nav^ação do
Tietê, Paraná, Rio Pardo, Camapuam e Taquary, outros
rios, que atravessam S. Paulo e Malto Grosse, e ySo lenr
suas aguas a grande bacia do Prata.
Era, pois, muito fácil prolongar essa na?egac2o até o
Parnabyba, e no dos Bois, ou antes IrazAl-a a poucas
léguas de Villa Boa. Antes de tudo convinha reconhecera
sua possibilidade. Animados por Fernando Delgado, dois
homens emprehendedores, JoSo Caetano da Silva e José
Pinto da Fonseca, prepararam uma expediçSo de quatro
canoas, que mandaram para este fim construir na margem
do Rio dos Bois, e tripolaram com dez camaradas, e gaots
sua.
No tempo das aguas o Rio dos Bois presta-se à navegai^
desde sete léguas do arraial de Anicuns; como, porém, essa
viagem foi emprehendida jà no tempo secco, foram embar-
car a 18 léguas d'este arraial, ou a 32 léguas da capital.
No dia 3 de Setembro desciam as canoas pelo Rio dos
Bois a 16 passavam a barra do rio Turvo, o a 20 a foz do
Rio Verde, havendo percorrido 69 léguas n'esse espago de
tempo. Tinham perdido oilo dias de navegação. No dia
24 avislaram as aguas do Parnabyba, que outros confundem
com o Corumbá, seu confluente.
Chegados à cachoeira de S. Simão, onde perderam três
canoas, ahi^e demoraram um mez, tempo sufficiente para
construirem novas e poderem proseguir na derrota. Con-
duzidas as montarias por terra em uma extensão de SOO
braças, de novo embarcaram-se a 30, dia de S. André, e
chegaram a outra cachoeira, a que puzeramonomed'este
apostolo.
— 40S —
Coríduziíías aioda por lerra as canoas, prosegeiram na
viagem, ti a 3 de Dezembro avistaram a barra dojftio Gran-
de- Findâva-se ahi o curso do Farnahyba, e iam entrar oo
Paraná, já magesloso, e enriquecido com as aguas d'a-
,^ell6 tribulario.
llJfA três léguas da barra do Rio Grande é a navegarão
difflcallada pula caciioeira do Urubú-pungà: levadas as
caDôas por lerra» ede novo entregues acorrente, a moía
légua da cachoeira, linliam pelo lado esquerdo a barra do
Tielt% a qual atravessaram sem conhecer, e cerlamenle se-
riam victimas como Guterres, dacalaratadasSele-quédas,
se o íodio Manoul, cacique de uma aldeã que demora?â
por aqiiellas devesas, indo visiial-os á noite, os nao ad-
vertisse de que ja tinham passado a barra do Ti ele, que
uma grande ilha em parte ocGu[tava,divÍdÍndoas suas aguas
em pequenos canaes» mais parecidos com a confluência de
pequenos ribeirões de que cora a foz de um rio caudaloso-
Pela manhã tiveram de regressar, e, entrados oo curso
do Tietê, DO dia 8 de De?.embro chegavam ú cachoeira do
Itapura-
Os exploradores, desde que se acharam n'estas alturas,
consideram feita a exploração e vencidas as maiores diíli-
culdades. Em ã5 de Março chegou João Caetano á então
fregnezia de Pirassicaba.
Durante esta penosa viagem falleceram quatro compa-
nheiros, e José Pinto da Fonseca poucos dias depois d'ella
finda dava sua alma ao creador na viila de S. Carlos de
Campinas,
João Caetano^ depois de haver descansado de suas f adi-
rias, empreheudeu uma nova exploração, para reconhecer
a navegabilidade do Rio Grande, a partir da foz de Mogi-
guassú. EmbarcandO'Se na barra doeste rio em uma canua
com os companheiros que llie restavam, desceu o Rio
— i04 -
Grande, atravessou as cachoeiras, que denommoii da Pal-
ma» S. Estevão, S. António e S. Matlieus,©, subindo o rio
Parnaliyba alé a barra do Corumbá, d' ahi regi*es^ou pelo
mesmo caminho, e desembarcou era Araraqnara,
João Caetano dirigindo-se no anuo seguinte {1817} ao
Rio de Janeiro, e relatando ao príncipe regente os seus
serviços» este os tomou em lanla consideração, que o agra-
ciou com o babilo de Christo, ordenando-! he que na volta
para Goyaz se embarcasse em Mogiguassíi, e fossê por via
fluvial até o ponto mais próximo de VillaBoa a que podes-
se chegar embarcado ; o que elle emprehendeu com snc-
cesso, subindo o Parnahiba, Rio dos Bois, entrando pelo
rio Turvo alé onde suas aguas permittem a navegação.
Por aviso de 20 de Dezembro de !8íO se mandou dar a
João Caetano a quantia de 100$000 por mez, para
proseguir nas proveitosas explorações dos rios do sul de
Goyaz ; porém esta ordem nunca foi cumprida, pelas naui-
las protGlações que lhe oppuzeram, para que mais esta
idéa útil ao futuro de Goyaz ficasse prejudicada.
Parece que um mâo fado persegue-a, que medida alfu^
ma proveitosa aos seus interesses tem podido vingar e dei
envolver-se.
Vimos na navegação do Araguaya, e no empenho com
que se a quiz promover, promessas altamente satisfa-
ctorias; mas não podemos deixar de ligar grande im-
importância a navegação do sul, que pôde de um modo
fãci! e prompto ligar os interesses còmmerciaes de Goyaz
com os de Malo-Grosso, S> Paulo e Minas* Quem ousaria
equiparar as, solidões do Araguaya, as suas quatro-
centas léguas de navegação, com as duzentas do sul pelo
Parnahyba e Paraná, que recebe grande numero de tribu-
tários navegáveis, os quaes em seu curso atravessam im-
portantes povoações, terrenos cultos e habitados ?
— 10S —
Foi uoi grave erro nao querer Fernando Delgado pro-
seguir n'estes trabalhos, tendo para ajudal-o um boraem
lâo experimentado e resoluto.
Em compensação fundou em Vilia Boa uma fabrica de
tecidos, que poucos anu os trabalhou, e procurou também
dar uma marcha mais regular à admiDísiração da companhia
mineralógica da Anicuns,qoando já no seu ultimo período.
Durante o seu governo fizera m-se importantes reformas
na milicia paga, o regulou-se a marcha dos correios para o
Pará. A' sua custa reconstruiu Fernando Delgado o quartel
general » em cuja obra gastou quasi oito contos de réis.
Tendo a varíola invadido o sul de Goyaz em 1811, e
alacado o arraial de Meia Ponte, mandou estabelecer um
cordão sanitário, para evitar, como de facto conseguiu,
que o mal se propagasse, e fosse á capital, como em 1771 ,
e fiiesí^e os grandes estragos que então produzira.
Também no seu tempo o território da capitania foi cir-
cumscripto aos limites que hoje tem pelo lado de Minas e
S. Paulo.
Creada a comarca de Piracalu na conformidade do al-
vará de IT de Maio de 1815, por aviso datado de 4 de
Abril do anno seguinte mandou-se desannexar de Goyaz os
julgados do Araxàe Desemboque, ficando a capitania de
Minas de posse de toda essa vasta extensão comprehendida
entre o Parnabyba e Rio Grande e testando com a capitania
deMato-Grosso.
Por provisão de 17 de Novembro de 1819 se ordenou,
para aggravar o mal causado, que a arrecadação das rendas
doestes julgados se fizesse pela repartição fiscal de Minas ;
mas eâta provisão, por virtude do que representou o pro-
curador geral de Goyaz, padre José Rodrigues Jardim» foi
revogada por ordem do ministério da fazenda de 26 de
Julho de 18^3, que mandou fosse a arrecadação feiL:k pela
TOMO xxviii, p. u. . Í4 ,
— 106 —
junta de fazenda de Goyaz, segundo liavia ordenado a pro-
visão de 8 de Fevereiro de 1817.
Apezar do estado precário da capitania, não era ella pou-
pada quando se tratava de contriliuições e Gntas. Depois
de tantos meios inventados para extorquir dinheiro aos
seus pobres habitantes, foi lembrado mais um.
A contribuição voluntária, que só em nome o fora, es-
pécie de imposto t^stabelecido pela carta régia de 16 de
Novembro de 1810, cujo producto devia ser applicado ao
resgate dos portuguezes presos em Argel, foi cobrado no
governo de Fernando Delgado, e produziu mais de vinte
contos, que foram remettidos para a curte.
Para completar a resenhados factos succedidos durante
este governo, lembraremos que foi ainda no seu temp^i, qae
começou a funccionar a junta do desembargo do paço,
que o alvará de 25 de Marro de 1818 creou n:is capitanias
e a provisão de 33 de Julho do mesmo anno mandou
cumprir. Na primeira sessão trabalharam 'o ouvidor da
comarca de Villa Boa, António Jos('» Alves Marques da
Costa e Silva, João Josr do Coulo riiiimarãí^s, que servia de
juiz de fora, e o ouvidor da comarca do S. João das Duas
Barras, Joaquim Theolonio Segurado.
Governou Fernando Delgado 11 aniios. Achando-se gra-
vemente enfermo, e cançado, solicitou sua demissão, que
lhe foi concedida ^nn 3 de Julho de 1819, dala em que
também foi nomeado para succeder-lhe o ox-governadordo
Ceará, Manoel Ignacio de Sampaio.
Tendo ordem de entregar o governo nas mãos do seu
successor, e demorando-se esto, esteve ainda na direcção
dos negócios da capifania até 2 de Agosto de 1820, data
em que a passou ao governo de successão, visto assim têl-o
ordenado a carta régia de 27 de Janeiro do mesmo anno.
— 107 -
sera embargo da primeira recommeadaçao, Tislourgiro
seu L*stadõ de saíide que o fiziísse.
Na conformidade do Alvará de lá de Dezembro de 1770
foram chamados para o goveroo interino o oayidor António
José Alves Marques da Costa e Silva, o vigário geral e go-
vernador da prelazia, padre Luiz Anlooio da Silva e Sousa,
e o coronel Álvaro José Xavier.
O seu ullimo dever, em obediência ás ordens rôgiasj foi
instruir aos seus successores do estado dos negócios da
capitania ; kl o em succinlo relatório, e do qual se vê que
não era esse estado lisongeiro, sobretudo na parle relativa
ãs Dnanças, que nunca pôde regular satisfactoriamente,
ap^zar da economia que observou na gestão dos dinheiros
publicos-
E' o próprio Fernando Delgado quem falia:
H O meu antecessor, vendo o grande deficit, das rendas
reaes, logo que tomou posse do governo d*estaprovincia,
na qual havia já uma grande divida, formalísou um plano
de reforma, incluindo o subsidio anaual de três arrobas de
ouro, que requerendo real quinto, e equilibrando a recei-
ta com a despeza, e ficando uma pequena quantia para ir
amortizando pro rala a divida passiva, e o qual sendo ap*
provado começou a ter o seu devido effeito em o principio
de meu governo i doesta épocha até o presente têm concor-
rido para augmento da receita: 1% os impostos da sabi-
da do gado e da carne verde, posteriores ao dito plano;
2*, ã considerável somma de âáilOíís^SfíG que ulilisou
a real fazenda no referido intervallo, proveniente das ar-
rematações dos dizimos ; 3*", a quantia de d:3o2$18^
que se cobrou por conta dos alcances verificados no receo-
ceamento das folhas, e a de l:õ3SjJ3GH por couta
das guias extraviadas; V, a reiiucç^io de 98600 que
vencia cada praça dos olficiaes, iaferiores e soldados da
- 106 —
companhia de dragões a litulo de forragem, a IfiDO
com que ficaram, em consequência do plano qve lefeiá
real presença» e que íoí conJirntado pelo decreto dB 27 da
Agosto de lét t ; d% o forúecimenlo de munição para a tro-
pa, existente n*esta capibniâ, e de milbo para os cafiUos
do piquete, que tem sido feito das aldéas dos índios akais
próximas, onde tenho promovido a cultura para es$e fim»
0 do que se acha incumbido o tenente-coronel Alrara
José Xaifier, regente geral das mesmas aldêas; porém, uâo
obstaale todas estas vantagens* tem sempre havido deficiii
e em consequência não pequena divida passiva em todo o
tempo do meu governo» para o que concorreram circunj-
stancias que o citado plano não podia antever : i""^ a pro-
gressiva diminuição que tem soffrido o rendimento do
real quinto, que, não chegando desde ISU ás tree irrobas
consignadas annualmente, com que seguramenle contava
ojmeu Eim. antecessor, em 1819 apenas rendeu pouco
mais de uma arroba ; 2*^ o grande augmento que se ob-
serva em todas as folhas, principalmente na militar, em
visla das que existiam ao ponto da reforma ; 3% os venci-
mentos da guarda volante da villa de S, João da Palma, e os
das tripolaçôes das canoas, promptas no Porto Real paia o
correio que faz commuEicação da corte, e das provindas
do interior com a do Pará, de que so acha incumbido o
sargento-mòr, coramandante do mesmo Porto Real ; l\as
assistências feitas a vários oí&cíaes hespanhóes emigrados,
assim como aos naturalistas de S. M* Imperial, Real,é
Apostólica, c para se proraptificaremas machinas de§a*
çSo^ tecelagem, e de meias ; 5^, a fallencia das dividas, de
que são susceptiveis todos os rendimentos, principalmente
dos dis^imos administrados, c que o meu Exm. anteceder
suppóz exacta, e aunualmeute entrados nos cofres; 6',
finalmente a razão de se a[kplicar, como sempre foi eslylo,
109
o gado, qiiaodo não tom licHaate, para amorUuçlâ da
divida pretérita, quando no sobredito plano foi considera-
do como rendimento liquido acuro, c o que sò tem contri-
buído para satisfação de uma grande parte da dita divida
pasÊiYa. »
A situação económica era afflictissima, e cadavez iaa
peior; em lí^09 a receita era de 47:866$83i e a desr-
peza de 43;297823[) em 1819 o balanço apresentaTa
uma renda d^) 37:873?j830, e uma despeza etTecUva de
fjO:846!í01â. Era, pois, crescido o deficit í convindo
observar ainda que na receita de 1819 figuravam, além
dos impostos, qne já se arrecadavam em 1809, mais os que
se denominavam, propinas de contractos, sabida do gado
vaccum, carne verde, sello da lei de 24 de Janeiro de
1804, e o correio.
Estes deficits constantes aggravavam a divida passiva,
para o que mnito Lambem concorria, como fica dito, o de-
crescimento da renda e a diminuiçío dos quintos. N*esta
ultima verba de receita já ap parecia um alcance no ultimo.
periodo financeiro de 45:681 J5^960, que inlluia podero-
samente na divida passiva,que em f 8 1 7 subia a 83;0805&83íi,
a que addicionando-se 72:096^^94 de deficit de exercicios
passados, fazia attingir o alcance da fazenda publica ã enor-
me somma de 20 i : 459J5089 !
Era este o effeclivo empenho da capitania, do qual não se
podia desaggravar pelns meios ordinários. Tal era a situação
dos negócios, quando Fernando Delgado, dando posse ao
IriumviralOt se retirou para o flio de Janeiro, afim de se-
guir para Lisboa, onde tinha de exercer o lugar de conse-
lheiro do conselho de fazenda, para que fora nomeado por
decreto de 4 de Junho de 18Í8 ; sendo, porém, transferido
depois para o mesmo lugar no tribunal de fazenda do Bra-
sil, ficou no Hío de Janeiro.
- 110 -
Os servidos prestados por Fernando Delgado na carreira
administrativa foram bem considerados pelo monarcha,
que lh'os recompensou com as commendas de Cbristo e de
S. Thiago da Espada.
Ia tâo bem encaminhado na carreira publica, que o
mais bello futuro parecia aguardai-o : de repente, porém,
uma nuvem carregada pairou fatídica sobre sua cabeça,
como um horóscopo maligno : « possuido de hypocon-
dria assaz violenta, que por ultimo o privou de reflexionar
com prudência e madureza sobre a sua conservarão pró-
pria, com uma pistola, disparada em si mesmo, terminou
no Rio de Janeiro ávida, contando-se o dia 17 do mez de
Fevereiro de I8ál. » (8o)
Por muito tempo indagámos as causas de tão lastimoso
acontecimento; um homem do seu tempo revelou-nos se-
gredos da vida intima de Fernando Delgado, que confirmam
quanto a este respeito escreveu Augusto de Sainl-Uilaire,
Vejamos o que diz o sábio naturalista quando falia de
Fernando Delgado:
« Xo dia seguinte ao convite que me havia feito o go-
venia'Ior, diri^M-me a palácio á hora do almoro. Otípoisde
alravess ir o .ilpenJre, de que j;t fallei, e qu.* serve de cor-
po de leniria, galguei a escada, e eiilníi em um vestíbulo,
que o corpo da «^aianhi priva da luz, e onde eslá |)0Stada
uma siMiliiielLi. lima poria fechada, segundo o antigo uso,
com um r;ísposleiro d*' paniio verde com as armas de Por-
tugal, cominuiiica para uma sala cercada de bancos de páo
com grandí'S espaldar 'S. Ahí encontrei reunidas as princi-
paes aucloriflades do p.uz,e logo appareceu o capitão gene-
ral. A primeira cousa que ftíz, depois de ter comprimenta-
do a todos, foi apresentar-me duas crianças do sete a
(8U) IMzAHRo.— Afcm. Z/íW. loni. U »» piifr. 178.
- 111 -
oilo annos, uraraptaz e uma menina, dizendo : « São dois
pequenos goyanos, filhos do amor ; mas S. M. leve a
bondade de os reconhecer por m:^us e de os legitimar. »
Vieram annunciar que o almoço estava á mesa. Passámos
por um corredor muito largo, e fomos ter a uma sala es-
paçosa, triste, mas bem mobiliada. O almoço foi servido
n*uma sala um pouco escura e acanhada. As iguarias eram
abundantes e bem preparadas ; a porcellana e a prata
brilhavam sobre a mesa. Era impossível não maravilhar-
nos de tanto luxo, considerando que tudo vai a Villa Boa
em costas deaniraaes, e que estávamos a 300 léguas do li-
toral....
« Três dias depois da minha chegada, o general mos-
trou-me todo o interior do palácio, nome pomposo e im-
próprio do edifício que o tem. Os repartimentos são es-
paçosos, porém tristes e escuros. A mobília foi feita no
paiz. Faz parto do palácio um pequeno jardim abandona-
do. Calçados os passeios, como em geral são os de todos
os jardins d'este paiz, dá-lh(3 isto um aspecto desagradável
e extremamente triste. Um repuxo d'agua ornava-o ou-
tr'ora, mas, sendo os tubos de madeira, e não tendo sido
renovados, apodreceram.
« Fernando Delgado, que governava Goyaz na época da
minha viagem, tinha alli chegado em 26 de Novembro de
180J. Era um homem calmo, de espirito, instrucção, in-
tegro, o conhecedor do mundo. Desejava sinceramente
fazer bem ; porém havia encontrado por toda a parte a re-
sistência passiva a mais desanimadora, resultado da apathia
dos habitantes e do deleixo do governo central. Vendo
desde o começo de seu governo que a província de Goyaz
n3o podia tirar recursos da exploração das suas minas,
animou os habitantes para se dedicarem á lavoura e ao
commercio, procurou dar sabida ao producto das suas
- 112 —
terras, empenhando-se na navegação do Tocantins e do
Àraguaya. Foi perfei lamente auxiliado pelo ouvidor da
Comarca do norte Joaquim Theotonio Segurado, c felizes
resultados coroaram as tentativas d'este magistrado; porém
para seguimento de tão grandes emprezas era preciso mais
perseverança c actividade, de que não deram provas os
goyanos, de sorte que os gloriosos esforços de Fernando
Delgado ficaram alé hoje (1819— 182S) quasi sem resultado.
« Um dia em que almoçava em palácio, um joven ma-
gistrado, recera-chegado, mostrou alguma sorpresa pelos
costumes do paiz, e observou que admirava-se de que os
habitantes de Villa Boa, vivendo com suas barregãs, como
se fossem suas mulheres, se não casassem com ellas.
<í Quereis, replicou o governador, apontando para seus
filhos, que espose a mãi d*estes meninos, a filha de nm
carpinteiro ? Estas palavras, que puzerara fim á conversação
indicavam já os sentimentos que influiram para o deplo-
rável fim de Fernando Delgado. Deixou o governo no mex
de Agosto de 1820, para voltar a Portugal, e partiu de
Villa Bo:i com seus filhos e sua concubina. Chegados ao
llio de Janeiro, esta lhe declarou que eslava disposta a
acompanhal-o para a Europa, não como sua amasia, mas
como sua mulher.
a Fernando Delicado, a (juem ns soíTrimentos tinham en-
fraquecido a razão, não pôde supportar a alternativa, em
que se achava, de desposar a filha do carpinteiro, ou de
deixal-a no Brasil, e pôz fim aos seus dias. » (81)
Foi seu successor no governo Manoel ígnacio de Sampaio,
offioialda mariídia real, que já havia governado o Ceará
com alguma distincçâo. Nomeado por carta de S de Julho
de 1819, tomou posse a 4 de Oulubro de 1820.
(81) i4. Saint-Ililaire.^Viag. d pror. de Goyaz, tom. 2*», pags. 30
82c8i.
- H3 ^
CAPITULO XIX
(1820—1821)
CSiega a Qoyaz a noiicia dos aconlecimentos havidos em Porlugal em
1820* — f^roíédimeolo de Manoel Ignacio de Sampaio.— Pi oclamação»
—26 de Abril— Jura o governador íidelidade a El-rei, ás cortes, e
á íutura constituição.— Convocação das junlas parocliiaes, — Depu-
lados e lei los para as c6rtes coiist í tu in te â.— -Primeiros pâssos para a
eleição de ura governo provisório. — O padre Lurz Bartliolomeu
Marques promotor d'egta medida, — Manoel Igoiício oppoe-se á
creação do governo provisório. — Tenlativas patrióticas.— Plaoo de
conjuração, íiaqueza dos conjurados. — í^risào do capitão Fitippe
^otoiíio Cardoso.— {«teni^eníílo do povo.— Machinatjões de Sampaio.
**0s patriotas são expulsos d.i capital,— Inslatlaçao de ura governo
provisório em Cavalfiaute.—O vigário de Cavalcante atraic-Ôa os seus
correligionários. — O desembargador Joaquim Theolonio Segurado,
presidente do governo provisório de Cavalcante. — O movimento
progride,— Temores de Sampaio.— Ordem á camará da capilãl pam
a ci^ãçao do governo provisório,— il eleiçsio n5o se verifica e porque,
--0 dia 30 deDezembro,— Creaçâo da junta adralnistralíva interina.
-— Hen juramento e posse. --Proclamação da camata.
As ídéus liheraes, que por toda a Europa tinham in-
vatlido as nacionalidades, mudando o caracter das Insti-
luiçôesi tí suavisaiido o rigor do regimen militar por que
acabava de passar, fazendo lambem largas conquisLis no
espirito do povo porluguez, produziram os memoráveis acon-
tecimentos que em 1 820 succede rara nas margens do Douro
na ausência do rei, que desde 1808 se achava no Brasil
com quasi toda a sua curte.
O grilo do Douro achou ccho em toda a monarchia» e oo
dia 15 de SeLeiuhro de 1820 lirmavam-se em Lisboa os
princípios tiberaes,
A noiicia do movimento constitucitmal, chegando ao Rio
de Janeiro, liãu loi bem acolhida pelo poder ; pretendeu-se
TOMOXXVni, p. IL 15
114
reagir conlra i revolaçâo, que abria largas porias às ins-
Litujçõfís livres, e solapiva os alicerces do telho e Jificio da
manarchia de direi lo divino :— rDasiin|)aLtíiite scríuo esíur-
ço, que lealasse coaler o espirito publico^geralrnenle domi-
nado d^essas idéas de rL^eoerâção polilica.
Os mo vim tintos, que tlesde logo appareceram na Bahia,
DO Para, m Rio de Janeiro ^ e quo rápidos se propagaram
como uma correnlo eltíclrica, convenceram a D, João da
necessidade de armuir atis desejos dos seus vassallos-
Em 4 de Julho de 18âi jurou tí. João as bases da cons-
lituiçao que as côrles reu urdas em Lisboa houvessem de
fazer: — d'eslu modo procedendo, e de accôrdo com us di-
clames da prudência, procurou também consolidar a exis*
tencia do reino unido, já vascíllanle nos seus fundanienlus.
No dia t% de Abril de 1831 pelas 9 horas da noile, che-
gando á cidade de Goyaz o correio da côrle, rapidamente
se espalhou a noticia dos grandes acontecimLvnlos que Um
pelo Hio de Janeiro* e que a lodos encheu da mais agra-
dável sensação. Os goyanos acordavam de um profunde
lelhargo, para se entregarem ás explosões do niaior pntzêr.
Manoel Ignacio de Sampaio mediu as dilliculdades da
sua situação, à vista do enthusiasmo com que n'essa mesma
noite lodos se congratulavam pelos acontecimenlos que nj^
tinham vindo surpreliender.
Não recebendo oílicialmenle o decreto da convocaçâii
das cortes, e sendo urgente proceder desde logo para acal-
mar o enthusiasmo popular, c dominar a situaç^lo, no dia
seguinte pela manha fez aQxar a seguinte proclamação :
H Honrados ebons goyanos! Chegou emflm o suspirado
momento da regeneração da monarchia pr)rtugneza, e da
prosperidade do reino unido de Portugal, Brasil e Algâr-
vesf El-rei nosso senhor dignou-se, para ventura nossa,
de felicitar e jurar no dia 26 de Fevereiro próximo pas-
— Í18 ~
do a Cfinstituipo que fizerem as cortas actual m en le reií-
Tiifias om IJsboa , paru as quaes sâo lambem convocados
depuUílos (Fiíste reino do Brasil. Não se podem calcular
as vantagens que de uma tão nobre resoluçllo devem resul-
tar aoportuguezes de um e outro hemisplierio. Sao com-
tudo os meus caros goyanos os que cerlaraente mais uti-
Usarão, por isso que t^ilvez por falta de quem até agora
advogasse ósseos interesses se tem conservado sujeitos às
mais antigas reslríc4}ôes coloniaes, com pouca ou nentiuma
raodiíicação, as quaes^ segundo os principios liberaes das
cortes de Lisboa, é quasi certo que nãosubsislirão mais, e
eu teria a grande consolação de ver em breve lempo al-
cançados por meios directos aquellas mesmas providen-
cias que esperava obier a seu favor, mas som duvida no
fim de largos annos, e talvez depois de quantos traba-
lhos e instancias, que comludo me não pouparia, ape-
zar da antiga ordem de cousas. Goyanos l o primeiro e
principal golpe da nossa felicidade foi dado pelo gran-
de D, Joào VL nosso amado soberano, e por seu invi-
cto fdho o príncipe real do reino unido; nío o raullogreis:
cumpre da nossa parte proceder com toda a madureza, cir-
curaspecçao e prudência nas eleições á que deveis pro-
ceder para escolha dos vossos representantes nas cortes,
evitando-se todos e quaesquer distúrbios: cumpre ter con-
fiança na ilecisuo íjas cortes, que melhorarão considera-
velmeole as vossas circiírastancias: cumpre cmfim que os
actuaes empregados públicos da capitania vos continuem
a merecer o conceito que n'estf s últimos tempos vos \èm
devido pelas activas providencias dadas em vosso favor^
como não podeis ignorar. Com esUis cautelas, bem pró-
prias do vosso caracter, vereis dentro cm mui breve tempo
prosperar a capitania em minerarãa, agricultura e com-
mercio, de maneira que até a vos mesmos vos seguirá
116
espanto e admiração. Viva a nossa sanla religião ! Vi?â
el-ret nosso senhor, o invicto príncipe real do reino imido
e toda a augusta casa de Bragança! Vivam as còrles de
Lisboa, e a constiUiição I Goyar, 2S de Abril de 1821.—
Manúêl Ignamo de Sarrhpaio.
No meio do enthasiasnio geral este curioso documento
passou quasi desapercebido, servindo apenas de comeulo a
aquelles que afagavam no espirito idéas mais adianlad;i5, e
um patriotismo sincero e legitimo, que repollia toda a idêa
de união com portugueses.
O espirilo de nacionalidade principiava a nianiíestar-se,
e os mais avisados viam approximar-se uma nova era de
regeneração politica, cujo primeiro acto seria a declara-
ção da nossa independência* Manoel Tgnacío sentiu atra-
vés das manifestaçiSes populares uma voz prophetica que
lh'o annuDciava; cumpria-lhe dominar a situação, $e bem
queria servir a causa portugueza: assim o fez-
No dia, em que proclamou aos povos, mandou con-
vidar as corporações ecclesiasticas, civis e militares pa-
ra no dia '26 solemnisarem o acto de ratificação de ju-
ramento de obediência e fidelidade a el-rei e de adhe-
são às cortes, e à futura consUtuiçuo. Efíectivamente
u'esse dia houve lugar nos paços do conseíbo a ciíre*
monia do juramento, e era seguida um Te-Dmmiem ac-
ção de graças pur tao felizes acontecimentos, recitando
ii'essa oecasião ura enérgico e patriótico discurso o gover-
nador da prelazia, I.uíz António da Silva e Sousa.
A' uoite se itluminaram as casas e no quarlel-gene-
ral se reuniram os funccionarios e pessoas gradas da e^
pitai; o povo, teudo á sua frente uma banda de musica,
parcorreu as ruas da cidade, dando enthusiasiicos vivas
a el-rai, a S, AUeza Real e as cortes; a satisfarão pu-
bbca não tinha Umites: todas as libras do coração d*eâ<
— 117 -
I
)
se povo estremeciaiB de prazí^r, porque se lhes fallára de
progresso e rio liberdade.
Dois dias depois eram expedidas as ordens p^ira a con-
võcâçãij das jtmlas eteiloraes das freguezias, quo deviam
eleger os deputados às cortes constiluinles. No dia 7 de
Agosto furara livremente eleitos o ouvidor da comarca
do norte ioaquim Thnotonio Segurado, e o governador
da prelazia Luiz António da Siíva e SoEsa, e supplento
Plácido Moreira de Carvalho, residente no Pará.
Em Junho chegaram lia eòrLe a Goyaz noticia^ docur-
so dos acontecimentos; e entáo se soube que el-rei D* JoSo
se havia embarcado para PorlugaU deixando a D, Pedro
como seu lugar tenente, com ministro da sua escolha.
Desde então começaram a agitar-so com mais vigor as
idóâS de emancipação politica: à frente do movimento «e
collocoii sem reserva o padre Luiz Bartliolomèo Marques»
homem inlulligentc e de ríTonhecida influencia o qual
íio tempo de Fernando Delgadt» servira de secretario
do governo. Ao padre Luiz Barlholoméo acomjkauharam
na propagação das idéas líberaes e patriolicas o capitão
Fraucisco Xavier de Barros, o capitão Filippe António
Cardoso» o padre José Cardoso de Mendonça, o padre
Lacas Freire de Andrade» e um soldado de nome Fe-
lisardo Nasaretli, que mnib» se distinguiu e se celebrisou
por este fado.
Poucos dias antes de começarem a funccionar as jun-
tas e lei lo raes { princípios de Jnnho ) appareceram aflíxa-
das em vários pontos da capital, e na poria do pruprio
quartel-general , proclamações violentas, fomentando a
desunião entre os brasileiros e portuguezes.
Este facto revelava bem as intenções dos patriotas; e
Manoel Ignacio» comquanlo receiasse o emprego do me-
didas violentas contra os reconhecidos auctores de taes
— 118 —
proclamações, julgou entretanto prudente neutralisar os
seus eiTeítos.
Attríbuíndo-se, c com razão, aos padres Luiz Bartholo-
méo, e Lucas, e principalmente ao primeiro, a pater-
nidade de taes proclamações, e muitos outros actos, que
revelavam intenções revolucionarias, cogitou Sampaio nos
meios de conciliar o chefe do movimento.
O meio escolhido tinha tanto de leviano como de
inepto, entretanto foi o empregado.
Mandando o governador ir à sua presenra o padre
Marques, o reprehendou severamente pelo procedimen-
to que até então tinha tido, e ameaçou-o de severo
castigo se não mudasse de vida.
Este procedimento, em vez de produzir o resultado,
que rsperava Sampaio, sortiu efleito contrario. Reco-
nbecendo-se temido e com alguma força na opinião
publica, o apostolo da liberdade goyana, conquistando
todos os dias novos proselytos, continuou com mais fer-
vor na sua missão.
Por sua parte Manoel Ignacio contraminava, empre-
gando todas as anuas.
Em fins de Julho o ('orrrio da corte dava noticia de
novos ovonlos, que, por assim dizer, fortaleciam a con-
vicrfio dos palriolas, r. os animaram achegar mais de-
[)n*ssa ao tim de sous desejos. —A passaj^eni por (ioyaz
do leneiili3«coroii(d António Navarro de Abrr»o, que, par-
tindo da còrle em parada violenta, se dirigia a Mato
Grosso, mais celeridade imprimiu ao movimento, porque
a ellc devêramos patriotas lodos os^pormenores do que
ia pela corte, e pela província de S. Paulo, onde já se
havia eleito um governo provisório.
Desde então o padre Luiz Rarlholomèo começou cla-
ramente a propugnar pela installação de um governo
- 119 -
pro viso rio, que le¥ãgse pacificameiUe a revolução ao seu
leriuo Gria[. A esta idéa se moslrava hiislil o goveniador,
a i>oul(j de desapiifovar publicaaiente o procedimeulo do
dii S. Paulo por ler acoitado a prasideiicia de um go-
verno provisório.
Eolrelafito o capitão Fiíippe António Cardoso, e o ca-
pitão Barros, auxiliados pelo soldado Nuzaretln teiulo
, grande parte da força allíciada, prtíp:ir:iram um golpe dt3-
cisivo, que devia ser dado na noite do dia 14 de Agostu;
mas avisado Manoel Igiuicio uuia hora antes [8 lioras da
noite) ^ por uma mulher de conducta duvidosa, da conju-
ração que se tramava edu plami que se pretendia execular,
mandou a toda pressa chamar o teneule-coronel Luiz d:i
Costa Freire de Freitas, ehefe da forçíi publica, e, |jundo-o
ao corrente de ludo, deu -lhe as instrucçôes precisas, e u
fez partir para o quartel Foi tal a actividade empregada,
e tantas as medidas, que os patriotas não ousaram sv
apresentar. N'esta mesma noite foi preso o soldado Naza-
retb, e com elle alguns outros.
Recebendo uo outro dia Manoel Ignacio duas denuncias,
que revelavam todos os planos dos patriotas, e designavam
os seus D ornes, enviou-as ao ouvidor, afim de judicial-
mente proceder contra elles. O ouvidor, que então era o
Dr. Paulo Couceiro de Almeida Homem, fez ver ao gover-
nador a conveniência de ser pree^o o capitão Filippe An-
tónio Cardoso, afim de não contiimar a influir sobre a
força ; effectivamenle foi logo preso, e recolhido à cadéa,
Kslava dado o primeiro golpe contra os planos dos pa-
IrioLis» golpe que acobardou a maior parle d*elles. No dia
seguinte ao d*esta prisão^ os commandantes da força pu-
blica foram levar a Manoel Ignacio suas homenagens de
respeito e obediência, e no dia IT o capitão Francisco
Xavier de Barros <le igual modo procedia I
- «» —
Ha manbS de 15 lia-se pelas mas da capital uma pro-
clamaçSo do gOTernador, chamando o poTO a tíbeáwòT i
constitiúcSo, e preTeníndo-o contra as machinacSes dos
revolucionários e anarchistas (8a).
(82) Goyanos ! T5o ditosos foram os dias 26 de Abril e23 da Jalho,
cm que ea de accordo ci^mfosco Juramos a coustKuic&o que hmat*
yeatem de fazer as cortes reunidas cm Lisboa, e semelhanlemeBle •
as bases já trocadas da mesma constituíç&o, como lastimoso odia de
liontem, em que soube que algumas pessoas mal intencionadas pre-
tendiam com pretextos simulados éslabelecer entre vós a desorden
e anarcliia, o que me decidiu á tomar, a bem da vossa segurança,
aquellas medidas que de mim exigiam as provas de affecto e i
s&o que de vós tenho recebido constantemente, e a que sei i
der grato. Goyanos T Grandes s&o os bens que vos devem i
da nova constituic&o, mas para i s gomnles é necessário pradai
cia e moderação. Se vos deixardes allucinar, e ouvirdes otecie
Ibos dos inimigos da ordem social, bem longe de vos aproveitaiwi
08 Inexplicáveis benefieíos da constituído, ao contrario vos fnii
sempre precipitando de abysmo em abysmo. Muitas das noasas Ws
terfto certamente de sor derrogadas, ou modificadas ; já algiwMB a
foram pelas bases da constituiçÂo que jurámos no dia 23 do nas
passado, e desde então so acham n'esta capitania em pratica todas as
sohrcditas alteraçucs, como exigia a fidelidade do juramento presta-
do, segundo o judicioso espirito das cortes cm seus debates, toda
aquella lei ou costume que não tiver sido alterado, por decisáe das
mcsmus còrles, devo continuar a ler perfeita observância, assim a
pede o bom da ordem, assim, goyanos, pede o vosso bem. £' na-
tural que a admioislraçào publica do Brasil venha a ter algumas ah
terac^cs; mas devem tão somente dimanar da sabedoria das cortes:
a nenhum outro cidadão, ou corporação de cídad&os, toca ftier
taes alleraçi)es, cujo procedimento, além de tumulluario e destme*
tivo da ordem social, até seria antí-consli tu cional. Goyanos I Vás
não deveis Iruhir o vosso juramento : a constiiuiçâo é a nossa bois
de salvação; mas os abusos que os malévolos pretendem fazer d*esla
santa palavra vão conduzir-vos ao maior dos males e perfeita anar-
cliía. Acautelaí-Vus contra as suas suggestòes, não lhes deis ouvidos,
acreditai uuícauienle o que vos aconselhar quem ha dez meies tia-
— Í2! -
Suppunha d' este modo ler Sampaio coDjurado a tampes-
latle; enganou-se, que Dão estava ella de lodo desvanecida:
entrelanlo, escrevendo ao ministro Carlos Frederico de
Caula sobre os acontecimenlos qne lemos relatado, c sobre
as suas appreliensões, dizia : « Não pude saber com certeza
qual era o verdadeira espirito da in Ululado governo pro-
visória; mas lenho bastantes idéas de que era a total in-
dependência e separação do reino unido- n
Os patriotas recuaram ura pouco, e começaram a pro-
ver com mais reserva, e Manoel Ignacio, reunindo em
rtbrno de si algumas adbesaes, se foi tranquillisando:
porém a padre LqÍsí Bartholoineo couUnuava a trabalhar,
escrevendo para toda a capitania no sentido das suas idéas^
e aguardava occasiao opporLuna, para dar um golpe cer-
teiro e seguro.
Proporcionuu-se-lhe azado ensejo com a chegada em 48
de Agosto do decreto das cortes de 18 de Abril de 18áií,
levado por um negociante do Rio de Janeiro.
■ Servindo se dos principies consagrados n'este decrelo,
^TUlIm sà por melhorar as voss;*s tiircums lane ias» como viVs reconhe*
I ceis, quem sempre voâ tratou com r&speilo, com fniuquâs&a e com
■ stnceridiiííe, quem vos ama cnrdblmenle, e a quem taoias provas
■ lenijes dado de pej feita adliesr^o : se esta f5r a linha don vossos pro-
■ eedi mentos, breve go /.areis em f>oeegõ dos incalculáveis bens d^
!iania consiitaiçflo, de que eípecialíoenic depende a vossa prosperi-
dade o a de todo o reino uoido^ Vi^a a Dossa sanla religião t Vivam
Ui eiVrtes exlruurdínariiis daimc«'ioacniulniénle reunidas em Lisboa!
VHa a liberai constiluiçào que estão organizando I Viva o Sr, n,
Jofio VI, lui^go amado sotierano! Viva o ínclito principa rea! do rei-
no iinído, aelurilniente repente d 'este tio íírasi! 1 Vivam os bons e
lionrados íza^anos l Oesappareçain de entre nos os malévolos» fac-
toreg de desordens e tumultos, Intmigoâ do socego, c da felioidade
dos bons goyanos' iioyiM, 15 de Aposto de tíífl .^Ifimoi^/ Iptacio
df Sntnpitio,
TOMO KXVHl, P. n. 10
— «2 —
O padre Bartbplomêo aiacoa com yíTacidade o procedi-
mento de Sampuo em oppõr tamanha resistência a nma
medida qne em ontras parles se tinha jà ado|itado, e qoe
estava nas intenções do legislador constituinte. Pela ma-
nhã do dia 19 era jà patente a excitação dos ânimos. Os
padres José Cardoso e Lucas Freire tinham durante toda
a noite andado em moTimento, lendo e explicando a dou-
trina do decreto, c indispondo o gOTcmador no animo de
todos: preparava-se um pronunciamento decisivo.
No dia 20, vendo Manoel Ignacio o estado de excitação a
que tinham sido levados os habitantes, mandou affixar ama
proclamação, explicando a doutrina do decreto, que tanto
se prestava aos fins dos patriotas (83) .
(83) Honrados goyanos 1 Segunda vez pretendom os malévolos ini-
migos da ordem e do socego publico allucinar-fos e conduur-vosao
maior dos precipícios a que immediatamente se segu irá a smm lor
tal ruina. Presentemente (*. com uma sinistra e aleif osa ioleij
taç&o do decreto das c6rteS;^o 18 de Abril que elies querem
rar seus desordenados intentos. O mencionado decreto nos quatiir
primeiros paragraphos estabeleceu os meios que se devem seguir
para a regencraçíio polilica do reinu unido, a saber: perfeita adliesfto
as còrles cie Lisboa, jiiramenlo á consliluirão, em que cilas estão
trabalhando, e eleiçíio dos deputados que nas mesmas cortes doTcm
representar cada uma das capitanias do Brasil, sendo feita segundo
o molbodo das instrucçòes dadas pelo governo provisório <le Portu-
gal em 22 de Novembro do uuno passado, que são as mesmas que.
S. M. mandou observar no reino do Brasil por seu real de-
creto de 7 de Março. Tudo se acha cumprido n*esta capitania,
e tudo se fez com melhor celeridade talvez do que em nenhuma
outra do Brasil á vista das circumstancias locaes. Só resta a partida
eíTectiva dos deputados, para o que játambcm estão expedidas as
competentes ordens. E até já aqui se juraram as Imses da constí-
tuiç&o, e já se acham em perfeita observância, o que não exigia o ci-
tado decreto de IS do Abril. Nada mais resta a fazer em Go^az para
a sua regeneraçJto politica, que é inseparável da de todo o reino
unido, do que esperar em socego a mesma regeneração politica da
Manoel Ignacio, auxiliado pelos seus agentes/tinha con-
stíguido dtísvirtaar no espírito publico as intenções d'a-
quelles que advogavam a cieaçâo de um governo provisório,
V' d'esle modo crear dois partidos, um dos quaes o acoin-
panhava, lendo era seu favor o auxilio da força materiaK
Havendo receios do que os indcpendenles leu lassem
alguma sorpresa, a tropa eslava aquartelada e *a cidade
em agitarão, à vii^iluncia do governador deu lugar a
que uo dia 2ra agitação se acalmasse^ e, porque se
sabia que Manoel I^íoacio procurava a primeira upportu-
nidadc para dar cabo dos promotores do moviniento, a
camará endereçou-llie um oíDcio, pedindo que lançasse
um véo sobre o passado» e se esquecesse dos fados que
Unham occnrrido até entiu.
!íab^oria das cortes» e cuiBprir exacta e reli^osameote tudo o t^e
m tBtt&tãiis cortes determinarcui ; lodo e qualquer outro (irocmii-
moulo seria uko su subveriívo da oriíem sociat, coutrariu í\ del6r-
míDucfio dan cortes, mas lúé rlmmolríilínBrue oppostoaa espírito da
i5on*ililLiJí;ãOf que (odii lende au soeego c irariquítliiiade publíea t
n^o dV*^la níiluroza âs m^geslAes e conseltiofiqueoctualiiieale vos
dlo os Bf^pirítos inquietos, que vós bom conheceis. 0;^ arts. 1** e
tí,* do ejlado derreio das cortes de lèí tic Abrii esíabelefein as me-
didas que os povos devem loumr, qu^imiu da purlo dos gov^rcose
mais emprejfados públicos eucouirem diflículdades ao jurametilo du
cofiâlUuíção e á nomeação dos d ep alados, o proscrevem m peaas
em que incorrem lào inconsblerados empre^nido^í públicos, medidas
estos que eram de absoluta necessiduilo, nfio %(} porque Ludó deve
ceder AO interesse da regem^raçíio politieu do roiuo unido, mas para
rivalidar os procedimenlos p(dilicos da iltiadeS. Blígucl, e das oa-
pilanms dt> Uaní, Babía, e tuJve/. de ítlgnrna outra^ conforme as suas
c!Írcumstanc)as pariiculare'^. \fas osLá o iiiertcionado decreto bem
longe de prescrever que se lomesn somclhaules medidaíi ii'aquollas
capitanias^ em que nem o JuramenLo da con^tiluiçím, uem a tiomaa-
^ho dos deputados eacoutraram dJflicuJdíJide aigumu^ o quo^ fura
de ^da n duvida^ nem mesmo era de esperar da sabedoria das
— 124 —
Manoel Ignaeia soube apro?eilar-so d*eslâ circnmslâiiciaT
que parecia revelar a fraqueza dos agitadores, para des-
maralisal-ús, e é mesmo de suppòrque o procedimeulo da
camará fosse por 6Uo aconsêlbado, como começo de um
plano, cujas consequências vamos vér.
Demorando a resposta, que a camará solicitava com cm*
penlio, um grupo do povo, que cercava o paço da roumci*
paltdada, correu a palácio, dirigido por agentes sccretii»
afim (iô viclofiar o governador e proleslar contra os ínlilu*
lados anarchiâtas. A comedia nao podia ser nielhor reprt^
senlada. Manoel Ignacio sahiu ao encontro d'esse povo se©
consciência, e arengou como conveniente e melhor en-
tendeu : então appareceu a idéa, de antemão cogitada, de
serem banidos da capital osinlilulados cbefesda revolução.
ttriest porque seria amonloar desgmcas o JnfortuDÍos... ili|çaH»
a capíUnia da naliía pelo que aciualmaiUc sofTrrj, dí^iim as ci-
pílanias de PerDambuco e Parah^ba pelo que solTrerain em ISfT,
digam emtim iadas as capitanias do Brasil pelo que iém sofTrtdt)
todas as vezçg que o seu governo executivo tem e<«lãdo oeru-
pado por mais de uma pessoa. Goyauos! Se vos quereis doson*
ganar de toda u verdade, lede com altcuçao iodo o citado def^relo,
lede lambem a maguiílca recepção quetove nas cortes o htigadei*
ro PalhareSn» ajudante d 'ordens do general áti itha da Madeira*
quando com oulros veiu da parle do dito genenil dar a noticia de
se baver n'aquet]a illxa jurado a CDUStituiCiío, transcripto tudo na
gâ7.eta do Rio de Mneiro de â de Juubo, a que muitos outros fac-
tor i^emelbantes $e podiam aqui ajuntar. Comparai tudo com as
idéas que tos dão os ínímigoii da boa ordem, e decidi vos me»*
mos. Acautelaí-vos de perridas e capciosas suggestúe^» e cousarinik
vos sempre promptos u re pi II ir qualquer ataque du Àocego publico.
Viva a nossa santa religião ! Viva a consiituiçíio ! Viva ** nosso rei
0 Senbor D, João VI l Vivam os bons Goyanos, que hàode resistir á&
iuggesiõeâ dos malévolos! Go^asc, 20 de Agosto dê IB!!1.— Ifafuxi
ígnaeio di Sampmo^
— im —
)uam náo vé por este resallado ura plano conc«rUdo por
MaDoel IgQacio e os seus amigos ?
Como os Ires sacerdotes, os dois capitães o o soldado
Felisartlo Nazarelh eram os mais comprometlidos, foram
estas as vlclimas designadas.
A idéa de banimento podia ser de muitos modos resol-
vida ; o governador achou um meio benévolo e compassivo,
e o propôz ao povo, que deu a elle o seu assentimento* Foi
assentado que o capitão Francisco Xavier de Barros fosse
commandar o destacamento do registro de Santa Maria ;
que o padre José Cardoso de Mendonça seguisse para o seu
beneficio de vigário da aldèa da Formiga e Duro ; que o
capitão Filippe António Cardoso se retirasse para sua casa
no dislricto de Arrayas, e o padre Luiz Barthoiomèe Mar-
ques se afastasse SO léguas da capital. O padre Lucas de-
clarou que se retirava da capilauJa. Doesta resolução as^
sígnou-se um termo, no qual se declarou que licavam mar-
cados oito dias para execução d 'esta medida.
Oito dias depois os anarchisUs, nome por que passaram
a ser conhecidos, sahiram da capital, para seus dilTerentes
destinos. Manoel Ignacio vangloriava- se do triumpbo que
tinha alcançado» e nao se lembrava que cada um dos ba-
nidos era um centro de movimento que se ia estabelecer
em dilTerentes pontos da capitania I
Os acontecimentos da capital em breve foram sabidos por
toda a parte, e encontraram écho sympathíco, principal-
mente no norte» onde a prisão de Filippe António Cardoso
produziu mào eiTeilo. As cartas de Filippe e do padre Bar-
tbolomèo impressionaram os ânimos; e pòde-se julgar
pelos successos futuros que os factos da capital não eram
isolados.
Os documentos oíEciaes do tempo, que consultamos, nos
revelam o seguinte plano* No caso de que não pudesse
— ise —
vingar na capital a idéa da Domeaçao de um governo pro-
visório, elle seria acclamado no norte. Para este fim con-
tavam os chefes da capital com o vigário de Cavalcante;
mas este, não tendo bastante prestigio e influencia, cedeo
a direcção das cousas ao desembargador Joaquim Theotonio
Segurado, o qual, como veremos logo, não trepidou em '
collocar-se á frente do movimento, não para favorecer os
patriotas, mas com intenção formada de neutralisar qual-
quer tentativa em favor da independência.
Effeclivamente no dia 14 de Setembro foi installado em
Cavalcante um governo provisório sob a presidência do
desembargador Joaquim Theotonio Segurado, servindo de
secretario o vigário Francisco Joaquim Coelho de NatloSt
e de membros José Zeferino de Azevedo, Salvador de Al-
meida Campos, Joaquim Rodrigues Pereira, José Victor de
Paria Pereira e Francisco Xavier de Mello, ao qual vieram
depois pertencer Manoel Antunes de Moura Telles e Luii
Pereira de Lemos.
No dia seguinte o governo provisório da comarca da
Palma fez circular uma proclamação, em que declarou-se
desquitado do jugo despótico do governo, mas deo vivas
a D. João VI e às cortes de Lisboa. Não era uma Gdelidade
simulada á união dos Ires reinos, como melhor se pôde
ver das proclamações de 17 e 24 de Setembro, onde o
pensaiuenlo do governo foi bem definido (84).
(84) Pruclamacjòes.— Hahitanles da cuinarca da Palma! E' lemiH)
de sacudir u jugo de um governo despótico ; todas as províncias do
Brasil nos tém dado este exemplo : os nossos irmãos de Goyax íixe-
ram um esforço infructifero, ou por mal delineado, ou por ser re-
batido por força superior. Elles continuam na escravidão, e até um
dos principaes tiabitantes d'csta comarca íicou em ferros. Palmen^
ses I Sejamos livres, e tenhamos segurança pessoal ; unamo-DOs e
principiemos a gozar as vantagens que nos promette a constituição !
- ii7 ^
liisialUila o govtíi tiu, deu-^e logo provuleiícirB para o
caso de luUp e foi declarado Manoel Igoacio de Sampaio
dcstiluido das funcções de governador* A expedição diis
ordens para a elFecliva arrecadação das rendas e abolição
de certos impôs Los não se fez esperar. Elevou- se a 19^00 o
valor da oitava de ouro, e providenciou-Sís acerca da orga-
nisação da força, quelicou sob o comraando de José l*e-
reira de Lemos e loaquím José da Silva, sendo nomeado
I commissarío Manoel Leite Pereira.
Atmlam-^e esses liibiitoâ quts nos vexam, oii p<*r sermos os únicos
qao os prigamo"^* ou |K>r uhú âoreiíi conlurme!^ âs unligas leis adap-
lavei* ae^la pobre cnmurea. Saladas de gados, deelm», bmico, pn-
pel scitntjo, eutradu de sal, ferro » iiço c ferrura tintai Meíini abolidas i
Mos os íjnrnens livres lÉm direito aos maiores empregos; íi virtu-
de c tt SC iene ia, eia os empenhos para os cargos públicos. Todas as
cabeç-íis de julíjado darAo um deputado para o governo provisório;
os arraiaos de S. Josí, H. Oamiiigos, Chapada e Carmo íkam gozan-
do da mesma prcrogailva. lísses depulidus devem ser clcito^i, e di-
ngírem-se immediiilameiíle a Cí^ítlcaníc^ onde reside mterinft-
mentBo governo provi ^;l>^o, Depois de reuuidos tod*is os depulado>,
se decidirá qual deve seracapitaN e n'ella residíM o governo. Os
^blmlo» que quizerem .senlar praça de ifiraiiiHha vencerno i^tneo
oitavas por mez, fi tia cavu liaria seis e meia, l*alníenses, animo í;
Hirião ! ií ifovcino cuidará da vossa felicidade* Viva a nos^ sania
religíào, viva o St, I\ Joíjo Vt« viva o priíieipe legeule e toda a ea^a
de Bragança, viva a consliluir*io que se íizer ufis c^irles reunidas
em Usboa. Gavaleaolo, 15de8eíembro ite 18á1.— Presidente Joa-
quim Theolouio Se^^urado^ Manoel Antoniu do Moura Tetles,j0ié
Zeferino de Azevedo» iit§^é Victor de ta ri si Pereira, Francisco
Joaquim Coelho d& Mattos, Fram^iseo X'ivier de Mattos, Lmt Pe*
reira de Lemos e Joaquim tiodrigues Pereira.
--Povos palmenses e íçoyauns í Qnanflo o Porto arvorou o esiau-
darle da libcrd,kde e da roííeneraçiio portuí^ueía, havia em Lisboa
um governo nomeado por S, M. Caválianle arvora o eslandarte
da Uberdade goyan:i, rcí^idindo em Goya^ uni governador também
n otu ead o por S , M . O* po r tue ns es ti v e ra m a iipji ro vaçâo do m c I h i > r
pon Ktiheranos, eofiííefruiram as aeefamaç(Wgeríies, t* en|triram-so
— 1Í8 —
Sabendo o gof eroo que se achava em Cavai eati te o sol-
da lo dô dragões João Rodrigues, o qual se dirigia à capitel
com tima grossa si>mma das rendas reaes, que pelo norte
andara arrecadando, mandou por um forte piqaete faier
a arrecadação doesse dinheiro, que foi eolregae ao ajudanl»
José Joaquim de Novaes^ que acabava de ser nomeado
capitão fia força pagae intendente geral da policia- Uma
serie rte medidas administrativas foram tomadas em ordem
a cougraçar os povos, e assim consolidar-se o doto ro-
verno,
dê uma gloria eternn, E nko letemoR nún os moradores de CavâlrJiD*
le !i mesniít íipprovitçíio, as raesmtis nct-lainaçríéii, amêsma giom?
Goyanos e paímei»ses I lodo o hoinein \\\m tem direito a goMr^i
sun liberdade. V6s sabeis a que vpxnines tendes estado «ujeilm*
Agora qm todos os povos do Brasil tf m spcudido o juíto dos capJUlifi*
gCDemes, agora que Cavalcanie not da o me^o exetripio, serrís 0$
unicosqiie lereísnpafienciadc contiQUíirasupporrarasalgcniiW
cadimas, om que temos jaxido escravísadoR? Tendes jKjrven tu rs
de que o General de Go\ax tenha com suas foix'asescraíísar^no5*1Pft'
Yoffiiem elle lem força, nem que as tivesse as poderia cfW|vrrgircotilTi
nós. Cineoenta soldados de linha! ir esses necessiia elle etn (loyar íwra
conservar o seu despolismo ! Elle sabe que n^is temos tníl hrafos t
desLemidos sertanejos^ que sepu liariam seus snldados nas garpniai
das serras que nos rodeiam. Tem milicianos f Também ni>s osíemai;
todos são irmãos, lodos ií^m o mesmo inleressei se çâ os fiiíinríar,
elles L^ri %ez de balas nos offereceríio ramos de oliveira, e, untdos
soba bandeira da consiiluição, iremos lodos desterrar para loi3|t
um ente monstruoso, que se chama — eapitíio-generaL— ^onê,
ibrf os olbos, e vereis que no Brasií ja níio ha governadores oci*
pilíSes-gõceracs, j/t nao ha juntas de fazenda , arbitrarias na sua ad-
io in is traçítí»; uFio ba mais ouvidores e juiies capricbosos e ii|ifir\fi*
nadíis r tudo t%\A mudado: vs po\os ja n?to sSo governados po'
bichas, mas por governos provisórios, compostos dos Itomens nu»
Sábios e mais honrados de cada província. Adjuntas de fazenda dU
todos os mezes ao povo conta da sua admíntsiraçíto ; os magistrados
sAi^ m homens da'^i* Quandn a fiii^e do lírasil está mudnda« $tfh
— 129 —
Ãdherirám depois i causa revolucionaria Victor Pereira
de Lemos» Manoel Seixo de Brilo, e muitos ootros, que
foram nomeados officiaes da milícia paga ecifil.em nu-
mero superior a 80,
O governo provisório, por conveniências do serviço e
pela vantagem de se achar no centro dos districtos que
Unham adherído à nova ordem de cousbs, transferiu
Goyni a unlca província que íiqiie insensivol âos m\xs males? Goia-
nos ! Nós, m IjâbiUitiles de C^ivateaíite, arvoramos o esUindarie da
M bardado, seja elte o jKinLo da nossa reuniÀo, e m'»s todos seremos
fõlixes í Viva a relij^iiio ! Viva o Senlior D. João VI í Vifa a constí-
tut^o tsL libõrdHde ! Vivam 0s povoa das comarcas de Go,vuz e Palma l
—Sala do governo» Í7 de Selcinhro de 182L— Presidente, Joaquim
TlieoLoiuo Segurado, — Secreiario, Francisco Joaquim Coelho d 9
MaUos. — Míiooel António de Moura Telles. — José Zeferino <íc km-
vedo.— João Luix do Sousa*— Luiz Pereira do Lemos.— Joaquim dos
Santos e Vasconeollos.— Joaquim Hodrigues Pereira.
— Go^fanosí A provinda de Gojfazé lalvei a mais pobre do Braítíl,
e, comiudo, è a iintca que aimU conserva no seu seio um capitão-
gencfal^ é a única que ainda se vé obrigada a pagar a um empre-
gado pubfico um soldo de quasi G:Q008OO0. Quaiorze mil cruzados
s^> a um bomem, que governa cofilra a vonlade do povo ! Quatorze
mil cruzados, que cbe^^nm para pagar soleota bravos defensores áa
pátria 1 Que 6 isio, goyanosi Tendes direito a axpulsal-o, e con-
teniis que elle continue a govemar-vus ? e a governar-vos cum um
braço de ferro? Não tendes animoi n^o tendes valor? Estamos
reunindo forças sufi [cientes para irmos ao vosso soccorro, o ajudar-^
vos a cxpellir o capilao-gcncral. Estabelecei o vosso governo provi-
sório À imitaçSo de todo o reslo do Itrasil Imilai-nos. Sem eflusão
de sangue estamos livres do capitâo-genera!^ e só dependemos das
cartes de Lisboa, d'el-rei e do príncipe. -* Cavalcante. Sala do go-
verno, em 24 de Setembro da ÍBil .'^Presidente, Joaquim Theotonlo
Segurado. — Vice-presidente, Francisco Joaquim Coelho de Mattos.
—Manoel António de Moura Telles.— Joaquim Rodrigues f*ercira. —
Josá Zeferiao de Azevedo.-- Luiz Pereira de l^mos. — João Luít de
}»cittu.
TOMO XX VIII, Pp IL 17
— 130 -
DO mez de Outubro para Arrayas a sede do governo, dei-
xando DO commaudo do arraial de Cavalcante o capitão
Luiz Pereira de Lemos, e o alferes Francisco Xavier de
Mattos.
Esta transferencia, porém, foi causa de apparecerem
algumas defecções. O vigário de Cavalcante fugiu para a
capital, Joaquim Rodrigues Pereira retirou-se para sua
fazenda, e outros nâo quizeram acompantiar Segurado,
cujo caracter violento jà linha descontentado a muitos.
Em 29 de Setembro soube Manoel Ignacio do que acon-
tecia no norte, por cartas quo recebera do vigário de Tra-
hiras, ede alguns traidores, entre outros do próprio vigário
de Cavalcante, Joaquim Rodrigues Pereira, José Victor de
Faria Pereira, e Joaquim dos Santos e Vasconcellos, alguns
dos quaes tinham Qgurado como membros do governo pro-
visório, eleitos pelos dislrictos.
Immediatamente tratou Sampaio de convocar a camará
e a junta dos três Estados, para a todos relatar tão desagra-
dável noticia.
Assentou-sc que era preciso combater com força ar-
mada a revolução, e tomar as necessárias providencias,
afim de atalhar o seu progresso.
Nesta conformidade deu-se ordem ao intendente dos
armazéns para entregar ao tenente-coronel Luiz da Cosia
Freire de Freitas lodo o armamento e munições necessárias,
afim de ser organisado um destacamento que, sob o com-
mando do tenente António José Gomes de Oliveira Tiç5o,
marchasse em continente contra o governo provisório.
E porque lambem receiou-se algum pronunciamento na
capital, distribuiu-se á força pólvora e bala, e fez-se uma
revista de toda a guarnição, com o fim de impor pelo lemor
das baionetas.
As scenas que se davam no norte fizeram convencer a
— 131 —
Sampaio de que os factos havidos na capital tinham achado
écho, c que era preciso sahir dos expedientes ordinários.
Elle comprehendêra perfeitamente as consequências de
tudo quanto ia acontecendo, e tanto que, dando ao minis-
tro Caula noticia da creação do governo provisório e das
medidas que eslava resolvido a empregar, para debellal-o»
assim se exprimia :
« Nâo devo comtudo occultar a V. Ex. que nao afianço
resultado algum favorável, cm razão das suggestões que
ordinariamente se recebe de fora da capitania. Tenho
algum motivo para desconfiar que aquelle procedimento
de Cavalcante foi motivado por instigações do padre Luiz
Bartholoméo Marques, anteriores ao dia i° de Agosto, em
que foi expulso d'esta cidade pelo povo, por cartas dirigidas
no arraial de Trahiras ao padre Manoel da Silva Alves, as
quaes não produziram alli efíeito algum, e no arraial
de Cavalcante ao vigário Francisco Joaquim Coelho de
Mattos, de que resultou a inslallação do dito denominado
governo. Ha, porém, algumas idéas que aquelle proce-
dimento fora resultado de instigações vindas do sertão da
Bahia ; n'este caso não me será possivel certamente dis-
sipar a borrasca : em breve tempo terei de me retirar da
capitania, visto que nem S. A. Real nem as cortes querem
que haja eiTusão de sangue. »
Pesando a responsabilidade dos seus actos, e as conse-
quências de uma resistência pelas armas, reflectindo com
madureza sobre o que lhe cumpria fazer, para evitar a
guerra civil, e promover a união dos povos da capitania,
resolveu que a força organisada não partisse para o norte;
tanto mais, quanto íhe cumpria ter a capital conveniente-
mente guarnecida, para qualquer emergência.
Limilou-se a expedir para o norte uma proclamação, em
que atacava violentamente o vigário de Cavalcante como
— i32 -
principal fautor da revolução, que tão profundas sym-
Patbias encontrava em toda a capitania, sendo, como se
suppunha, o primeiro passo em favor da nossa emancipação
politica, n'aquella parte do território do Brasil (85).
(85) Goyano§ da comarca de S. Jo3o das Duas Barras 1 Quando,
depois de expulsado pelo poTo d*esla cidade o cabeça e molor da
desordem, que aqui se tentou perpetrar, eu recebia de todos os
povos d*esla comarca de Goynz as mais decididas provas de perfeita
adhesão ás aucloridades estabelecidas por Sua Mageslade,na confor-
midade das leis fundamenlaes da nação, acabo com o maior des-
gosto de saber que o vigário de Cavalcante, levado da desmarcada
ambição de escravisar todos os povos d'essa comarca, como tem
constantemente escravisado os desgraçados moradores de Cavai-
cante, se lembrou (pur insinuações sem duvida d'aquello cabeça ex-
pulso) de erigir n'aquellc arraial um intruso governo, que elle deno-
mina provisório de toda a comarca, atacando por esta maneira os
inauferíveis direitos de Sua Magestade, e violando as determinações
das cortes, que só permittem o estabelecimento de taes governos
provisórios n'aquelle8 lugares em que as aucloridades constituídas
se oppoem ao juramento da constituição c á nomeação dos respec-
tivos deputados, e que, dados estes dois passos, recommenda, com-
tudo,o maior socego, e o maior respeito ils leis existentes e ás aucto-
ridades constituídas segundo as mesmas leis. E, como se aquelle
crime fosse pequeno, passou o mesmo vigário a apoderar-se das
rendas reaes, que dos diversos arraíaes d'essa comarca se remei*
liam para o erário d'esla capilal, alím de supprirem as despezas pu-
blicas, pretendendo por esta forma constiluir seus feudalarios todos
os outros arraiaes da comarca. E, para mais despoticamente dispor
de tudo, organisa o governo com pessoas da sua facção, todas resi-
dentes nos arrabaldes de Cavalcante, sem contemplação com as pes-
soas de bem dos outros arraiaes, quasi todos muito mais populosos e
mais interessantes de que o de Cavalcante. E sujeitar vos-heis vós a
uma tal humiliação ? Tão baixos sentimentos não existem -certa-
mente em corações goyanos! Não vos aconselho, comtudo, que
mancheis as vossas mãos com sangue goyano, o que seria total-
mente contrario aos meus desejos e ás pias intenções do príncipe
regente e das cortes da nação. Aconsclbo-vos, sim, que desistais e
^ 133 -
Eioel Ignacio, que alè anles do proQunciameolo de
'Favalcaole estivera resolvido a oppôr-se com todas as
forças ã eleição de um governo provisório, via agora que
este era o meio único por onde podia sahir airosamente da
situação critica em que o tinham collocado os novos acon-
nSo Tíos sobmoUais ás suggcstôes il*aq«eUe \igario, deshonra do
Dome goyano, eerlos de que deiilro em poucoH dia^ o mei^mo crime
o vai confuudir, que eviteis ioda a cornmuiiioaçao com os povos
que eile Icm compromeUído e escravisudu, ulim de que na capUunia
dõ Cojâz s% n^iú repitam aB tríttcs scenos, que lautas ealuniidades
tèm eausado aos bahi^inos c paulistas ; aconselho- vos que não queí-
mis per af^uma condeseeDdencia indiscreta cahir no desagrado do
priDcipe regetUe e das cortes, que tâm prefixado os Itaiites da mar-
cha qye se devo seguir para a oossa rdj^etierarao política, que é a
mesma que eu, primeiro que ninguém, M/. adoptar n'esta capiuoja^
além da qual não H permittido passar; aconseUm*vo5« emlim, quQ
vos mostreis sempre dignos do grariíle nome de portug:ue5tes, cida-
dãos do reiou-unidú de Portugal, Brasil e Afprves^ nome que pre-
sealemenle eausa inveja a todas a^ nnQL»es pela cupátaneia do solfri*
mento na adversidade, e pela prudência, moderat^ão e uniformidade
de sentimentos na aelua) regenorai;iiO politica, o que tudo se Uajis-
tornará, se, por meio de tumultos e outras semelhantes desordens
loeaes e parciaes. Olhas do e^ipríeho e dfismarcada ambit.^ão, se alte-
rar A tmnquil lidado e socego com que devem ser tratados os grandes
negócios dii Eiaçím. Nào d^icontioco a justiça dos queixumes d'essesi
povos contra a antiga admínistraçrio d 'esta eapilania, mas também
vós uâo podeis doiíar de conhecer quanto eu tne tenho esror);ado
pnra os fa^^er cessar, providenciando aqui lio que cabe na minba au-
ciondadep e dirigindo ao antigo mínislorio as necessárias represon-
tarOos para serdes em ludu iguatados ^os outros cidadíios portugue-
ses, as quaa^i se enLlo não foram attendidas em razão da antiga
ordem das cousas, sél^t-hao, sein duvida, perante as cortes da
nai^ào» uma ve?, que, pela irreí|ularidade e inconsideração dos vossos
procedimentos, não incorrais no desagrado das mesmas cortes e da
nação* — Vivam as e<Vrtes ! Viva a constituição! Viva el*rei ! Viva o
príncipe regente ! Vivam na bons goianos ! — tio^ass, 1" de Outubro
do iStí t^ Afamei Ig^acio de Sampaio^
•f
— 134 —
tecimentos e sua pooca sagacidade; mas não se resolna
definitivamente a empregal-o.
O sen empenho em não querer assentir à creacão do
governo provisório provinha talvez do facto de haverem as
cortes constituintes decretado a legitimidade dos governar
dores existentes; vendo, porém, que o príncipe regente
por aviso de 2i de Agosto ordenara a creaçao de um go-
verno provisório em Pernambuco sob representação do
governador e capitão general respectivo, e igualmente o
fizera para a capitania de Minas Geraes, assentou final*
mente de tomar sobre si a responsabilidade de ordenar i
camará em 22 de Outubro a instaliação de um governo
provisório. Expedida esta ordem, deu d'ella conhecimento
ao publico.
Para esse fim designou-se o dia 3 de Novembro, e Q*es8e
dia foi grande o concurso de povo no paço da municipa-
lidade. Por occasião de procedei^se ao escrutínio, lendo-se
admittido a votar pessoas da plebe, e recusado igual direito
a outros, bem como ás pragas de primeira linha, houveram
por isto taes desordens e contestações que afinal foi le-
vantada a sessão, sem nada poder-se resolver definitiva-
mente. De tuílo se deu conta ao priíicipc regente, con-
Unuando entretanto Manoel Ignacio no exercício das func-
ções de governador.
Os acontecimentos do dia 3 tomaram nspeclo grave : os
adversários de Sampaio apccusavam-n'o de liaver promovido
uma caballa, afim de não se effectuar a croação do governo;
* a tropa já se ia insubordinando, e tomava parte nas delibe-
rações dos comícios populares ; e por tal modo foi cres-
cendo a excitação que no dia 10 Sampaio mandava affixar
unra proclamação, inculpando à camará, e só a ella e á
falta de iniciativa no povo, de não ter-se verificado a eleição
do governo. Entretanto o povo e mesmo a tropa mos-
— 135 -
travam disposições para elegerem o governo até na praça
publica, sem observância de formula alguma legal, se assim
fosse preciso.
Manoel Ignacio, que em 22 de Outubro ordenara á ca-
mará que procedesse á eleição sem o concurso dos repre-
sentantes dos julgados, para adial-a por mais tempo,
julgava esta condição indispensável : vendo agora em cada
dia declinar o seu prestigio e crescer as animosidades,
recebendo oíBcios da corte no dia 29 de Dezembro, nos
quaes se lhe insinuava a creação do governo provisório, no
dia 20 pela manhã convocou a camará com urgência, e
perante ella se apresentou.
Ao toque do sino toda a população correu ao paço da
municipalidade. Poucos sabiam precisamente de que se ia
tratar, mas todos previam o motivo da reunião.
Em presença da municipalidade declarou Sampaio quo,
tendo reconhecido pelo espirito dos oíBcios, que acabava
de receber da corte que o príncipe regente se não oppu-
nha e não levava a mal a creação de um governo provisório,
logo que a fermentação dos espíritos assim o exigisse, po-
dendo ser ella feita de um modo regular, ouvidos por seus
representantes os povos de toda a provincia, afim de por
este modo evitar-se a desunião e a consequente guerra civil,
a vinha propor de um modo solemne e decisivo. E, afim de
que a eleição fosse legal, conveniente era fazer a convoca-
ção aos três eleitores de S. João das Duas Barras,que tinham
servido nas ultimas eleições, e eleger para o mesmo fim
três que representassem a capital, visto como estavam
ausentes dois, e um por tal modo enfermo que não po-
deria comparecer.
E porque este procedimento importava uma dilação, e
convinha desde logo eifectuar-se a mudança da administra-
ção, propunha que se installasse uma junta administrativa,
— 436 —
& cujo cargo passasse o governo da capitania até a creaçio
do governo provisório.
Sobre parecer da camará foi decidido por todos quantos
se achavam presentes que se elegesse a junta administra-
tiva interina, a qual se deveria compor de seis membros.
E procedendo-se ao escrutínio Joram eleitos, presidente,
Manoel Ignacio de Sampaio, secretario, o coronel António
Podro de Alencastro, membros, o ouvidor Paulo Couceiro
de Almeida Homem, o vigário da vara Francisco Xavier
dos Guimarães Brito o Costa, tenente-coronel Luicda Costa
Freire de Freitas, capitão João José do Couto Guimarães e
capitão Ignacio Soares do Bulhões.
O acto de juramento e posse da junta administrativa teve
lugar n'essa mesma occasião ; e de tudo se lavrou a com-
petente acla. (86)
(86) Anno do nHScimenlo de Nosso Senhor Jesus Christo àe HM»
aos 30 dias do moz de Dezembro do dílo anno, n'esfacídadedt
Goyaz^ em os paços do conselho d'clla, onde se achavam o oapite-
^'eneral d*esla província, Manoel Ignacio de Sampaio, e a canura
convocada e reunida pclo mesmo governador e capitão- general,
postada em armas a tropa de primeira linha c segunda, reunidos
alguns cidadãos mais, convocados a toque de sino, na formado e^
tvio, propuz o mesmo governador e capilAo-general que, havende
reconhecido pclo espirito dos oflicios que acabava derecel>erda
secretaria d'Kstado da corte do Rio de Janeiro, se nuo oppunba e nem
levava a mal a crea<;ào de um governo provisório n*csta província,
logo que o estado de fermentarão dos povos assim o exigisse, npeiar
do ónus de juramento de preito c homenagem prestado nas màoi
de seu augusto pai, de que indirectamente se achava por esta forma
alliviado, uma vez que a creação do dito governo provisório le
fizesse de uma maneira legal, sendo ouvidos por seus represen-
tantes os povos de toda a província; alim de se evitar a desunião e
a consequente guerra civil, propAz a mencionada creaçAo do go-
verno provisório com as sobreditas condiç<Nes, apontando partíeo-
ar mente que se poderiam convocar os três eleitores da cooiarea df
— Vil —
Na tarde d'esso di^ liase affixatlapor lodos os ângulos da
cidade a seguinte proclamação &ã camará da capital :
S. hho lias Duas Barras, que serviram nas proi imas pasmadas elei-
çdesj ô procede r-se n eleger com as precisos forma t idades rrea elei-
lores doesta cí^marca de Goiraz, ifisto que dois que íiOTViram nas dilas
eleicOes se nào achavam n'esia cidade, esLando o terceiro grave-
nteiUo enfermo, Cudo por maiur brevidade da creaçio do d ilo go-
verno : propõz, oulrosim, a creat^ào desde jA de uma junta itUema
admínistraliva. que fica^s^e encarregada do governa adinioislralivo
lia proifíncía, lâo semente alé a creacão do meucionado f^ovcrno
|j reviso rio, e a cujo cargo lieasse o dar lodus m precisas providen*
ciai para a citada logal mstallaçi^o da maneira íicima exposta, áqual
creaçiiõ deveria a ciimarii^ proceder desde jil, ouvindo para este Ijm
os povos d 'esta cidade, que so acham reuinidas cm os p«cos do con-
selho Vi seus arredores, da maneira que acbar conveniente a mesma
camará^ «% eomo assim o disse e propÒE, assignou o presente »uio,
declarando mais que ^e Ike desse cerlidao, nho só doesta proposta,
mas da deliberaçiio que se liouver de tomar. Eu, Zefennu l^ereira
Pedroso, eserivao da camará, que o escrevi, — Manoel ígnacio de
Sampaio, — E, íogo etoaeto continuado e sem iaterrupcão, acamam
d 'es la cidade^ depois de deliberar etn sesítíio particular a maneira
mais conveniente porque devia rtsoher a proposta do Eim, gover-
nador e capitão-general, feita com ta a la urgência, esem preceder
as &oleiiin idades que so t«ziajn tudispetisuveis eoui uma ordem tãri
eritie:!,' parecendo a cunvocaQiio da carn^ra antes o resultado de
um acto coactivo que uma espoo taneidude do Cjtm. St* general «
tendo iguafmente em vista a impossibilidade de convocitr por carta
iodas as pessoas que podem atixiliar a camará n'estaeonjunctura
tâo critieu, qual a da eleicào de uma junia que posi^t ioterinamente
cimentar os principias do uma união entre os povos da provi nciíi
divididos por opimòes políticas : resolveu que fossem vocalmente
GOnvidados pelo porteiro da camará o clero, os magistrados^ os ofíi*
eiaes da 1* e 2' linlm^ e a^i pessoas que costumam andar na govcr-
tiança, para ofegerein uqueltas que devem compor a Junta ndininis-
Irrttiftt interina e o numero de que deve ser composta a referida
juuta, de que para constar ma n d «iram fazer o presente termo, que
assiguarain, —Zeferino Pereira Pedroso* escrivão da camará» que u
escrevi*— Gdvdo.—6ííímarães.—/"o5apa,—Jíodrt3iiei. — £* logo cm
TOMO WVJIl, p> 11, 18
— 138 —
(( Goyanosl Eia, congratulai-vos ; sois felizes emfiai :
o exceiienlissimo ex-governador da província espontânea-
acto contínuo o surcessivo, reunidos quarenta e ires cídadAos dos
espccifícados no acto supra, foi proposto pela camará o seguinte :
se devia ter lugar para a presente nomearão da junta provisória in-
terina o decreto do V de Setembro do corrente anno, expedido
pelas cortes geraes extraordinárias e constituintes da naçlo portu-
{^ueza para Pernambuco, na parle somente que respeita A crea rã o da
referida junta provisória; opinaram pelaaflirmativatrinin o seis vo-
tos; seis que fossem também seis os membros da referida juntk, e
um voto singular do descmliari^ailor António Josr> Alves Marques,
que se não lizesse mudança alguma, continuindo nn governo o
lllm. e K\m. Sr. Manoel Ignacio de Sampaio. Decididn, portanto,
por uma pluralidade absoluta de vinte e seis votos, que a junta pro-
visória interina d'esta cidade fos^e creada como ordena o referido
decreto, e prccedendo-se ás nomeações, sabíram eleitos: para presi-
dente, o lllm. e Exm. Sr. Manoel Ignacio de Sampaio, por unanimi-
dade de votos; para secrelurío deputado, o Sr. coronel António Pe-
dro de Alencaslro, por unanimidade de vnios; para i^ membro da
junla, o Sr. Dr. ouvidor da comar&i Paulo Couceiro de Almeida Ho-
mem, por unanimidade do votos; pura ±^ membro, o Sr. vigário da
vara Francisco Xavier dos (íuimarâes Hrilo e (Insla. com trinl.i csete
votos; para 3*» miMnbro, o Sr. tencnlc-CiíroncI fjiiz «la Costa Freire
de Freitas, com(|uarenlu e dois V(»los; para 4" membro, o capilào João
Josr do Couto (luimarães, por unaniiiiiJade de votos; para ,N» mem-
bro, o capitão Ignacio Soares de Bullines, por unanimidade de votos:
e, depois de publicado dentro dos paros do conselho, e «las janellas
para a tropa que está postaila, e mais (íidadàos que ^c achavam reu"
nidos e assistiam á referida nomeação dos membros e presidente
acima declarados, com nuiila satisfação, dando em alias vozes repe-
tidos vivas. K, logo n'este mesmo acto, achando-se presente o pre-
sidente nomeadoe mais membros, lhes foi apresonfadourn livro dos
Santos Kvangelhos pelo presidenie da camará, o Dr. juiz de fora Ma-
noel Anionio CaUào, cm o qual, pondfi as suas màos dirciliis, pres-
taram o juramento seguinte: « Juramos aos S;intos Kvflnffcllios ve-
nerarão e respeito A religiào catholioa o aposlolica romana, obediên-
cia ás cortes de Lisboa, observar e manter as leis existentes, e tudo
o que pelas ditas cortes fôr determinado, afim de manter a união de
— 130 —
mente demittiu-se da sua auctoridade, e nâo duvidou re-
partil-a com aquelles de vossos concidadãos, em que tendes
maior confiança. A convocação da camará para a creação
de um governo por que tanlo anhelaveis foi obra sua, e a
unanimidade com que foi coroada a eleição dos membros,
que compõem, é uma prova nâo equivoca da legalidade
com que foi feila. Goyanos, ainda uma vez congralulai-vos;
Ioda esta província em paz e socej^o, respeito o obediência a el-rei
constitucional o Sr. l). Joào VI.» Depois do que llies foi dada posse
pela camará d'esta cidade do governo de toda cMa provincia, e,
sendo presentes os chefes das corporagòes militares e civis, presta-
ram juramento em forma de obedecer e guardar tudo quanto pelo
governo fôr determinado a betn do serviço nacional. K, como assim
o disseram e se obrigaram, mandaram fazer o presente termo, que
assígoaram com os mais cidadãos presentes. Ku, Zefermo Pereira
Pedroso, escrivão da camnra, que o escrevi. — Manoel António Gal-
vão.—Guimarães.— Fogaça. — Hodrigues. — Manoel Ignacio de Sam-
paio. — António Pedro de Alencastro.— Paulo Couceiro de Almeida
Homem. — Francisco Xavier dos Guimarães Biito o Costa.— Luiz da
Costa Freire de Freitas.— João Jos6 do Couto Guimarães.— Ignacio
Soares de Bullincí. — João Josó de Azevedo Noronha e Camará.—
Maximiano José UaymunJo.— José Joaquim Pulquerio dos Santos.—
Manoel de Santa Barbara Garcia. — António Josó Félix de Avellar.—
José Joaquim Xavier de Harros. — António José Alves da Costa e
Silva. — José António da Sdva e Sousa. — João Pereira Cardoso.—
Cmygdio Joaquim Marques. —Padre Lucas Freire de Andrada.—
Luiz Pedro dos Guimarães. — António Mariano de Castro. — Filippe
Luiz de Carvalho.— Padre Miguel Gomes dos Anjos.— Feliciano José
Leal. — Vicente Ferreira de Castro e Silva. - António Ferreira de
Azeredo. — íiabricl Gctulio Monleiro de Mendonça. — Barlholomêo
Lourenço da Silva. — Francisco Hodrigues Fraga. — António José de
Avellar,— José de Coulo.— António Ferreira da Silva.— José Mamede
Botelho da Siha.— João Nogueira da Silva.— José Rodrigues Gomes
—Francisco Corsino de Brito. — Anacleto Gomes dos Santos.— João
José da Silva.— Domingos José Dantas de Amorim.— João Biplisla de
Alencastro.— António Josó do Artiaga.— João Manoel do Menezes.—
'osé Joaquim da Silveira Pinto, etc.
- 140 —
não mais ódios : fazei ama só família, e provai por vossa
obediência e adhesão ao novo governo a mansidSo do vosso
caracter, tão distincto entre as outras provindas. Viva a
religião t Vivam as cortes I Vivael-rei constitucional I Viva
a dynastia de Bragança I Vivam os Goyanos ! GoyazSOde
Dezembro de 1821. — Manoel António Galvão. — João Jasi
do Couto Guimarães. — Domingos Marques Lopes Fogaça. —
Marcdlino Joaquim Rodrigu^. »
Ào lado d'esta proclamação lia-se também outra da junta
provisória (87).
(87) Cidadãos portuguezes da província de Goyazl A nação porlu-
gucza, de que nos gloriamos de ser filhos gratos, tcndo-se esvaído
com esforços infruciiferos e ais saudosos para recobrar todo o vigor
das forças e riquezas que competem ao seu corpo gigantesco, quasi
no ultimo paroxismo da exisiencía, levantou a cabe<:a, e, fitando os
olhos ao único remédio da sua salvação, lançou mão segura do leme
do governo, e, introduzindo. n*este legitimamente pilotos hal»eis,
segue já sem perigo o verdadeiro rumo, e o mais certo caminho
que a conduz ao lugar destinado entro as naçOes do mundo de pri-
meira ordem. Com o regimen da nossa constituição politica, ligados
os seus membros espalhados por todas as quatro partes do mundo e
por extremo descarnados, em consequência de Hiltas commettidas
nos tempos passados em todas as repartições da publica administra-
ção, esta cara pátria nossa instantaneamente se fortificará e obterá
toda a nutrição com a reciproca união e correspondência entre o
magestoso corpo politico e sous dispersos membros. Km virtude
d*esta lei elementar do governo, que divide perfeitamente os po-
deres das aucloridadcs constituídas, e desterra para sempre as arbi-
trariedades apoiadas em falsos principios, e algumas vezes em ca-
prichos desmedidos, cessou todo o despotismo; porém a lei vigo"
rou, e a obrigação de a observar, tanto da parte dos depositários
destinados para a fazerem cumprir, como da parte dos que lhe
devem obedecer, se tornou muito mais sagrada. K/, pois, além do
dever uma virtude que nos unamos, que nos esforcemos quanto em
nós cabe para recuperar os reve7es da fortuna experimentados, e
repellír todos os principios de desunião. Brilhe entre nós a conti
- Hl -
nuaçÂo da Gdelidade e da boa fé com que já jurámos a consliUiiç&o,
e esiamos guardando os decretos das cortes. Haja reconciliação
gerai do opiniões, seja removida alé a mais remela sombra de
crueldade, de injuria e de inlriga. Deixemos desembaraçado todo o
campo nos nossos ropresonlantes para completarem o augusto qua-
dro dos mais bellos dias da naçào portugueza. Espera, portanto,
esta junta, para a qual será o único timbre a obediência e adhesão
ás cortes, á constituição, a el-rei e ao principe regente, que todos
os povos da província lhe correspondam nos mesmos sentimentos,
e tenham n'ella a maior conGança, pois que a sua marcha no expe-
diente dos negócios será regulada pelas leis estabelecidas e pelo
cordial desejo do augmento de toda a província. — Viva a religião !
— Vivam as cortes!— Viva el-rei constitucional! —Viva o príncipe
real! — Viva a união de todos os goyanos constiiucíonaesl -— Viva a
reconciliação geral do dia 30 de Dezembro de 18211 — Manoel
Ignacto de Sampaio. — Paulo Couceiro de Almeida Homem. —João
José do Couto Giiimnrães.- Luiz da Costa Freire de Freitas. — Igna-
cio Soares de Bulhões. — xVntonio Pedro de Alencastro.— Francisco
Xavier dos Guimarães Brito e Cosia.
— 142 —
CAPITULO XX
(1822- 1824]
Desintelligencias entre os membros da junta administrativa. — Des-
gostos de Manoel Ignacio de Sampaio.— Pede Scmpaio demíssSo.
— E* nomeado presidente o Dr. Paulo Couceiro.— DemissSo does-
te, e nova nomeação do presidente. — O coronel Álvaro José Xavier,
conimandanto das armas.— Acto de juramento de fidelidade ás cor-
tes e ao principe regente.— Eleiçrio do governo provisório. — Pre-
tenção do juiz de fora Manoel Anlonio Galvão.^ A mbiçrlo de po-
der malograda.— O governo provisório do norte.— Intenções do
ouvidor Joaquim Tlieotonio Segurado— Sepamçao da comarca de
S. JoíiO da Palma.— orfício da camará.— O capiuio Filippe Antó-
nio Cardoso nomeado coronel commandante geral da comarca da
Palma.— Anarcliia no norte.— OesiTedito do governo dissidente.
—Sua transferencia i)ara NativiJaiie.— Recresce a desordem.— Pro-
cedimento do governo provisório de Goyaz.— O padre Gonzaga vai
em commissão ao norte.— Gonzaga é bem succedido em suas dili-
gencias.—Procedimento do coronel Filippe em Arrayas e Caval-
cante.—Sua prisJlo.-Devassa.— Gonzaga na Nalividad*». — Dissolvc-
se o governo do norte.— Congraçam-se os povos.— Fim da com-
missão de Gonzaga.— Juramento da independência.— Acclamação do
imperador. —Juramento da constituição.— !'rimeiro presidente de
Goyaz.
Mal linha a junta administrativa começado afunccio-
nar, profundas desintellipencias apparoceram entro os
seus membros.
Queriam uns que o ouvidor, para ser membro do go-
verno, se demillisse das funcçôes de seu cargo, outros
que o chefe da força nâo lizesse parte da corporação
do governo. Além d'isto a maioria da junta não via com
bons olhos a Manoel Ignacio de Sampaio. De tudo isto
se originou a formação d»^ dois partidos, que desde logo
abriram hostilidades.
Os partidos, de ordinário exigentes c exclusivistas, se
— 143 —
porveatnra não slo refreados pelos que os dirigem,
praticam de ordinário excessos que os deturpam, desa-
creditam e perdem.
DjsJe que Manoel ]gnac'o foi eleito p residente da jun-
ta, os seus adversários entenderam dever desgostal-o, à fim
de o obrigarem a demitlir-se; e para isto conseguirem
não escolheram meios.
Cartas anonymas escriptas em linguagem indecente e
torpe, pasquins e insultos, foram as armas que não du-
vidaram empregar contra o ex-goveriiador.
Na sessão do 3 de Janeiro, marcada para designar-se
o dia da reunião dos eleitores que tinham de escolher
o governo provisório , um dos membros da junta pro-
visória abriu e leu uma carta anonyma contra o presi-
dente Sampaio, na qual era elle insultado da maneira
a mais violenta e cobarde. K o mais é que os seus
collegas não tiveram a delicadeza de lhe pouparem este
dissabor.
Este desabrido procedimento dos membros do gover-
no tanto magoou a Manoel Ignacio que resolveu retirar-
se da província, afim de não ser alvo de novos insul-
tos.
Na sessão do dia 8, antes de enlrar-se na ordem dos
trabalhos, pediu Sampaio a palavra, e declarou que, se
no dia 30 de Dezembro linha aceitado a presidência da
junta, para que fora eleito por unanimidade, tivera por
fim concorrer para de prompto se congraçarem os par-
tidos, e se fizesse com tranquilidade a eleição do governo
provisório; que, quando no dia -2 de Janeiro íoi com
a junta acamara, para rectificarem o juramento de fide-
lidade a el-rei, c ao príncipe regente, tendo poucas horas
antes conhecido o estado das cousas, exigira em publico
a sua demissão, por isso que não tivera até então con-
— lU —
servando-se no governo, outro fím senão beneficiar os
goyanos; vendo, porém, que a sua presença na província
podia dar lugar a algumas dlssenções, por maiores que
fossem as cautelas que observasse no seu proceder, de
novo instava pela sua demissão do modo o mais ter-
minante.
A junta foi prompta em deferir o requerimento ver-
bal de Manoel Ignacio. O ouvidor e o tenente coronel
Luiz da Costa também n'esta occasiao reiteraram o pe-
dido, que jà haviam feito, de suas demissões, mas não
foram atlendidos.
Exonerado Sampaio, deliberou a junta nomear d'en-
tre seus membros um, que servisse de presidente; mas
antes de assim proceder foi proposto e resolvido que
as funcções do presidente que ia ser nomeado, duras-
sem apenas um mez. À escolha recahiu no ouvidor Pau-
lo Couceiro. Na acta da sessão do dia 9 mandou-se lan-
çar a seguinte declaração : « Hoje 9 do corrente j& não
é presidente d'úsla junta administrativa interina do go-
verno dVsla província, por lír pedido a sua demissão,
para maior socego de lodos os povos d'esta mesma pro-
víncia, o Exra. general Manoel Ignacio de Sampaio. >»
E porque esta resolução, pouco consolidadas como an-
davam as cousas, podia acarretar dífliculdades, mandou
a junla affixar uma proclamação, concebida nos termos
os mais conciliatórios (88).
(88) ííoyanos! Confiai-vos no governo que elogesles. Para obter o
socego publiro e a felicidade dVsla província foi legitimamente creada
esta junta: por causa dos l>oatos, que ainda gyravam, sobre que houve
morào no dia 8 do corrente, propòz o Exm. general a sua demissão,
dando por motivo obter-se assim a tranquillidade publica, o que acei-
lámos por ser este um dos pontos mais atlendiveis a que se propõe
esla junla; i» em seu logar foi por nós eleito para presidente o I)r.
Hias depois pedia Sampaio os s6us passaportes, e cer*
tidão ílo libeUo infamante que contra elle tinha sido pre-
sente e lido na jaola: forarn-lhe dados os passaportes,
mas se lhe recusou, contra os yoIos de Couceiro ele-
nen te -coronel Freire, a certidSo pedida.
Em razão doeste procedimento da maioria da junta,
entendeu o ouvidor que nâo devia mais fazer parte del-
la, c pediu demissão de todos os seus cargos, demissão
que nao foi recusada.
A nova escolha de presidente recâhiu no vigário da va-
ra, Francisco Xavier dos Guimarães Brito c Costa, e por
esta occâsiâo também nomeou a junta o tenente-coronel
Álvaro José Xavier commandanle das armas.
Estas defecções concorreram para que o governo per-
Piulo Couceiro de Almeida Homem. Gofanost TraDquillisai os vossos
espíritos ; chamai á paz aa vossas casas ; lerabrai-vos que somos por-
tugoezes; sede obedienies íis leis e ás aiiclorídades constitui das^ que
as adtnioístmm. O desvelo doesta jontaé a vossa prosi^eridade» recorrei
n elia nas vossas precisões ; fácil Ym é pedir remédio pafA as vossas
necessidades € as da vossa pairia ; eila vos alieAderá, e o que exceder
os li mil CS da sua auetoridadc levará ú presença do atto príncipe que
jios rege, e fará subir até o congresso da Suprema Mageslade aa vossas
supplíCáB, de onde emanará sem duvida o bálsamo para cicatrizar as
vossas chagas. Coyanos l Fieis goyaiiõsi Eslao quebradas m barreiras ;
commuQJcai-vos sèni susto com m vosios irmHos babitantes da IMImE;
toraaí-vos a mesma família; e Vík, palraenses, persuadi~vos que a de-
mora da nossa reuni^ito é ainda o que dissaborèa o nosso prazer ; se
sais porluguezes, obrai act.íies de portuguezes, e unamo-nos, para
' juntos clamarmos: viva a nossa santa religião, vivam as LÕrtes, viva a
aa cónsliluíçrio, viva el-rei coostiturional o Senhoi" D, Jo^oVl,
viva o pniicipe regenie do Brasil, vivam osgoyanosí Goyaa, 9 de
Jaoeiro de IS 21 --I>aulo. Couceiro de Almeida Homem. — Igoacio
SoAres de Buibõeâ, ^Francisco Xavier dos Guimares Brito e Costa. —
Luiz da Costa Freij^e de Freitas.— António Pedro de Aloocastro,—
JoSio José du Couto Guimarães.
TOMO XXTIll, P. H. Ift .
— H6 —
desse muito de sua força e prestigio ; situação esta que se
agravou com o instaute pedido de demissão, que fez o te-
nente-coronel Freire, desde que Álvaro Xavier assumiu
o superior commando da força.
Os adversários de Sampaio ião assim, sem vistas lon-
gas no futuro, conseguindo seus fins; porém a fraque-
za do governo jà produzia murmurações e era objecto
decommentos. Estando próxima a eleição do governo
provisório, para o futuro appellavam os que tinham razão
de desesperar do presente. Em matéria de máo gover-
no não se deve adoptar o principio da velha de Sira-
cusa; tudo quanto está para vir, pôde ser melhor, e é
preferível; assim pensavam os que tinham esperanças de
ver mais cordialidade e unidade de pensamento no go-
verno provisório. A situação era deplorável?
Na sessão solemne da junta de 13 de Janeiro recti-
ficaram os chefes das corporações civis e militares o ju-
ramento, que já haviam prestado de fidelidade a el-reí e
ás cortes, accrescentando á formula do juramento— obe-
diência ao príncipe regente:— assim o fizeram João José
de .'Vzevedo Noronha e Camjira, coronel do !.*• regimen-
to de milícias, o sargento-mór e commandanle do de in-
fantaria, Maximiano José Raymundo, o llscal da casada
fundição, Dr. Manoel de Santa Barbara Garcia, o escri-
vão, deputado José Joaquim Pulquerio dos Santos, e o
presidente da junta da fazenda, Raymundo Nonalo Hya-
cintho.
Os acontecimentos que na corte succederani em Ja-
neiro e Fevereiro, principalmente os do memorável dia
9 de Janeiro de 1822, que foram por assim dizer o pri-
meiro verbo da nossa emancipação politica, sendo sabi-
dos em Goyaz em fins de Março, produziram natu-
ral e agradável impressão em todos os espíritos; mas
— 14T ^
não se comprehendia ainda que a independência do Bra-
sil cra jâ um facto consummado. Quando a junta an
nunciava estes successos, ainda levantava vivas ás cor-
tes portuguezas, ainda victoriava o rei constitucional
D. João VI (89).
E' tempo de darmos conta da eleição do governo pro-
visório.
No dia 8 de Abril se reuniram nos paços do conse-
lho os eleitores da capital, Meia Ponte, S. Luzia, S. Cruz,
Pilar, Crixás, Trahiras e S. Félix. Não compareceu um só
eleitor por parte da comarca da Palma. Eram candida-
tos ao cargo de presidente do governo provisório o Dr.
juiz de fora, Manoel António Galvão, o coronel Álvaro
(89) I^roclamaçào.— Tendo sido n'esla provinda manifestada a sabia
deliberação que lomou S. A. Keal o príncipe regente do Brasil de
suspender a sua sabida para Portugal, demorando o prazer de voltar
á sua cara pátria e ao seio de sua augusta familia, só por realizar
a felicidade dos povos que têm a dita de se reconhecerem seus
súbditos : curapre-nos também nao deixar em silencio os sentimentos
de gratidão de que eslamos possuidos. A junta administrativa interina
do governo em vosso nome vai agradecer ao mesmo augusto senhor
Ião iieroico sacriíioio, e protestar que os goyanos constitucionaes não
sao menos briosos que os seus irmãos, e que nunca perderão occasião
de dar decididas provas de amor, adhesão, respeito, obediência, á sua
sagrada pessoa, reconhecendo a imperiosa necessidade da sua residên-
cia no Brasil, como garantia dos direilos dos brasileiros, como pri-
meiro defensor da sagrada constituição, e finalmente como vinculo
indissolúvel que prende um a outro hemispherio portuguez. Vivam as
cortes da nação portugueza, viva a nossa santa constituição, viva
el-rei constitucional o Senhor D. João VI, viva S. M. Real o príncipe
Regente do Brasil, que se sacrifica pela felicidade da nação, viva a
união do Reino Unido. Goyaz, 1" de Abril de 1822.— Francisco Xavier
dos (luimarães Brito e Costa.— António Pedro de Alencastro.— Luiz da
Costa Freire de Froitíis.— João José do Couto Guimarães.— Ignacio
Soares de Bui hoes.
- Ii8 -
José Xavier, e o presidente inleríDO da junta da fazen-
da, Raymando Nonato Hyacintho. A sorte designou o co-
ronel Álvaro José Xavier, e para secretario o capitão
José Rodrigues Jardim, e para membros o capitão João
José do Couto Guimarães, Ignacio Soares de Bulhões,
Raymundo Nonato Hyacintbo, padre Luiz Gonzaga de
Camargo Fleury, e o sargento-mõr Joaquim Alves de Oli-
veira. (00)
(90) Sessão de 8 de Abril de 1822.— Anno do nascimcnlo de Kosso
Senhor Jesus Ghrisio de 1822, aos 8 dias do mcz de Abríl do dito aono,
Q*esta cidade de Tioyaze capital da provi ncia, reuni ram-se nos paços
do conselho do mesmo o juiz presidente, o alferes Domingos Marques
Lopes Fogaça, que n'estc acto serve de segundo vereador por impe-
dimento do capitão José Rodrigues Jardim, vereador mais velho, ve-
readores e procurador da mesma, e os eleitores da pdrochia,que n^este
acto apresentaram seus competentes titulos, que vém a ser oe d*eila
província, o coronel Álvaro José Xavier, o capitão João José do Couto
Guimarães, o escrivão deputado da junta Raymundo Nonato Hyacintho,
o capitão José Rodrigues Jardim, e o ajudante Pedro Gomes Machado;
o do arraial da Anta, o Rev. vigário António Fclix da Mãi de Oeui;
de Meia Ponte, o Rev. Joaquim Gonçalves Dias (loulão, o Rev. Luiz
Gonzaga de Camargo Fleury, e o capitão Jeronymo Rodrigues de Mo-
raes ; de Santa Luzia, o Rev. vigário João Teixeira Alves, e o capitão
Joaquim de Mello ; de Santa Cruz, o capitão António José Teixeira, e
por impedimento de moléstia não compareceu o eleitor seu compa-
nheiro Vicente Miguel da Silva ; do Pilar, o Rev. José lareira Cabral
e João Soares Baptista ; de Cnxás, o Rev. vigário Manoel de Azevedo
e Santos, que também não compareceu, por impedimento de moléstia;
de Trahiras, o capitão João Caetano de Sampaio, e de S. Félix, o ca-
pitão José da Costa Ramos, estando também presentes alguns cidadãos
do clero, nobreza e republicanos, para o lim de assistirem á nomeação,
que pelos referidos eleitores se fizer de presidente, secretario, e cinco
membros do governo provisório, que n'este mesmo acto se vai a pro-
ceder, tendo-se em vista os decretos das c/^rtes de 1" de Setembro de
1821 e 29 de Setembro do mesmo anno, mandados observar pela
carta de lei de 1 de Outubro do dito anno ; e pelos mesmos eleitores
foi feita a eleição de dois escrutadores, c saliiram eleitos por plura*
— 149 -
Empossado o governo^ foi sea primeiro acto deslruir
do coramaodo da força de primeira linha o lenante co-
lidade de votos o capitío João José do Coulo Ouiniârães, e o Kev; Luiz
ÇiOmaga de Camargo Fleury, que tiveram 8 votos, e o capitão José
nodxigues Jardim com 6; correu o escrtJliaio^e sahiu a fãvor do primeiro
com 9 voto® contra 5. Seguindo a eieiçnio do presidente, teve 6 votos
o comtiel Álvaro José Xavier, o Dr* \lanoel António (lalvâo 4, e Kay-
mundo Nonato Uyacinliio ú ; correndo o esenilinio do sp-gundo coni o
terceiro, teve esle 11 votos^ eo segundo à, e entrando o terceiro em
novo e^rutínío com o prínaeiro, o coronel Aívaro Jo&<í Xavier, que
liavía obtido 6 votos, saliiu o mesmo eleito presitlfute do goverfio [>or
pluralidade absoluta de 10 \'otos contra íi; pio&eguindo-se i\ elei<;ào
de secretario do mesmo governo, sahíranj eleitos, o capitão José Ro*
drigtjes Jardim por pluratidade absoluta de 9 vuLos, e procede ndo-se
fmalfnentc á eleição dos cinco membros do governo, teve 7 votos
ftíira 1" merabroo escrivílo det>utado da junta Raymundo Nonato Hya-
cinilio, e ocapilí^o Jorio José do Couto nuiniarries com 3, e correndo o
escrutínio saliiu o dito escrivão d.i junta por ter a seu favor 8 votos
contra 6. Pfira se^ndo membro dy governo sahin eleito o capitão
João José do Couto Cf ai mandes por pluralidade alisoluta de 10 votos.
Para terceiro leve 3 votos o sargenlo-mór Joaquim Alves de Oliveira,
o mesmo numero de votos o capitao^mór Salvador Pedroso de Campos
e os mesmos votos o coronel António E^droso de Aleueastr^, os quites
entrando em sorte para se separar 2 sabiu a favor do capilão-mór
SaJvador, e o sargenlo-mór Oliveira, e correndo o escrutínio entre os
dois sorteados teve 7 votos o dito capitão-mòr, e o dito sargenlo-mor
%^ o qual entrando em segundo escrutínio com Autonio Pedro do Alen-
c as Iro satiiu eleito membro do governo por ter a seu favor pluralidade
atiâoluta de D votos contra 7, que teve o dito Aleocaslro, l^ara quarto
Diembro leve 6 votos o líev, Luiz Gonzaga de Cíimargo Fleury, 3 o
ajudante t^dro Gomes \;achado, e o, mesmo numero o coronel An-
lonío t'edro de AlencEistro, c correndo o escrutínio entre os dois ul-
limos, teve 7 votos o dito Alencastro, e 8 o dito Pedro Gomes, que
entrando em segundo esc ru tini o com o Rev. Luiz Gonzaga, sahiu este
eleito membro do governo por ter lo votos a seu favor contra 4- Para
quinto membro sahiu com 6 votos o capitão ígnacio Soares de Bu-
|htSe«p com 3 l*edro Gomes Machado, e o Hev* ínnocendo Joaquim
Moreira de Carvallio com o dito n. Sj e correndo o escrutinio sobre oa
— 150 —
ronel Luiz da Costa Freire de Freitas, e nomear pan
snbsUtQil-o o tenente António José de Oliveira.
IfSo tendo sido eleitos, como pretendiam, membros do
dois QltioiOB, teve e.voU» o dito Machado, e 9 o padre lanooeneii,
que, entrando em segando escratinio com o capitSo Ignacio Soares de
Bulhões, loi decidido a favor doeste com 11 votos contra 5. E por esti
forma foram o presidente, secretario, e cinco membros do govenw
provisório nas pessoas dos referidos, que sendo publicadas dentro do
paço d'este conselho para os cidadãos que se achavam reunidoe, aoei*
taram a referida nomeação, e logo n*este mesmo acto achando-se pre-
sentes todos os eleitos, á excepção do terceiro membro que reside m
arraial de Meia Ponte, lhes foi apresentado um livro dos Santos Evan-
gelhos pelo presidente doesta camará, o dito alferes Domingos Lopes
Marques Fogaça, no qual pondo suas mãos direitas prestaram o jon-
mento seguinte : « Juramos aos Santos Evangelhos veneração e resptílê
á religião catholica de Roma, obediência ás cortes geraes e consti-
tuintes da nação portd^eza, de observar e manter as leis existenlea,
e tudo o que pelas ditas cortes fòr determinado, afim de manter a
união dos reinos unidos, obediência, adhesão e respeito a el-rei cons-
titucional o Senhor D. João VI, e ao seu augusto filho constitucional o
principe regente do Brasil, por uma maneira legal, e sem prejuizo d'esla
reino do Brasil, assim na conservação do mesmo augusto senhor,
como centro do (loder executivo, como também dos direitos adquiridos
pelos seus habitantes. » E n'este mesmo acto esta camará deu posse
aos sobreditos presidente, secretario, etc, do governo de toda esta
provincía ; deliberando outrosim que se fizesse as devidas i)articipa-
çOes aos chefes das corporações eiveis, niililai-es, e clero, para pres-
tarem juramento em forma de obedecer e guardar tudo quanto pelo
dito governo provisório fòr determinado a bem do serviço nacional,
praticando os ditos chefes coip os seus subordinados o mesmo jura-
mento, devendo o mesmo governo tomar a si as mesmas participações
para os julgados da provjncia. E para constar mandaram lavrar esta
auto, em que se assignaram a camará, o presidente, o secretario, e
mais membros do governo que se achavam presentes, eleitores, e os
cidadãos que assistiram a este acto. Eu José Bento Bueno da Fonseea,
labellião e escrivão da camará, quo o escievi« (Seguem-se as as-
signaluras. )
— 151 —
governo o Dr. Manoel Anlonio Galvão, o coronel An-
tónio Pedro de Alencaslro e o capitão Gabriel Gelulio
Monteiro de Mendonça, despeitados por isto, constitui-
ram-se centro de um pequeno corrilho, que de partido
não merecia as honras, para promoverem a queda do
governo eleito e empolgarem o poder.
Convencido o governo provisório, que se machinava
contra sua existência, demittiu a Galvão das funcções de
juiz de fora, e consliluiu-se em tribunal judiciário, pa-
ra tomar conhecimento dos factos por meio de devassa.
O traslado d*esle celebre procedimento judiciário foi rc-
mettido á corte, e deu lugar ao aviso de í8 de Julho de
1822, que mandava recolher á prisão os três turbulen-
tos c ambiciosos: mas, quando este aviso teve de ser
cumprido em Setembro, nem Galvão nem Alencaslro es-
tavam em Goyaz; Gabriel Gelulio era o único que alli
existia: foi preso c remetlido para a corte.
Em Agosto o governo provisório deu as ordens para
a eleição dos deputados á constituinte, e sahiram eleitos
o padre Silvestre Alves da Silva, natural de Trahiras, e
hoje ainda vigário deJaraguá, o qual foi tomar assen-
to, e o sargento-mór Joaquim Alves de Oliveira, que se
deixou ficar na província como membro do governo pro-
visório.
Vimos a maneira por que foi no norte installado um go-
verno provisório, a cuja frente secollocára o ouvidor da
comarca da Palma, Joaquim Theolonio Segurado.
As vistas do padre Luiz Bartholomêo, promovendo a sua
creação, não eram outras senão a independência do Brasil;
a simples substituição do governo pouca garantia oITerecia
aos principios constilucinnaes, embora o rei jà os tivesse
aceitado e jurado, sem uma mudança radical na adminis-
— 152 —
tração om todos os seus ramos ; a sabida, pois, de Sampaio
era apenas o primeiro embaraço que se removia.
Segurado comprehendeu perfeitamente que este era o
fim á que attingiam os promotores do movimento ; e,aves80
a toda idéa de emancipação politica, frenético apologista
da união dos três reinos, collocou-se á frente do governo
de Cavalcante, para servir à sua causa. Elle mesmo cbegoa
a confessal-o, dizendo que o governo de Cavalcante seria
contra D. Pedro^ se elle aceitasse a coroa do Brasil.
Quando a junta provisória officiava ao secretario de es*
tado, Luiz Pereira Nóbrega de Sousa Coutinho sobre os
negócios do norte, e das apprelicnsões que linha, se expri-
mia assim :
« Cumpre a esta junta ponderar a V. Ex. que, tendo
Joaquim Tbeotonio Segurado, ouvidor da comarca de
S. João das Duas Barras, installado em Setembro do anno
passado um governo provisório em Cavalcante, arraial da
mesma comarca, do qual se fez presidente, transferindo-o
depois para Natividade, fazendo-se nomear deputado às
cortes, partiu para Lisboa pela cidade do Pará, deixando
recommenduda a conservação do mesmo governo, promet-
tendo haver do congresso a sua approvação. Do Pará fez
voltar algumas pessoas que levava corasigo, c novamente
por estas reanimou ao referido governo ; e, não tendo esta
junta certeza de que a província do Pará lenha adherido á
causado Brasil, com justos motivos receia que Segurado,
tendo n*aquella comarca fazendas, mulher e filhos, e sendo
de ura génio ardente e emprehendeJor, senão tenha des-
cuidado de solicitar do congresso lisbonense ordens, para
que do Pará se envie Iropas a apossar-se doeste centro. »
Com a retirada de Segurado, muitos dos seus correligio-
nários politicos, conhecendo que tinham vivido iiludidos,
abandonaram a sua causa,conservdndo-se alguns indecizos;
— 1S1 —
masô apilão Filippe Anionio Cardoso» que parece nlú tet
eslado de inlerro accordo com Segurado, deu uma nova fei-
ção aos negócios do norle,
tfm decreto do governo provisório declarou desmem-
brada de Goyaz a comarca da Palma, e conslilaida em
província independente. A' corte foi mandado um depu-
tado» para fazer constar ao governo central da resolução,
cpie acabavam de tomar. Quasi todos os arraiaes do norte
tinham adlierido a esta separação, mas ninguém confiava
no futuro, embora sentissem a necessidade de semelhante
providencia.
Quando a junta interina de Goyaz ofQcíou à camará da
Palma dando parle do que li n lia havido na capital desde 30
de Dezembro de 1821 até 7 da Janeiro do ânno seguinte, e
a convidou para entrar na communlião, de que estava
separada, teve cm resposta o seguinte officio:
« K Gamara doesta vilta de S. João da Palma e sua co-
marca acaba de receber o oíDcio que por V. Ex, Ilie foi
dirigido com data de 7 de Janeiro do preseníe anno, no
qual nos annuncia a instatlação daeicellentisâima junta ad-
ministrativa d 'essa provi ncia* cujas interessantes noticias
de ha muito desejavam, para com ella manter entre os
povos a paz e a união que deve representar na regeneração
politica da nação- A demora que houve entre os povos
goyanos em sacudirem o jugo que os opprimia» e abraçarem
a nossa causa, fez com que os povos d'esla repartição no es-
paço de tempo que viveram separados conhecessem a ne-
cessidade que tinham de um go verso no centro da sua pro-
víncia pela longitude de mais do 1 'lO léguas que dista d'esla
à essa eapit;d,por cujos princípios se dividiu; e,âssim como
Sua Mageslade mandou fazer a divisão por justiça, lambem
o fazia pelo governo se a capitania tivesse reddilos para
esêe fim ; porém agora que essa despeza deve Gear pela
TOMnnxvni, p. ii. âO
— 154 -
metade, por se dimioairem maítos empregados, que
▼iam tão somente de dar prejaizo à fazeoda real, bojada
naçSo.parece não serem pesados aos po?os os dois gofemos
pela commodídade e felicidade qae d'elles podem resultar e
pela antígaidade do d*esta provinda, não pôde ter lugar a
reunião pretendida por VV. Exs., muito principalmente por
estarem estes negócios affectos a Sua Magestade e ás cortes,
para onde já mandámos o nosso deputado, que sahínno
dia 6 de Janeiro do presente anuo ; e por estes tão rele-
vantes principios não podemos e não devemos dar solucfo
ao officio de VV. Exs. respectivamente aos eleitores da co^
marca para nomeação dos deputados. Esta camará satis-
feita em ver VV.Exs., tão distincto promovendo em tudo
com feliz acerto as red6asd*esse governo, e justificando-se
cada vez mais beneméritos á pátria e á nação, lhes dá
parabéns de tão feliz sucesso, rogando lhes da parte de
Sua Magestade Constitucional, das cortes e do príncipe leaf
hajam de cortar no seu feliz governo os passos que a este
respeito fomentara o ex-general : e entre muitos que ser-
viam tão somente de confundir os povos d*esta repartição,
a fim de os precipitar n'uma guerra civil, foi crear um ou-
vidor no julgado de Trahiras, que sem posse d*esta camará
exercita francamente as funcções do seu ministério, cujo
despotismo devem VV. Exs. cortar, para realisar-se a paz
promeltida. Deus Guarde àV. Ex. Villa de S. JoOo da Palma
em camará 6 de Março de 18i2. — Ilms. e Exms. Srs. da
junta adminislraliva da provi ncia de Goyaz. — Manod An-
tónio Bueno, — Theodorifi António da Silva. — Francisco
da Rocha Bastos. — João Vidal de Attayde. y^
Não durou muito tempo a união entre os membros do
governo do norte ; na falta de um cbefe intelligente, em
breve tempo não havia ordem nas deliberações, unidade
de vistas, harmonia edisciplina em cousa alguma ; os des-
— 1S5 —
coDteDtes jà appareciam em grande numero, e não pou-
cos discutiam a necessidade da união de todos os povos
da provincia sob as vistas protectoras de um só governo
regularmente constituido.
Nem os seus membros, nem o coronel Cardoso tinbam
bastante força e prestigio para serem ouvidos e obedecidos.
Compunha-se então o governo provisório da Palma do te-
nente coronel Pio Pinto de Cerqueira, capitão Lúcio Luiz
Lisboa, tenente José Bernardino de Sena Ferreira, Manoel
Mathias Ferreira, Silvério José de Sousa Rangel, tenente
Joaquim José da Silva, quasi todos influenciados pelos por-
tuguezes João Baptista da Cruz Monte, e António Joaquim
Torres. Descrevamos a situação.
Em poucos mezes lavrava o descontentamento por to-
da parte; a Palma era o foco das maiores desordens e
animosidades. Os antigos chefes declaráram-se contra os
novos, e a camará, intervindo na luta, tomou o parti-
do d'aquelles. N'este foco de intrigas não queria viver o
governo, e por isto transferiu a sede da intHulada pro-
vincia de S. João da Palma, para Natividade. Este arraial
foi elevado ao predicamentodevilla capital; extinguiu-se
o foro civil da Palma, de onde se removeram os archi-
vos. Uma força partiu da Natividade para prender os
vereadores da Palma , que se foram refugiar em Ar-
rayas. Nomeou-se ouvidor o tenente-coronel Pio Pinto
de Cerqueira, sendo destituído Febronio José Vieira, que,
na qualidade de juiz ordinário e presidente da camará,
substituia a vaga deixada pelo fallecimento de João Es-
teves de Brito, ouvidor nomeado por Segurado.
A villa da Palma foi guarnecida com 60 praças. Dos
sete julgados que tinham adherido á causa do norte,
alguns, descontentes, voltavam as vistas para a antiga
capital.
- ISti -
Depois dâ transferencia do governo para Nalividade,
a villa da Palma e o julgado de Arrayas enlenderam tiio
daver prestar obediência a poder algum, A desordem
reinava, pois, na administração, entre o povo, no TòrOt^
na força publica- Os juizes desliluidos conlÍQuavam a
fanccionar conjunctameate cora os novamente nomeados:
alguns julgados obedeciam ao ouvidor Pio , oulros ao
ouvidor Febronio; ninguém sa entendia, e muílo im^
nos os chefes, que suppunham dirigir a &i|uação. k
idóa de uma republica, para cumulo de lodos os males,
pareceu despontar em alguns espirilos exallados.
1» Novembro de 1822 erae^taa feição dos oegocios
no norte de Goyaz, quando o governo provisório julgou
necessário tomar medidas tendentes a cbamar ao grémio
da sociedade goyana essa porção de seus babilantes, des-
vairada por esperanças irrealizáveis, ejà prestes a en-
tregar-s6 à voragem da guerra civil.
O governo provisório ia proceder em excellenle conjun-
ctnra; mas muílo o preoccupava a attilude hostil que
tomavam os povos do Pilar ; a elles, pois, se dirigiu prí*
raeiro, despertando-Ihes os sentimentos de união. Feliz-
mente em pouco tempo o Pilar não causava receioâ : a
calma e os sentimentos de ordem tinham dominado os es*-
pirites,
A. questão da Palma parecia um pouco mais grâve : afim
de chegar a uma solução, o governo provisório reuniu-se
no dia 13 para deliberar, depois de ter ouvido sobre a ma-
téria o padre Luiz Barlbolomèo Marques, tenente AnUmio
Rodrigues Fraga, o cirurgíâo-mòr Bartholomèo Lourenço
da Silva^ coronel Alexandre José Leite de Cliaves e Mello»
sargen to -mór António .rose Ramos Juba, coronel Francisco
Xavier Leite« desembargador António José Alves Masqnil^
— Ia7 -
Pèdfo Gomes Machado» padre Lucas Freire de Àndrada, e
oulros cidadãos respeitáveis por suas luzes e virludes.
Com parecer escriplo de lodos os cidadãos, cujos nomes
ficam mencioaados, e depois de disculidos os pon-
tas da grave questão, que não podia por mais tempo ser
addiadâ^ assentou-se qae o melhor arbilrio era ir ao norte
um dos membros do governo ; e n*essa mesma occasião foi
designado o padre Luiz Gonzaga de Camargo tleury. Era
uma missão de paz e concordiu, que melhormente podia
ser desempenhada por um sacerdtíle. Em il de Novembro
Uie foram dadas as precisas instrucções (91).
(01 J Inslnicçòes dadas ao Padre Luiz, Gonzaga de Camargo
Fleiírj,— Quando au primeiro gtiio de liberdade constilupional
at^uirms das províticms d'csLe reino do Brasil, dc^ivíando^se do «;eu
necessário ceiUro, adlienram ao remo de Portugal » qu^mdo parles
íníegninLes do unia mesma províneia, segundo o eiientplo d*esEa
desunií\o, também se julgaram ct>m direito, a seu arbitriOp de se
desliga rena de suas eapilacs, e assumirem a calejo rm de pro-
vi nciu, espera va-se r[ue o soberano congresso de Lisboa* i Iluminado
e patriolico, pesando em recta balança os direitos doeste reino do
Bnisil, lijsesse que suas províncias e as partes disi^ideotes conver^
gisse m ao seu nece^ssa rio c e n l ro d c re u n i A o : m as sue cesso s pos-
teriores desmasCiírando o maehiaveíico proceder dos demagogos,
qae preponderavam huá cortes de Lisboa Ji/.eram que o Brasil doscon*
tkdo reassumisse os seus direitos; e, possuindo no seu seio o mais
amável dos princípes, o meimo berdeiro da monarehia, depositasse
nas suas reaes màos a sua causa, ebamando-o seu defensor pet'^
petuo* As províncias meridionaes se eolfigam/oos suces^^os desas-
trosas da Babta d^^sperlam as do norte, e quasi lodo o llrasil pro-
damn a sua independência e a defende. Uma assembléa geral já
se convoca no Brasil, tudo annuneia a futura grandeza com que
este império vai tomiir lugar entre as grandes [lar-ues do mundo;
e, quando tadaii as provi neias trabalbani para a causa da un^o, sii
raúya^ contemplaria nn silencio a dis^^idoncia do uma de suas cu-
m»reas ' 0% goyanos deixariam de ser brasileiro* se n4o forcejas-
sem para a faier entrar no seu de^er. E\ pois, fundada n'eslu
— 158 —
Para acompanhal-o em tão importante diligeiíGia fonai
designados o coronel Alexandre José Leite de Cbafes, eo
principíos que a junta pro? ísoria do go? eroo, apoiada em muitas
portarias expedidas pela secretaria de estado dos negócios do reino e
da guerra, e mesmo prefendo a responsabilidade qtielKieímpfte o
decreto do i« de Agosto próximo passado, nomeou o Cxm. e Revm.
Sr. padre JUiiz Gonzaga de Camargo Floury para ir á comarea
de S. João das Duas Barras, outorgando-lhe plenos poderes^para
em nome da mesma junta fazer quanto podesse, par»moTera
dita comarca a abraçar a causa geral do Brasil, e íorlifiear um
ponto no rio Tocantins, que julgou mais conveniente para impe-
dir o ingresso de tropas que possam vir das pro? incias (ciyoc
sentimentos políticos ignoramos). Ajunta do governo da provineía
de Goyaz aproveita esta occasiao para convi.lar os povos d'aquella
comarca a reunirem-se a esta capital, encarregando ao menciona»
do membro de promover esta reuni&o por meio de persuasOei,
providenciando tudo do melhor modo que lhe suggerír o seu dia-
oemimento e patriotismo, o segundo os artigos abaixo Inu-'
oriptos.
!•• Proclamará aos habitantes da comarca de S. JoAo das Doas
Barras, para que abracem a causa geral do Brasil, reconheçam a
aeciamem a S. A. Real como chefe constitucional dos habilaatoa
do Brasil, seu defensor pçrpetuo, o n'ollc chefe do poder exe-
cutivo, prestando juramonlo de o defenderem o a independência
d'es(e reino. 2.^ Fará lodos os esforços para hem forliílcar o pon-
to que julgar convenienlo, para impedir qualquer tropa que de
outras provindas queira entrar para esta com ordem de S.
A. Ileal. 3.^ Pelos arraiaes por onde passar ouvirá aos povos, son-
dando com cautela o espirito dos mesmos, propondo pessoas pan
commandantcs, ou l)omeaI-as inlerinAroonlc,'c dar parte, para se
passara competente portaria, as pessoas que achar mais suflicien-
tes, ou que se mostrarem adherentes á causa do Brasil. 4. o Despa-
chará por si os requerimentos que lhe forem apresentados de ne-
gócios particulares, e sobre os negócios públicos de maior ponde-
ração remeltcrá com o seu parecer a esta junta pelo correio. K*
Recommendará aos commandantes dos arraiaes a effectividade dos
correios, devendo infallivelmente expedir um em cada mez, pela
qual communique a esta junta o progresso dos negocies da sua
\
— 159 —
sargenlo-mórJosé Anlonio Ramos Jubé, auxiliados de uma
escolta de 22 pragas da companhia de dragões e 16 da
de pedestres.
incumbência, e lhe sejam transmiti idas as dclerminaçòes de S.
A. Real, e as noticias da côrtc do Rio do Janeiro, licando o
melhodo estabelecido, taxando certa quantia para o sustento
dos correios, ou dos pedestres, conforme fòr mais conveniente.
6." Promoverá a reunião d'aquella comarca com esta, procurando
que se sujeitem As legitimas auctoridades, tudo por meios brandos
e políticos. 7.0 Communicar^sc-lia com a camará da villa da Pal-
ma. 8.® Depois de conseguida a reunião, apresentará em pr(»jccto
as medidas que lembrar para a felicidade publica, as quaes se-
rão remettidas a esta junta, para a mesma levar á augusta pre-
sença de S. A. Real, conferenciando com a camará, e auctorida-
des d'aquella comarca. 9.° Conseguida a reunião dos povos, de-
morar-se-ba no lugar que parecer mais a propósito, ató que se íirme
a mesma, e se obtenha do S. A. Real as deliberações sobre os
projectos que á sua augusta presença forem levados. ^0.* Mandara
assentar praça de pedestre á aquelles que achar babeis, mandando
fazer as declaraçi^es, que remeticrá por cópia, para se lhes abrir
o competente assento nos livros da vedoria e do quartel, e tam-
bém mandará dar baixa á aquelles que a merecerem, procedendo
as formalidades prescriplâs pela lei. 11.® No caso de precisar de
mais soldados da companhia de dragões, os poderá chamar dos
destacamentos mais vizinhos, supprindo-os com milicianos, c par-
ticipando logo a esta junta, para providenciar. 12.o Em ultimo caso,
e parecendo-lhe indispensável, proclamará em nome de S. A. Real
perdão para todos os individuos que se passaram das compa-
nhias de dragues e pedestres para a tropa crcada por aquelle
illegal governo, logo que se reunam aos seus corpos, e se apresen-
tem nas suas legitimas praças, participando d'esta medida e do seu
resultado a esta junla, para fazer subir ao conhecimento do mesmo
augusto senhor, pedindo a sua real approvaçâo. 13.** Encarregará
ao escripturario da contadoria, José Joaquim de Almeida, nomeado
para as escriplas da fazenda publica, as relativas á secretaria, po-
dendo nos seus impedimeolos chamar algum escrevente hábil,
preferindo alguns dos cadetes e soldados da sua guarnição, cuja
boa conducta seja reconhecida. 14.^ A incompetente applicaçâo dos
— iBO —
Effectivamente no dia 15 de Novembro partiu o padre
Gonzaga cheio de esperanças na sua boa estrella, e confiado
na justiça da causa, que ia advogar.
Por onde seus passos se dirigiram encontraram as melho-
res disposições em favor da uniãi^com a capital; por toda a
parte foi aconselhando os povos a prestarem juramento de
fidelidade ao príncipe regente, que o próprio governo da
Natividade acabava de proclamar regente e defensor per-
petuo do Brasil por insinuação de José Bernardino, que
tinha sido mandado à cõrtc como representante dos inte-
resses da causa do norte.
O coronel Cardoso, que se achava «m Arrayas, rece-
bendo gazetas da Bahia, relatando a marcha que seguiam
dinheiros públicos feita pelo illegal governo oAo servirá de obste*
culo para a união, c só S. A. Real decidirá sobre este objerlo, qoe
deverá ser levado ao seu real conhecimento. 15* SeopoTod't-
quella comarca quizer adherir A causa geralmente abraçada, e
também quizer a reunião da comarca, e fòr por algum individuo
perturbada esla resolução, o fará prender e mandará foraiar^lbe
culpa, para com cila ser remetlido a esta capital, e d*aqui á corte do
Uio de Janeiro. H\° Caso, poróm,se nau queiram reunir osd*aquella
comarca (o que não ú de esperar), se firmará no lugar a que hou-
ver chegado, fazendo por conservar o ponto que houver ganhado,
e esperará a decisão de S. A. Kcal, não se poupando em fazer-lhot
conhecer o estado do Brasil, e o interesse que ao mesmo resulta
da geral união do seus habitantes. 17.» Dará parte a esta junta de
todos os negócios da comarca que merecerem altençáo. Espera
finalmente esla junta que o Exm. membro empregará cm prol da
causa geral do Hrasil e da provincia todos os poderes que lhe são
conferidos, assim no cumprimento do que se acha trnnscripto.
como em todos os casos que occorrerem, providenciando com a
prudência e discernimento que lhe é natural. Goyaz, 11 de Novem-
bro de 1822. — Álcaro José Aarier.—José Hodrigues Jardim. ^Joéo
José do Couío Guimarães, ^ígnacio Soares de Bulhões. — Raymun*
doNonaío Hyacxntho.
— i6Í -
negócios da índepeadêncíã, as remetleu ao club da Nafm-
dade, e sem perda de íempo m dirigiu ã casa do jaif
ordinário , onde re unindo os seus amigos, no dia 1*' de
Jaoeiro de 1823 fei reconhecer a regência do Imperador*
Jà n'esse tempo era conhecido em Arrayas o decreto de
amnyãtiade 18 de Septembro de !82'2, e se sabia que
Gonzaga ia em missão ao norte, e eDContrãra adhesoes
sinceras em Ioda a parte à que chegira.
De Arrayas seguiu o coronel Filippe Anionio Cardoso
para Cavalcante, onde cnconlrou já uma parle da expedi-
ção do padre Gonzaga, que u precedia nas marchas. O
coronel Alexandre alli dispunha os ânimos para o reconhe-
cimento da causa nacional, e juramento da nossa indepen-
dência, acto que de facto teve lugar a 20 de Janeiro. Depois
do acto do Juramento o coronel Cardoso, íasendo-se órgão
da povo requereu e fez assignarum protesto contra a união
à apitai, porque, dizia elte, essa homenagem devia ter
higar, mediante ordem do Imperador, visto como tinha o
goverao da Natividade consultado o minislerio sobre o
seu procedimento.
No dia 20 chegou Gonzaga a Cavalcante, e sabendo do
|)rocediinouto de Cardoso, na forma das snas instrncções
mandou -o prender, e remelter para a capital. Depois d' isto
seguiu para Arrayas, onde soube que jà alli procedia o
ouvidor Febronio á uma devassa contra o club da Natividade
por ordem da camará da Palma, que julgou assim dever
proceder fundando-^e no atiso de li de Novembro de
Í89S (92).
(92) Pela ligoreBa ol)ríg«fâo que tem «slâ camftni de vigiar sobre os
tlemagugos,^ ^innrchistas, seus agenles e enitésarJos, na fÓrma da pdr-
iirift de 11 de Ni>v4?mbro do anuo padsudo, eipedjda pefa secretaria
f «liado, qtie vai remettida a V. S. por eépía, á xwth da qual, pela
ola%âçã0 que lambem llie loca, déve nmndar tavTsr editae^ e i^iroce-
TOMO XXV JUp p. lU 21
— 169 —
Proaegoindo Gonzaga na soa marcha» qne se pôde -. ^Har:-
tríumphal, á21 entrou na Nafmdade» e em principio de
der a uma rigorosa devassa, afim de se conhecer se n^esta oomarea
eilstem pessoas de um partido tSo contrario á vontade de todot os
povos^ que só servem de manchar a honra de tio briosos comaxtios;
e perturbar, a boa paz e união que deve reinar entre todos pela satl^
hi^Ho de termos um imperador que se intitula nosso defensor.... Oqoe*
espera esta camará V. S. cumpra com a exacta promptidio do cos-
tume. Deus guarde. Arrayas em camará, 16 de Fevereiro de ISIS.—
Miguei Esteves de Brito. —Manoel António Bueno. ~ Frnctuoso Banos
Jubé.— J(^ Vidal de Athayde. — Illm. Sr. ouvidor pela lei, Fdntni»
José Vieira Sndré.
Portaria de 11 de Novembro de 1822. — Tendo-se fètianeiÉe
descoberto pelo brioso e leal povo e tropa doesta corte e peloa proon-.
radores geraes, no dia 30 de Outubro, uma facção occulta c tenebron
de furiosos demagogos e anarchistas, contra quem se está devassando
judicialmente, os qoaes para se exaltarem aos mais lucrativos i
gOB do Estado, sobre as ruínas do throno imperial, ousam, (
com o maior machiavelismo calumniar a indubitável constitudoMl*;
d|ide do nosso augusto imperador e dos seus mais fieis ministros, iir
cutíndo nos cidadãos incautos mal fundados receios do velho deqy-
tismo, que nunca mais tornará, os mesmos que com a maior peHlília
se serviam das mais baixas e nojentas adulações para pretendefcm
illudir a vigilância de Sua Magestade Imperial e do governo ; e, con-
stando ter sido um dos prévios cuidados dos solapados demagogos pr
nhar partidários em todas as províncias, para o que espalhavam emis-
saríos que abusassem do zèlo que ellas devem ter pela sua liberdade
constitucional, liberdade que Sua Magestade imperial tantas vezes juros,
e que tanto tem promovido com todas as suas forças, como é patente
ao mundo inteiro ; tendo já o mesmo augusto senhor conhecido os
traidores e seus perversos e manhosos desígnios com que se propo-'
nham plantar e semear desordens^ susto e anarchia, abalando igoal-
mente a reputação do governo que, rompendo assim o sagrado élo qoe
deve unir todas as províncias doeste grandioso império ao seu centro
natural e commum união, d^onde somente lhe pôde provir força, pros-
peridade e gloria : manda pela secretaria doestado dos negócios doim-
perio que os governos e camarás das provincias, a quem esta fòr expe-
dida, mandem sem perda de tempo vigiar e descobrir.com todo :o
— lea —
Abri! o Club estâva dissolvido* A sua missão tinha concluído,
e para maior desengano dos apóstolos da desunião José
Bernardino Toltava da côrle» sendo portador da Leruiinante
portaria de i3 de Junho de 1823, que desapprovava a ins-
tallação do governo provisório da Natividade, e seus actos
subsequentes (93;.
Em 23 de Abril de 1823 congratulava -se cooi a provín-
cia o governo de Goyaz, por ter-se realizado a união dos
esmero e actividade quaesqfuer ramificações doeste infernal partido,
indagando quaes sejam seus emissarioi; |>or meio da mais rigoroM de-
vassa, e logo que cslejam siiíricientemeíile illust radas a este r*3íip€itô,
tomem immfid ia lamente com cautela e energia todas e qoaeaquer pro-
videncias qne exigir a p;iz e socego da provinda o a sa!va^-Io do Es*
tado, islo debaixo da mais rigorosa responsabilidade ao imperador e á
oaçâo, c de todo o seu justo procedimento darào conta pela compe-
tente secretaria distado, para subir tndo á augusta presença de Sua
Magestade o rniper-idor. Palácio do Rio de Janeiro, 11 de Novembro
de 1822.'— Josí* Bonifácio de A^idrada e StVra,
^a devassa tirada pelo ouvidor Febronio foram pronunciados o
teuenle-coríiDel lio Pinto de Cerqueira, capitão FiHppe António Car-
doso, o alferes António Joaquim Ferraz, o capitão Jo^o Daplista da
Cnu MoiHe, Silvério José da Silva RangeU ^ tenente José líernardíno
de Senníi Ferreira, o capitão Lúcio Luiz Lisboft, o tenente Joaquim José
da Silva e Vfanoel Matliéos Ferreira,
(93) iloyanosí Está firmada a nossa integridade e representação po-
titicn : dií3$olveram-se as nuvens que ofusca vam a nossa gloria : cahiram
m barreiras, que entre nos e nossos irmàos linba levantado a mais
ítti^vidd fdaucia, e sustentara o macbiavclijãmo ; rasgou-se a venda e
já boje os goyantfò e polmenses formam uma sú família. Já a eslrelk
que no invejado estandarte ílesi^^tia a nossa provincta brilha em toda
a plenitude da sua iwil Sem ver ter-se uma sij gota de sangue goyano
e palme use reunlram-se e de mãos dadas, só eucíiram como inimigos
os iuinngOB de Pedr0f« e da causa nacional ^ e da independência, que
é o paládio da nossa gloria, O monstro que soprava o facho da discór-
dia, raordendo-se de raiva, precípitou-se no Averno I e a doce paz*
que espavorida havia fugido dm nossos lares, voltou saudosa a espa-
— I6Í —
poTôs, iêm qtie para isto tivesse sidí5 predso ierramar"
uma sò gola de saogoe (94).
Finda a soa commíssao, voltou á capital o padre Goo-
zaga em Dezembro de 1823, e para mais consolidar a
obra da udíIo foi mandado ao norte o brigadeiro Cu-
nha MattoSj que acabava de chegará provincia oaqoa-
I idade de commandante das armas. Façamos agora mu
pequeno retrocesso.
Ihtf DO noisso semblante o riso e a alegria. Ob praierl oh glciríi! E a
que devemos tanta venliira senão á eíDcacLa d^esaas grandes púãv
como é para bem de UkIos, dizei ao povo qu^ tko?— Paiavras do<
qm a Providencia, que eobre- nós vigia^ proferiu pelo di^io d^esie
heróe, que do.s dossos cDrnçdes impera. Viva o impêrajdorl Tii^a
fousULuiçãoí Viva a indej^endencía 1 Viva a uníilo do povo goiano í
Gofai, 25 de Abril de 1S23*— ÂMignada a juntau
(94) Tendo subido A augusta presença de Sua Mageslade o ioipfr»
rador m representações que llie tém sido dirigidas por pnrie do ^
vemo e arraial da IVatividade, díi província de floyaz, parUcipando nlo
B& as razões principaes que deram origem á insLalláç^o d*aquelle ^
verno, mas também os seus procedímeulos relativas á conservaçi» di
tranqoillidade publica € as necessárias queixas contra o antigo flK
venio da província. O mesmo senhor, em resposta aos sobredilot dÊ-
cios, manda pela secreta ri a doestado rios negócios do império dâ
ao mencionada gavcrno^ para sua intelligencia, que o^ se i
spprovar gemelhanle installação e mais actos subsequentes, nlo por-
que julgue que os indivíduos de que se compõe o dito governo aejtm
destituídos de sentimentos patrióticos e honrados como Heis brasilei-
ros, mas por ser a dita instai laçâo contraria ás leis, que probibcm
multiplicidade de governo em uma s6 província, íicando na certesa de
que, achando^se actualmente a assembléa geral constitotnte e letltli*
Uva discutindo a proposta da organisação dos governos pmvtQciM
doeste império, brevemente serão transmíttidas as ordens ronvenienics
sobre o que a mesma assembléa deliberar a este respeito, tendo |
muito recoDimendado a união e tranquillida9e doi [lovos^ para i
muito contribue o exemplo da prompta e exacta execução das leíi e
ordens do mesmo augusto senhor. Palácio do Hio de Janeiro^ 33 4e
JuxLbo de 1820.^/of(f Bonifácio âc Andrada e Silva,
— 165 —
A' 2S de NoTemI)ro de 18â2se soube em Goyâzque
o Sr. D. Pedro T tinha sido aíxlaraado imperador do
I Brasil em 12 de Outubro, O coalea lamento foi geral-
Nas Doites de íá6, %1 e 2^ esteve a cidade illamioada,
e no ultimo dia canlou-se na caihedral um solemne ÍV
límm em acção de graças. A junta do governo provisó-
rio deu coubecimenlo ao publico do facto i que motiva-
i va tantos regosijos (95), ©, depois de levar ao tíirono im-
perial seus votós de obediência em nome do povo goja-
Qo, marcou o dia tG de Dezembro para o juramento da
independência e acelamação do imperador conslitucíonal,
e o dia l"" de Janeiro de i823 afim de ter lugar o mes*
mo juramento aos demais disirictos, e a solemne recla-
mação na capital*
10 dia 16 de Bexembro amanheceu cheio de galas pa-
ra a capital de Goyaz, Jurada a independência, tomou
ajunta e o povo o laço bicolor. Seguiram-se as festas of-
ficiaes do costume, e as que o povo sabe idear em suas
■ maoifestações de patriotismo-
I
{95} Honrados goyanoâ \ Eiultaí de prazer \ O nosso r^íno foi ele-
vado ao ultimo gráo de preeminência^ quando os inimigos da Dossa
ventura lettUvam reduiíl-ct a colónia. Brasileiros^ o nosso nome vai
ser glorioso nos annaes da Liislona* Km Eelra^ de ouro será gravado u
dia ri de Outubro ; iiVlIe foi que o afortunado Colombo avistou o solo
<[ue pisamos, n^este díâ acclamado o primeiro imperador constitucio-
nal do Brasil e sen perpetuo defensor o Senhor D. I^dro deAlcanlara,
o lieróe da nagão, o modelo dos príncipes, o exemplo do libera-
lismo, Pedro o grande ! Brasileiros 1 A nossa felicidade é certa, a as-
iÊmfatéa nos dará lets sabias^ e o oosso imperador dispensará fraça^^
coníonne os merecinieiUos, elouvor€3aos que marcíiarem firmes pelo
caminho da honra. O nosso imperador não duvida perdoar aos que
pretenderam romper os laços da nossa união, e arrependidos abraçam
a nossa causa: vede o decreto de 48 do inest de Setembro! Brasilei-
ros, sejaiijos unidos, porque seremos fortes. Viva o imperador, etc,
Gofaz, 26 de Novembro de 1S22,— Assígntda a Junta.
— 160 —
Se as festas de 16 de Dezembro foram solemnes, as
de 1** de Janeiro foram as maiores de que ha notícia
na província. Te-Deum, grande parada, bailes, folguedos
populares, illuminações publicas prolongaram o regosijo
até o dia 6.
O anuo de í823 correu plácido e sereno para a causa
publica; acontecimento algum veiu perturbar a harmo-
nia que reinava entre os povos.
Em 20 de Maio de 18*24 recebeu a junta o projecto
de constituição, e immediatamente expediu as precisas
ordens ; afim de que no dia 22 todas as auctoridades e
chefes das corporações concorressem à camará, para pres-
tarem o devido juramento.
Pelas 10 horas d'esse dia a junta, acompanhada do
funccionalismo, se dirigiu aos paços do conselho, on-
de solemnemente jurou-se manter e guardar como cons-
tituição do império o projeto de U de Dezembro de
1823, offerecido por S. M. o Imperador; e de tudo se la-
vrou a competente acta.
Depois de prestado o juramento, encaminharam-se todos
[)ara a ciiUiedral, afim de renderem gr<iças ao Todo Po-
deroso pelos benefícios que outorgava ao Brasil em favor
<la felicidade de seu povo. Ao sahirem do templo, o corpo
do governo dirigiu-se á praça, e ein presença da tropa o
soo presidente proferiu o seguinte discurso :
«< (^amaradas! Acabamos de jurar a constituição politica
do império; cila é a base em que vai erigir-se a nação
brasileira: ella vai firmar a nossa independência e a
nossa felicidade. Este passo era necessário, para sermos
pelas nações cultas reconhecidos como nação livre e inde-
pendente. O dia 25 de Março foi o em que o nosso
au gusto monarcha a jurou na capital do império : hoje
- 167 —
na de Goyazj aramos respeitar e guardar a mesma cons-
tituição. E vós, camarada?, jurais o mesmo? Viva a
nossa santa religião I Viva o Senhor D. Pedro I, impera-
dor constitucional e defensor perpetuo do Brasil I Viva a
constituição I Viva a independência ! Goyaz 22 de Maio
de 1824. — Álvaro José Xavier. »
Encerramos os acontecimentos de 1824 com o acto do
juramento e posse do Dr. Caetano Maria Lopes Gama
(hoje visconde de Maranguape) do cargo de presidente
de Goyaz. Nomeado em 25 de Novembro de 1824, em
14 de Setembro do anno seguinte assumiu as rédeas da
administração.
Desde essa época entrou a província em um novo re-
gimen administrativo, sob os princípios líberaes consa-
grados na constituição que nos outorgou o magnânimo
fundador do império.
FIM.
TYP. DE PINHEiaO Òi C*, RUA SETE DE SETEMBRO N. 465.
REVISTA TRIMENSAL
DO
INSTITUTO HISTÓRICO
GEOGRAPHICO, E ETHNOGRÂPHICO DO BRASIL
Ú* TRIMESTRE DE 1865
ORIGEM E DESENVOLVIMENTO
DA
IMPRENSA
NO
RIO DE JANEIRO
PELO
DB. MOREIRA DE AZEVEDO
Foi durante o governo do beneflco, prudente e zeloso
Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadella, que appa-
receu no Rio de Janeiro a primeira typographia.
Havia sido creada n'osta cidade em 1736 a Academia dos
Felizes, associação protegida por Gomes Freire de Andra-
de, celebrando a sua primeira sessão com trinta académi-
cos, no palácio do governador, no dia 6 de Maio d'a-
quelle anno. N'aquell:i épocha residiam os governadores na
casa occupada actualmente pelo correio geral.
Do seio da Academia dos Felizes .partiu a idéa daorga-
nisaçâo da Academia dos Selectos, inaugurada no palácio
do conde de Bobadella em 30 de Janeiro de 1752.
N'essa era jà occupava o conde de Bobadella o pala-
TOMOXXII, P. II. 22
— 170 —
cio que, pouco mais de meio século depois» devia re-
ceber uma família de reis.
Parece que o único Sm d'aquella associação foi cndeo-
sar o capitlo-general Gomes Freire, visto como o que
legou à posteridade foram pomposos elogios àquelle habil
servidor do Estado. Mas, seja qual fôrojuizoque se faça
d'aquella associação, devemos rL'conhecer que, creando-a,
prestou Freire de Andrade bons serviços às letras. Trans-
formando Richelieu a humilde sociedade de Valentim Con-
cart em academia de França, encarregou a alguns escrip-
tores de tecer-lhe elogios, porém não se nega por isso o
serviço prestado às letras por aquelle ministro creando
tão famosa associação. Se foi, pois, por desejar respirar
os perfumes da gloria que o conde de Bobadella es-
tabeleceu a Academia dos Felizes, e di^pois a dos Selectos,
todavia concorreu elle d'esse modo para o progresso e
civilisação de uma cidade que vivia oc culta sob o véo da
ignorância.
Era o Cí»nde de Bobadella tão zeloso pr olector das letras,
que tornava-se pai dos jovens talenlDsos ; animava-os,
araparava-os na vida dilTiGil e árdua do esludo. Porsua
protecção pô:le José Basílio da (lania entrar para o semi-
nário de S. José, e foi o braço forte e imponente d*esse fi-
dalgo que conduziu à Europa o poeta brasileiro, que là
foi tornar mais sonora e instructiva asna lyra.
D'esse pequeno movimento litlerario excitado por Boba-
della partiu a idéa da creação de uma typographia. An-
tónio Isidoro da Fonseca estabeleceu uma ollicina typo-
graphica, e n'essa oíDcina se imprimiram os folhetos se-
guintes :
1.** Relação da entrada que fez o Exm. e Rev. Sr.
D, Frei António do Desterro Malheiros, bispo do Rio de
Janeiro, em o primeiro dia do anno de 1747, havendo
171
sido seis annos bispo do Heino d^AngoU, d'ODde por
nomeação de Sua Mageslatle a bulia pontifieia foi pro-
inoviílo para esta diocese. Composta pelo Dr, Luiz
Aulonio Rousado da Cunha, juiz de fora e provedor dos
defnatos e ausentes, capellas e resíduos do Rio de Janeiro,
na segunda ofljcíiia de Aotonio Isidoro da Fonseca. Anno
de 1747. Com licença do Sr. bispo, em 4% 20 pag. numera-
das, â excepção das licenças, que occupam duas,
2.' Em apphiuso do Exm. e Revm* Sr. D* Frei Anlo-
nio do Desterro Malheiros, digníssimo bispo desta cidade.
Romance heróico in folio*
Esle folheto nao tnencíona a data nem alugar da im
pressão.
3." C^llecção de onze epigrammas e um soneto, aquelles
em latira oeste em portut;aez, sobre idêntico assumpto*
Nào vem também declarada n'este folheto nem a data,
nem a ofBcina d'onde sahiu, porém, comparado o lypo e o
papel com o do primeiro folheto, se reconhece que tanto
esse opúsculo como o segundo foram impressos nu
mesmo estabelecimento* Accrcsce que, apparecendo estes
êsertptos na mesma occasiao, sendo consagrados ao mesmo
individuo, se um d*elles foi impresso aqui, é claro que
os outros também foram.
Eslas compnsiçõtís, mui raras hoje, são apreciáveis por
serem o primeiro trabalho typograpbico feito no Rio de
Janeiro, monumentos que provam a existência da pri-
meira oflicina typographica d'esLa cidade e talvez do
Brasil
Ha suspeitas que sabiu d'essa ofScina a impressão
cia n destina das obras : Exame de ArliUíeiros e Exame
de Bombeiros, escriptas pelo tenente de mestre de campo
general José Fernandes Pinto Alpoim e dedicadas ao sar-
— 172 —
geoto-mór de batalhas o capilão general do Rio de Jaoeiro
e Minas Gomes Freire de Andrade.
Na ohr^ Exéitne de Artilheiros vem indicada a impressão
em Lisboa na oflicinade José António Plates em 1744. E' em
4* pequeno, tem 239 paginas. Apezar de trazer todas as
licenças do santo officio, do ordinário e do paço» foi man-
dada recolher por carta régia de 15 de Julho de 1744 ao
corregedor d'Airama de Lisboa, sob o pretexto de não se
cumprir n'ella com a pragmática relativa aos tratamentos.
A obra Exame de Bombeiros corre como impressa em
Madrid na oíTicina de Martinezabad em 1748. E' em 4** com
4V4 paginas, 18 estampas e o retrato de Gomes Freire
de Andrade gravado por José Francisco Chaves.
Comparado o typo de aml)as vè-se que é igual ou mui
semelhante, que ha uniformidade nos frontispicíos d'csses
livros, notando-se em ambos',escriptos com tinta encarnada,
o nome do autor, do individuo a quem é dedicada a obra,
o lugar da impressão, o anno, ele. C deve causar reparo
esta uniformidade em obras que se dizem impressas em
paizes diversos, visto como, examinando nós diversas obras
d*aquelle tempo publicadas no mesmo anno, em diversas
typographias, não encontrámos a mesma semelhança. Exa-
minadas as cartas dirigidas ao autor, e que precedem ao
texto da obra Exame de Bombeiros, vê-se uma carta do
brigadeiro José da Silva Pars escripla no Rio de Janeiro
em 15 de Julho de 1747, e comparada esta dÀta com a do
livro deve causar algum reparo o ter sido feita a impressão
em Madrid alguns mezes depois. Accresce qui», sendo o livro
impresso em Madrid, o gravador do rdralo de Gom *s Freire
foi José Francisco Chaves, nome que parece ser de artista
portuguez. Ainda mais. Vem errado o nome do impressor,
pois em vez dos nomds Marti nez Abad está escripto
Martinezabad como se fosse um nome só.
— 173 —
E nlô deve causar reparo o nâo tar o alíbade Diogo
Barbosa M.iòtiLido noticia da impressão d'essa obra, des-
creveiifio-a como íiiaiiuscripla no lomo 4,* da Bi-
bliolheca Lusitma, impresso cm 17591 <« Alem de que,
diz o Sr* l)v. Cónego Fernandes Pinheiro, purmilliria o
Símlo oflicio que um livro revestido das necessárias liconças
tosm impresso em reino eslrangeiro e fóni das suas vislast »
Explica-se a fraude d^essas impressões empregada pelo
typograidio Isidoro da Fonseca aUendeiiilo-se que havia
sido mal recebida em Lisboa a noticia da concessão de
Gomes Freire de tístabtílecer-se aquotia ollicina no Rio de
Janeiro, De feito durou pouco a officina de Isidoro da
Fonseca ; mandou a còrlLi aboHl-a e queimal-a para não
propagar iJéas que podiam ser contrarias ao interesso do
Estado 1
Não convinha a Portugal que houvesse civilisacao no
Brasil ; desejando c*inservar 4'ssa colónia alada ao seu
domínio, náo queria arrancal-adas trevag e da ignorância»
O alvará de 5 de Janeiro ile Í785, referendado por Marti-
nho de Mello, ministro da rainha a Sra, TK Maria I, mandou
extinguir no Brasil as fabricas e manufacturíts de ouro,
prata, seda e algodão a pretexto de haver em Portugal
iguaes estabelecimentus ; seriam os infractores condem-
nados à pena do moedeiros falsos, tuiitava-se a pfditiea
delord Chatam, que opinava nao se permittisse nas co-
lónias inglezas da America nem uma fabrica»
Damelrupole nos veiu a lei urdenando que todo vassallo
portuguez que possuísse mais de uraa fortuna mediana fossô
reenviado para PortugaL
Quem se animaria pois a abraçar qualquer industria no
Brasil ; quem se esforçaria por adquirir fortuna tendo de
ficar sujeito a residir onde ordenasse o governo?
O que conseguia algum capital tratava de occulta-lo, não
— ITi _
emprehendia construcções, não se utilisava conveniente-
monte (Io dinheiro, nâo o empregava em beneficio do paiz,
receandu-se do governo, que lolliia a liberdade industríait
e chegava a querer contar as moedas que cada cidadão
trazia na carteira !
Ninguém seguiu o exemplo de Isidoro da Fonseca, tendo
sido extincta a arte de Gultemberg na terra de Santa Cruz
pela fogueira do despotismo ; todos se receavam de ver
arder suas casas se ousassem servir-se de typos da im-
prensa.
Passado o governo sombrio do conde da Cunha veiu o
vice-reihado do marquez de Lavr.idio, que soube unir o
poder com a ternura e a justiça com a humanidade.
A pedi lo de seu medico o Dr José Henrique de Paiva,
creou o marquez de Lavradio uma academia scienlifica,
que celebrou a primeira sessão em 18 de Fevereiro de
1772, no palácio do vice-rei,em presença d'este e de muitas
pessoas gradas Foi o Dr. José Henrique de Paiva o primeiro
presidente da academia scientiíica do llio de Janeiro e Luiz
Borges Salsj[a(Io o primeiro secretario.
\vanlaja(los serviços prestou esta associíição ás sciencias
n.ilnraes ■-:. á agricultura ; tornou mais conhecidas na Eu-
ropa as plantas do Brasil, e conlribuiu para a cultura do
anil, cacáo, coxonillia o de outros productos.
Korani publicados em Lisboa pelo ouvidor de Paranaguá
Maniíel Taviues de Siqueira o bá os trabalhos d'esla asso-
ciação
José Basilio da Gama e Manoel Ignacio da Silva Alvarenga,
com o auxilio do vice-rei e a protecção do bispo D. José
Joaquim JustiniiiU) Mascarenhas Castello Branco, organisa-
rain um a nova sociedade modelada pela arcádia de Roma,
altrahindo a seu grémio todos os indivíduos instruídos do
Brasil.
— ns —
Além de Basílio da Gama e Silva Alvarenga foram mem-
bros disliticlos da nova academia denominada Arcádia
Ultramarina os seguintes : Bartholomêo António Cordovil,
Domingos Vidal Barbosa, João Pereira da Silva, Balthasar
da Silva Lisboa, Ignacio de Andrade Souto Maior Rendon,
Manoel de Arruda Camará, José Ferreira Cardoso, José
Marianno da Conceição Velloso e Domingos Caldas Barbosa.
No feliz governo de Luiz de Vasconcellos e Sousa en-
contraram os poetas e litteratos a mesma liberalidade e
protecção de que haviam gozado no vice-reinado de Lavra-
dio. Houve então no Rio de Janeiro uma épocha de enthu-
'siasrao e esperança ; animado o vice-r<íi Vasconcellos pelos
sábios e litteratos creou a casa dos Passaros,que trinta annos
mais tarde tornou-se o primeiro musêo do Rio de Janeiro ;
assistiu em 178i á inauguração da aula de rethorica e poé-
tica de Manoel Ignacio da Silva Alvarenga, poeta que
começou a introduzir no Brasil o gosto da boa litteralura ;
tt Talvez, diz o cónego Januário, que sem os esforços e
lições de Manoel Ignacio não tivessem apparecido nas
cadeiras sagradas do Rio de Janeiro os Frias, os Rodova-
lhos, os S. Carlos, os Sampaios, os Ferreiras de Azevedo,
os Oliveiras, os Alvernes e outros pregadores de nomeada,
que, deixando os hábitos da antiga escola, abriram carreira
luminosa aos que annunciam com mais dignidade e eíDcacia
as doutrinas da nossa santa religião.» Por serem suase^tas
palavras excluiu-se o cónego Januário da Cunha Barbosa do
numero d'aqut)lles oradores.
Favoríceu Vasconcelos as pesquizas de botânica de
Frei Velloso, autor da Flora Fluminense^ cuja impressão
ficou concluida em 18i3 pelo desvelo e protecção do pri-
meiro Imperador do Brasil.
Das mãos benéficas do Luiz de Vasconcellos passaram as
rédeas do governo para as do violento e severo conde de
— 176 -
Rezende. Temendo a influencia dos homens intelligentes, e
tendo desconfiança e receio das academias e associações lit-
terarias, dissi»Iveu o vice-rei em 1 794 a academia creada no
tempo do governo de Lavradio, mandando recolher à prisão
os principacs membros, enlre outros a Manoel Ignacio e
a Marianno José Pereira da Fonseca, que se conservaram
encarcerados longo lempo sem haver processo, nem pro-
vas de delicio.
Uma ordem régia restituiu a liberdade às victimas da
prepotência do vice-rei. Mas o terror abafara as vozes de
todos, aniquilara as aspirações, produzira desconfiança,
inquietação e tristeza ; era necessário esperar tempos mais
felizes, de menos fanatismo o superstição, em que o pen-
samento se podesse erguer e produzir o que fosse nobre e
ulil.
Napoleão o Magno, que agitou os povos, que qni:^ firmar
seu estandarte em todas as capitães e formar do mundo
um império para si e para os seus, tratou de conquistar
Portugal, o que obrigou a corte portugueza a abrigar-se
nas torras do Brasil. Começou então uma nova épocha para
a colónia porlugiieza cia America ; foram abertos seus
portos is nações do mundo, fic(»u estabelecida a liberdade
de cominercio e <le industria, tornou-se a colónia sede da
monarchia, e d'ella deviam partir as lȒis pari ovt^lho
Portugal. Para consolidar o seu poder na America deu a
casa de Bragança nova organisação á antiga colónia ; crea-
ram-se diversas instituições, tribunacs, estabelecimen-
tos úteis, academias, miigislratnras. exercito e mari-
nha. Em 1808, no mesmo anno em que se franqueavam
os portos do Brasil ao commercio das nações, cm que se
creava uma cadeira [)ublica de scioncia económica no Rio
de Janeiro, o conselho supremo militar, o archivo militar,
a mesa do desembargo do paço e da consciência e ordens,
— 177 -
areal academia de guardas marinhas, a fabrica da pólvora,
o erário régio, o conselho da fazenda, a real junla do
commercio, q banco do Brasil e a escola aaalomica, ci-
rúrgica e meílica. se estabeleceu a imprensa régia por
decreto de 13 de Maio.. Eis as palavras dodocrelo :
ít Tendo-me constado que os prelos, que se acliam n*esta
capilal, eram os destinados para a secretaria de estado dus
negócios estrangeiros e da guerra, e attendeodo á ne-
cessidade que ha da oJHcina de impressão iVesles meus
Estados, sou servido que a casa onde elles se estahtie-
ceram, sirva interinamente de imprensa régia, onde se
imprimam exclusivamente toda a legislação e papeis diplo-
máticos que emanarem de qualquer reparlição do meu
real servifo, e se possam imprimir todas e quaesquer
outras obras, Geando interinamente pertencendo o sen
governo e a administração à mesma secretaria. D. Ro-
drigo de Sousa Coutinho, do meu conselho de estado,
ministro e secretario de estado dos negócios estrangeiros
e da guerra, o tenha assim entendido, e procurará dar ao
emprego da oJBcina a maior extensão, e lhe dará Iodas as
inslrucções e ordens necessárias, e participará a este
respeilo a todas as estações o que mais convier ao meu real
serviro. Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de Maio de Í808.
tt Com a rubrica do Principe Regente Nosso Senhor. "
E* o nome de D- Rodrigo de Sousa Continho, depois
conde de Linhares, que apparece no decreto creando no
Brasil a imprensa régia. Foi o conde de Linhares o único
homem da corte de D, João VI que comprehendeu as
necessidades do Brasil. Vencendo as idéas mesquinhas de
outros fidalgos, foi ellequem iniciou as medidas mais con-
venientes, quem inspirou as melliores |n'ovidencÍas de-
cretadas pelo príncipe regente. Mas pouco viveu no Brasil
o babil estadista; fallec-eu em S6 de Janeiro de 1812.
TOMO XXIX, p. 11. 23
— 178 -
Foi estabelecida a imprensa régia no paTimento térreo
do prédio occupado actualmenle pela secretaria da jus-
tiça, servindo Q'aquella épocha de morada ao conde da
Barca. Para administrar a oílicina lypographica Toí creada
uma junta directoria, composta do desembai^ador José
Bernardes de Castro, José da Silva Lisboa, depois vis-
conde de Cayríi, Marianno José Pereira da Fonseca, de-
pois marquez de Maricá, Silvestre Pinheiro Ferreira, Ma-
noel Ferreira de Araújo Guimarães e do couego Francisco
Vieira Goulart ; recebendo cada membro da junta duzentos
e quarenta mil réis de ordenado, tendo, porém, o the-
soureiro, que era Marianno José Pereira da Fonseca,
mais cem mil réis. Na vaga d'este entrou José Saturnino da
Costa Pereira, que, como revisor de provas» recebia,
além do ordenado, uma gratificação.
Em to de Setembro dè 1808 appareceu o periódico Ga-
zeía do Rio, impresso por ordamdo governo.
Foi o primeiro periódico publicado no Brasil ; era em
V e sabia às quartas e sabbados; a principio Toi re-
digido por frei Tiburcio José da Rocha, depois pelo co-
ronel Manoel Ferreira de Araújo Guimarães, e na vaga
d*esle pelo cónego Francisco Vieira Goulart. Publicava a
Gazeia do Rio os aclos, decisões e ordens do governo, a
noticia dos dias natalicios da familia real e das festas da
còrle, os acontecimentos principues da guerra que Na-
poleão fazia a Portugal, e odes e panegyricos ás pessoas
roaes.
Receava se o governo da imprensa, e por isso man-
dava publicar só o que lhe convinha. Fallando Armitage
d'esta gazeta exprime-se assim : vi Não se inanchavam essas
pagin;is com as elTervescencias da democracia, comaex-
piV!U(ão de aggravos. \ julgar-se do Brasil pelo seu único
— 179 -
periódico* devia ser considerado como om paraíso terres-
ire, onde nuncã se linha expressado um só queixume,!»
Não havia, pois, liberdade de imprensa ; quem desejava
imprimir qualquer mauuscriplo o apresentava anies com
um requerimcnlo ajunta directoria, e sò depois do despa-
cho ò que o podia imprimir ; se ú manuseripto dizia res-
peito à religião j á legislação, ou à politica, era ajunta au-
lorisada a manda-lo revur por pessoas de profissão compe-
tente, dirigindo-lhes para esse eflfeito officioemnomede
Sua Alteza Real, e exigindo o seu juizo eapprovaçfio por
escripto, à vista da qual se mandava imprimir com as cor-
recções necessárias, precedendo licença da secretariada
estado.
A real oflQcina lypographica recebia aprendizes, que en-
travam ganhando cento e sessenta réis diários ; no fim de
seis mezes era elevado o salário a duzentos e quarenta réis,
e DO fim de um anno a quatrocentos réis ; o aprendiz, que
não dava nem uma Tal ta na semana, tinha uma grati-
ficação.
Depois de permanecer algum tempo nas casas da ma
do Passeio, foi mudada a imprensa régia para a rua dos
Barbo nos, occu pando a casa próxima ao hospicio de Jeru-
salém; e um dos membros da junta directoria, o desem-
barçador José Bernardes de Castro, para residir perto da
oíBcina, foi habitar em um sobrado da rua das Marrecas,
tendo residido até anlao em uma casa da rua da Ajuda,
onde se imprimiam as bulias da Santa Cruzada.
Junto à imprensa régia havia uma olBci na de cartas de
jogar pertencente a Jayme Mendes de Vâscoucellos, sendo
mais tarde incorporada á frizenda nacional
Possuia a oficina lypographica uma fundição de typos, e
para se melhorar esse trabalho foi enviado a Europa um
pensionista do Estado,que, estudando a arte de fundir typos,
— 180 —
voltou mestre ; mas, como lhe qnizeram dar am ordenado
mesquinho, não sujeitou-se ao trabalho, e retirando para
Lisboa estabeleceu là uma oflicina de fundição.
A provisão de 14 de Outubro de 1808 ordenou aos jui-
zes das aliandegas que não admittissem a despacho li-
vros ou papeis alguns impressos sem que lhes fosse apre-
sentada a competente licença do desembargo do paço, ao
qual deveriam enviar uma relação de quantos entrassem e
sahissem das alfandegas.
Tal era o receio que o governo tinha da imprensa, que o
intendente geral da policia Paulo Fernandes Vianna man-
dou affixar o edital de 3a de Maio de 1809, em que decla-
rava que, importando muito á vigilância da policia que
chegassem ao seu conhecimento todos os avisos, annun-
cios e noticias dos livros e obras que existiam à venda, es-
trangeiras ou nacionaes, proliibia d'ahi por diante que se
publicassem os sobreditos annuncios, avisos e noticias,
sem que fossem vistos, examinados e precisamente ap-
provados, sob pena de prisão e multa pecuniária, além
das mais que impõem as leis aos que procuram quebran-
tar a segurança publica, qualquer que fosse a nacionali-
dade dos criminosos. Ordenou ainda que uma inquirição
ficasse aberta para que se admittissem em segredo as
denuncias, e se conhecessem e punissem os transgressores
das suas ordens.
Não havendo liberdade de imprensa no Rio de Janeiro,
existindo uma única lypographia, e sendo por isso difficil
a impressão de qualquer periódico, recorreu-se ao expe
diente de fazer apparecer essas publicações em paizes es-
trangeiros. Começou a publicar-se em Londres em 1808
o Correio Brasiliense e em 1811 appareceu n'aquella capi-
tal o Investigador Portugucz, periódicos que foram franca-
mente admitlidos no Brasil e até indirectamente protegi-
- 18! -^
dos por el-reip que os lia para ter noticia do que occorrid.
O Correio Brasiliense duruQ d^sde Junbo de 1808 até
1822, sahineloàiuz Yiole eoito volumes pelo menos; ape-
zar de proliibido algmn U mpo no Rio de Janeiro, crâ lido
sera reserva ate no próprio paço do rei» e, como jà dis-
semos, foi mais tarde francamenlc admitlido, sendo por-
mittida a sua venda e leitura. Mas em Portugal foi vedada
mais de uma vez a circulação d'esLe perioilico ; a pri-
meira proUíbirao foi em 17 de Selerabro de 18H, a
segunda em '2 de Março deíSláe a terceira em iS de
ilunho de I8i7,
Era redactor do Carrdú Brmiliense o erudito brasi-
leiro Hyppolito José Soares da Costa, que manifestou com
á publicação d* essa revista mensal seu elevado ta-
lento e variada instrucção, e advogou toda e qualquer idéa
que parecia utit ao Brasil, concorrendo doesse modo para
o engrandecimento e prosperidaíle de sua palria*
Nasceu Hyppolito José Soares da Costa na cohnia do
S;icramento em 13 de Agosto do I77i ; exerceu em
Portugal diversos empregos quo divulgaram sua inlelli-
gencia; porém, perseguido pela inquisição, foi pira Lon-
dres» onde dedicou-se ao ensino de linguas estrangeiras,
em que era versado, ecollaborou em liivei^osjornaesin-
glezes. Fundou em ISOíiS a revista em portuguez intitulada
iCorreia Brtmlien&e, Proclamada a independência^ foi cha-
mado pelo primeiro imperador para occupar empregos
no Brasil, porém o hábil escríptor nao qaiz abandonar
a Inglaterra, e lã m<^smo recebeu do imperador do Bra-
sil honras g uma pensão pecuniária, que lha íoi paga
até 1 r de Setembro de 1823, èpochad'^ sua morte.
Já expendemos tfS motivos da publicação de periódicos
nos paizes estrangeiros, porém ouçamos o que diz Hyp-
polito da t^>sla a esto respuito :
— tm -
^A diflSculdade de publiar obras periódicas no Brasil,
jà pela censura prévia, já pelo perigo a que os redactotí^s
se exporiam fallando livremente das acções dos homens
poderosos, íez cogitar o expediente de imprimir seme-
lhantes obras em paizes estrangeiros. A França e a In-
glaterra furam principalmente os pontos de reunião d*e&-
sas publicações desde a épocha em que a íaigiiia real pas-
sou a ter a sua residência no Rio de Janeiro- Aberlo
este canal, pôde dizer-se que se estabeleceu a liberdade
de imprimir para o Brasil, poslo que nâo no Brasil »
O Investigador Portugwz appareceu era Junlio de !8I I e
findou em Fevereiro de 1819, contando no Mo noventa e
dois números em cadernos mensaes ; foi fundado pelo
Dr. Bernardo José de Abrantes e Castro, que associou-se
com o Dr. Vicente Pedro Nolasco Pereira da Cunha e com
o Dr. Castro^ brasileijo, formado na universidade de
Edimburgí). Foi publicado o periódico sob os auspicies do
condo de Funchal, eu tão embaixador na corte de Londres»
que alcançou para esta publicação o subsidio annuat de
cento e tantas subscripções equivalentes â somma de mil
e sessenta francos pagos pelo governo do Uio de Janeiro,
que mantinha em Londres esse jornal para combater as
doutrinas do Cofreio Rrasilmue, até certo ponlo hostis à.
Portugal. Em 1814 passou a redacção do Investigadora
José liberalo Freire de Carvalho, que pouco e pouco foi se
afastando da influencia do conde de Funchal e dando ao
periódico côr mais liberal j então suspendeu o governo do
Rio a pensão, mas apczar disto viveu o periódico até I8f 9.
Supprimidri a publicação n*ess6 auno receberam os Drs*
Castro e Nolasco 400^000 cada um do governo do Uio de
Janeiro.
Tornon-se notável este periódico não só pelos seas arti-
gos políticos, senão pelo quadro synoptico que apreseulavaj
— i83 —
cada anoG descrê vendo a situação das diversos paizes da
Europa-
Efu 1808 puhlictíu José da Silva Lisboa um opúsculo tio
Bio de Janeiro, inlilulado Observações sobre a abertura dos
portos do Brasil; lambem foram publicados alguns ser-
mões de vários pregadores.
Em l8lo ap[>areceram impressos os irabalhos de Silva
Lisboa iíitimlados Observações sobre a franqueza das fabricas
e hidiisíria^ e Refutações das declamações contra o com^
ímrciú ingkz.
Silva Belforl publicou o Roteiro da cidade do Maranhão
ao fíio dê Janeiro ; e appareceram oulros folhelos.
Em 181 1 imprimiu Oliveira Bastos o Roteiro da cidtuk
de Santa Maria de Belém do Grão Pará pelo rio Tocanlim;
e, além desta obra, sah iram da imprensa régia diversos
alvarás ; a novella Choupana índia ; Opesperlador ou
único meio de salvar a Ilespanha, obra iú um patriota 1h!S-
panliol^ traduzida em porlugucz ; VeMal, Iragediu ; Sur-
riada a Masseno; Nova Castro, tragedia ; Paulo e Ytrginia
íiovella ; OCorso^ composição poética cm oitava rima;
O Uruguay, poema de José Basílio da Gama ; O Comorcio
das Ftíres por Bocage, e carta pastoral do Exm. e Rcvm.
bispo capellão mor de 8 de Abril de 18H sobre a despensa
de vários dias santos.
Havendo uma sò lypograpbia e começando a aflluir
muiio trabalho para essa oíficina, construiu se um prelo de
madeirame para perpetuar a lembrança d'esla obra impri-
miu-seum quadro com o seguinte dislico : « A* immorta-
lidade do real e sempre augusto nome do Priíieipe Regente
Nosso Senhor é dedicada a eslréa du primeiro prelo cons-
Iruido na America do Sul, no Rio Ue Janeiro, no annode
MDCCCrx. «
Sâhiramda imprensa régia em 1812 as seguintes obras:
- 1» —
M lUm. e Exm, Sr. eomie de lânhmtê^ por
Doel Ferreira de Áruijo Gaimaries ; ElemaUm de i
por U-Croix tnidiBidos em portogoex por ordeB de S. A. 1^
por Fnuiciseo Cordeiro da Sílfa Torres ; Em
pengmda$9qinMmra$dõnêrod4ttcUkídê$ênmte^
por J. C. P.; PkOoiopho por amar^ oo Carioê dê doU mmmm
ie$ apaixonadoã e virtuotOÊ^ dois Yolomes ; Epieeàiú á dl»-
phnvdfnarUdo Sermiãtimo Sr. Infiàníe D. Pedro Cmrim
de Bourbon e Bragança^ almiranie general junio d real jMt-
Moa do Príncipe Regente Nono Senhor^ por Paolino Joaqwfli
Leitio ; Obeervações sobre o cravo da índia ; Obeerrmçèm
eobreocapim da Angola, nUimamenle traâdo e cnlU^do
no Rio de Janeiro ; Plano de organieação de wmieseofaiflM-
dico-cirurgica qae por ordem de S. A. R. tracon e esorefea
o Dr. Vicente Navarro de Andrade; Patrioíitmo
por Ofídio Saraiva de Carvalho e Silva; oe Jardine,
por Bocage, e diversos alvarás, decretos e avisos.
Em Janeiro de ISlScomecon Manoel Ferreira de Aruqo
Guimarães a publicar nma revista de cem paginas em pe*
queno formato intitulada O Patriota. Durou este periódico
pouco mais de um aono, e bons serviços prestou ao paiz,
apresentando em suas paginas noticias curiosas e memorias
interessantes ; collaborarâm para esta revista Domingos
Borges de Barros, depois Visconde da Pedra Branca, Dr.
Bernardino António Gomes, Bento da Fonseca, Dr. Godoy
Torres, Diniz e outros lilteralosda épocha. Está estampada
no Patriota uma memoria sobre o descobrimento da co-
xonilha no Brasil escripta por um dos irmãos Paiva, e
apresentada no tempo do marquez de Lavradio á Acade-
mia Scientiíica do Rio de Janeiro.
Foi impressa em 1813 a obra de Silvestre Pinheiro Fer-
reira intitulada Prelecções philosophicas sobre a theoria do
discurso e da linguagem. Ja nSto era pouco paraoRiode
— 185 -
Janeiro este movimento litterario, quando até entSo nada
houvera, e nem de Portugal se remeltia cousa valiosa, ape-
nas a folhinha de cada anno, o livro de Carlos Magno, ou o
Almocreve de Petas. Mas não nos admiremos d'essa antiga
pobreza lilleraria do Rio de Janeiro, pois até 1800 era a
Gazeta de Lisboa o unico jornal politico que se imprimia
em Portugal.
Appareceu impressa no Rio de Janeiro em 1817 a im-
portante obra de Ayres do Casal Corographia Brasílica, qu6
eminente serviço prestou à geographia pátria tornando
mais conhecidos o território, os productos e a riqueza do
Brasil.
Em 1819 imprimiu-se o poema Assumpção, de frei Fran-
cisco de S. Carlos.
No anno seguinte monsenhor Pizarro deu á estampa a
obra Memorias Históricas do Rio de Janeiro e das provin-
das annexa^ djurisdicção do vice-rei do Estado do Brasil^
dedicadas ao rei D. João VI.
Para engrandecer a pátria tratou o auctor de resuscitar
da obscuridade muitos factos, cuja notícia era ignorada. O
monsenhor José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo perten-
ceu à Arcádia ultramarina.
Repercutiu no Brasil o movimento constitucional que
appareceu em 1820 era Portugal, produziu agitação no es-
pirito publico ; despertando o povo do estado de apalhia
e lethargo em que vivia submergido, saudou com enthu-
siasmo as idéas novas de constituição e liberdade que par-
tiam do outro lado do Atlântico. Novos órgãos se fizeraih
ouvir na imprensa, havendo em 1821 os seguintes periódi-
cos;— Amigo do Rei e da Nação — Sabbatina Familiar —
Patriota — Conciliador do Reino Unido — Constitíicional —
EspeltiO-^Reverbero — Malagueta.
El-rei haviase retirado para Portugal, deixando ao prin-
TOMO XXIX, p. II. 24
— 186 —
cipe real D. Pedro a dignidade e as atlríbuições de regente
do Bfasil.
Nascera n'aquelle anno o Otário c/o iliocte Janeiro, im-
presso na typographia régia, cm mão papel almaço e em
formato de 4%* fora creado por Zeferino Victor de Meírelles,
que obteve do principe regente D. Pedro a permissão de
imprimir o seu periódico, durante s^ismezes, na imprensa
nacional ; e findo o prazo estabeleceu Victor de Meirelies
uma typograpbia na rua dos Barbonos n. 72. Foi esta a
segunda typographia creada no Rio de Janeiro. Foi o Diá-
rio do Rio de Janeiro o primeiro periodicoque se occupou
em publicar annuncios e noticias locaes ; pois, até então,
quando se tinha de annunciar qualquer cousa ou novidade*
pregava-se o annuncío manuscripto nas esquinas das ruas
ou nas portas das igrejas, ou apregoava-se pelas ruas o que
se queria vender, alugar ou comprar. Custava o Diário do
Rio quatrocentos e oitenta réis por mez, e era publicado
todos os dias, menos aos domingos, vindo cada numero a
valer vinte réis, e por isso recebeu o periódico o nome de
hlario do Vinlein, (jue lhe dava o povo ; assim como o de
l)i.irio da Maiílci^M, porque foi o primeiro jornal que oc-
cupiMi se em publicar o preço dos géneros e outras noti-
cias particulares.
Victor de Meirelies, que creára no paiz um jornal diário
e útil ao commercio c â economia domestica, soiTreu grave
perigo por causa d'um annuncio que appareceu na sua fo-
lha. Conservando um individuo de familia importante a
sua filha em cárcere privado, veiu no Diário ura annuncio
denunciando esse crime ; no dia seguinte, ao abrir a porta
da officina, recebeu Meirelies um tiro na face, que o dei-
xou ferido ; porém restabeleceu-se, vindo a fallecer algum
tempo depois.
Por aviso de.28 de Agosto de 1821 ordenou o principe
— 187 —
* regente D. Pedro que cessasse n revisão prévia das obras
tque se impriraisseni, ficando este objecto regulado pelo
fque a este respeito tinlia esbbelecido e decretado as cortes
fgeraeSt exlraordinarias e constituintes da nação.
Em coasequenciâ d*esse aviso e do art 6*^ da lei do regu-
^ lamento da iiiiprensa, que delerininavaqne por Iodas as
obras impressas nos Estados portuguezes» no caso de abuso,
fossem responsáveis os auctores ou editores, e na falta
jd'estes os impressorBS, publicou ajunta directora da im-
prensa régia, no l'' de Setembro de 1821» uma declaração
fazendo ver ao administrador d'aquella officina que não
fizesse imprimir manuscripto ou impresso algum que oão
viesse assignado pelo auctor ou editor, sendo o nome reco-
nhecido pelo labellião pubíicoí declarando este ter visto
fazer a dita assignatura.
DâQdo-se diversos abusos de liberdade de imprensa, foi
publicada em 15 de Janeiro de 1822 a seguinte portaria :
4( Manda S, A, Real o príncipe regente peia secretaria de
estado dos negócios do reino que a juni* directora da ly-
pogruptíia nacional nâo consinta jamais que se imprima es-
jcripio algum sem que o nome da pijssoa que deve respnii-
f^der pelo seu conteúdo se publique no impresso; e con-
stando ao mesmo senhor que no escriplo intitulado Heroir-
cidftde Brasileira se lêm proposições não sò indiscretas mas
falsas, em que se acham estranhamente alterados os succes-
sos ultimamente acontecidos, ha por bem que a referida
junta suspenda já a publicação do dito papel e faça reco-
lher os exemplares que jà estiverem impressos, para que
nâo continue a sua circulação. Palácio do Rio de Janeiro,
em 13 de Janeiro de t&i'i.— Francisco José Vidra.
Ko dia seguinte era nomeado ministro do reino e de es-
^trangeiroso illustrebraf:ileiro José Bonifácio de Andrada e
— Ite —
Silra. Cm dos primeiros a»:tos 4o míoislro foi a porurâ
seg jint« :
« Porqiiaotj rili^ank espirítij mal inteocioDailo po^ierli ia-
ierpreur a portaria eipe^liJa em 15 do corrente peU se-
cretaria de estado dos Deg«^i>>s do reino á jqqu directoria
da typogidphía oicioDal ero sentido int^iramenle cootrario
aos lí^le^ali3sim^JS princípios de S. A. R. e á sua constante
adhesãoao STstemaconstítacLonal, manda o príncipe re-
gente pela mesma secretaria de estado declarar à referída
jnnta que não d^ve embararar a impressão dos escríptos
anonymos, pois peKiS abusos que contiverem deve respon-
der o anctor, ainda que o seu nome não tenha sido publi-
cado, e na falta d^est^^ o edit jr ou impressor, como se acha
prescrípto na lei que regula a liberdade de imprensa. Pa-
lácio do Rio de J «neiro em 19 de Janeiro de 18*2. — Jo$é
Bonifácio de Andrada e Silva.i^
Tendo por presidente a José Clemente Pereira, dirigiu o
senado da camará a S. A. R. em i de Fevereiro a carta se-
guinte, representando a necessidade de porem execução a
lei de liberdade de imprensa :
« O sonado da Ciiraara dN^sla cidade com os hom^^ns b ins
que tem andado na sua g )vernança, considerando que a li-
berdade absoluta da imprensa, no estado em que actual-
mente se acha, deve vir a degenerar em abusos terríveis,
que podem perturbar o socego publico da nação e o parti-
cular de cada um dos seus cidadãos, roga a S. A. R. que
haja p<jr bem mandar pòr era execução a lei de liberdade
de iraprensi n'esta cidade, aonde a crearão do juizo dos
jurados parece exequível sem inconveniente, altenla a
muita população de que se compõe e as muitas luzes que jâ
possue. 1). (i. a preciosa vida de S. A. R. Rio de Janeiro,
em vereação extraordinária de 4 de Fevereiro de 1822. >►
Permittira a portaría de José Bonifácio muita liberdade
- 189 —
na imprensa, e, receiando que se tornasse mais livre e ve-
hemente a linguagem dos periódicos, tratava o senado da
camará de cohibir os abusos que pudessem apparecer ; e
eram bem fundados os receios d'aquêlla corporação, como
maisUirde veremos.
Pedindo a camará que se executasse a lei de liberdade de
imprensa prestava um serviço ao paiz ; e n*aquelle anno
assignalou-se a municipalidade pelo amor e dedicação que
manifestou pela causa publica. Em ') de Janeiro prestara
essa corporação relevante serviço conseguindo que o prín-
cipe regente ficasse no Brasil ; em 23 de Maio pediu ao
príncipe, em nome do povo, que mandasse convocar na
corte uma assembléa geral das províncias do Brasil ; dois
annos depois supplicou ao imperador marcasse dia e hora
para se jurar a constituição; e alcançou tudo; a liberdade, a
monarchia separada de Portugal e por fim a constituição.
, Em 1822, n'esse anno de enthusiasmo, de patriotismo,
do vida e de gloria para o Brasil sahiram dos prelos diversos
periódicos pugnando pela liberdade e pelo futuro da pátria.
Estes periódicos foram os seguintes . — Kagviiador Bra-
nUico-Lmo — Republicano Liberal — Papar aio — Annaes
Fluminenses— Volantim — Periquito da Serra dos Órgãos
— Macaco Brasileiro -— Reclamação do BrasU^Correio do
Rio de Janeiro Semanário Civico— Memo/ial Apologético
-^Compilador Constitucional.
Imprimiram-se na typographia do /)iari}(io Aio diver-
sos hymnos patrióticos.
Usavam esses periódicos e os que m 3ncioi làmos em 1824
de uma linguagem exaltada e vehemente; inflammados os
espíritos com as idéas de liberdade e independência, não
mediam o excesso da linguagem e, receiando que d'essa
agitação da imprensa resultasse alguma explosão, andava
— 490 -
acertada a camará pedindo ao príncipe r^ente pnzesse
em execução a lei de liberdade de imprensa.
Foi transferida em 1822 a typographia nacional da ma
dos Barbonos para o sobrado occupado actualmente pela
secretaria da justiça.
A' Gazeta do Rio, publicada até 1821 « substituiu o Diário
do Governo, que appareceu em 1823.
Foi publicada n'este anno uma lei de liberdade de im-
prensa assignada por José António da Silva Maia, Bernardo
José da Gama, Estevão Ribeiro de Rezende, José Teixeira
da Fonseca Vasconcellos e J(^ão António Rodrigues de Car-
valho ; muitas disposições d'essa lei ainda se acham em
execução.
Eis a lista dos periódicos d'aquelle anno : — Diá-
rio do Governo — Espelho — Regulador BrasUico-Luso —
Malagueta^ Sylpho-- Semanário Mercantil — Tamayo —
Diário do Commerció — Diário da Assembléa Geral e Cons-
tituinte do Brasil — Brasileiro Resoluto-^ Estreita Brasileira
— Diário do Rio de Janeiro,
Híivia na cidade em 1824 cinco typographias, a nacional
e quiilro parliculares. Em 21 de Maio d'esse anno passou
o Diário do Gorerno a denominar- se /Jíarío F/umtnerwe;
e além dos periódicos do anno antecedente appareceram os
que se seguem : — Folha Mercantil— Caboclo — Despertador
Constitucional — Diário Fluminense-- Spectador Brasileiro,
l^óde-se dizer que foi iraqnelle anno que nasceu oJorfial
do Commerció, considerado hoje como a primeira folha diá-
ria do império.
Empreliendeu em 1824 o francez Emilio Seignot Plan-
cher, dono de uma lypographia sila na rua do Ouvidor
n. 20H, a publicação do Spectador Brasileiro, periódico
noticioso, que apparecia ires vezes na semana, lornando-se,
porém, diário quando trabalhava a assembléa legislativa.
- 191 -
O periódico dt3 Emiiio Plancher foi recebido com benevo-
lência pelo publico,o que animou o editor que do anno para
anrio foi aparreiçoando asiia folliavCada vez mais procurada e
appreciadadoslíiilores ; em 1827 deu-lbe Kmilio Plancher
o titulo de Jornal do Comm&rcio^ cuja empreza foi prospe-
rando conseculivaraente* Em 1833 era augmenlado o for-
mato da folha, cinco annos depois recebia novo augraenlo»
e assim prugressivamenteí e d'esstí modo o periódico que a
principio era do tamanho de uma folíia de papel almaço de
marca vulgar com duas coiumnas <le impressão consta hoje
áé oito columnas em cada pagina, lendo, quanJo aberto,
inais de uma vara de largura. E* o joroal mais lido do impé-
rio, possuo quasi treze mil assignantes, e nao sò em for-
mado como em variedade e interesse das matérias contidas
tjm trinta e tlua^ coluranas de duzentas e cincoenta seis a
tlu2^!ntas e sessenta linhas cada uma, senão em correcção e
nitidez do impressão, pôde competir com os mais acredita-
dos jornaes da França e Inglaterra, Imprime-se na typo-
graphia imperial e cijn>litucional de Villenenve e Comp*, i
rua do Ouvidor n. 65,
Em 1823, além dos periódicos que já pxisliam, como o
DesperUdor Constitucional ^ ú Speçtador BrnnMro^ o Diá-
rio do Rio de Jan&irOf O Diariõ do Cofnrmrcio^ o Semanário
Mm*canlU e a Malagueta, appareceram o Grilo da Nação 6
o Diário Mercantil íle 18â5 a 18â7-
Pôde acontecer que, mencionando os periódicos de cada
anno, haja id<^uma lacuna da nrjssa parte, pois nao e\islÍndo
relação completa d^elles facil é comprehender o engano, a
confusão em que póile cahir quem pida primeira sez
empreUendeu este trabalbo.
Havia em 1826 os periódicos seguintes: — Verdatleiro Li-
beral— A tala i a da Liberdade —* Sello Hminetico — Unimr -
sid de 1826 a 1841 — Otário da Cornara dos Deputados d$
18*26 a 1841 — Spectador Brarileiro — Diário do Hio de
Janeiro — Diário Fl/uminense — Malagueta'^ Asíréa.
Viveu a Aslréa até 1832, e grande influencia exerceu
sobre a politica da <' pecha.
A Malagueta, que também teve grande aceitação foi pu-
blicada até 1829 ; redigiram estes periódicos os deputados
António José do Am irai, José Joaquim Vieira Souto e Luiz
Augusto Mayer.
Contavam-S() em 1827 cinco typographías : a imprensa
nacional, a de Plancher, do Diário, do Mercantil, da Àe-
iréa e a de Torres.
Em 21 de Dezembro sahiu da typograpbia do Diário,
sob a redacçã< de três brasileiros, a Aurora Flumineneef
que nos primeiros m:3zcs de sua creaçao foi um jornal scien-
tifico-litterariu, ainda que por sua independência a respeito
dos partidos existentes, fosse considerado como adverso
por todos. Antes de findar o anno de 1828 tomou a Aurora^
sob a redacção de tvaristo Ferreira da Veiga, um caracter
positivo e terminante Tnzendo opposiçao ao governo; e
pelas doulrin; s liberaes professadas pelo seu redaclor com
moderação e bom senso polilico, o quefczdar ao parlido
de que era orgâo a denominação de moderado, mereceu
este periódico a aceitação publica. Em vez de divagações
indiscretas e insulsas,que pejavam as paginas dos periódicos
da épocha, iia-se n'aquelle jornal uma linguagem expressiva
porrm comedida, uma ironia frisanli?, porém branda, pre-
cisão e lluidez no estylo, belleza e riqueza du idéas ; trazia
como estribilho a seguinte quadra composta pelo Sr.
D. Pedro I :
Pelo Brasil dar a vida,
Manter a constituição,
Sustentar a independência,
E* a nossa obrigação.
- i«n —
obteve Evaristo grande influencia cora a publicação de
seu perioilico, que lambem grangeou-the inimi}í»»s, ten-
tamlo estes a^^assiníil-o na noile rie 8 de Novt^mhro de
483á» estando em casa do seu irmão com alguns Simigos i
mas o liro de pistola apenas feriu o publicista no rosto-
Pouco ante* outro hábil escripior, o redactor da Malagjieta^
soffrêra um insulto na rua do Cirmo, esquina da da Assem-
bléa.
Não devem sorprender esles factos ; em um paiz novo»
pouco illusLrado, comprehende-se a influencia que deviam
exercer as folhas periódica!^, que ódios não despt^rLariam
usando I quasi todas, de linguagem exaltada, violenta, ex-
citando o enthusiasmo dos parUíl<fS, e esforçando se por
defender as facções de que caila uma era órgão.
Cessou Evaristo, em Dezembro de 183 , cora a publica-
ção ria Aurora^ e guardou siit^nciu ua imprensa e na camará,
onde segunda vez o coUocaram ns votos da província de
Minas. Estaria exhausLo de forças o fílbo da tm;*rLUisa, o
representante da política, ou tão negro se moslravao fultiro
do pãiz que o atleta recuava ! Nâo certamente; síu p^ilrio-
tismo era igual ao seu tdento, que muilu era; porém de
verdade era grave a situação do pjiz, principalmente para
elle que ou linha de guerrear seu antigo companheiro o
regente Feijòj ou desprezar os destinos da pátria; e n*essa
luta^ito dever e da amizade, da razão c do cora-lo, Eva-
rislo!>uccumbiu: em 1-2 de Maio de 1837 falleceu o illustre
pubIJcislaf iisendo sepultado na igreja du S. Franciseo de
Paula,
Em 1827^ om que se crearam as duas academiaft de scien^
cias juridicas e sociaes que possue o império, existinm os
periódicos s*^guinles : Espelha DiamantinQ--}nfíepende7iÍ€
— VEcko de UÁmérique — Malagueta — Áslréa — Luz
Brasileira — Diário Fluminmise — Jornal do Commerdo
TOMO XXI f* F. M. 2S
— Wi —
-^Analysta — Awrota Fluminense ^^CouMer du Br^Êêíl^
Diário do Rio.
Imprimiu-se D'esle anno a memoria de José da '^ilya
Lisboa, que tem por tilulo : Leituras de economia pnlilica.
Os periódicos do anno sejíulnle eram : Malagueta —
As^éa — Luz Brasileira — Aurora Fluminense — Diário
Fluminense— Jornal do Commercio — Analysta — Honra
do Brasil — Censor Brasileiro — Atalaia — Revista Sema'^
naria — Courrier du Brésil — Diário do Rio.
Appareceu a memoria de José da Silva Lisboa intitulada :
— Causa da religião e disciplina ecclesiastica do cdibaitf
clerical.
Havia em 1829 sete typograpliias, e, além dos periódicos
que existiam, appareceram os seguintes : — Correio — Voz
Fluminense — Amigo do Povo^Nova Luz Brasileira.
Sahiu dos prelos a memoria de José da Silva Lisboa que
tem por titulo : Historia dos principaes successos polUicos
do Brasil.
Chegamos a uma épocha de exattaçâo,de agitação politica;
os partidos lutam na imprensa, e ó vohemente e imprópria
a linguagem de que se servem ; muitos periódicos Iransfor-
mam-se em pasquins ; não ba resguardo noslermos ; os
nomes apparecem estendidamente; as baldas publicas e se-
cretas, os defeitos involuntários, os do corpo e os de gera-
ção tudo fica patente.
Na falia com que o Sr. D. Pedro I abriu a primeira ses-
são da segunda legislatura do império, em 3 de Maio de
1830, lêm-se e^as palavras :
« Vigilante e empenhado em manter a boa ordem, è ào
meu mais rigoroso dever lembrar -vos a necessidade de re-
primir por meios legaes o abuso que contínua a fazer-se da
liberdade da imprensa em todo o império. Senelhaota
— i95 -
abuso ameaça grandes males ; a assembléa cumpre &f i-
lal-os, »
Produziram estas palavras do imperador discussão no
senado, tomando parle nella os senadores Alves Branco»
Vergueiro e outros.
Armitage, explicando o excesso da imprensa diz ; <a Os
jòrnaes miiiisteriaes eram pelo menos tão reprehensiveis
como os seus antagonistas ; costumavam advogar nâo 0Ò
doutrinas contrarias ao sentido da conslitui^o, como lan-
i^fir gros ciros e rcpe tidos insultos a quasi todos os raem-
eiros daopposiçào.
Diversas causas explicam o deícomediraento da imprensa
d^easa épochaj era o governo considerado regres^sla, estava
sem prestigio; irritado contra os inãulll^s da opposíção,
mostrava* se viotenlo na imprensa ; em vez de appMcar com
sabedoria e tino a imprensa para dirigir a opinião putdica
e promover o adiantamento intellectual do povo, servia-se
d*ella pura ferir os seus contrários e perdèl-os no conceito
publico. Julgando compromnttidos os principios demo-
cralicfjs, e corrompido o governo, se exaltava a oppo*
sição, e iudo isso explica aapparição d'esses periódicos
yehemente% iu^ulluos s lembramio re|tresalias, excitando
o patriotismo e tratando de augmentar o ardor, a lula dos
partidos» luta que mui breve devia trazer grande mudancâ
à politica do paiz.
Eis os periíídicos que nasceram em IS30 : — Sagi-
tário — Tribuno do Povo — Pertlampo Popular — Cam-
peão Brasileiro — Observador das Galerias da ÁssmnbUa
Geral— Hepabiko — Verdadeiro Patriota — Bras^ileiro Im-
parcial— Estpetho da Justiça,
Publicou-se n'este anno a seguinte lei, que extinguiu a
junta directora da typograpbia nacional :
— i96 -
« D. Pedro» por graça de Deas e unanime acclamação dos
povos, ele.
Art. i.** Fica extincla a junta da direcção da typograpbia
nacional, creada pelo decreto de 13 de Maio de 1808 e ins-
trucções de 24 de Junho do mesmo anno e 17 de Feve-
reiro do 1816.
« Ârt. 2/ A typographia nacional será administrada por
um director, que vencerá o ordenado annual de 80OJO00
e mais uma gratificação de 5 ""lo do rendimento liquido da
oíQcina, a qual cessará não sendo annualmente decreta-
da, s >gundo os mteresses do estabelecimento; por um ad-
ministrador que terá asi^u cargo a guarda e asseio do esta-
belecimento e o pagamento dos operários, e vencerá o cr-
denido de 7503^)00, e por um guarda-1 vros que fará toda
aescripturaçio necessária e vencerá o ordenado de 6«K)S.
« Art. S.*" Os empregados de que trata o artigo antece-
dente si^o do commissâo, e o director ficará n-sponsavel
pelos erros de typographia que apparecerem nas leis que
imprimirem, fazendo-se a reimpressão á sua custa.
« Art. 4.^* As pessoas que se occuparem no trabalho da
typogriíphia nacional ou no das particulares ficam isentas
de todo serviço militar.
a Art. 3.° Os impressos da typographia nacional não se
darão graliiilamente a pi^ssoi alguma. Excepluam-se: !•, os
que pertencerem ás camarás legislativas, os quaes serão
remellidos a cada uma de suas secretari.is; 2% os que deve-
rem reparti r-sc |)elas estações e auctoridadcs publicas, que
serão remetlidos á secretaria de Lstado a que competir a
sua distribuição ; 3% os que deverem, na conformidade da
lei, enviar-se ao promotor do jury.
a Art. 6.^ Ficam revogadas todas as leis, alvarás, decretos
e mais disposições em contrario. Mandamos, portanto, a
todas as auctoridadcs, a quem o conhecimento e execução da
— 197 —
referida lei pertencer, que a cumpram e fâçam cumprir e
guardar Ião iDleiramente como n' tília se coatém. O secre-
tarin dtí Eslatlo dus negócios da fazenda a faça imprimir,
publicar tj correr, Dadi no palácio do Rio de Janeiro, em 8
de Dtzembro de 1830, 9" da independência e do império.
Imperadi>r, com rubrica e guarda.— .í ntonio Francvíca do
PaiUu ds Hoilaada Cavalcanti íle Albuquerqm, »
O primeiro director da ty|iograpliia nacional foi o có-
nego Januário da Cunha Barbosa, e o segundo o Dr. Fran-
cisco Clirispiniano Valdelaro-
k exiítaç^o dairapreiísanaoârreffiCíUp arjtes augmentou
em I83K A noticia da revolução franceza de 1830 exa-
cerbara os ânimos, que mais cxaUados se mostraram depois
dos acontecimentos de 7 de Abril de 1831 ; lornou-seo
estylo da imprensa periódica íusuUuoso edeshonesto; a
critica ferina e a salyra mordente nada respeitavam, nem
o nascimento, nem a posição, nem a jerarcliia, nem a mo-
déstia, nem a virtude; o joru^lismo aberrou da soa instí'
tuiçio^ esqueceu seus deveres, e transformou-se em pe-
lourinho^ onde se expunha â zombaria ila tnuilídão a repu-
tação % a vila pariicuian^s, o que havia de mais serio e gra-
fe ; a honra, o pundonor, a dignidade, o mérito, tudo foi
Sacrificado ao furor, ao desespero dos partidos poli ticos.
Appareceram n'Dqaí^na é[í0cha us periódicos seguinies :
— Seíe de Abril — Brasileiro Offcndidú — Americano — Brasi-
Í6tro Vigiianis-^tarim da Litíerãade ^Espelho da Jvstíça
'^Independenle^Jurujuba dos Farroiipílhas- Lycéo Libe-
ral-^Moderadõr-^ Filho da Terra ^Eíípdka dos Brasileiros
—Regmherador do Brasil^ fíccopilador — Dois Compadres
Hheram-^DouiÁor Tira-teinms — Novo Brasilmro Imparcial
— NoríQ Conciliador — Novo Censor — Cúrias ao Povo — Nar-
çisú - Filho do Simplício^Bussola da Liberdade— Medico
dm Malucos — Simplicio RifforisUi — Simplioio^Semafyxrio
— 188 —
Politico — Buscapé — Voz da Liberdade^ VdhoCasamerUeiro
— Patriota Brasileiro — Enfermeiro dos DoípIos Defensor
da Liberdade — Mensageiro — 'Constitucional — Regente —
Verdadeira Mãi do Simplício — Voz da Razão^Veterano —
Exaltado --iV atraca dos Farroupilhas — Correio da Con
mara dos Deputados — Voz Fluminense^O Grito da Pátria
contra os Anarchistas — O Homem e a America.
O Simplicioy jornal critico-liIlíTario, teve muita aceita-
ção do publico ; foi publicado o primeiro numero em 8 de
Janeiro de 1831 na lypographia da i4«/r^; trazia como
epigraphe o seguinte estribilho: a Nem um camarãosínho
escapará pelas malhas da minha rede. » Procuraram muitos
periódicos, em épochas diversas, imitar o estyio faceto d*a-
quclle avulso, eaté tomaram-lhe o nome, denominando-se:
O Simplício Velho ^ O Simplício da Roça^ O Simplício An-
tigo, O Simplicio Rigorista, A Verdadeira Mãi do Simpli-
cio, o Filho do SimpliciOf O Novo Simplicio Poeta e A
Mulher do Simplicio.
A academia de medicina, fundada em 30 de Junho de
1829, com o litulo de sociedade de medicina, começou, em
3 d(^ Janeiro de 1831, a publicação do Semaiiario de Saudai
Publica, que appareceu ale ITi d»» Junho de 1833. No mez
de Abrilde 183o conlinu ni a academia com o s»'U periódico,
que rcccbí^u o liiulo d • Revista Medica Fluminense ; porém
em Maio de 1841 lomou esse jornal, sob a redacção <Io Dr.
Emilio Joaquim da Silva Maia, a denominação de Revista
Medica Brasileira, e assim continuou até Junho de 1843,
épocha em que, redigido pelo Dr. Francisco de Paula (ban-
dido, teve o titulo di' Annaes dr Medicina Brasiliense, e por
fim o de Annaes Brasiliemes de Medicina, que ainda hoje
conserva.
Foi transferida em 1831 para algumas salas do palácio
da academia das bellas-artes a lypographia nacional» e alli
— mi —
permaneceu ale 23 de Abril de i836, o que foi prejadicial
à academia das ht/llas-arles e à lypographia; àítcademia
porque, uccupãdas as salas Cõm ns prelos e as caixas dos
compositores» nâo puderam as aulas fuaccionar livremeDle,
ú liverara os pintores de interromper seus lrabalht>s; e à
lypograpliia porque, collocados em salas estreitas os uten-
sílios da imprensa, difficd se tornara o trabalho, e os lypos, .
papeis e impressos ãcaranicoíifundidas e alguns inutilisa-
dos, E nao foram os pintores e compositores os únicos
artistas que sotTrerara n*essa épocha agitada e turbulenta
por que passava o paiz ; todos os músicos da capullii impe-
rial foram despedidos.
Diversas vt zes visitou o Sn D. Pedro I a typographia
nacional ; compareceu n*este estabeleci mento [lara man-
dar iiiiprimir o reconhecimento da independência do Bra-
sil pelo rei D, João VI, e em íutra occasião para ordenar ;i
pulílicição da carta constitucional, que concedera â nação
portugueza» exigindo o imperador que fosse feito o traba^
lho typographico s^b rígoru o sigillo*
Havia na corte em léSá oito typographias, e nasceram
H^esieanno os periódicos: Verdade — Cegarrega — Trom-
beki dúB FarroupiihtísSimpiicio da Baça — i*iloio — Fcr*
rabrthz — Pairíõía Bros t UirQ^Luzeiro Fl u m inmise — Bm-
sAeiro-^Bepiiblicano de SômprQviva — Echo da Crmara
dos Deputados — Mutuat — Gnto da Pátria — Republicano —
Conciliador Flumimme^^Ofneta—^SenUndla da LibcT"
dads,
Corríra agitada a sessão legislativa do anuo de Í81í3,nlo
sò pela iliscussão do projecto das ref{>rmas da constituição »
senão pela do projecto do banimento do ei-imperadur,
apresentado no dia 28 de Jutibo. Enviando o governo uma
mensagem à camará dos deputados deouticiaEdii vastoi
planos de uma supposta restauração, começou o partido
— ilKi -
dominante a praticar ej&cpssos contra os que denominava
reslaur idores ; tudo isso agitara ns ânimos e prpparàra as
scenas de, turbulência e anarclna que após se seguiram. Em
â de^ Dezembro percorre o povo as ru.is, pratica atlenladus,
e, dirigindo-so á praça de S Francisco ài* Paula, despe-
daça a illuminaçâo que resplandecia na frente da casa da
sociedade mililar 6SUbi!lecídii no preflio de dois and ires
d'aquellâ praça, occupadu acto^Imenle pelo Insliluto Ar-
tislico. •%
PubUcandu a sociedade milHar, no dia 5, um annuncio,'^
era que declarava que ia reuni r-sn para objecto de niuila
» cousideraçãOt começaram a propalar-se diversos boatos,
appareceram editaes excitando o povo, que, reunindo seno
largo de S* Francisco de Paula, invadiu a casa d'queila so-
ciedade» atirou os moveis à rua e praticou outros exci*ssos;
levado «le furor de momento, illndindo a vigilância dos jui-
zes de paz, flirigiu-se às lypogrnphias do Diarto da RiO e
Paraguassú^ a primeira âila na ru-í da Ajuda e a seguíida na
do Senhor dos Passos, c, arrombando as portas e janellas,
invadiu aquellts estabelecimentos, quebrou os prelos, mo*
veis e uten-ilios typographicos, espalhando i> lypn pela ma
e desíruindoos irapressíjs. Outros excessos for;ira pratica-
dos n'essa noite, o que obrigou o governo a reunir se im-
mediatamente, recommenttando a seguninça da cidade aos
Juizes de paz; e a publicar no dia seguinte uma procla-
mação pedindo ao povq moderação e confiança na adminis*
tração do paiz.
O desacato que soíTreu a typogrnphiadoDtflrtôobrigoti-a
a suspender o periódico por alguus dias, e só reappareceu
no dia i2 em mela follta de impressão.
Eis a iistí dos perioilicos que siliiram dos préb'S n^aquelle
a n n o : - Sei e dfí Setêt n bro ~ B urro M agro — Brás i leiro Pa rd^^
^BrasU Afflicío — Limão ds Chmro — Bahosa — Mca^mata—
— áQl —
Hospital Fluminense — Arca de Noé^Jiemtevi — Formiga —
Nacional — Restaurador — Mineiro no Rio de Janeiro --Mili''
t r — Mestre José — Loja de Belchior — Liberdade Legal— Meia
Cara —Caolho —Carioci-- Inferno — Idade de Pdo-— Homem
de Côr-^Guarda JSaciomd — Grito dos Opprimidos— Cabrito
— Cidadà€ Soldado — Andradista — Adoptivo — Esbarra —
Papeleta — Verdad£Íro Caramurú — Torre deBabel—Rus-
guentinho-^ Obras de Santa Engracia—Par de Tetas — Pa-
qíAete de Portugal — Tamoyo Constitucional — Iman — Torto
da Artilhma — Pedro II ,
A Socieda^lo Auxiliadora da Industria Nacional, fundada
«m 18á4, começou em 1833 a publicação mensal da sua
revista inlilulada: Auxiliador da Industria Nacional oucol-
lecçào de memorias c noticias interessantes aos fazendeiros^
artistas e classes industriosas do Brasil, Em Junho de 1846
appareceu a revista forinimdo uma nova serie sob o titulo
de Auxiliador da Industria Nacional^ e, não tendo até hoje
interrompido a sua publicação, bons serviços tem prestado
à industria do paiz.
Le-se na lei de 3 de Outubro de 1834 o seguinte arligo :
u Fica supprimido o emprego de director da typographia
nacional, passando suas .(Itribuições para o administrador
da mesma typographia, o qual lerá de ordenado 800?í000 e
4005!O00 de gralilicação, sem ouUo vencimento.
Era então administrador da typographia o Sr. Braz Antó-
nio Castriolo, que entrara para a imprensa régia como
aprendiz cm 23 de Abril de I8H (*).
Sahiram á luz cm 1834 os periódicos : —Mutuca Picante
(*) o Sr. Gaslrioto exerceu a arte de compositor até 26 de Setembro
de 1816;ucnu[)on successivamente os lugares de escrevente,apontador e
pagador, i>cndo nomeauo administrador em 27 de Outubro de 1823, (^
cm 2 de Dezembro de 1828 obteve o habito de Christo por serviços pres-
tados na